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Ação civil pública contra fotossensores

Ação civil pública contra fotossensores

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Excelente petição inicial de ação civil pública do Ministério Público do Mato Grosso do Sul contra o DETRAN e outros, apontando as diversas ilegalidades e deficiências técnicas dos "fotossensores" utilizados para aplicação de multas de trânsito. Naquele Estado, o MP já ingressou com diversas medidas administrativas e judiciais para solucionar o problema, que ainda permanece sem solução definitiva à vista. A peça a seguir resume de forma satisfatória todo o assunto. Além de abordar com destreza os motivos que levam à ilegalidade dos fotossensores, trata ainda de temas paralelos, como o cerceamento de defesa (obrigando o motorista a pagar a multa enquanto pende o julgamento do recurso), como ainda de temas específicos relativos àquele Estado (irregularidades na contratação da empresa fornecedora).

          Exmo. Senhor Juiz de Direito da ____ Vara da Fazenda Pública e Registros Públicos da Comarca de Campo Grande, MS:

          O Ministério Público do Estado de Mato Grosso Do Sul, representado pelos seus órgãos de execução, quais sejam: a Promotoria de Justiça dos Direitos Constitucionais do Cidadão, a Promotoria de Justiça de Proteção do Patrimônio Público e Social e a Promotoria de Justiça do Consumidor, no uso de suas atribuições previstas nos artigos 1º; 24, parágrafo 2º, e 26, inciso IV, letra "a", da Lei Complementar nº 072, de 18/1/94, e no artigo 1º, "A-3", letras "a", "b" e "c"; da Resolução Normativa nº 004/PGJ/97, de 29/4/97, da Procuradoria-Geral de Justiça, publicada no D. J. nº 4519, de 6/maio/97, páginas 54-56, e com fundamento no artigo 129, incisos II e III, da Constituição Federal; artigo 132, incisos II e III, da Constituição Estadual; artigo 25, inciso IV, da Lei Federal nº 8.625, de 12/2/93; artigos 1º, inciso IV; 3º; 5º, 11 e 21, todos da Lei Federal nº 7.347, de 24/7/85; e artigo 82, inciso I, da Lei Federal nº 8.078, de 11/setembro/90; e com supedâneo nos elementos fáticos, técnicos e jurídicos colhidos nos autos de Procedimento Administrativo nº 14/97/PJPPPPSF, que foi instaurado e tramitou pela Promotoria de Justiça de Proteção ao Patrimônio Público Social e Fundações, bem como nos autos de Inquérito Civil nº 11/98, que foi instaurado e tramitou pela Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos Constitucionais do Cidadão, doravante referendados, respectivamente, apenas como PA 14/97 e IC 11/98, promove a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA,

          com pedido de concessão de liminar, em face dos seguintes réus:

          1) Departamento de Trânsito do Estado de Mato Grosso do Sul - Detran,

          sediada em Campo Grande, ..............., na pessoa de seu representante legal;

          2) ................., ...............;

          3) Empresa ............, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CGC n° ..........., com sede em ................, na cidade de Fortaleza/CE, representada na forma do seu Contrato Social pelos sócios ........ e ..............;

          4) .........., ......... e

          5) .........., ........., ambos sócios da empresa .....; podendo ser encontrados na sede da empresa ........;

          6) ........, ........., atualmente exercendo a função de Diretor-Geral do Detran/MS, residente e domiciliado nesta Capital, podendo ser encontrado na sede do Detran/MS;

          7) Município de Campo Grande; sediada nesta Capital, na .........., na pessoa de seu representante legal;

          8) Município de Dourados, sediada na Cidade de Dourados, MS, na pessoa de seu representante legal, pelos motivos de fato e razões de direito a seguir expostos:


I. INTRÓITO:

          Com o fim de enriquecer de maneira fácil e ilícita, a custa dos proprietários de veículos do Estado de Mato Grosso do Sul, os sócios da Empresa ........... Ltda., em conluio com o então Diretor-Geral do Detran/MS, .........., fizeram instalar nas ruas de Campo Grande e de Dourados um equipamento de "auxílio do controle do trânsito", denominado olho-vivo ou fotossensor ou fotomulta, com o falso objetivo de, segundo os réus, educar os motoristas para cumprir as leis de trânsito e evitar, assim, acidentes.

          Cabe salientar que todos os atos que antecederam a instalação dos preditos equipamentos estão viciadas, a iniciar pela publicação do aviso de "licitação" até chegar ao contrato firmado.

          De pronto, a população percebeu os objetivos escusos que existiam por trás da iniciativa do Detran/MS e a imprensa começou a denunciar o que ficou conhecido como a "indústria de multas".

          Efetivamente, como não poderia deixar de ser, tendo em vista o objetivo principal do "negócio", como referendado acima, o que visava o referido equipamento eletrônico era gerar multas a qualquer custo e, por conseqüência, dividendos para o bolso de seus idealizadores.

          Várias providências foram tomadas para que fossem mitigados os efeitos maléficos desta artimanha sobre o bolso do cidadão. A saber: o Ministério Público instaurou um Inquérito Civil para apurar os fatos, houve publicação de lei estadual anistiando os motoristas que haviam sido penalizados naquele período. A Promotoria de Justiça de Proteção aos Direitos Constitucionais do Cidadão, em 28/11/97, propôs Ação Civil Pública, com pedido de liminar, com o fim de suspender o prazo de recolhimento das multas cujas notificações tivessem sido expedidas até que o equipamento fosse aferido pelo INMETRO. O Senhor Governador, ainda como candidato, prometeu, se eleito fosse, banir do Estado os fotossensores. Posteriormente, a Promotoria de Justiça dos Direitos Constitucionais do Cidadão instaurou um outro Inquérito Civil, o de n° 11/98; no bojo do qual foi elaborado uma perícia pelo CREA/MS, através da qual foram demonstradas novas irregularidades da conhecida "indústria de multas". Recentemente, foi promulgada pelo Presidente da Assembléia Legislativa a Lei n° 1.992, de 31 de agosto de 1999, que entrou em vigor em 1/09/99 e que tem por objetivo expurgar do Estado de Mato Grosso do Sul as lombadas eletrônicas e os fotossensores, anistiar todos os motoristas penalizados e devolver os valores pagos. Mais recente ainda, como anunciado pelo Correio do Estado do dia 7 de setembro de 1999, à página 5A, foi anunciado que o Prefeito de Dourados teria assinado decreto anistiando as multas aplicadas por fotossensor de 1º a 29 de setembro/99, período em que esteve em vigor a predita Lei estadual nº 1.992/99.

          Digno de nota é que várias ações individuais já foram propostas, com o fim de anular as multas originadas por fotossensor e obter a restituição dos valores pagos, sendo certo que as que já foram julgadas, foram providas. (cópia em anexo).

          Outro ponto fundamental da questão é o dever de informação que o Detran vem negando à população. Apesar de reconhecidas as lesões aos cidadãos e ao patrimônio público, o Detran não informou ainda o quanto foi arrecadado com as multas do fotossensor e qual foi o destino dado às verbas arrecadadas. Se colocando assim como Senhor absoluto da coisa pública e não como mero administrador que deve prestar conta de seus atos aos cidadãos. Afinal, todo Poder vem do povo e em seu nome deve ser exercido.

          Apesar das promessas de campanha, o Governador - orientado pelo atual Diretor-Geral do Detran, ............, que lhe informou que os valores das multas dariam uma ótima receita ao órgão estadual de trânsito - nada fez no sentido de desativar os preditos equipamentos eletrônicos, sendo certo que o Senhor ........., ao invés de moralizar o órgão e buscar os trilhos da legalidade, não o fez, mas parcelou o produto do ilícito para facilitar o pagamento.

          Assim, a indústria da multa continuou no chamado "Governo Popular".

          Os Municípios de Campo Grande e de Dourados, agora responsáveis também pelo trânsito em suas respectivas jurisdições, mantiveram-se omissos diante da situação, deixando com que os cidadãos continuassem vilipendiados pelos malfadados equipamentos. A razão da omissão e da conivência é muito simples e óbvia, não querem abrir mão de tão farta receita, colocando a questão da legalidade em segundo plano.

          As improbidades administrativas no presente caso são inúmeras, como se passará a referendar abaixo, o que está a exigir que todo o dinheiro que o Detran for obrigado a devolver por conta de decisões judiciais devem ser repostas aos cofres públicos pelos réus, bem como todo dinheiro que foi repassado indevida e abusivamente para Empresa ........... sejam devolvidos à população.

          O desfalque ao erário público com as devoluções que deverão ser feitas por conta de decisões judiciais e por força de algumas leis municipais e estaduais esparsas será grande. Muitas devoluções serão em dobro, outras, embora simples, sofrerão a correção monetária e serão acrescidas de juros e multas legais. Muito desse dinheiro não foi para os cofres públicos, mas para os bolsos dos administradores ímprobos e para a empresa ........... que agiu com dolo extremo para lesar o cidadão em conluio com o Detran e seus diretores.

          Para deixar claro a imoralidade da indústria das multas, passa-se a enumerar, articuladamente, as ilegalidades cometidas, "ab initio".


II) DA NULIDADE DA LICITAÇÃO E
DA IMPOSSIBILIDADE DE SE TER ASSINADO O CONTRATO:

          A) Da necessidade de se estar credenciado junto ao CREA/MS para participar de licitação referente a prestação de serviços de engenharia de tráfego:

          A empresa ........... Ltda., "vencedora" da licitação Concorrência n° 004/96, não poderia ter sequer se habilitado para disputar a referida licitação. Ela não tinha a qualificação técnica exigida pela legislação referente a serviços dessa natureza, qual seja, não era credenciada ao CREA/MS. Também seu responsável técnico, o engenheiro-eletricista .........., não possuía idêntico visto nem registro, a despeito da exigência legal.

          O artigos 30, I, da Lei n° 8.666/93, que trata das licitações, assim dispõe no que tange à habilitação da empresa para participar de licitação:

          "Art. 30. - A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a:

          I- registro ou inscrição na entidade profissional COMPETENTE;

          § 1°- (...)

          I- capacidade técnico-profissional: comprovação do licitante de possuir em seu quadro permanente, na data prevista para entrega da proposta, profissional de nível superior ou outro devidamente reconhecido pela entidade competente, detentor de atestado de responsabilidade técnica por execução de obra ou serviço de características semelhantes, limitadas estas exclusivamente às parcelas de maior relevância e valor significativo do objeto da licitação, vedadas as exigências de quantidades mínimas ou prazos máximos".

          A Lei Estadual n° 1.070/90 - que dispõe sobre licitações e contratos da Administração Direta, das Autarquias e das Fundações Públicas do Estado, no capítulo referente a habilitação quando trata da documentação exigida para comprovar a capacidade técnica da pretendente - prevê em seu art. 35, § 2°, 1:

          "Art. 35 - Para a habilitação nas licitações, exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa a:

          (...)

          II - capacidade técnica;

          (...)

          § 2° - a documentação relativa à capacidade técnica, conforme o caso, consistirá em:

          1. registro ou inscrição técnica na entidade profissional competente;"

          Ao se observar a legislação que regula a categoria profissional do sistema CONFEA/CREAs percebe-se que a entidade competente de que tratam as leis é o CREA/MS, conforme comprova a transcrição legal abaixo retirada da Lei 5.194/66:

          Capítulo I - Do registro dos profissionais

          Art. 55 - Os profissionais habilitados na forma estabelecida nesta lei só poderão exercer a profissão após o registro no Conselho Regional sob cuja jurisdição se achar o local de sua atividade.

          (...)

          Art. 58 - Se o profissional, firma ou organização, registrado em qualquer Conselho Regional, exercer atividade em outra Região ficará obrigado a visar, nela, o seu registro.

          (...)

          Capítulo II - Do registro de firmas e entidades

          Art. 61 - Quando os serviços forem executados em lugares distantes da sede da entidade, deverá esta manter junto a cada um dos serviços um profissional devidamente habilitado naquela jurisdição."

          A instalação de fotossensores é uma obra de engenharia. Ora, o órgão credenciador competente de que trata a lei é, evidentemente, o CREA do Mato Grosso do Sul e não o do Ceará.

          Para que a .......... pudesse se habilitar, deveria ter a qualificação técnica necessária, ou seja, deveriam, ela e seu responsável técnico, estar credenciados junto ao CREA/MS, fato só ocorrido no dia 23/06/97 (em relação à ...........) e 26/05/97(em relação ao responsável-técnico).

          Assim, vê-se que o próprio Edital de concorrência nº 004/96 - ao dispor, no item 3.2.4.1 que, para comprovar a capacidade técnica do interessado, bastava a apresentação da "Certidão de registro e prova de quitação da empresa, e seu(s) responsável(eis) técnico(s) no CREA da região da(s) empresa(s)." (f. 140 do PA) – estava contrário a norma legal em vigor.

          Outra norma pertinente que merece ser mencionada é a Lei nº 6.496/77 que dispõe:

          "Art. 1° - Todo contrato, escrito ou verbal, para a execução de obras ou prestação de quaisquer serviços profissionais referente à Engenharia, à Arquitetura e à Agronomia fica sujeito à Anotação de Responsabilidade Técnica (ART).

          Art. 2° - A ART define para os efeitos legais os responsáveis técnicos pelo empreendimento de engenharia, arquitetura e agronomia."

          Ora, a ART 68.5601 de objeto "detecção de infrações de trânsito de avanço de semáforos e parada sobre faixa de pedestres", constando como contratante o DETRAN/MS, como contratada a empresa ....... Ltda. e como responsável técnico o engenheiro eletricista ....... foi recolhida no dia 23 de maio de 1997. Todavia, para que a ART e, por conseqüência, o contrato se revestissem da validade necessária mister se faria que a contratada e o seu responsável técnico possuíssem visto ou estivessem registrados no local em que a atividade específica deveria ser exercida, não obstante o registro da empresa no CREA/MS só ocorreu em 23/06/97 e o do responsável técnico só em 26/05/97.

          A indignação contra essa ilegalidade não é só do Ministério Público e da sociedade, mas também, e principalmente, do órgão de classe a que pertence o técnico da ré, qual seja o CREA/MS que, em um primoroso parecer elaborado por sua Assessoria Jurídica, manifestou claro entendimento e posicionamento da matéria, ao concluir que:

          "Temos que a Empresa ........... Ltda. somente esteve apta a participar de licitações, firmar contratos e recolher ARTs, a partir de 23 de julho de 1997. Todos os atos anteriores a esta data foram praticados, em conluio com o DETRAN/MS, ao arrepio da lei." (f. 808 do IC 11/98 e f. 70 do PA 14/97/PJPPSF).

          E, em conclusão, arrematou o Senhor Assessor Jurídico do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia – MS, Dr. Lamartine S. Ribeiro:

          "Diante de todo o exposto somos de parecer que o edital, a licitação, o contrato e a ART são nulos de pleno direito, devendo as partes contratantes responder administrativa, civil e penalmente pelas conseqüências de seus atos." (f. 811 do IC 11/98 e f. 73 do PA 14/97/PJPPSF).

          Além de todas essas ilegalidades, há de se registrar, desde logo, que o edital, a licitação, o contrato e a ART ferem, ainda, a Lei Maior, especificamente quanto aos princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade e da finalidade, tão bem demonstrado pelo Parecer CREA/MS, presente às f. 71-73 do PA/14 e 809-811 do IC/98.

          B) Da inexpressividade do aviso de licitação que foi pouco divulgada, o que feriu o princípio da participação irrestrita e universal de eventuais interessados, de forma a impossibilitar a Administração de escolher a proposta mais vantajosa para si:

          O Aviso de Licitação de n° 004/96 foi publicado no Diário Oficial nº 4.396, de 30/10/96 e republicado nesse órgão no dia 11/12/96 e no jornal Diário da Serra no dia 30 de outubro de 1996. Embora fosse de um valor estratosférico, não conseguiu atrair interessados fora a empresa ré. Qual a razão disso, sendo uma licitação milionária? Fácil perceber a razão. Ambos, DETRAN e ..........., estavam conluiados no intuito de se enriquecerem às custas dos motoristas, por isso o Órgão de Trânsito fez pouquíssima divulgação do aviso de licitação, não dando a publicidade e importância que o caso exigia, além de elaborar aviso bem obscuro e nada esclarecedor. Os prováveis concorrentes, pela leitura do referido documento, muito pouco elucidativo, não puderam atinar para a importância e grandiosidade do negócio. Com isso, feriu-se os princípios da isonomia, legalidade, moralidade, finalidade, publicidade, impessoalidade, dentre outros estampados na Constituição Federal, em seu artigo 37 e na Lei n° 8.666/93.

          Com efeito prevê o artigo 3° da mencionada lei das licitações públicas:

          "Art. 3°- A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhe são correlatos."

          Não se pode dizer que não existem no país outras empresas que pudessem estar interessadas em participar da licitação, tanto é verdade que em licitação semelhante promovida pela CET - COMPANHIA DE ENGENHARIA DE TRÁFEGO DE SÃO PAULO, através do Edital nº 06/98, conforme comprova o anexo 14 que instrui a perícia elaborada pelo CREA/MS, 5 empresas se habilitaram, entre elas, a empresa ora ré nesta ação, sendo certo que todas elas foram excluídas por critérios técnicos.

          Pelo exposto, se vê que tudo foi feito para que tão somente a empresa ré se habilitasse e ganhasse a "concorrência", com o fim único de que os envolvidos tivessem a certeza de que a festa com o dinheiro do cidadão ficaria mesmo entre eles, que já tinham todo o esquema previamente acertado. O que evidencia também o cometimento de crime, de forma premeditada e em concurso de agentes.

          Nestas condições, a licitação é nula e, por conseqüência, o contrato não deveria sequer ter sido assinado.


III. NULIDADE DO CONTRATO FEITO:

          C) Da contrariedade do edital à norma legal:

          Como visto anteriormente, o edital é ilegal, porque dispôs que, para comprovação da capacidade técnica, o interessado poderia apresentar "Certidão de registro e prova de quitação da empresa e de seu(s) responsável(eis) técnico(s) no CREA da região da(s) empresa(s)", quando a lei exige que o registro deva ser feito no CREA que tenha jurisdição no local que a obra ou o serviço será executado.

          Essa ilegalidade, aparentemente insignificante, gera, por si só, a nulidade do contrato, posto que a Lei n° 5.194/66, em seu artigo 15, é expresso nesse sentido.

          Eis o seu teor:

          "Art. 15 - São nulos de pleno direito os contratos referentes a qualquer ramo da Engenharia, Arquitetura e da Agronomia, inclusive a elaboração de projeto, direção ou execução de obras, quando firmados por entidade pública ou particular com pessoa física ou jurídica não legalmente habilitada a praticar a atividade nos termos desta Lei."

          Que pretende o Detran? Será que essa autarquia pensa que pode usurpar a competência do legislativo? Ou foi mera quaestio de desconhecer a lei? Em todo caso, demonstra a irresponsabilidade de seu ex-diretor-geral e o fato de que tudo arrumou para que a empresa ré não perdesse a licitação de forma alguma. Como já observado, tudo foi adredemente preparado para que o resultado da indigitada licitação fosse um só, isto é, que a vencedora fosse a Empresa ........ Ltda.

          Urge que o Judiciário fulmine de nulidade o contrato que serve unicamente para fomentar a ganância de alguns que consideram que o fim justifica os meios, invertendo os valores e acreditando que arrecadar é mais importante do que educar e prevenir acidentes.

          D) Das cláusulas contratuais ilegais que, igualmente, tornam nulo o sobredito contrato:

          Passa-se agora analisar as cláusulas contratuais da avença n° 008/97/PJU, celebrada entre o Detran e a ............, pois cláusulas obscuras e manifestamente ilegais não podem prevalecer lesando de forma escabrosa o Erário Público e ao cidadão.

          A1. Da inexistência do valor do contrato e da não-identificação dos recursos destinados a atender as despesas com a instalação e manutenção dos fotomultas:

          A cláusula quinta, que estipula o valor do contrato, diz que "o valor estimado para o presente contrato é de R$ 27,30 (vinte e sete reais e trinta centavos) preço unitário por infração consoante Nota de Empenho inicial n° 000416, por estimativa, emitida em 19.03.97." Será esse mesmo o real valor do contrato? Remetendo-se a cláusula décima terceira, referente a caução dada como garantia, que fala no montante de R$ 6.552,00 (seis mil quinhentos e cinqüenta e dois reais), correspondente a 0,01%(um centésimo por cento) "do valor estimado deste", ou seja, do contrato, chega-se a conclusão de que o valor do contrato seria de R$ 65.520.000,00 (sessenta e cinco milhões e quinhentos e vinte mil reais). Mas isso é apenas uma suposição, posto que este valor vai contra o próprio edital que prescreve, em seu item 13.1, que a garantia dada será no valor de 0,1% do contrato. Nesse caso o valor do contrato seria de R$ 655.200,00(seiscentos e cinqüenta e cinco mil e duzentos reais).

          Isso sem dizer que, em verdade, o contrato não tem valor fixo, a não ser o seu valor mínimo, que é de 150 infrações mensais por equipamento, como previsto na cláusula quinta da avença (f. 827 do IC 11/98 e f. 119 do PA 14/97) o que, em espécie representava a quantia de R$ 15.724.800,00, no ato da assinatura do contrato.

          Claro está que o valor acima descrito foi calculado em cima do número mínimo de infrações mensais e do valor unitário previsto originariamente no contrato (sem qualquer correção posterior) por cada multa aplicada, posto que o pagamento do contrato é feito mensalmente por número de multas cujo número mínimo não pode ser inferior a 150 por equipamento e cujo valor unitário é de R$ 27,30, atualizável anualmente. O cálculo foi o seguinte: R$ 27,30 por infrações X 150 multas mensais por equipamento = R$ 4.095,00 X 80 fotossensores atualmente instalados (70 em Campo Grande e 10 em Dourados) = R$ 327.600,00 X 48 meses (duração do contrato) = R$ 15.724.800,00.

          Em relação ao valor máximo, deve-se dizer que o céu é o limite, dado que o contrato não estipula valor máximo de multa. Quanto mais infrações forem cometidas tanto melhor, posto que mais dinheiro a contratada ganhará.

          Para perceber a exorbitância que poderá chegar o valor do contrato, imagine-se que cada fotossensor aplique 200 multas mensais. Nesse caso, o valor do contrato subiria para R$ 20.966.400,00. Eis o cálculo: R$ 27,30 X 200 = R$ 5.460,00 X 80 = R$ 436.800,00 X 48 = R$ 20.966.400,00.

          Imagine-se ainda a geração de 400 multas diárias por equipamento e a instalação de mais 80 equipamentos no Estado, então o valor do contrato passará de R$ 20.966.400,00 para R$ 83.865.600,00 (oitenta e três milhões, oitocentos e sessenta e cinco mil e seiscentos reais).

          Isso tudo, volta-se a frisar, sem considerar que, da contratação até a presente data, o valor a ser pago por multa à empresa ré já majorou, pelo menos, por duas vezes, isto é, em abril ou maio de 98 e abril ou maio de 1999, pelo que se conclui que o valor do contrato estará bem mais elevado do que acima se estipulou.

          Diz-se em abril ou maio porque não se sabe exatamente qual a data em que o contrato foi assinado. Esse dado não contém no contrato, o que leva a suspeita de que o mesmo tenha sido assinado mesmo antes da feitura da licitação, tamanha são as falcatruas que o envolvem.

          Diante disso tudo há de se perguntar: então, qual o real valor da avença? Por que a necessidade de mascarar o valor do contrato? Quem arcará com esse preço exorbitante? Haverá previsão orçamentária para tanto? Haja multas para propiciar esses valores!

          A falta de previsão objetiva valor do contrato, com contemplação apenas do seu valor mínimo mensal, sem qualquer estipulação de compensação entre os meses de grande arrecadação e os de pequena onde o número mínimo de multas não é atingido, leva o Detran a prejuízos homéricos, com enriquecimento indevido da empresa ré.

          O réu .........., atual Diretor-Geral do Detran, confirma essas conclusões ao afirmar em matéria veiculada no dia 08/10/99 pelo jornal Folha do Povo (f. 844 do PA n°14/97):

          "Hoje, o Detran paga mais do que arrecada".

          Ora, se isso realmente ocorre é por culpa da própria Administração do Detran, que não fez um contrato dentro dos padrões éticos e da legalidade.

          Evidenciado esse fato, conclui-se que a Administração fica sempre submetida ao critério da "sorte", já que tanto pode ter lucros gigantescos como prejuízos incalculáveis, inexistindo a previsibilidade quanto às contas administrativas posto que não há como saber se elas se encaixarão dentro do orçamento prévio estabelecido, burlando dessa forma o controle exercido pelo legislativo e ferindo o princípio da harmonia que deve existir entre os Poderes Estatais.

          Hoje, o Detran é um refém da empresa ré que impõe suas normas àquele órgão, inclusive ao arrepio da lei.

          Fica, assim, ilidido o valor estipulado de R$ 27,30 ( vinte e sete reais e trinta centavos) e constatado que a vultosa desproporção entre o fictício valor apontado e o seu real valor não é mero acaso ou obra do descuido, bem como fica demonstrado mais uma vez a indústria das multas, em prejuízo, às vezes até dos cofres públicos.

          Nesse mesmo tema, uma outra questão se impõe. É a de se saber de onde virão os recursos para atender as despesas com instalação, manutenção dos fotossensores e o pagamento dos serviços da empresa contratada. Alguém já poderia pensar que esta é um questionamento inútil, já que o contrato dispõe sobre o tema, ao prever que os recursos virão das multas aplicadas. Há de se retrucar, de pronto, que tal receita é inadmissível. Para fazer frente a esse tipo de gasto, a Administração Pública não pode lançar mãos das multas aplicadas no trânsito, dado que o Código Brasileiro de Trânsito, ao estabelecer, em seu artigo 320, a destinação das multas, não previu tal possiblidade. Além do mais, é totalmente imoral que a Administração Pública permita que a receita para pagar empresa particular tenha a origem e a forma como é concebida. É inadmissível que a empresa ganhe tanto dinheiro quanto consiga arrecadar com a criação de situações para que os administrados venham a ser punidos.

          A necessidade da fixação do valor do contrato e da identificação dos recursos destinados a atender as despesas previstas na avença não é fruto de imaginação cerebrina, mas é imposição legal, como se vê pela disposição estampada no artigo 67, inciso VI da Lei estadual n° 1.070/90, "in verbis":

          "Art. 67 - São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam:

          VI - o valor do contrato e a identificação dos recursos destinados a atender as despesas;"

          Assim, há de se concluir que também em virtude das irregularidades acima apresentadas, o contrato é nulo e como tal deve ser reconhecido pelo Judiciário.

          B1 Da desconformidade do contrato com o edital:

          Nota-se clara falta de conformidade entre edital e o contrato. O item 14.1, que trata da rescisão, estabelece que esta operar-se-á de pleno direito "independentemente de interpelação judicial ou extrajudicial, sem prejuízos das penalidades previstas no item 23 do edital". Ocorre, porém, que edital sob comento não possui esse item. Logo, as referidas penalidades, colocadas para dar ares de seriedade ao contrato, não existem.

          Seria casual e insignificante essa desconformidade? Não. Ela é fundamental. Demonstra ela o real objetivo do contrato: favorecer indevidamente os representantes das partes contratantes, sem lhes impor qualquer penalidade em caso de descumprimento do contatado, em prejuízo à Administração Pública e aos administrados, o que, por este ângulo, demonstra também a nulidade da avença.

          C1. Da fiscalização de serviço público de trânsito por particular:

          Outra cláusula viciada é a décima sétima, que delega as atribuições da Administração Pública relacionada com a fiscalização do trânsito para empresa particular. Com efeito estabelece a referida cláusula:

          "A contratada designará Comissão Técnica especializada para acompanhar a instalação e ativação dos produtos, até a assinatura do Termo de Recebimento Definitivo do objeto contratado e servidor para acompanhar a execução dos serviços pertinentes durante a vigência do Contrato."

          Em outros termos, é a própria prestadora de serviços que fiscaliza seu próprio trabalho. É a raposa tomando conta do galinheiro.

          Tal modo de proceder ofende o artigo 67, caput, da Lei n°8.666/93 que dispõe:

          "Art. 67 - A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição."

          A fiscalização, prerrogativa fundamental da Administração Pública, para a garantia de uma boa gestão do dinheiro público, foi confiada à contratada. Mais uma vez o princípio da legalidade, impessoalidade e da moralidade foi desconsiderado por aqueles que tinham o encargo de bem gerir a "res" pública.

          D1. Do controle de tráfego e da aplicação de multas por empresa particular:

          Do artigo 8° ao 24, o Código de Trânsito Brasileiro (Lei n° 9.503/97) enumera as competências administrativas dos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Trânsito, que compõem em sua expressiva maioria ou quase totalidade, um feixe de competências que se inserem na exteriorização do conhecido e denominado Poder de Polícia da Administração. Esse Poder tem sua legitimidade na avocação pelo Estado da tarefa de garantir a paz e a harmonia social, regulando condutas e, destarte, limitando direitos individuais para garantir a tranqüilidade, sossego e a convivência pacífica da coletividade, um dos fins justificadores da sua própria existência. Especificamente quanto ao trânsito, o Estado, através dos seus órgãos competentes, regula o tráfego e aplica multas aos motoristas infratores de suas normas, mais para educar e prevenir acidentes que propriamente penalizar.

          Ocorre, porém, que não é possível delegar esse Poder de Polícia ao particular, seja ele pessoa física ou jurídica de direito privado, como vem acontecendo e fundado no contrato celebrado entre o Detran e a .............. A Lei n° 9.503/97 apresenta a norma contida no artigo 25 que, data venia, vem proporcionando equivocada inteligência.

          Para melhor entendimento, cita-se o referido artigo em sua inteireza:

          "Art. 25. Os órgãos e entidades executivos do sistema Nacional de Trânsito poderão celebrar convênios delegando as atividades previstas neste Código, com vistas à maior eficiência e à segurança para os usuários da via.

          Parágrafo único. Os órgãos e entidades de transito poderão prestar serviços de capacitação técnica, assessória e monitoramento das atividades relativas ao trânsito durante prazo a ser estabelecido entre as partes, com ressarcimento dos custos apropriados."

          Com uma leitura desatenta e solitária, poder-se-ia afirmar que a lei autoriza ao Estado a terceirização do seu Poder de Polícia, no tocante ao trânsito. Ledo engano. A Lei n° 9.037/97 possui uma série de normas que impossibilitam uma interpretação literal isolada do referido artigo. O que se depreende - de uma interpretação sistemática, como deve ser feita - é que somente é possível a delegação para outras entidades integrantes do Sistema Nacional de Trânsito, verbi gratia, demonstrado no artigo 19, VII, da predita Lei de Trânsito. Ao mencionar a expressão delegação, não quis o legislador possibilitar a terceirização das atividades do trânsito, delegando-a para particulares, pessoas físicas ou jurídicas de direito privado.

          O exercício do poder de policia, por ser inerente ao Estado, é indelegável, conforme confirma Álvaro Lanzini:

          "O Poder de Polícia é um conjunto de atribuições da Administração Pública, indelegáveis aos particulares, tendentes ao controle dos direitos e liberdades das pessoas, naturais ou jurídicas, a ser inspirados nos ideais do bem comum, incidentes não só sobre elas, como também em seus bens e atividades"(in Estudos de Direito Administrativo, Ed. R.T., 1a ed., p.197).

          Hely Lopes Meirelles, após caracterizar a multa como ato punitivo, afirma que aplicação desse tipo de sanção constitui-se em atividade indelegável do Estado.

          Eis como expõe a matéria:

          "A multa pode ser definida no âmbito do Direito Administrativo como uma imposição pecuniária aplicada aos transgressores de preceitos administrativos(1), integrando o rol dos atos punitivos da administração pública, imposta no exercício do seu poder de intervenção sancionatória. Esta, conceituada como intervenção concreta do Estado na propriedade e na atividade privadas, limitativa ou expropriatória, permanente ou transitoriamente imposta e indelegável, destinada a compelir remissos e infratores ao cumprimento de preceitos administrativos."(2)

          Então, qualquer atividade que se traduza em típico exercício do poder de polícia, inclusive as chamadas sanções de polícia, que são decorrência do mesmo, não admitem delegação a particulares. Nesse sentido dispõe o § 4° do artigo 280, ao permitir a lavratura do auto de infração tão somente por servidor civil, celetista ou estatutário.

          O que deve fazer o Detran é cumprir de forma fiel e eficaz as funções que lhe são acometidas pelos incisos V e VII do artigo 22 do CBT que dispõem:

          "Art. 22. Compete aos órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, no âmbito de sua circunscrição:

          (....);

          V - executar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as medidas administrativas cabíveis pelas infrações previstas neste Código, excetuadas aquelas relacionadas nos incisos VI e VIII do art. 24, no exercício regular do Poder de Polícia de Trânsito;

          VI - aplicar as penalidades por infrações previstas neste Código, com exceção daquelas relacionadas nos incisos VII e VIII do art. 24, notificando os infratores e arrecadando as multas que aplicar."

          Não obstante a cristalina obrigação legal do Detran, o item 9.4 do contrato sob comento estabelece como uma das obrigações da contratada ré "processar os registros de infração inerentes ao processo colhidos pelos sensores remotos".

          A delegação feita é inadmissível, sendo, neste particular, igualmente ilegal o contrato, merecendo o reconhecimento de sua nulidade pelo Poder Judiciário.

          E1. Do repasse indevido de parte do montante obtido com as multas à empresa particular:

          Os valores arrecadados com os recolhimentos de multas oriundas de infração de trânsito não pode ter outro destino a não ser aquele previsto na norma legal.

          Para evitar desvio de finalidade e abuso de poder, por insuflar comportamento arrecadatório, como o que ora se observa, o artigo 320 da Lei n° 9.503/97 estabelece que:

          "A receita arrecadada com a cobrança das multas de trânsito será aplicada, exclusivamente, em sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito.

          Parágrafo Único - O percentual de cinco por cento do valor das multas de trânsito arrecadadas será depositado, mensalmente, na conta de fundo de âmbito nacional destinado à segurança e educação de trânsito."

          Sabe-se, como já dito antes, que a Empresa ............. tem participação direta nos valores arrecadados por cada infração aplicada. A Lei, todavia, não permite destinar parte dessa receita a empresa privada. É de se observar que o contrato estabelece metas financeiras muito bem definidas, mas em momento algum estabelece metas educacionais para a redução de acidentes, de infrações, melhora na educação do trânsito. Não mostra nem o valor total contratado.

          De maneira solar está demonstrada a ilegalidade e o abuso cometido pelos réus, ferindo por conseguinte os princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade, da finalidade, que devem ser respeitados pelos gestores do dinheiro público, dando-lhe o destino devido.

          F1. Falta de disposição contratual obrigando a empresa contratada obedecer o Código Brasileiro de Trânsito e as resoluções do Contran:

          O Detran, ao deixar de mencionar no contrato que a empresa contratada deveria atender, em qualquer circunstância, o CBT, as Resoluções do CONTRAN e as normas expedidas pelo CETRAN, não cumpriu sua finalidade precípua de cumprir e fazer cumprir as normas de trânsito, como previsto no artigo 22, inciso I, do predito códex(3). O que fez ele foi deixar a empresa contratada bem a vontade para fazer o que bem entendesse, inclusive para transformar o fotossensor em um caça níqueis.

          Essa relevante omissão é, se dúvida, suficiente, por si só, para se decretar a nulidade do contrato, principalmente em virtude dos resultados funestos que daí advieram e estão advindo para a população e para a Administração Pública.

          G1. O ilegal caracter comercial do contrato, com o objetivo meramente pecuniário:

          Três cláusulas do Contrato 008/97/PJU (f. 118/126 do PA 14/97), firmado pelo Detran e a empresa ................ Ltda., demonstram, de forma cristalina, o caracter mercantilisata e econômico do "negócio", com evidente desvio de finalidade dos equipamentos eletrônicos, que deveriam servir para educar, prevenir acidentes e, eventualmente, punir. Mas mesmo a punição, com a aplicação da multa e obtenção de valores pecuniários, devem ter como único objetivo o de educar e prevenir acidentes.

          Eis o teor das cláusulas que interessam:

          "3.1 - O preço unitário por registro de infração é de 27,30 (vinte e sete reais e trinta centavos) admitindo-se reajustes anuais pela variação da Unidade de Referência do Estado de Mato Grosso do Sul, ou conforme disposição legal vigente à época.

          3.2 – O valor total do pagamento será obtido multiplicando-se o valor unitário de cada registro de infração, processado pela Contratada, pelo número total de processamentos entregues à Contratante, no mês.

          (....).

          7.1 – A Contratante efetuará o pagamento dos serviços executados pela Contratada e aceitos definitivamente pela Contratante, ou seja, referente aos registros de infração emitidos para o mês. A partir do segundo equipamento instalado, inclusive, a instalação dos demais equipamentos fica condicionada à geração de uma quantidade média mínima de 150 (cento e cinqüenta) registros de infração mensais, por equipamento, considerado o total de equipamentos.

          7.1.1 – A contratante, a seu critério, poderá, caso a média estabelecida no item anterior não seja atingida, determinar o cumprimento do cronograma de instalação dos equipamentos, assumidos, neste caso, a complementação do pagamento de forma que referida média mínima seja cumprida.

          7.1.3 – Caso, ao longo da vigência Contrato, seja configurada a INVIABILIDADE ECONÔMICA DO NEGÓCIO, representada por um volume médio inferior a 150 (cento e cinqüenta) infrações mensais por equipamento, por 3 (três) meses consecutivos, considerado o total dos equipamentos instalados, fica a Contratada autorizada a retirar o(s) equipamento(s) responsável(eis) pelo não atingimento da cota média estabelecida.

          7.1.4 – A contratante, a seu critério, poderá determinar a permanência dos equipamentos deficitários, assumindo, neste caso, a complementação do pagamento de forma que a referida média mínima seja cumprida."

          A clareza das cláusulas transcritas não deixam dúvida sobre o objetivo ilícito do negócio: gerar fácil lucro financeiro aos envolvidos e nada mais.

          A título de elucidação, para aproveitar a oportunidade, cabe observar que o próprio Detran fez-se refém da contratada. Ela tudo determina: onde instalar, quando instalar e até quanto tempo deixar instalado um equipamento eletrônico. Ele só pode determinar a permanência de algum aparelho em um determinado local em uma circunstância bem específica: caso este equipamento não esteja alcançando a meta prevista (gerar 150 infrações mensais) e ele completar o valor do pagamento até atingir o valor equivalente a 150 multas X 27,30 (devidamente atualizada).

          Demonstrado o caracter mercantilista do negócio, com evidente desvio de finalidade e ferimento aos princípios da moralidade, legalidade e da impessoalidade, impõe-se o reconhecimento da nulidade do contrato, com a reparação dos danos causados.


IV. DA INCOMPETÊNCIA DO CONTRAN PARA INSTITUIR SINALIZAÇÃO
OU EQUIPAMENTO DE CONTROLE DE TRÁFEGO:

          Os fotossensores foram concebidos e instalados no Estado de Mato Grosso do Sul quando a lei de trânsito em vigor não admitia o controle do tráfego por meio de equipamento eletrônico, o que se leva a concluir que as Resoluções 741/95 e 810/95 jamais instituiu, regulamentou e aprovou tais equipamentos, posto que o Contran não poderia, através de resolução, instituir equipamento auxiliar de controle do trânsito. Só a lei pode fazer isso.

          Nessa linha de raciocínio, é coerente afirmar que o Contran sequer homologou os fotossensores. Ora, como poderia ele homologar validamente um equipamento que ele não poderia sequer ter instituído? Ademais, a homologação é ato privativo do órgão de trânsito que tem jurisdição sobre a via em que o equipamento for instalado. Tal norma é o próprio Contran quem estabeleceu.

          A ilegalidade das ditas resoluções do Contran ficou demonstrada em decisão proferida, em mandado de segurança, pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal, no seguinte teor:

          "PROCESSO: APELAÇÃO CÍVEL E REMESSA DE OFICIO APC4558197 DF

          ACÓRDÃO: 104472

          ORGÃO JULGADOR: 1ª Turma Civel DATA: 11/12/1997

          RELATOR: RIBEIRO DE SOUSA

          PUBLICAÇÃO: Diário da Justiça do DF: 06/05/1998 Pág: 39

          OBSERVAÇÃO: MS 57034/96 TJDF

          DOUTRINA: COMENTÁRIOS À CONSTITUIÇÃO DE 1988 WOLGRAN JUNQUEIRA FERREIRA

          REFERÊNCIAS LEGISLATIVAS: CÓDIGO NACIONAL DE TRÂNSITO

          RAMO DO DIREITO: DIREITO ADMINISTRATIVO

          E M E N T A

          MANDADO DE SEGURANÇA. DETRAN. EQUIPAMENTO ELETRÔNICO PARA CONTROLE DE VELOCIDADE DE VEÍCULOS. INCOMPETÊNCIA DO CONTRAN PARA INSTITUIR SINALIZAÇÃO OU EQUIPAMENTO DE CONTROLE DE TRÁFEGO. A Constituição Federal estabeleceu que compete à União legislar sobre o trânsito. O CONTRAN pode normatizar os sinais, gerenciando o trânsito, nunca criar novos tipos de sinalização ou equipamento de controle de tráfego, até porque, não pode o órgão normativo da coordenação política e do sistema nacional de trânsito, editar resolução modificando a lei.

          DECISÃO: CONHECER DO RECURSO E IMPROVER. MAIORIA. VENCIDO O E. REVISOR.

          INDEXAÇÃO: MANDADO DE SEGURANÇA, DETRAN, TRÂNSITO, EXCESSO DE VELOCIDADE, CONTRAN, INCOMPETÊNCIA, SINAL, INSTALAÇÃO. CONSTITUIÇÃO FEDERAL, COMPETÊNCIA, UNIÃO FEDERAL, LEGISLAÇÃO, MODIFICAÇÃO, IMPOSSIBILIDADE.

          VOTO VENCIDO: DIREITO À PRIVACIDADE, HONRA SUBJETIVA, FOTOGRAFIA, PROVA DOCUMENTAL, EMPRESA PRIVADA, VANTAGEM PECUNIÁRIA."

          O Contran não questionou tal decisão, tanto é que, posteriormente, se dobrou a ela revogando, como se verá a seguir, as combatidas resoluções.

          Diante dessa constatação, é correto afirmar que os fotossensores são ilegais desde seu nascedouro, o que não lhe permitia estar nas ruas controlando o trânsito de maneira válida.


V. DA EXCLUSÃO DO FOTOSSENSOR DO CONCEITO DE BARREIRA ELETRÔNICA E DA SUA CONSEQÜENTE PROIBIÇÃO DE ESTAR OPERANDO NO TRÂNSITO COMO APARELHO ELETRÔNICO:

          Entendendo que os atos do CONTRAN são normas complementares ao CBT, deve-se ater ao fato de que as Resoluções que permitiam o uso das barreiras eletrônicas, categoria em que o fotomulta poderia ser enquadrado, foram revogadas pela Resolução CONTRAN de n° 23, de 21.05.98, já que essa unificou as disposições e exigências técnicas das Resoluções de n° 765 e de n° 801. Essa Resolução nº 23, que é posterior as outras duas mencionadas, regulamenta o § 2° do artigo 280 do CTB, que dispõe que:

          "A infração deverá ser comprovada por declaração da autoridade ou do agente de autoridade de trânsito, por aparelho eletrônico ou por equipamento audiovisual, reações químicas ou qualquer outro meio tecnologicamente disponível, previamente regulamentado pelo CONTRAN." ("§ 2° do Artigo 280 do CBT).

          Essa mesma Resolução n° 23 que - como já dito, regulamenta o § 2° do CBT - ao definir e estabelecer os requisitos mínimos necessários para autorização e instalação dos aparelhos eletrônicos, deixou claro que não mais existe o conceito genérico de barreira eletrônica, visto que seu lugar surgiram os instrumentos eletrônicos de medição autônoma, como se passa a demonstrar:

          "Art. 1°- Definir que Instrumento de Medição de Velocidade de Operação Autônoma é aquele que registra e disponibiliza as informações de forma adequada, dispensando a presença da autoridade ou do agente da autoridade de trânsito no local da infração, viabilizando a comprovação da infração.

          Art. 2° - Os requisitos básicos necessários para a instalação dos Instrumentos de Medição de Velocidade de Operação Autônoma são:

          I- estar aprovado e certificado pelo INMETRO - Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualificação ou entidade por ele credenciada, atendendo aos requisitos técnicos estabelecidos pelo CONTRAN e legislação metrológica em vigor;

          II- passar por verificação anual do INMETRO ou entidade por ele credenciada, ou quando for observada alguma irregularidade no seu funcionamento ou após sofrer manutenção;

          III- estar dotado de dispositivo que registre, de forma clara e inequívoca, as seguintes afirmações:

          a) identificação do equipamento;

          b) data, local e hora da infração;

          c) identificação do veículo:

          1. placa;

          2. marca/modelo.

          (....)."

          Claramente constata-se que os fotossensores não se enquadram nos aparelhos mencionados à Resolução acima transcrita, principalmente por não se constituir em Instrumento de Medição de Velocidade de Operação Autônoma, sendo portanto ilegais.

          Não possuindo base legal, não foram regulamentados pelo CONTRAN, não foram nem permitem ser aprovados, certificados e verificados pelo Inmetro, não sendo, portanto, meios lícitos nem idôneos para controlar o tráfego.


VI. A FALTA DE HABILITAÇÃO DO EQUIPAMENTO:

          Já foi demonstrado que a Resolução n° 23 do CONTRAN unificou as exigências e os requisitos técnicos para o Instrumento Eletrônico de Medição Autônoma, eliminando o termo genérico "barreiras eletrônicas" em que o "olho-vivo" poderia se enquadrar, revogando as Resoluções n° 765 e 801. Todavia, na época em foram instalados os combatidos equipamentos, estas resoluções estavam em vigor e, portanto, deveriam ter sido respeitadas. Assim é que os aparelhos fotossensores não atenderam os requisitos técnicos necessários e obrigatórios estabelecidos pelo CONTRAN para figurar como instrumento hábil ao auxílio no controle de tráfego, quais sejam, estarem certificados, homologados e aferidos, pelo que não poderiam sequer terem sido objeto de licitação.

          A certificação e o aferimento, testes exigidos para comprovação de que não ocorrerão fraudes contra os cidadãos, são exigência mínimas para que qualquer aparelho eletrônico seja instalado e colocado em funcionamento.

          Mas, afinal, o que é homologação, aferição e certificação? Para melhor esclarecer e facilitar, conceituar-se-ão os três vocábulos para que não restem dúvidas ao nobre julgador sobre o que é cada um e o porquê da luta deste "Parquet" para que sejam reconhecidas e sanadas as irregularidades.

          A certificação é o teste mais importante do equipamento, pois é ela que vai revelar se é tecnicamente adequado e utilizável. Tornou-se uma prática corrente na engenharia, e é indispensável que se realize previamente à sua aplicação, conforme estabelecem as resoluções do CONTRAN.

          A homologação é um ato administrativo e legal, prévio à instalação de equipamentos auxiliares do controle de tráfego, que deve ser realizado, no mínimo, de posse do registro de INPI e do relatório de CERTIFICAÇÃO elaborados de acordo com as resoluções do CONTRAN e aprovados pelo órgão interessado.

          A aferição é uma etapa indispensável, que objetiva adaptar o equipamento ao semáforo (cruzamento) correspondente, conferindo-lhe credibilidade. Deve-se realizar antes de sua entrada em serviço, é prática normal da engenharia, é exigido pelas resoluções do CONTRAN e deverá ser reexecutada toda vez que houver dúvida no seu funcionamento, quando sofrer manutenção e anualmente. (vide as Resoluções do CONTRAN de n°765/95 e 801/95 e perícia CREA/MS acostada às f. 780 a 784 do IC n°11/98).

          A certificação, homologação e aferimento são importantes porque, com eles, se detectaria todas as irregularidades presentes no equipamento, dando condição à Administração Púbica de exigir suas correções antes de admitir sua colocação no trânsito.

          O fato de o Inmetro não ter como aferir o equipamento demonstra, por si só, que ele não é confiável nem se enquadra na definição legal de aparelho eletrônico (§ 2° do artigo 280 do CTB).

          Pelo princípio da legalidade, pelo qual a Administração Pública só pode fazer o que a lei permite, os fotossensores nunca deveriam ter sido instalados.

          Com efeito dispõe a Resolução do CONTRAN n° 795/95 que regulamentava as antigas barreiras eletrônicas:

          "Art. 2°- A autoridade de trânsito com circunscrição sobre a via disporá sobre a homologação, localização, instalação, sinalização, operação e fiscalização das Barreiras Eletrônicas.

          Art. 3°- Para a instalação de Barreiras Eletrônicas será necessária a prévia homologação, atendidas, no mínimo, as seguintes exigências:

          I- registro do equipamento no Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI; e

          II- certificação pelo Instituto Nacional de Metrologia - INMETRO ou entidade por ele credenciada, anualmente ou quando notada alguma irregularidade no seu funcionamento ou, ainda, após sofrer manutenção.

          Art. 4 - A Barreira Eletrônica, após instalada, será aferida pelo INMETRO ou entidade por ele credenciada, anualmente ou quando notada alguma irregularidade no seu funcionamento ou, ainda, após sofrer manutenção."

          Por sua vez, a Resolução n° 801/95, do CONTRAN estabelece, in verbis:

          "RESOLUÇÃO CONTRAN 801 DE 27/06/1995

          Requisitos Técnicos Necessários à uma Barreira Eletrônica.

          (artigos 1 a 4)

          (....).

          Art. 2 - A Barreira Eletrônica deve permitir a aferição e calibração no local onde estiver instalada."

          As duas Resoluções eram claras ao preverem que as barreiras eletrônicas (categoria em que diziam estar inserta o fotossensor) deveriam ser, antes de instaladas, certificadas pelo Inmetro e homologadas pelo Detran. E, depois de instaladas, deveria permitir a aferição, que deveria ser levada a efeito também pelo Inmetro ou por outra entidade por ele credenciada. Se isso não era possível, os fotossensores não deveriam sequer ter sido instalados. Mesmo que tivessem sido instalados não poderiam ter sido colocados em funcionamento, posto que não permitiam a aferição e a calibração no local onde estivessem sido instalados.

          Em resposta a ofício n° 480/PJDC/98, o DETRAN/MS manifestou-se dizendo ser da competência do CONTRAN a homologação dos fotossensores. A .............. apresentou o mesmo entendimento, afirmando que o equipamento já estava homologado pelo CONTRAN, conforme resposta ao ofício N° 396/PJDC/98. Basta uma simples leitura nas Resoluções supratranscritas para notar que é a autoridade de trânsito que tem jurisdição sobre a via que tem a incumbência de homologar o aparelho, ou seja, o DETRAN/MS. Logo, o aparelho ainda não foi homologado.

          No que tange à certificação e aferição, as Resoluções estabelecem ser do encargo do INMETRO ou outra entidade por ele credenciada. O INMETRO, autarquia de reconhecida idoneidade, neutralidade e capacidade, alega que o aparelho fotossensor não pode ser certificado nem aferido pois não é um instrumento de medir da área metrológica. Se realmente escapa à atribuição do INMETRO certificar e aferir o equipamento, não poderia o Detran utilizar esse fato como desculpa para não certificá-lo e aferi-lo, pois há no Brasil e, mesmo em Mato Grosso do Sul, instituições plenamente capazes de realizar o serviço. Como exemplo, cita-se a UNICAMP, o ITA, o IPT, a UFMS e a UNIDERP.

          A CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) que passou por processo licitatório semelhante determinou que a certificação dos equipamentos seria realizada pelo IPT.

          A certificação é fundamental para a garantia da Administração Pública séria e para os próprios administrados, dado que sem a certificação não se tem como saber se o aparelho é realmente hábil para registrar os fatos e, assim, dar confiabilidade nas fotos ou nas informações prestadas. Os simples fato de os fotossensores não terem passado por qualquer teste exigido deita por terra qualquer provável "boa intenção" que se possa alegar em favor dos réus.

          O Detran, os seus representantes legais e a ............., parceiros da ilegalidade e do abuso, passam por cima de tudo e de todos no anseio imoral e usurário de se enriquecerem ilicitamente, locupletando-se com o dinheiro alheio sem ao menos tentar mascarar a indecência, tamanha é a ganância.

          Diante da afirmativa de que as Resoluções 741/95 e 810/95 foram revogadas pela Resolução 23/98, há de se perguntar qual é a situação jurídica dos fotossensores hoje. A resposta é no sentido de que eles continuam irregulares, posto que a recentíssima Resolução CONTRAN n° 23, de 21.05.98, que, como já dito, revogou as duas anteriores, fazem as mesmas exigências, como se vê pelo disposto nos incisos do artigo 2º, "in verbis":

          "Art. 2° - Os requisitos básicos necessários para a instalação dos Instrumentos de Medição de Velocidade de Operação Autônoma são:

          I- estar aprovado e certificado pelo INMETRO - Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualificação ou entidade por ele credenciada, atendendo aos requisitos técnicos estabelecidos pelo CONTRAN e legislação metrológica em vigor;

          II- passar por verificação anual do INMETRO ou entidade por ele credenciada, ou quando for observada alguma irregularidade no seu funcionamento ou após sofrer manutenção".

          Ora, se a APROVAÇÃO, CERTIFICAÇÃO E A VERIFICAÇÃO PRÉVIA pelo Inmetro são "requisitos básicos necessários para a instalação dos instrumentos" eletrônicos, não sendo possível realizar tais determinações do órgão normatizador em relação aos fotossensores, eles devem ser tidos como equipamento impróprios para continuar regendo o trânsito. Pelo que se conclui que todos os atos posteriores (contratação, instalação, funcionamento e geração de multas) são ilegais e, portanto, nulos, não gerando qualquer efeito jurídico, a não ser contra os réus.

          Para concluir este tópico, há que se deixar claro que o Inmetro, apesar de ter reconhecido que o equipamento não possibilita o aferimento, não se mostrou concorde com a idéia de que o aparelho, por essa razão, possa estar no trânsito controlando-o. Ao se manifestar sobre o caso - através de seu representante em Mato Grosso do Sul, o DPM/MS – afirmou:

          "Parece-nos um tanto precipitada a atuação do CONTRAN e dos órgãos Estaduais de trânsito quando fazem instalar "sensores semafóricos" generalizando a responsabilidade do INMETRO na emissão de Certificados de Verificação. A ausência de mecanismos para este procedimento coloca em dúvida a transparência e credibilidade dos atos administrativos" (Contestação do Inmetro a ação civil pública nº 97.34248-4 proposta pelo Ministério Público em face dele e do Detran, presente à f. 830 do PA 14/97).

                    Afirmou, ainda, à f. 833 do mesmo PA, que:

          "O DPM não pode ser responsabilizado por atitudes precipitadas de uma autarquia independente que decide implantar sistemas e aparelhos, sequer passíveis de aferição, como os fotossensores."


VII. DAS DEFICIÊNCIAS DO FOTOSSENSOR:

          Muito já foi dito sobre as ilegalidades envolvendo o fotossensor sem que, no entanto, tenha-se definido o aparelho sob comento. Por uma questão de clareza e para uma melhor compreensão de todas as irregularidades que se passará a expor doravante, mister se faz explicar agora o que é o aparelho fotossensor, como funcionamento e qual é sua finalidade, para que o ilustre julgador tenha uma dimensão maior para poder aplicar a justiça e banir deste Estado esse "chicote" que a todos açoita e assombra e que levam os motoristas ao "tronco".

          Segundo informações prestadas pelo Detran (f. 229 do IC 11/98), o fotossensor teria duas funções básicas: detectar a invasão da faixa de segurança e o avanço no sinal vermelho. Para isso, conta com um microcomputador e uma câmera fotográfica acoplados ao próprio semáforo. A lente da câmara capta o movimento em toda extensão da faixa. Possui também dois sensores instalados no asfalto, localizados no início e no final da faixa de pedestre. Quando um veículo pára sobre o primeiro sensor, este emite sinal para um micro-processador para dar 8 segundos de tolerância para que o condutor saia dali, em marcha à ré, para não ser fotografado e, assim, não ser tido como infrator. Caso o veículo passe pelo segundo sensor, a máquina fotográfica também é acionada.

          De acordo com o fabricante, o fotossensor dispara tão somente após 1 segundo do surgimento do sinal vermelho, o que demonstra que ele é uma máquina que mensura o tempo e não é simplesmente uma máquina fotográfica.

          A partir de agora, passar-se-á a demonstrar as irregularidades detectadas no funcionamento deste aparelho, demonstrando que ele não tem, definitivamente, condição técnica de exercer o papel de auxiliar do controle do tráfego.

          E) O equipamento não tem percepção sensorial para poder multar, ele só registra:

          Será uma foto o meio seguro para se saber se houve realmente uma infração de trânsito? A resposta com certeza é negativa. Os fotossensores apenas registram eventos sem, no entanto, utilizar do bom senso, psicologia e discernimento que teria uma autoridade de trânsito para concluir se ocorrera ou não a infração. Isso são qualidades inerentes ao ser humano que, apesar de falho em muitos aspectos, é insubstituível pela máquina. O que, por uma simples foto, pareceria uma infração às leis de trânsito, poderia ter um julgamento diferente por um guarda. Com sua experiência e sensibilidade detectaria fatos que escapariam ao alcance dos "olhos mecânicos". Assim se determinaria, por exemplo, se o motorista passou no sinal vermelho a mando de um agente de trânsito que nesse sentido o orientou; se um outro parou sobre a faixa de pedestres devido a presença de bombeiros, polícia ou ambulância ou de um repentino engarrafamento a sua frente; se outro ainda adentrou o cruzamento com o sinal amarelo, por lhe ter sido impossível parar em tempo e, em face da exiguidade do sinal amarelo e para não causar um acidente com o veículo que vinha atrás de si, acabou por ter que – para não atrapalhar o trânsito – completar o cruzamento com o sinal vermelho para si.

          É por esse motivo que o TJ/MS vem decidindo no sentido de que uma só foto não serve para comprovar o cometimento de uma infração.

          "O sistema de fotografias ou "foto sensor" utilizado pelo Detran é falho, pois registra um único momento, qual seja aquele em que o veículo acoimado de "infrator" já ultrapassou o sinal. Seria necessário para fazer prova em juízo, pois, que se apresentasse, no mínimo, uma seqüência de fotos, em que a primeira mostrasse o veículo frente ao sinal vermelho e, ato contínuo, a outra ou outras, quando o seu carro já estivesse ultrapassado."(Acórdão da 3a turma cível do TJ/MS, decisão unânime, f. 920 do IC n° 11/98).

          O CREA/MS, ao tratar do assunto, foi bem claro em seu posicionamento, não deixando dúvida a respeito da deficiência do equipamento neste aspecto.

          Eis como o perito daquele Conselho se manifestou em sua conclusão:

          "Conclusão: Uma foto nem sempre oferece subsídio absolutamente seguro para materializar o cometimento de uma infração de trânsito."(Perícia realizada pelo CREA/MS, f. 780 do IC n°11/98)

          Nas condições em que as fotos são tiradas, só se poderia ter as infrações detectadas pelos fotossensores como válidas se as elas fossem convalidadas por um agente da autoridade de trânsito. Como colocar um guarda ao lado de cada "olho vivo" é contraproducente, os fotomultas devem ser descredenciados como instrumento auxiliar no controle do tráfego, por não serem confiáveis e por beneficiarem tão somente quem quer manter a indústria das multas.

          Como a coisa é feita, o Detran não tem como provar que efetivamente um motorista fotografado por um fotomulta tenha desrespeitado o sinal de trânsito, pelo que se conclui – levando-se em conta os princípios da inocência, da ampla defesa e do contraditório – que nenhum motorista deve ser punido nestas condições. Punição assim é absurda, posto que obriga o administrado, para não ser tido como infrator, a fazer comprovação negativa da não-transgressão das normas de trânsito. O ônus da prova da violação da lei é do órgão acusador.

          F) O tempo do sinal amarelo é exíguo, gerando multas indevidas:

          Em perícia realizada pelo CREA/MS, em sete cruzamentos da Capital, foi detectado que o tempo do amarelo estava menor do que o mínimo tolerável, que é de 3 a 6 segundos, e, por conseguinte, gerando multas indevidas, pois o motorista não pode parar abruptamente na mudança para o sinal amarelo sem comprometer o fluxo do trânsito.

          Na mesma perícia, foi demonstrado que:

          "O tempo do amarelo, em todos os setes semáforos citados, é insuficiente e causador de multas indevidas".

          Sobre o tempo de amarelo foi publicada recentemente matéria no jornal Correio do Estado, que, de forma percuciente, asseverou:

          "Através de perícia detectou-se, por exemplo, que em sete cruzamentos informados pelo Departamento Estadual de Trânsito (Detran), como de maior incidência de multas oriundas dos fotossensores, todos apresentam semáforos com tempo de foco amarelo inferior ao mínimo aceitável, resultando a penalização indevida de uma grande parcela de motoristas."

          Há de se deixar registrado que o manejo incontrolado que tem o Setrat do tempo dos sinais, principalmente do amarelo, é outro fator preponderante para tornar viável economicamente o "negócio" e, assim, poder manter todos os equipamentos funcionando, posto que todos gerarão o número de multa que os interessados desejam.

          O sinal amarelo, além de ser uma das melhores forma de fazer com que a indústria da multa se mantenha forte e atuante, é um dos empecilho para que se afira o equipamento, posto que todo equipamento aferido deve ser lacrado. Não se pode falar em aferimento, se, a qualquer momento, o interessado pelo funcionamento inadequado do equipamento pode manipulá-lo livremente. E como lacrar um equipamento que depende quase que exclusivamente do sinal amarelo que pode ser manipulado livremente pelo Setrat, com um simples toque de dedo no computador?

          Para se vencer essas insegurança e volatilidade do aferimento e para se garantir o respeito ao princípio da inocência e da ampla defesa, haveria de se instalar em cada semáforo equipado com "olho vivo", um aparelho que demonstrasse com eficácia a diminuição de tempo de cada sinal, como os que já existem instalados na Cidade de Aquidauna.

          Estes controladores de tempo de sinal mostraria, através de um cronômetro ou de luzes que acenderiam em escala decrescente, o tempo que resta de cada sinal, com o fim único de que os motoristas não fossem pegos de surpresa e, assim, não acabassem punidos, mesmo quando tinham o firme propósito de obedecer as normas de trânsito.

          Tem-se nos autos do IC/98, à f. 897, uma proposta de um aparelho que muito bem poderia ser usado no presente caso. Eis os fins para os quais seu inventor o idealizou:

          "Pensando em tudo isso é que resolvemos acabar de vez com esse problema, desenvolvendo o ‘Timer Digital para Semáforos’ um sistema que poderá reduzir a praticamente em ‘ZERO’ o número de acidentes, e também reduzir consideravelmente o de multas que, na maioria das vezes, recebemos sem ter a certeza de que realmente cometemos tal infração, pois nem sempre os fotossensores estão ‘Aferidos’ corretamente."

          Estando demonstrado que o tempo do sinal amarelo é: a) o fator preponderante para se conseguir o aumento das infrações e, por conseqüência, das arrecadações indevidas; b) um dos empecilho para se lacrar o fotossensor depois de aferido, por possibilitar seu manejo a qualquer tempo pelos representantes do Setrat, que poderão mudar o tempo do amarelo para o tanto que bem desejarem, com o fim único de gerar multas; e c) uma forma ilegal e imoral de se vedar ao motorista fazer uso do princípio da inocência e da ampla defesa, posto que não tem como fazer prova contra o aparelho, deve o fotossensor ser condenado, posto que sua atuação está intimamente ligada com o tempo do amarelo.

          G1. O fotomulta pune quando a lei permite que o motorista faça a travessia de forma regular:

          Várias razões antes apontadas comprovam e demonstram que o fotossensor não pode, com justiça e eqüidade, substituir o agente de trânsito, porque não possui o tato, a experiência, a percepção sensorial necessárias para perceber se houve ou não uma infração. Assim o fotossensor acaba por classificar como infração um fato que, por motivos circunstanciais de momento e contexto, não constitui-se em uma violação às leis de trânsito.

          Para reforçar ainda mais a tese apresentada neste item, faz-se aqui menções a outras situações, além daquelas já citadas antes, em que o fotomulta tem como irregular um comportamento completamente autorizado pela Lei de Trânsito.

          Tem-se, assim, aquela situação de se exigir que o motorista que pára sobre a faixa de pedestre, por lhe ter surgido o sinal amarelo ou vermelho, dela se retire, dando marcha à ré, em oito segundos, para não ser flagrado, como infrator, pelo "olho-vivo". Esse comportamento, por evidente, não tem critério legal, posto que em nenhum momento o Código Brasileiro de Trânsito impõe essa obrigação ao motorista, muito menos assinala que essa obrigação deve ser feita no exíguo tempo de 8 segundos. A obrigação criada pelo Detran e pela empresa ré fere princípio constitucional de que ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

          Outra aberração está ligada ao sinal amarelo. A normatização expedida pelo órgão que regula o trânsito em nível nacional é clara quando, em consonância com o Artigo 45 do CNT, dispõe a respeito da finalidade do sinal amarelo e de como o motorista deve proceder diante dele(4).

          Ao proibir o motorista de parar onde se encontra ou de efetuar o cruzamento para não colocar em risco a segurança do tráfego, quando vier o sinal amarelo ou o vermelho, o órgão estadual do trânsito está punindo o cidadão quando a lei não lhe confere direito de paragem ou de passagem. O Detran impõe tais exigências descabidas para que possa mais facilmente punir o cidadão em virtude da exiguidade do tempo do amarelo e, assim, alcançar a finalidade do contrato, que é o êxito do negócio.

          Segundo o Artigo 71, § 1o, inciso II, do Decreto n.o 62.127, de 16 de janeiro de 1968, que regulamenta o Código Nacional de Trânsito, estipula que o sinal amarelo significa advertência e, em seguida, no seu § 3º prevê que "O uso da luz amarelo-alaranjada, isoladamente ou com a luz verde, significa que os veículos deverão deter-se, a menos que já se encontrem na zona de cruzamento ou à distância tal que, ao se acender a luz amarelo-alaranjada, não possa deter-se sem risco para a segurança do trânsito.

          Só para exemplificar uma situação detectada como irregular pelo fotossensor em ofensa ao disposto neste inciso II do parágrafo 1º do artigo 71 do Decreto 62.127/68, cita-se, imaginariamente, o caso de um motorista (Senhor Pedro) que vinha conduzindo normalmente seu veículo na velocidade permitida pelo local, qual seja, 40 km/h. Quando este tocou o início da faixa de pedestre a luz amarelo-alaranjada do semáforo acendeu e ele, em obediência as normas de trânsito, parou, posto que não se encontrava no cruzamento nem colocava em risco a segurança do trânsito. Embora este motorista estivesse, como já dito, cumprindo fielmente todas as normas de trânsito, ele foi multado, posto que logo em seguida (a menos de 3 segundos) o sinal tornou-se vermelho e o fotossensor o fotografou como invasor de faixa. Não constitui isso uma ilegalidade?

          O Senhor Pedro, para não ser tido como infrator, segundo as normas do réu, deveria dar marcha à ré, em 8 segundos, para, no dizer do Detran, retornar "ao local permitido".

          Em primeiro lugar há que se questionar, mas que lugar permitido é esse se pelas normas de trânsito, naquelas circunstâncias, o veículo conduzido pelo Senhor Pedro já se encontrava no local permitido?

          Em segundo lugar, além de o Detran não poder determinar que o motorista faça algo que a lei não exige, ele não está autorizado pela lei a expedir normas de trânsito, mas apenas determinado a cumprir e a fazer cumprir as já existentes. Assim, ele jamais poderia determinar que o motorista desse marcha à ré nem ter fixado o tempo de 8 segundos para fazer tal proeza. Como pode um motorista sair, com os cuidados devidos, em marcha à ré, de cima das faixas de pedestre para retornar ao "local permitido"? Mesmo que o Detran pudesse fazer tal determinação e o tempo de 8 segundos fosse suficiente para fazer toda esse malabarismo, como deve proceder o motorista quando atrás dele já existem outros veículos que não o permitem retornar ao denominado "local permitido"?

          Em terceiro lugar, deve-se dizer que obrigar alguém frenar seu veículo e dar ré para, em 8 segundos, sair de cima da faixa de pedestre, é, no mínimo, autorizar o ferimento dos artigos 42 e 194 da Lei n.o 9.503, de 23 de setembro de 1997, que prescrevem esta última atitude como Infração grave:

          "Art. 42. Nenhum condutor deverá frear bruscamente seu veículo, salvo por razões de segurança."

          "Art. 194. Transitar em marcha à ré, salvo na distância necessária a pequenas manobras e de forma a não causar riscos à segurança".

          Apenas com esses exemplos, dá para perceber a paranóia em que o órgão estadual de trânsito coloca o motorista que dirige em Campo Grande. Como pode o condutor de veículo estar dirigindo em velocidade compatível para o local, estar atento ao trânsito e ao semáforo, imprimir velocidade razoável, de modo que possa passar antes de mudar o sinal para vermelho, frenar seu veículo e dar ré, para, em 8 segundos, sair da faixa de pedestre, sem colocar em risco à segurança própria e a de terceiro, para não ser multado? É este um jogo de malucos que a lei não exige nem pode exigir e só explicável pela ganância usurária dos representantes do Detran.

          Além das ilegalidades acima citadas, inúmeras outras reclamações de motoristas lesados poderiam ser aqui transcritas para demonstrar as inúmeras punições injustas que o predito equipamento impõe por funcionar contrariamente às disposições legais. Se o julgador tiver a paciência necessária e entender conveniente passar pelo menos uma vista d’olhos nas sobreditas reclamações, basta compulsar os autos Inquérito Civil n°11/98, de f. 04 a 223. Lá encontrará farto material demonstrando outras punições injustas e ilegais.

          O pior que punir quando a lei tem o comportamento como legal, é a impossibilidade de a Administração Pública poder comprovar, de forma objetiva, que o cidadão flagrado pelo fotossensor feriu a lei. Ora, se a própria Administração não consegue comprovar que o administrado cometeu infração, como pode exigir que o punido faça prova negativa contra si, para demonstrar que não infringiu a norma de trânsito? É a implantação do absurdo. É o desrespeito frontal as normas constitucionais.

          Tal estado de ilegalidade não pode continuar.

          H) Do ferimento aos princípios constitucionais da ampla defesa e da inocência, além de admitir provas oriundas de meio ilícito:

          O fotossensor não permite uma defesa ampla pois o motorista não tem como saber que, no momento da "suposta" infração, ele estava sendo multado. Faltam os sinais sonoros e visuais da aplicação da multa, dificultando sobremaneira a contestação da infração. Some-se a isso o fato de que uma única foto não é suficiente para comprovar uma infração. O Detran vem invertendo o ônus da prova, pois através de uma simples foto, que não comprova a infração cometida, obriga os motoristas a provarem que não estavam errados. Cabe ao acusador o ônus de comprovar a infração e não ao acusado provar que não a cometeu. Por tudo mais que já se comentou, as fotos, além de não comprovarem as infrações, padecem do vício da ilegalidade porque provêm de um equipamento que não tem base legal e que não respeita os critérios exigidos pelo CONTRAN para estar em funcionamento.

          O art. 5°, inciso LVI, da Carta Política é claro ao dispor que no ordenamento jurídico pátrio não é admitido provas obtidas por um meio ilícito, para se evitar, como ocorre no caso em comento, punições realizadas de forma desleal e sorrateira.

          Em reclamação feita ao Ministério Público, f. 33 do IC 11/98, o motorista reclama, e com razão, que foi cerceado seu direito de ampla defesa. O auto de notificação da autuação e multa não esclarece se o reclamante teria atravessado o sinal vermelho ou parado sobre a faixa de pedestres. Nesse caso há efetivamente o cerceamento do direito de defesa, pois não é possível que o cidadão possa se defender de algo, de forma ampla e irrestrita, sem saber qual é precisamente a infração que lhe está sendo imputada? A defesa torna-se pior ainda em virtude do fato de que os semáforos equipados com fotossensores não tem sinal sonoro nem luminoso indicadores da infração e esta é, na maioria das vezes enviada ao cidadão acoimado de infrator muito tempo depois do prazo tolerado pela lei. Esquecem-se os réus que as pessoas não podem se defender de acusações dúbias, que não esclarecem o motivo de estarem sendo penalizados, nem podem elas se lembrar de fatos que sequer tomaram ciência se aconteceram ou não.

          É para facilitar o direito de defesa do cidadão que o inciso I do artigo 280 da Lei n° 9.503/97 estabelece:

          "Art. 280- Ocorrendo infração prevista na legislação de trânsito, lavrar-se-á auto de infração, do qual constará:

          I - tipificação da infração;"

          Claro está que, da forma dúbia como a notificação tipifica a infração, a lei está sendo desrespeitada. Se o Detran não cumpre a lei, como pode exigir isso do cidadão?

          Outro ponto a ser lembrado nesse tópico é a habilitação do equipamento. Sem o aferimento e a certificação - condições sine qua non para instalação, funcionamento, legalidade, transparência e idoneidade do "olho-vivo" - não há como ter certeza de que o aparelho funciona dentro de padrões aceitáveis. Assim, todas as vezes que se pune um motorista com base nas acusações feitas pelo fotossensor, corre-se o risco de se estar punindo um inocente. Todos os brocardos positivados que refletem esse princípio (v.g. in dubio pro reo e in dubio pro mísero no âmbito penal e trabalhista) demonstram que, ao longo dos anos de evolução do Direito Positivo, sabiamente se aprendeu a aceitar pacificamente que é preferível deixar de punir dez culpados a punir um inocente.

          A Resolução do CONTRAN n° 801/95, que tratava das barreiras eletrônicas e que vigia no momento das instalações dos fotossensores, estabelecia que:

          "Parágrafo Único - Para atender às suas finalidades específicas e a critério de autoridade de trânsito com circunscrição sobre a via, a Barreira Eletrônica pode ser complementada, ainda com:

          I - lâmpadas indicativas da situação que está sendo verificada no trânsito;

          II- sinal sonoro indicador da infração;

          III- ser dotada de dispositivo que possibilite a identificação do veículo em infração;

          O fotossensor não possui sinal algum que indique que foi cometida uma infração. A colocação de tais indicativos não é só um dever do órgão de trânsito, mas um direito do cidadão para saber se cometeu ou não a infração que lhe é imputada. Além do mais, tais indicadores visariam, não a multa em si, mas a educação e prevenção no trânsito, que são os objetivos maiores previstos nas normas de trânsito.

          Em verdade, a multa gerada pelo fotomulta não oferece a segurança que dela se espera. Não consegue a empresa .............. nem o Detran comprovarem que o motorista flagrado pelo "olho-vivo" efetivamente desobedeceu o sinal de trânsito. Como bem dispôs a perícia do CREA/MS e as decisões do TJ/MS, uma única foto não é o suficiente para se ter um motorista como infrator. Nesse caso, é melhor deixar impune vários culpados do que punir um inocente.

          I) Da ausência de equipamento luminoso ou de contagem regressiva indicando qual o tempo que resta de sinal verde e de sinal amarelo:

          Tendo em vista que o objetivo principal dos sinais de trânsito é o de educar e de prevenir acidentes, é de fundamental importância que o motorista saiba exatamente o quanto do sinal verde falta, principalmente diante da deficiência do tempo do amarelo. Passa a ser imprescindível, para não se pegar os motoristas desprevenidos e penalizá-los de forma artificiosa, que se instale equipamento luminoso ou de contagem regressiva, indicando qual o tempo que resta de verde e de amarelo.

          A já referida perícia do CREA/MS recomendou uma espécie de contagem regressiva a ser realizado pelas lâmpadas verdes (o semáforo teria três lâmpadas e elas iam se apagando, uma a uma, a medida que o sinal amarelo e vermelho fossem se aproximando). O DETRAN, no entanto, não aceitou tal sugestão pois implicaria na redução das multas, por estarem os motoristas efetivamente avisados de quanto poderiam ou não passar com segurança, o que redundaria, para o órgão e os demais envolvidos, um lucro menor.

          Como se acoplou ao semáforo um outro elemento que lhe é estranho, deve-se também tomar outras providências para que os motoristas que efetivamente querem cumprir a lei possam fazer com consciência, dentro de limites de segurança aceitável. Agir de forma contrária é querer que os motoristas sejam surpreendidos por arapucas e não tenham como delas se livrar, o que é ilegal, imoral e inaceitável.

          J) Da impossibilidade de aferimento e de lacração do equipamento:

          O INMETRO afirmou, categoricamente, que não pode aferir o equipamento, posto que o mesmo não permite aferição.

          Ora, se não admite aferição não pode estar instalado para controlar o tráfego. Como já foi visto, a Resolução do Contran, a de nº 810/95, em vigor na época da instalação da maioria dos equipamentos, dispunha:

          "Art. 2º - A Barreira Eletrônica deve permitir a aferição e calibração no local onde estiver instalada."

          Por outro lado, a Resolução CONTRAN de n° 23, de 21.05.98, dispõe:

          "Art. 2° - Os requisitos básicos necessários para a instalação dos Instrumentos de Medição de Velocidade de Operação Autônoma são:

          I- estar aprovado e certificado pelo INMETRO - Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualificação ou entidade por ele credenciada, atendendo aos requisitos técnicos estabelecidos pelo CONTRAN e legislação metrológica em vigor;

          II- passar por verificação anual do INMETRO ou entidade por ele credenciada, ou quando for observada alguma irregularidade no seu funcionamento ou após sofrer manutenção".

          Como se pode estar regular um equipamento que sequer pode ser aferido? Não preenchendo as exigências legais, o equipamento está instalado e funcionando ao arrepio da lei.

          Mesmo que ele permitisse o aferimento e efetivamente fosse aferido, não tinha como ser lacrado depois desse ato para se ter a garantia necessária do órgão aferidor, posto que o tempo do sinal amarelo que rege basicamente o funcionamento do aparelho pode ser alterado na central de computadores da Setrat com um mero toque de dedo. Assim, o aferimento seria inócuo, pelo que se pode concluir que o referido equipamento é uma parafernália totalmente incontrolável e infiscalizável que só serve para punir homens de bem e servir como instrumento de arrecadação para seus inescrupulosos e avarentos idealizadores.

          K) Do ferimento ao princípio da igualdade e da aplicação de punição sem se utilizar de critérios legais:

          Por outro lado, o funcionamento do equipamento, da forma como é feito, fere o princípio constitucional da isonomia, por tratar condutores de veículos automotores que estão nas mesmas condições de forma desiguais.

          Para elucidar melhor a questão, passa a citar alguns exemplos. O motorista que parar seu veículo por 7,9 segundos sobre a faixa de pedestre não será multado, enquanto que o outro que parou por 8,1 segundos o será, apesar de a infração poder ter sido cometida por ambos. As motocicletas, consideradas veículos pela Lei n° 9.503/97, que fizerem um cruzamento desobedecendo o sinal vermelho jamais serão flagrados pelo equipamento, não sendo seus condutores punidos.

          No caso dos motociclistas o caso torna-se mais grave quando os fotossensores estão em frente de local de grande movimento, como o de uma escola, quando os condutores de motocicletas e mobilletes, se aproveitando da deficiência do equipamento, passam com o sinal vermelho para si, pegando os pedestres desprevenidos.

          O Tribunal de Justiça do Ceará decidiu, em agravos infringentes, que os fotossensores ferem o princípio da isonomia no caso de um carro ultrapassar o sinal vermelho, ser fotografado e multado e em um instante após atravessarem outros carros, não dando tempo ao aparelho para se preparar e, por conseqüência, ficando impunes. Diz o acórdão que "eis que os aparelhos soltos pela cidade só apanham um carro de cada vez que afrontado o sinal vermelho, sendo o caso, pois, de não serem multados os demais que, como aquele, por alguma razão, de força maior ou não, atravessaram o sinal de uma só vez, rescindo a penalidade sobre um só deles."

          É chegada a hora de dar um basta ao banquete de ilegalidades que consome toda a esperança da população, crivando-a da fé nos órgãos públicos, o que faz com que cada vez mais cresça a parcela de descrentes na justiça e na democracia.

          L) Da falta de placas de advertência dando conta da existência de fiscalização elétrica-eletrônica e fotográfica:

          Os motoristas e proprietários de veículos automotores de Campo Grande, de Dourados e, porque não dizer, do Estado de Mato Grosso do Sul e quiçá do Brasil todo, estão sendo multados pelo Detran/MS, através de fotossensores, instalados de forma camuflada, sem qualquer ostensividade, com o fito exclusivo de arrecadação de numerários, quando a norma em vigor é expressa em exigir a colocação de sinalização vertical ao longo da via fiscalizada, para manter o usuário permanentemente informado da existência do equipamento eletrônico, posto que o objetivo primeiro da fiscalização de trânsito, como já dito, é a educação e prevenção de acidentes e não a repressão e arrecadação.

          A norma existente sobre o assunto é tão exigente que chega até detalhar as dimensões das placas informativas e onde deverão ser colocadas. E essa obrigatoriedade, diga-se de passagem, não é válida apenas para os equipamentos fixos, mas também para os móveis, como o são os usados pela Polícia Rodoviária Federal nas rodovias.

          Eis a redação da Resolução nº 008/98 que estabelece a obrigatoriedade de sinalização indicativa de fiscalização mecânica, elétrica, eletrônica ou fotográfica dos veículos em circulação:

          "O Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN, usando da competência que lhe confere o art. 12 da Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro - CTB, e conforme Decreto nº 2.327, de 23 de setembro de 1997, que dispõe sobre a coordenação do Sistema Nacional de Trânsito;

          Considerando o que dispõe o Código de Trânsito Brasileiro;

          Considerando o caráter educativo da fiscalização de trânsito;

          Considerando a necessidade de estabelecer uma fiscalização ostensiva e preventiva que evite os acidentes de trânsito;

          R E S O L V E:

          Art. 1º. Toda fiscalização de trânsito por meio mecânico, elétrico, eletrônico ou fotográfico, deverá ser indicada, pelo menos, por sinalização vertical conforme modelo constante no anexo I da presente Resolução.

          Art. 2º. A sinalização deverá ser colocada ao longo da via fiscalizada, observada a engenharia de tráfego, respeitando espaçamentos mínimos que mantenham o usuário permanentemente informado.

          Parágrafo Único. Quando a fiscalização for realizada com equipamento tipo portátil, operado por agente de fiscalização, a sinalização poderá ser do tipo removível.

          Art. 3º. Esta Resolução entra em vigor trinta dias após a data de sua publicação, mantidas as Resoluções 795/95, 801/95 e 820/96 e revogadas as disposições em contrário."

          "ANEXO I DA RESOLUÇÃO N.º 008/98

          Placas Informativas:

          Fundo: Azul

          Orla Interna: Branca

          Orla Externa: Azul

          Legendas: Branca

          I - aparelhos sem agente operador no local:

          Dimensões:

          Largura: 1,90m

          Altura: 0,90m

          II) sinalização removível:

          Dimensões:

          Largura: 1,00m

          Altura: 0,50m".

          Essa Resolução é datada de 23 de janeiro de 1998, publicada em 22 de fevereiro de 1998, mas com sua eficácia contida até 22 de março de 1998, evidenciando que esse prazo foi concedido a todos os órgãos de fiscalização de trânsito para dar tempo à afixação das placas indicativas.

          A esse prazo nenhuma prorrogação foi acrescida, significando dizer que nesse interregno a norma tinha e tem força vinculante sobre o Detran e os Municípios réus, bem como sobre os motoristas dela destinatários.

          Ao Detran e aos Municípios coube o comando para a afixação de placas indicativas no prazo legal. Ao cidadão, o direito de somente ser multado eletronicamente quando da implementação da ordem legal, com a afixação de todas as placas de orientação e educação.

          Contudo, a ordem legal não foi cumprida em ambos os seus aspectos pelo Detran/MS e pelos Municípios réus, quais sejam: a de afixar as placas e a de não multar enquanto isso não ocorresse.

          Assim, todos os fotossensores estavam e estão funcionando sem as advertências legais, pelo que se conclui que o Detran e os Municípios demandados continuam fora da lei.

          Cientes estão o Detran e o Município de Campo Grande da ilegalidade praticada, tanto é verdade que os representantes legais desses órgãos ficam disputando entre si de quem é a culpa pela não instalação das referidas sinalização, como se vê pelas reportagens veiculadas pelo Jornal de Domingo, no dia 12 de setembro de 1999, sob os títulos: "SETRAT quer fotossensores como arapuca" e "Secretário rebate acusações". O absurdo de tudo isso é que o Secretário de Trânsito da Capital, JOSÉ JOAQUIM DA SILVA, afirma que não é necessária a colocação de qualquer placa de advertência, posto que, no seu entender, "o semáforo já é um sinal, então não necessita de outra informação" (f. 92 do PA 14/97/PJPPPSF). Totalmente ilegal, arbitrária e sovina tal maneira de proceder dessa autoridade que deveria pautar seu comportamento pela legalidade e moralidade de seus atos. Mal sabe ele que, como esse modo de agir, está cometendo improbidade administrativa capaz de lhe retirar o cargo que ocupa, por falta de dignidade e moralidade.

          Digno de nota, posto que vem reforçar tudo o que até aqui foi dito, é a decisão tomada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, no Agravo Regimental proposto pelo Ministério Público nos autos da ação civil pública nº 98.02.1720145 que aquele órgão moveu em face do Estado do Ceará e do Detran/CE, em virtude de funcionamento irregular de fotossensor.

          Eis o teor da Ementa (constante à f. 837 dos autos de PA 14/97/PJPPPSF):

          "EMENTA: - Agravo Regimental. Suspensão dos efeitos de Medida Cautelar proferida nos autos de Ação Civil Pública. Equipamentos eletrônicos destinados à imposição de multas aos proprietários de veículos automotores.

          1. A utilização de equipamentos eletrônicos com o fim de impor multas aos proprietários de veículos automotores, sob pena de violação aos princípios da legalidade, igualdade e impessoalidade, deve atender a exigência do CONTRAN, de colocação de placas de advertência em todos os locais onde tais aparelhos estejam instalados deve ter aferição das câmaras fotográficas pelo INMETRO, deve destinar tratamento igualitário a todos os indivíduos sob as mesmas situações jurídicas, e por fim, deve individualizar a responsabilidade de cada infrator.

          Recurso conhecido e provido"

          Frisar, mais uma vez, a falta de certificação, homologação, aferimento e calibração dos aparelhos é importante, para demonstrar que, se tais procedimentos fossem tomados, detectar-se-ia, com certeza, todas as ilegalidades e irregularidades até aqui apontadas e, certamente, seriam feitas, oportunamente, as correções devidas, antes mesmo que essas parafernálias fossem instaladas e colocadas em funcionamento para controlar o tráfego.

          Assim, verifica-se que é absolutamente nulas, lesivas, por conseguinte, todas as multas aplicadas pelo Departamento Estadual de Trânsito.


VIII. DAS RECOMENDAÇÕES FEITAS PELO CREA/MS E DAS
CONCLUSÕES QUE APRESENTOU NA PERÍCIA QUE ELABOROU:

          Na perícia realizada pelo CREA/MS, patentes ficam a comprovação de todas as irregularidades e ilicitudes cometidas pelos réus, Detran e ............, e, após o advento do CBT, também pelos Municípios de Campo Grande e de Dourados que, no âmbito de suas respectivas circunscrição, deveriam cumprir e fazer cumprir as normas de trânsito.

          Na mesma perícia, o CREA faz aos réus recomendações importantes que, colocadas em prática, solucionaria a questão. Além de ser de importância fundamental para o deslinde da causa as conclusões daquele Conselho.

          Eis, na íntegra, as preditas recomendações e as referidas conclusões:

          "RECOMENDAÇÕES AO DETRAN MS:

          1. Exigir o cumprimento dos dispositivos legais e resoluções pertinentes em todos equipamentos instalados que venham a instalar, como a lei prevê.

          2. Reexaminar o tempo do amarelo de todos os semáforos, à luz da presença de equipamento de detecção eletrônica.

          3. Melhorar sinalização e visibilidade dos semáforos.

          4. Adotar padronização na instalação dos novos equipamentos.

          RECOMENDAÇÕES AO FABRICANTE .............:

          A título de sugestão, para que possa fundamentar, adequadamente, prova de desrespeito ao sinal, seguem as recomendações:

          1. tempo de retardo deverá ser ajustável de 0,0 a 5,0 segundos em degraus de 0,5 segundos.

          2. Deverão ser acrescidas as seguintes grandezas na detecção do avanço do sinal.

          a)Ciclo do farol, e tempo de retardo.

          b)Identificação do instante da foto, dentro do ciclo do farol.

          c)Velocidade do veículo

          3. As grandezas do item 2 deverão ser copiadas a cada atuação para refletir as grandezas do momento da detecção.

          CONCLUSÕES:

          1. Os equipamentos que deveriam ser homologados previamente, não o estão, até a presente data, embora a .............. e DETRAN MS digam o contrário, baseados em alegações equivocadas. (item III - 11)

          2. fotosensor não está certificado e nem aferido, até a presente data. (item III - 18)

          3. Os sete cruzamentos informados pelo DETRAN MS, como os de mais alta incidência de multas, oriundas dos fotossensores, apresentam tempo de Amarelo inferior ao mínimo aceitável, resultando a penalização indevida de uma parcela dos condutores. (item III - 14)

          4. A detecção das paradas sobre a faixa de pedestre não se baseia em critério estabelecido por lei ou Resolução do CONTRAN. (item III - 15)

          5. A ........... objetiva se desobrigar da certificação, aferição e, por consequência, homologação, em vista do requerimento ao DENATRAN em 10/09/98 (item 18)

          6. DETRAN MS não cumpriu o artigo 14-I do Código de Trânsito Brasileiro, que diz; "cumprir e fazer cumprir a legislação e normas de trânsito", ao permitir a instalação e operação de equipamentos em MS sem o cumprimento dos dispositivos legais (item III - 16)

          7. A licitação da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego de SP), em curso, demonstra que as exigências do código de trânsito e das resoluções do CONTRAN são perfeitamente exeqüíveis. (item III - 20)

          8. A empresa .............., contratada pelo DETRAN MS, mantém relação obscura com a contratante, uma vez que fornece, instala, opera, mantém, dá garantia e fiscaliza a operação de um equipamento que não se submeteu, e não quer se submeter à qualificação legal. Exerce assim o papel de Interessado e Fiscalizador, ao mesmo tempo, de uma relação comercial, na qual o faturamento é uma porcentagem da arrecadação. (item III - 16)"

          Confirmadas, de forma clara e objetiva pelo CREA/MS, a irregularidades dantes apontadas, cabe ao Poder Judiciário a nobre, importante e necessária tarefa de reconhecer a nulidade da licitação e do contrato e, por conseqüência, determinar a desativação de todos os fotomultas, a devolução dos valores correspondentes às multas ilegalmente aplicadas e condenar, nos termos da lei, os administradores ímprobos, bem como os particulares que com eles foram coniventes e co-autores do mesmo delito.


IX. DO INDEVIDO CONDICIONAMENTO DO LICENCIAMENTO E DA TRANSFERÊNCIA DE VEÍCULOS AO PAGAMENTO DE MULTA RESULTANTE DE INFRAÇÃO REGISTRADA POR FOTOSSENSORES, MESMO QUANDO HÁ RECURSO ADMINISTRATIVO OU JUDICIAL EM TRÂMITE:

          Pelas ilegalidades acima apontadas, evidente fica a arbitrariedade do Detran ao exigir o pagamento das multas aplicadas por fotossensor para proceder o licenciamento ou a transferência de veículos.

          Tal condicionamento não fere apenas o bom senso mais também a lei e de maneira prevalente o Código de Defesa do Consumidor, por se constituir em uma cobrança vexatória e abusiva, proibida pelo artigo 42, "caput"(5) deste códex e tida como crime por seu artigo 71(6).

          Pior é a situação quando o cidadão é obrigado a abrir mão de seu direito de defesa para não lhe ser indeferido o pedido de licenciamento ou de transferência de seu veículo. Tal comportamento fere de morte o direito constitucional de ação e aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

          Além das ilegalidades acima apontadas, o expediente utilizado pelo DETRAN-MS, com o fim de coagir o administrado a recolher a multa aplicada pelos fotossensores apresenta algumas aberrações. Primeira. Reverte o "não-pagamento da multa" em outra infração sequer contemplada na legislação de regência, bem como a respectiva sanção. Segundo. Incide em "bis in idem", uma vez que o infrator é punido duas vezes pelo mesmo fato. Terceiro. Constitui forma velada de execução "sponte propria" do montante tido como devido, procedimento ilegítimo, imoral e inconstitucional. A Administração deve buscar o meio processual cabível para exigir do administrado o cumprimento da reprimenda, tal qual funciona no Direito Penal, até porque o efetivo recebimento da importância pecuniária devida deve estar em segundo plano. Quarto. Ofende o Princípio da Proporcionalidade, que decorre do Estado Democrático de Direito e consagrado no preâmbulo da Constituição Federal. Este princípio foi cunhado no Direito Administrativo como idéia de limitação do poder de polícia, exatamente para coibir medidas excessivamente gravosas aos direitos do cidadão, como a que ora se examina.

          Assim agindo, o representante do Detran está cometendo abuso de poder e improbidade administrativa, que devem ser corrigidos por esse juízo.


X. DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA:

          O Administrador Público deve se pautar pela legalidade, moralidade, impessoalidade e finalidade de seus atos, sendo certo que tudo que daí se afasta caracteriza ato de improbidade administrativa, pela qual deve responder o administrador ímprobo.

          A respeito do tema dispõe o Artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil:

          "Art. 37 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade (....)".

          A Lei n° 8.429/92, que trata dos atos de improbidade administrativa, prescreve:

          "Art. 1º. Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de 50% (cinqüenta por cento) do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta Lei.

          (....).

          Art. 2º. Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.

          Art. 3°- As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

          Art. 4°- Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos.

          Art. 5°- Ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do dano."

          (....).

          "Art. 10- Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1° desta lei, e notadamente:

          (....);

          V- permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado;

          VI- realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea; Nos dois versículos mencionados estampa-se, pois, e com inobjetável clareza, que administração é atividade subalterna à lei; que se subjuga inteiramente a ela; que está completamente atrelada à lei; que sua função é tão-só a de fazer cumprir lei preexistente e, pois, que regulamentos independentes, autônomos ou autorizados são visceralmente incompatíveis com o direito brasileiro."

          (....);

          VIII- frustar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente;

          (....);

          XII- permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;

          (....).

          Art. 11- Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente:

          I- praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso previsto, na regra de competência;

          II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

          (....);

          IV - negar publicidade aos atos oficiais;

          V - frustrar a licitude de concurso público;

          VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;

          (....).

          Art. 21. A aplicação das sanções previstas nesta Lei independe:

          I - da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público".

          Hely Lopes Meirelles, falando a respeito do assunto ora tratado, leciona que:

          "Os princípios básicos da administração pública estão consubstanciados em quatro regras de observância permanente e obrigatória para o bom administrador: legalidade, moralidade, impessoalidade e publicidade. Por esses padrões é que se hão de pautar todos os atos administrativos." (in Direito Administrativo Brasileiro, Ed. Malheiros, 17ª edição, 1990).

          Com o fim de se analisar melhor a questão, passa-se, em seguida, a tratar de cada um dos princípios que regem a Administração Pública, iniciando pelo mais importante de todos, qual seja, o da legalidade.

          M) Do Princípio da Legalidade:

          Todo ato administrativo deve visar à correta e completa aplicação da lei. Isso tem por escopo tornar claro a norma legal a ser observada pela Administração e pelos administrados, para o cumprimento do poder vinculado da Administração. Já dizia Seabra Fagundes, em sua inesquecível lição, que:

          "administrar é aplicar a lei de ofício."

          No mesmo sentido são os ensinamentos do eminente Sacha Calmon Navarro Coelho:

          "Assim, a função legislativa é formadora do direito pós constitucional. A administração, executora. Ao executivo cabe aplicar, executar, o direito posto. O executivo é servo da Lei. Subalterna é a função administrativa. Não está acima da Lei. É instrumento de sua realização sob a vigilância do Judiciário, que lhe fiscaliza o grau de fidelidade ao direito legislado, em defesa da ordem jurídica e dos cidadãos jurisdicionados."

          Quando não há lei permissiva de sua prática, o ato é nulo, porquanto para a aplicação de penalidades não pode prevalecer o poder discricionário administrativo. É assente que em Direito Administrativo prevalece o princípio de que "tudo o que não é permitido é proibido", diversamente dos demais ramos de Direito Privado, onde "tudo o que não é proibido é permitido".

          Por outro lado, ainda quando há lei permissiva, há se conferir sua consonância com a Carta Constitucional. Somente após verificada sua harmonia com o sistema jurídico, é que suas prerrogativas devem ser cumpridas.

          O ínsigne Celso Antônio Bandeira de Mello, de forma magistral ensina:

          "No Brasil, o princípio da legalidade, além de assentar-se na própria estrutura do Estado de Direito e, pois, do sistema constitucional como um todo, está radicado especificamente nos arts. 5°, II; 37 e 84, IV, da Constituição Federal. Estes dispositivos atribuem ao princípio em causa uma compostura muito estrita e rigorosa, não deixando válvula para que o Executivo se evada de seus grilhões. É, aliás, o que convém a um país de tão acentuada tradição autocrática, despótica, na qual o Poder Executivo, abertamente ou através de expedientes pueris – cuja pretensa juridicidade não iludiria sequer a um principiante – viola de modo sistemático direitos e liberdades públicas e tripudia à vontade sobre a repartição de poderes. Nos termos do art. 5°, II, ‘ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’. Aí, não se diz ‘em virtude de" decreto, regulamento, resolução, portaria ou quejandos. Diz-se "em virtude de lei". Logo, a Administração não poderá proibir ou impor comportamento algum a terceiro, salvo se estiver previamente embasada em determinada lei que lhe faculte proibir ou impor algo a quem quer que seja. Vale dizer, não lhe é possível expedir regulamento, instrução, resolução, portaria ou seja. Vale dizer, não lhe é possível expedir regulamento, instrução, resolução, portaria ou seja lá que ato for para coartar a liberdade dos administrados, salvo se, em lei, já existir delineada a contenção ou imposição que o ato administrativo venha a minudenciar. Além dos arts. 5°, II, e 84, IV, donde resulta a compostura do princípio da legalidade no Brasil, o art. 37 faz sua expressa proclamação como cânone regente da Administração Pública, estatuindo: "A Administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade...". portanto, a função do ato administrativo só poderá ser a de agregar à lei nível de concreção; nunca lhe assistirá instaurar originariamente qualquer cerceio a direitos de terceiros. Para reforçar ainda mais o entendimento deste caráter subalterno da atividade administrativa, basta examinar atentamente o art. 84, IV, da Lei Magna. De acordo com ele, compete ao Presidente da República "sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos, só podem ser produzidos para ensejar execução fiel da lei. Ou seja: pressupõem sempre uma dada lei da qual sejam os fiéis executores.

          Quando se tratar de ato punitivo, os cuidados com o princípio da legalidade devem ser redobrados. Assim é que todo ato administrativo punitivo que não tiver o respaldo em lei é nulo, posto que nesse caso não prevalece o poder discricionário da Administração Pública. Ainda se possuir norma permissiva, o ato administrativo, para ser válido, deve estar estritamente conforme às normas constitucionais, preservando a harmonia do sistema jurídico.

          No presente caso, desrespeitou-se o princípio da legalidade, dentre outras situações, quando o edital apresentou cláusula contrário à norma legal expressa; quando se estipulou o pagamento dos gastos oriundos do contrato de outra fonte a não ser aquela estipulada por lei; quando criou o tempo de oito segundos sobre a faixa de pedestres para multar; quando delegou a particular o poder de polícia; quando destinou ao pagamento de empresa privada receita que deveria ser usada em campanhas preventivas de trânsito; quando deixou à contratada a tarefa de fiscalizar a execução do contrato; quando não se estipulou um valor certo para o preço do contrato; quando se permitiu a instalação de equipamento eletrônico sem estar certificado, homologado, aferido e calibrado; quando não se colocou sinal de advertência da existência de fotossensores instalados e em funcionamento; quando se fez contrato com o objetivo meramente arrecadador, prevendo que se os aparelhos não rendessem lucros para empresa privada deveriam ser desinstalados; quando não se determinou, como obrigatória, a certificação, aferição e calibramento dos fotossensores; quando se permitiu a instalação de equipamentos não homologados pelo Detran/MS.

          Vê-se, pelo elenco exemplificativo acima, que os administradores públicos, réus nesta demanda, não tiveram parcimônia alguma para desrespeitar o princípio da legalidade. Desrespeitaram-no e o fizerem abundantemente, com a maior insolência do mundo, devendo, portanto, pagar por isso, nos termos da lei.

          N) Do Princípio da Impessoalidade

          O princípio da impessoalidade completa a idéia de que o Administrador Público deve ser um executor da lei sem se desviar do fim nela proposto. Assim, o ato que serve de veículo de manifestação da vontade estatal, isto é, as realizações administrativo-governamentais, não são do agente político, mas sim da entidade pública em nome da qual ele atua.

          Eis, na lição de Hely Lopes Meirelles, em que consiste o princípio da impessoalidade:

          "O princípio da impessoalidade, referido na Constituição de 1988 (art. 37, "caput"), nada mais é que o clássico princípio da finalidade, o qual impõe ao administrador público que só pratique o ato para o seu fim legal. E o fim legal é unicamente aquele que a norma de direito indica expressa ou virtualmente como objetivo do ato, de forma impessoal." (In Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros Editores, 21a Edição, 1995, página 82).

          Nesse sentido, também é o ensinamento do Professor Alexandre de Moraes:

          "Esse princípio completa a idéia já estudada de que o administrador é um executor do ato, que serve de veículo de manifestação da vontade estatal, e, portanto, as realizações administrativo-governamentais não são do agente político, mas sim da entidade pública em nome da qual atuou." (In Direito Constitucional, Editora Atlas, 1997, página 254).

          Toda e qualquer punição à infração de trânsito é ato administrativo, cuja legitimidade repressiva encontra ressonância no poder de polícia, do qual é detentor a Administração, para fazer cumprir, administrativamente, suas determinações, suas limitações.

          Mas, para que seja externado, para que haja manifestação de todos os atos administrativos, carece a Administração Pública se utilize de servidores públicos, que são pessoas detentoras de autoridade para cumprimento de funções estabelecidas e limitadas pela lei, dada a impossibilidade de delegação do Poder de Polícia a um particular.

          De fato, é de se exigir que toda a fiscalização de trânsito seja realizada pela Administração, através de seu pessoal, que são profissionais habilitados e preparados para a orientação e a educação do cidadão, do motorista, em vista da atividade primeira do Estado, que é a de realização dessa educação social. Somente após o cumprimento desse desiderato, a aplicação de sanções é possível.

          Assim, somente se pode exigir a impessoalidade do que é pessoal, porque somente a pessoalidade é inerente a agentes e autoridades. Somente eles são possuidores de discricionariedade, bom senso, equilíbrio. Somente eles podem constatar, aquilatar, interpretar e julgar imparcialmente atos e fatos em confronto com a lei.

          A fiscalização eletrônica, realizada através de fotossensores e de suas máquinas fotográficas, que captam apenas átimo de segundo dos fatos havidos, é apenas meio acessório, auxiliar da autoridade administrativa, do agente da autoridade, e para ratificar-lhe atos, quando duvidosos. Jamais lhe substituindo em domínio.

          Por outro lado, também foi desrespeitado o princípio da impessoalidade e da finalidade quando, de maneira parcial e explícita, se utilizou de uma aparente licitação, de pouquíssima e inexpressiva divulgação, para legalizar uma relação jurídica nula desde sua raiz, desviando de sua finalidade ao beneficiar pessoas certas e já ajustadas previamente e enriquecê-las ilicitamente.

          Falta a pessoalidade aos representantes da Empresa .......... para analisar as fotos tiradas para aquilatar se efetivamente ocorreu a infração de trânsito ou não, posto que eles estão interessados tão somente em arrecadar e não em realizar um ato que busque efetivamente um fim legal, que, em muitas das vezes, pode ser contrárias aos seus interesses econômicos.

          Ao tratar do assunto, no Agravo Regimental acima referendado, os iminentes desembargadores do Tribunal de Justiça do Ceará entenderam que a postura do Dentran/CE, ao permitir o funcionamento de um equipamento como o fotossensor, fere o princípio da impessoalidade, nos seguintes termos:

          "(....) releva, por outro lado, atentar para a impessoalidade das armadilhas de que se cuida, porquanto seu uso torna a atividade da Administração absolutamente infensa à pessoa do administrado, eis que elas não registram a identidade do motorista infrator. Com as novas e dracônicas disposições do Código de Trânsito, em que sucessivas infrações podem gerar a suspensão da licença para dirigir, imprescindível se faz a identificação do transgressor, o que impossível com o uso das câmaras fotográficas."

          Não atuaram com impessoalidade o ex e o atual Diretor-geral do Detran, porque o primeiro firmou contrato com fins escusos e o segundo porque não rescindiu de pronto tal contrato. Em verdade, o predito contrato não constitui-se em veículo de manifestação da vontade estatal, mas dos próprios réus. Os Administradores não agiram como agente político, mas sim como particulares, posto que impuseram suas vontades, visando fins de promoção pessoa e de terceiros, que com eles foram coniventes.

          O) Do Princípio da Moralidade:

          Conforme ensina o Professor Hely Lopes Meirelles, a moralidade administrativa está intimamente ligada ao conceito de bom administrador. Afinal, os romanos já diziam que nem tudo que é legal é honesto.

          Diogenes Gasparini, ao comentar esse princípio, afirma:

          "O ato e a atividade da Administração Pública devem obedecer não só a lei mas a própria moral".

          O prévio acerto do "negócio", com lucros que sabidamente atingiriam facilmente a casa dos milhões, entre administradores ímprobos e espertalhões de plantão, desrespeitou o princípio da moralidade.

          Para atingirem seus fins hediondos, utilizaram meios sabidamente ilícitos com intuito unicamente de enriquecimento dos interessados no dito "negócio", com evidente espoliação dos motoristas, além de tachá-los de "infratores", sem qualquer prova objetiva e lícita nesse sentido.

          Tudo foi feito para que o negócio, além de se tornar rendoso, fosse parar nas mão da ré ..........., sem qualquer concorrência, com prejuízo para a Administração Pública que ficou sem opção de escolher um produto de melhor qualidade e a um preço menor. A pouca divulgação e a obscura informação da natureza e da grandiosidade do certame tiveram por objetivo afastar os prováveis concorrentes que, sequer, conseguiram entender a natureza milionária do negócio.

          Embora o ato administrativo deva obedecer a lei e a moral, no caso em tela, ele não atendeu nem uma nem outra, sendo, portanto, nulo.

          P) Do Princípio da Publicidade:

          São lições do ilustre Professor José Afonso da Silva, "in" Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros Editores, 10a Edição, 1995, página 617, que:

          "A publicidade sempre foi tida como um princípio administrativo, porque se entende que o Poder Público, por ser público, deve agir com a maior transparência possível, a fim de que os administrados tenham, a toda hora conhecimento do que os administradores estão fazendo. Especialmente, exige-se que se publiquem atos que devam surtir efeitos externos, fora dos órgãos da Administração.

          A publicidade, contudo, não é um requisito de forma do ato administrativo, "não é um elemento formativo do ato; é requisito de eficácia e moralidade. Por isso mesmo os atos irregulares não se convalidam com a publicação, nem os regulares a dispensam para sua exeqüibilidade, quando a lei ou o regulamento a exige".

          Todos os atos administrativos devem ser públicos e isto é assim não só porque a lei exige, mas para a garantia de que os cidadãos não ficarão a mercê do "Big Father", sendo pegos desprevenidos, de surpresa, e também para que possam fiscalizar os atos do administrador público, verificando se estão sobre a égide da legalidade e moralidade (afinal, se está em uma "res publica"), pois, esta e algumas outras atitudes dos gestores do dinheiro público vêm demonstrando o esquecimento e mutação da ratio de existir primária e originária do Estado: não mais um contrato social, para algo indefinido e involuído, tratando a população como uma inimiga ou escrava, que a tudo deve submeter-se, jamais podendo questionar a vontade do "Reino".

          Assim, a obscura e pouca divulgação da licitação e de seus objetivos e a existência de fotossensores, de máquinas fotográficas, sem a devida sinalização pública de suas existências, têm negado o princípio da publicidade dos atos administrativos. Os fotomultas, desde sua implantação, tem privado o cidadão das corretas orientação e educação para o trânsito, bem como do conhecimento necessário e salutar ao convívio social, sendo as multas aplicadas por equipamentos camuflados, o que inviabiliza sua validade.

          O Estado não pode agir sigilosa e sorrateiramente, como fazem os gatunos durante a noite. Deve ele agir sem surpresa para com o cidadão. Tem ele a obrigação de manifestar ostensiva e visivelmente seu poder de polícia. As punições hão de ser antecedidas de orientação e educação.

          Assim, é de se concluir que os atos administrativos praticados pelo Detran e, agora, pelos Municípios réus também, sem observância do princípio da publicidade, que vincula a Administração Pública e a obriga ao seu cumprimento, eiva de nulidade todos os atos administrativos praticados nesta condição.

          Q) Quanto à improbidade administrativa por desvio de poder:

          Wallace Paiva Martins Júnior(7), ao escrever sobre o tema "Desvio de Poder", o fez de forma objetiva e clara, valendo a pena aqui transcrever parte de seu artigo:

          "1. Conceito

          Desvio de poder é o uso indevido do poder que o administrador faz do poder discricionário de que é detentor para atingir fim diverso do que a lei assinalara, segundo José Cretella Júnior(8). É uma das patologias mais crônicas e freqüentes da Administração Pública, consistindo no uso de uma competência em desacordo com a finalidade que lhe preside a instituição, conforme explica Celso Antônio Bandeira de Mello(9).

          2. Efeito

          Anulação do ato de ofício pela administração pública ou mediante provocação pela administração pública ou judicial (Súmula 473, Supremo tribunal Federal), podendo gerar responsabilidade administrativa, penal e civil (esta se houver causação de danos patrimoniais e morais), além da responsabilidade civil por improbidade administrativa (independentemente de dano patrimonial, conforme o art. 21, inc. I, da Lei Federal 8.429/92).

          (....).

          O art. 37 da Constituição trata do assunto ao albergar os princípios da moralidade e da impessoalidade, abrangendo a finalidade, e no nível infraconstitucional o desvio de poder é causa de nulidade do ato administrativo (art. 2º, alínea e, Lei Federal 4.717/65) e de improbidade administrativa (art. 11, inc. I, Lei Federal 8.429/92), inspirando mandado de segurança inclusive (art. 5º, inc. LXIX, Constituição) e a ocorrência de crime de abuso de autoridade (art. 4º, alínea a, Lei Federal 4.898/65). No âmbito geral, numa visão unitária do Direito, não deixa de ser uma peculiar afetação do abuso de direito (art. 160. Código Civil).

          5. Espécies

          Embora haja dissenso doutrinário, concebem-se duas espécies ou modalidades: a) o excesso de poder, quando há competência e o agente dissimuladamente invade competência alheia ou há competência mas o ato extravasa seus limites; b) o desvio de finalidade, quando há competência e o agente busca fins diversos do interesse público ou pratica ato com motivos estranhos ao interesse público.

          A essas duas acresça-se mais uma. Pode ocorrer o desvio de poder, ainda, sob o manto da omissão administrativa lesiva, pois o não agir é também agir, segundo a doutrina de Afonso Rodrigues Queiró(10).

          6. Prova

          É reconhecidamente difícil, senão quase impossível. ‘Algumas vezes, porém, ela ressalta, ostensivamente, do conjunto de evidências documentais’ explica Nunes Leal(11).

          Dissimulado sob o manto de aparente legalidade "há de ser surpreendido e identificado por indícios e circunstâncias que revelem a distorção do fim legal, substituído habilidosamente por um fim ilegal ou imoral" anota Hely Lopes Meirelles(12).

          (....).

          José Cretella Júnior apoiado na doutrina e jurisprudência francesa e italiana descreve que "certos "sintomas" (índices, indícios, traços), entretanto, podem denunciar a "distorção", fornecendo fundamento seguro para a anulação do ato viciado" (13). Isto porque " a autoridade dissimula os móveis verdadeiros que a impelem, devendo o juiz analisar todas as circunstâncias que cercaram a edição do ato. Esta prova é dificílima de ser feita" (14). O elemento psicológico do agente é difícil de captar, admitindo o desvio de poder prova indireta, conforme narra Georges Vedel(15)

          (....).

          7. Sintomas

          Essa prova, que pode ser obtida por sintomas, tem registro eloqüente na doutrina e na jurisprudência brasileira, francesa e italiana.

          (....).

          8. Responsabilidade civil

          (....)."

          Na atualidade, incerteza inexiste até porque se o ato figura dentre aqueles cuja lesividade é presumida pelo art. 4º da Lei Federal 4717/65 haverá direito ao ressarcimento de danos, bem como se caracteriza improbidade administrativa, pois mesmo o art. 21, inc. I da Lei Federal 8429/92, estabelecendo que a incidência das sanções nela previstas contra o ato atentatório dos princípios da administração pública na modalidade desvio de poder (art. 11, inc. I, Lei Federal 8429/92) independe de efetivo dano se ocorrer esta circunstância, como se percebe da redação explícita do art. 12, inc. III, da Lei Federal 8429/92, derivando o debate, então, para outro tema: o da prova da lesão."

          Pela exposição feita até aqui, evidenciado ficou a ocorrência da lesão ao patrimônio público e ao cidadão. O ex e o atual diretor-geral do Detran usaram da competência que o cargo lhes atribuiu para atingir finalidade diversa daquela que o interesse público exigia. Usaram os equipamentos eletrônicos não para controlar a fluidez do trânsito, educar o cidadão e prevenir acidentes, mas para fins arrecadatórios. Praticaram estes atos com motivos estranhos ao interesse da coletividade, além de terem aplicado o dinheiro arrecadado para enriquecer empresa particular e, indiretamente, a eles próprios.

          Dessa forma, caracterizado está a prática de improbidade administrativa por desvio de poder, em virtude do ferimento aos princípios da moralidade, impessoalidade e finalidade (artigo 11, inciso I, da Lei nº 8.429/92), com o conseqüente cometimento do crime de abuso de autoridade (artigo 4º, alínea "a", da Lei nº 4.898/65) e a ocorrência de abuso de direito (artigo 160 do Código Civil).

          De pronto se percebe que os atos jurídicos que deram suporte a estes comportamentos desviados da legalidade, moralidade, finalidade e impessoalidade são nulos desde seu nascedouro, não gerando, portanto, qualquer direito, a são ser contra quem os praticou, dado que o ato ilícito é uma das fontes de responsabilidade civil, penal e administrativa.

          Mesmo que não houvesse prova evidente das lesões praticadas, o dever de ressarcir o dano se impõe, dado que alguns atos figuram dentre aqueles cuja lesividade é presumida pelo artigo 4º da Lei Federal nº 4.717/65 e outros caracterizam improbidade administrativa por desvio de poder, sendo que neste caso o artigo 21, inciso I, da Lei 8.429/92, estabelece que as sanções nele previstas contra ato atentatório dos princípios da administração pública na modalidade de desvio de poder (artigo 11, inciso I), aplica-se independentemente de prova do efetivo dano material; como se percebe pela redação explícita do artigo 12, inciso III, da mesma Lei 8.429/92.

          Assim, são civilmente responsáveis pelo ressarcimento integralmente dos danos causados, independentemente das sanções penais e administrativas que lhes podem advir, ............ e ................, na condição de ex e atual Diretor-Geral do Detran respectivamente, e os sócios da empresa ............ Tecnologia Ltda., quais sejam: ............ e ................

          ............., pelo que foi amplamente debatido e demonstrado até então, deverá ser responsabilizado por ato de improbidade e desvio de poder, posto que praticou atos que causaram e estão causando lesão ao erário público e que atentam contra os princípios da administração pública, quais sejam: a) facilitou e concorreu para a incorporação ao patrimônio particular da Empresa .................. e de seus sócios valores advindo do pagamento de multas aplicadas em virtude de supostas infrações de trânsito, valores estes que deverão ser devolvidos aos motoristas, por força de decisão judicial; b) permitiu e facilitou a aquisição dos serviços da .......... por preço bem superior ao que se poderia encontrar no mercado; c) aceitou garantias insuficientes da empresa ré; d) frustrou a licitude de processo licitatório para que a Empresa .............. fosse vencedora; e) ordenou a realização de despesas não autorizadas em lei; f) agiu negligentemente no que diz respeito à conservação do patrimônio público; g) liberou verbas públicas sem a estrita observância das normas pertinentes; h) permitiu e facilitou que a empresa ré e seus sócios se enriquecessem ilicitamente a custa da Administração Pública e dos cidadãos; i) praticou atos, quer por ação quer por omissão, que violaram os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade à instituição pública a que ele pertencia; j) praticou ato visando fim proibido em lei, l) deixou de prestar contas do dinheiro arrecadado com as multas, bem como o destino que deu a este dinheiro; m) praticou atos que ensejaram a perda patrimonial e a dilapidação do patrimônio do Detran; e n) não velou pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe eram afetos.

          O réu ...... deve também responder pelos mesmo atos de improbidade anteriormente citados, pois, mesmo sabendo de todas as irregularidades e ilegalidades praticadas pelo seu antecessor, fechou os olhos, em clara conivência e concordância, deixando que a lesão ao patrimônio público e social continuasse também no chamado "Governo Popular".

          E não se vá dizer que este réu não tinha conhecimento dessas irregularidades, posto que foi ele próprio que fez veicular pela imprensa televisada nota à população em que afirmava ter havido, no Governo Wilson Barbosa Martins, lesão ao patrimônio público e ao cidadão, por conta das instalações do fotossensores no Estado. Foi ele veemente ao atacar a indústria de multas, mas não foi coerente com seu pronunciamento, posto que nada fez para corrigir a situação.

          Nada fez e ainda teve a audácia de coagir a população a fazer o pagamento indevido, aproveitando-se do monopólio odioso que o Detran detém.

          Ora, se o atual Diretor-geral do Detran visualizou o prejuízo ao Patrimônio Público e ao cidadão, deveria colocar, sem detenção ao assumir o cargo, um fim a imoralidade e a ilegalidade instaurada.

          Em razão do referido reconhecimento, o dever de informação dos valores arrecadados com as multas oriundas dos fotossensores e o destino dado a elas se impõe como uma obrigação moral, legal e necessária para comprovar que efetivamente o Detran age com transparência.

          As responsabilidades da Empresa ........... e de seus sócios são aquelas previstas na Lei n° 8.429/92 e consonância do Código Civil e o Código do Consumidor, dado que, além de terem concorrido para a prática do atos de improbidade acima referidos, dele se beneficiaram diretamente, com grande prejuízo aos cofres públicos e à população.

          Os municípios além de nada terem feito para solucionar a questão, dado que a partir da vigência do CBT passaram a ser os responsáveis pelo trânsito no âmbito de suas respectivas circunscrições, ainda, através das suas Secretarias de Trânsito diminuíram o tempo do sinal amarelo, com o fim de gerar mais multas e assim participar de um percentual maior da arrecadação. Também omitiram em colocar os sinais obrigatórios de aviso da existência de equipamento eletrônico. Sua responsabilidade é inafastável. Devem devolver tudo o que lhes foi repassado em razão do contrato ilícito e imoral feito.

          A todos os réus devem ser aplicadas as penalidades previstas no Artigo 12 da predita Lei nº 8.429/92, de acordo com sua situação jurídica própria, dentre elas, verbi gratia, perda da função pública e pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano, proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, por ser medida de inteira justiça.


XI. DO DEVER DE RESTITUIR EM DOBRO O
QUE COBROU E RECEBEU INDEVIDAMENTE:

          Em seu artigo 964, reza o Código Civil:

          "Art. 964 - Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir".

          Outrossim, o Código de defesa do Consumidor determina no parágrafo único do artigo 42 que os valores correspondentes à devolução devem ser corrigidos, em dobro e acrescidos dos juros legais:

          "Art. 42. (....).

          Parágrafo único - O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro ao que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável".

          Neste diapasão, cumpre esclarecer que os réus promoveram, bem como vêm promovendo a cobrança de multas impostas por mecanismo eletrônico-fotográfico inabilitado e que não tem o condão de dizer com objetividade e precisão se o cidadão efetivamente cometeu a infração que lhe é imputada. Destarte, cabe ao Judiciário tomar as medidas cabíveis no sentido de compelir os réus a recomporem os prejuízos causados, restituindo aos consumidores-cidadão em dobro, acrescido de correção monetária e juros legais, ex vi do que dispõe o parágrafo único do artigo 42 da Lei 8.078/90, todo o dinheiro recebido indevidamente.

          O dever de restituir decorre diretamente da postura ilegal e imoral adotada pelos requeridos. Como é cediço em Direito, todo aquele que causa prejuízo a outrem é obrigado a indenizar. E não há de ser diferente no caso em apreço, haja vista as inúmeras arbitrariedades cometidas por todos os demandados.

          Cumpre ressaltar que a exceção de "engano justificável", contemplada no parágrafo único do já mencionado art. 42, não se configura no caso vertente, pois os reclamados agiram com dolo intenso desde o início e mesmo alertado por várias ações judiciais, leis, notícias em jornais e recursos administrativos interposto perante o Detran, nada fizeram para cessar a mesquinha e usurária cobrança. O próprio Governador reconheceu a ilegalidade dos fotossensores, tanto é que fez deles uma de sua plataforma de campanha.

          O parágrafo único do predito artigo 42 do CDC contempla uma sanção imposta àqueles que, ao agirem com má-fé, locupletaram-se em detrimento do cidadão-consumidor. Aqui, o fulcro do conceito ressarcitório encontra-se deslocado para a convergência de três forças: o "caráter punitivo" , o "caráter preventivo" e o "caráter compensatório" da norma. Tem cunho punitivo, pois a condenação à repetição do indébito, em dobro, avulta-se como um castigo para aquele que infringiu a lei. É de inspiração preventiva, já que evitará que a lesão se perpetue a outros membros da sociedade. Por fim, tem natureza compensatória, pois ressarcirá o cidadão-consumidor dos prejuízos experimentados.

          E é exatamente isto que o autor pretende obter, atendendo a um anseio eminentemente social. A condenação dos réus na devolução em dobro servirá como um alerta a muitos outros ramos da sociedade que têm por costume fazer cobranças vexatórias, abusivas e indevidas. Com efeito, muitos órgãos do próprio Governo haverão de pensar duas vezes antes de exigir quantias indevidas, evitando-se com isso que a lesão se perpetue na sociedade.

          Para finalizar, convém salientar que caso propugne a defesa pela aplicação do Código Civil, só fará ratificar as verdades preditas neste venábulo, máxime porque ausentes as exceções contempladas nos artigos 969, 970 e 971 daquele códex.


XII. DA NECESSIDADE DE SE DESCONSIDERAR A PERSONALIDADE JURÍDICA DA EMPRESA RÉ:

          No presente caso é indiscutível a necessidade de se desconsiderar a personalidade jurídica da empresa ré, atingindo por conseguinte o patrimônio dos seus sócios em caso de impossibilidade de se restituir aos cofres públicos e aos cidadãos-consumidores lesados os valores obtidos ilicitamente através de um contrato nulo ab initio.

          Foi de grande valia o avanço doutrinário, jurisprudencial e legislativo no que tange a não confusão do patrimônio dos sócios e da empresa. Sim, porque era grande a quantidade de casos de sócios e proprietários de empresas que se aproveitavam desse princípio para fraudar a lei e cometer diversas ilicitudes, apostando que não seriam responsabilizados pois todos os atos praticados os foram em nome da empresa, escudando-se na personalidade jurídica.

          Nesta ordem de idéias, a doutrina abraçou a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, que foi depois acolhida pelos legisladores e pretórios. Hoje, os responsáveis pelo dano não podem mais se ocultar atrás da personalidade jurídica. Caso a empresa, a associação ou a cooperativa não possuam condições financeiras para indenizar, os seus diretores, prepostos e agentes respondem pelos atos praticados.

          A Constituição Federal, o Código do Consumidor e a Lei de Combate à Improbidade Administrativa, como instrumentos de justiça que são, patrocinam o arrimo ao consumidor indefeso, esbulhado em seus direitos e à Administração Pública, proporcionando o acesso àquilo que lhes é próprio. Objetiva a legislação através de métodos assépticos, elidir as máculas advindas da malsinação das relações de consumo e das relações contratuais escusas que alguns administradores públicos promovem em conluio com representantes de empresas particulares.

          Como se percebe, os verdadeiros responsáveis pelo golpe, para consumá-lo, valeram-se da personalidade jurídica da empresa, apostando na impunidade. Cônscios dos abusos e das ilegalidades cometidas, os sócios da .............. permaneceram anônimos, utilizando sempre o nome da entidade para ilidir qualquer responsabilidade individual.

          Para evitar, portanto, que os culpados fiquem impunes, o que representaria um sério estímulo à imoralidade e injuridicidade, cumpre desde já responsabilizar solidariamente todos os sócios da ré que contribuíram para a consumação do golpe. A continuar como está, jamais haverá a realização da Justiça, mas sim o prestígio aos matreiros astutos, pela inocuidade do provimento jurisdicional.

          Para que tal iniqüidade não ocorra, mister se faz a desconsideração da personalidade jurídica da ............., a fim de que seus dirigentes e demais responsáveis cumpram com o seu dever, indenizando e reparando os danos causados a terceiros e ao próprio erário público.

          Certo é que a pessoa jurídica tem existência distinta da de seus membros, cujo capital não se confunde com o daquela. Entretanto, isto não os avaliza a praticarem atos que comprometam o vigor patrimonial da sociedade, mormente quando em prejuízo de inúmeras pessoas.

          É o que reza o Código do Consumidor, em seu artigo 28, "caput" e § 5º, "in verbis":

          "Art. 28 - O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocada por má administração.

          (....).

          § 5º Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores".

          Daí a necessidade da desconsideração da personalidade jurídica, a fim de sujeitar os bens de todos os responsáveis pelos danos causados aos cidadão-consumidores e ao erário público aos efeitos da sentença condenatória, assegurando o resultado útil do processo.

          Nesse sentido merece transcrição o magistério de Arruda Alvim:

          "Inocorrendo suporte da pessoa jurídica para arcar com as conseqüências, o juiz pode desconsiderá-la e responsabilizar o verdadeiro autor da prática do ilícito. Por isso mesmo, e principalmente, se a empresa não tiver meios para pagar, poderá o juiz, aplicando o art. 28 em questão, desconsiderá-la condenando o próprio fornecedor".

          Mais adiante, acrescenta o emérito jurista:

          "Havendo prejuízo, nexo de causalidade entre a prática e o dano e pretendendo estar o responsável resguardado sob a capa de uma sociedade, esta deve ser desconsidera".

          Neste ensejo, merece destaque a lição da insigne Maria Helena Diniz:

          "Ante a sua grande independência e autonomia devido ao fato da exclusão da responsabilidade dos sócios, a pessoa jurídica, às vezes tem-se desviado de seus princípios e fins, cometendo fraudes e desonestidades, provocando reações doutrinárias e jurisprudenciais que visam coibir tais abusos; surge a figura da "desconsideração ou da desestimação da pessoa jurídica", o disregard of the legal entity do direito anglo-saxão, ou da "penetração da pessoa jurídica", o Durchgriff, do direito alemão.

          A desconsideração ou penetração permite que o magistrado não mais considere os efeitos da personificação ou da autonomia jurídica da sociedade para atingir e vincular a responsabilidade dos sócios, com o intuito de impedir a consumação de fraudes e abuso de direito cometidos, por meio da personalidade jurídica, que causem prejuízos ou danos a terceiros". (Curso de Direito Civil Brasileiro - 10 Volume - Teoria Geral do Direito Civil - Editora Saraiva)

          Outra não é a orientação jurisprudencial:

          "Apelação Cível. Indenização cumulada com perdas e danos. Carência de Ação. Legitimidade passiva do sócio da pessoa jurídica para figurar no pólo passivo da ação. Teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Provimento.

          É parte legítima para figurar no pólo passivo da ação ajuizada contra empresa que causou prejuízos ao consumidor, os sócios que por ela são responsáveis, na medida em que sobre eles recairão os ônus da demanda. Aplica-se na espécie a teoria da desconsideração da personalidade jurídica." (AC, B-XV, 42.169-4. Três Lagoas. Rel. Des. Oswaldo Rodrigues de Mello. 2a Turma Cível Isolada. Unânime. J. 21-03-95. DJ-MS, 05-05-95, pág. 03).

          "Apelação Cível. Embargos de Terceiro. Sócios de sociedade irregular. Falta de bens. Penhora em bens dos sócios. Possibilidade. Teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Provido.

          (...)

          Não encontrados bens de propriedade irregular, é cabível a penhora em bens dos sócios.

          A teoria da desconsideração da personalidade jurídica ajusta-se a casos em que a fraude é praticada através daquela personalidade." (AC, q, 890. Dourados. Rel. Des. José C. C. Castro Alvim. 2a Turma Cível Isolada. Unânime. J. 12-02-88. DJ-MS, 18-03-88, pág. 07).

          "Apelação Cível. Adjudicação compulsória. Transação. Dação em pagamento. Atos praticados por sócio-gerente de sociedade de responsabilidade limitada. Atos ‘Ultra Vires Societatis’. Desconsideração da personalidade jurídica. Órgão da sociedade. Nulidade dos atos praticados. Provida.

          (...)

          Praticando o sócio gerente da sociedade atos ‘ultra vires societatis’, inescusável que se aproveitou da personalidade jurídica dela. Ocorre, no caso, a chamada desconsideração da personalidade jurídica, pois foi ela o instrumento de fraude ou abuso de direito imputáveis aos sócios, no caso, ao sócio. (...)." (AC, n, 645. Costa rica. Rel. Des. José Augusto de Souza. 2a Turma Cível Isolada. Unânime. J. 15-06-88. DJ-MS, 16-09-88, pág. 05).

          "Apelação Cível. Ação revocatória. Doação a descendentes. Execuções e falências já aparelhadas. Insolvência caracterizada. Sócios que avalizaram títulos para a firma. Improvida.

          O princípio da impenetrabilidade do absolutismo do direito da personalidade jurídica pode ser afastado pela doutrina da desconsideração quando, numa sociedade por cotas de responsabilidade limitada, composta apenas de pessoas da família, estas avalizam títulos para a entidade e a sombra da empresa pretendam frustar o cumprimento de suas obrigações." (Acórdão publicado RTJMS -32/122. - AC, m, 732. Campo Grande. Rel. Des. Sérgio Martins Sobrinho, Turma Cível. Unânime. J. 17-12-85. DJ-MS, 21-02-86, pág. 12).

          Fruto de dilemas intermináveis, a dúvida quanto a responsabilização das pessoas físicas, em razão do inadimplemento das pessoas jurídicas, exauriu-se quando da publicação do supracitado artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, consagrando-se o princípio da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade. É a facilitação da defesa do consumidor ao vivo e em cores.

          Por outro lado, o artigo 1.518 do Código Civil dispõe que os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado e, se tiver mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação, acrescentando, no seu parágrafo único, a responsabilidade solidária dos cúmplices, in verbis:

          Art. 1.518 – Os bens do responsável pela ofensa ou violação de direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se tiver mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação.

          Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores, os cúmplices e as pessoas designadas no art. 1.521.

          A separação absoluta entre a existência da pessoa jurídica de direito privado e a dos seus membros, tal como prevista no artigo 20 do Código Civil Brasileiro, constitui-se em um dos pilares da construção teórica acerca da outorga da personalidade jurídica e agrupamento de pessoas ou bens.

          Ocorre que essa estrutura, por si só, não conseguiu evitar fraudes e abusos cometidos. A par disto, o legislador, sabiamente, penetrou no âmago da questão, onde pessoas, mascaradas de personalidade jurídica, enriquecem ilicitamente, deixando cidadãos-consumidores inocentes e, às vezes, a própria Administração Pública à margem de suas pretensões e direitos.

          Ora, no caso sub judice não restam dúvidas de que houve efetivo abuso de direito, excesso de poder e infração às regras supracitadas por parte da empresa e seus sócios, ao causarem os sobreditos prejuízos.

          Como se não bastasse tudo o que já foi dito, cita-se, finalmente, o que a lei de combate a improbidade pública dita a respeito do caso. Eis o seu teor:

          "Art. 3°- As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

          (....).

          Art. 5º. Ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do dano.

          Art. 6º. No caso de enriquecimento ilícito, perderá o agente público ou terceiro beneficiário os bens ou valores acrescidos ao seu patrimônio.

          Art. 7º. Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá à autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.

          (....).

          Art. 16. Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissão representará ao Ministério Público ou à procuradoria do órgão para que requeira ao juízo competente a decretação do seqüestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público.

          § 1º. O pedido de seqüestro será processado de acordo com o disposto nos arts. 822 e 825 do Código de Processo Civil."

          Assim, tendo-se em vista o conjunto teórico-probatório exposto nesta peça, está caracterizada a legitimidade passiva da empresa e das pessoas físicas que a compõe, cujos bens devem sujeitar-se aos efeitos da condenação.

          Ante o exposto, é de se concluir que, mais que tautologia, constitui já um truísmo altercar sobre a necessidade da desconsideração da personalidade jurídica da entidade ré, a fim de que, amoldando os infratores da lei aos parâmetros da legalidade e da moralidade, sejam eles compelidos a ressarcir os danos efetivados, de forma a expungir qualquer estímulo à ilicitude e imoralidade, garantindo-se também o resultado útil do processo.


XIII. DA NECESSIDADE DA INDISPONIBILIZAÇÃO DOS BENS DOS AGENTES PÚBLICOS ENVOLVIDOS, PREPOSTOS E DIRETORES DA ENTIDADE RÉ PARA ASSEGURAR O RESULTADO ÚTIL DO PROCESSO:

          A responsabilidade do ex e do atual Diretor do Detran/MS e dos representantes legais da empresa ré já foi claramente evidenciada nos itens anteriores. Agora, neste tópico, cumpre demonstrar que a indisponibilidade dos bens dessas pessoas torna-se imprescindível para o efetivo ressarcimento dos danos causados aos cidadãos-consumidores e à Administração Pública.

          A Constituição Federal consagra, em seu artigo 5º, inciso XXXII, o sistema de proteção ao consumidor, impondo ao Estado o dever de zelar pela lisura das relações de consumo, "in verbis":

          "Art. 5o – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

          (....);

          XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor."

          Já em seu artigo 37, § 4º, dispõe sobre a defesa do Patrimônio Público:

          "Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível."

          O escopo do constituinte foi propiciar o grau máximo de celeridade, presteza e efetividade na tutela de interesses coletivos, evitando com isso a dispersão e vulgarização das práticas abusivas e dos atos de improbidade administrativa.

          Para tanto impôs ao Estado o dever de zelar por tais interesses, promovendo a defesa do consumidor e da Administração Pública, através de órgãos especializados e mecanismos adequados ao desempenho desta missão.

          E quando o texto constitucional se reporta ao vocábulo "Estado", o faz na mais ampla acepção da palavra, referindo-se indistintamente a todos os poderes integrantes do Estado Democrático de Direito. Com efeito, não apenas ao Poder Executivo incumbe o desempenho dessa missão atribuída pela Carta de 1988, mas também ao Poder Legislativo, aos Tribunais de Conta ao Ministério Público e ao Poder Judiciário.

          Assim fica a cargo do Estado-Executor a fiscalização das relações de consumo (hoje realizada pelo PROCON) e das práticas administrativas lesivas ao patrimônio público (Tribunais de Conta), além da assistência jurídica às vítimas pobre de práticas abusivas, atualmente desempenhada pela Defensoria Pública do Consumidor (defesa dos interesses individuais) e pelo Ministério Público (defesa dos interesses individuais indisponíveis, homogêneos, coletivos e difusos).

          Por seu turno, o Poder Legislativo se obriga a traçar as diretrizes básicas para a defesa do cidadão-consumidor e do erário público, inovando o ordenamento jurídico com a aprovação de leis que assegurem a efetiva proteção de seus interesses. Nesse campo, aliás, várias foram as contribuições propiciadas pelo legislador. A título de ilustração, pode-se citar as Leis 8.078/90 e 8.429/92, como exemplo do comprometimento parlamentar com o dever imposto pela Constituição Federal. Estas leis trouxeram inúmeras inovações em matéria de tutela jurídica do consumidor e do patrimônio público, principalmente no que tange à prevenção e à reparação de danos, nulidade de cláusulas contratuais leoninas e combate às práticas comerciais abusivas e aos atos de improbidade.

          A título de esclarecimento, transcreve-se alguns artigos das leis supracitadas.

          Primeiramente, a Lei 8.078/90:

          "Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

          I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

          II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:

          (....).

          Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

          VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos".

          Agora, a Lei 8.429/92:

          "Art. 7º. Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá à autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.

          Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito.

          Art. 8º. O sucessor daquele que causar lesão ao patrimônio público ou se enriquecer ilicitamente está sujeito às cominações desta Lei até o limite do valor da herança.

          (....).

          Art. 16. Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissão representará ao Ministério Público ou à procuradoria do órgão para que requeira ao juízo competente a decretação do seqüestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público.

          § 1º. O pedido de seqüestro será processado de acordo com o disposto nos arts. 822 e 825 do Código de Processo Civil.

          § 2º. Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o exame e o bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras mantidas pelo indiciado no exterior, nos termos da lei e dos tratados internacionais."

          Por fim, cumpre ao Estado-Juiz, diante de situações concretas que lhe forem submetidas, apreciar a plausibilidade do direito invocado e o espectro do dano causado, a fim de realizar com imparcialidade a justa composição da lide, adotando as medidas necessárias à efetiva proteção dos lesados.

          Como se vê, a Constituição Federal conferiu ao Estado a árdua missão de promover a defesa do consumidor e do patrimônio público, tarefa por vezes extremamente difícil. E para consumar na prática aquilo que o constituinte anteviu na teoria, os Poderes Públicos devem estar unidos, envidando esforços conjuntos para executar o postulado constitucional. Judiciário, Executivo e Legislativo, cada qual em sua esfera, devem garantir primado da lei e a defesa do cidadão.

          Todavia, esta garantia constitucional seria inócua caso não fossem admitidas, no âmbito de uma relação processual, medidas destinadas a assegurar o resultado útil do processo e a efetiva satisfação da pretensão deduzida em juízo. De nada adiantará obter um provimento favorável após vários anos de batalha judicial, se os réus já houverem dilapidado seus respectivos patrimônios, frustrando assim futura execução de sentença para o azar dos consumidores e do próprio Patrimônio Púbico.

          Para se evitar tamanha injustiça, cumpre tomar-se, "ab initio", medidas constritivas incidentes sobre os bens de todos responsáveis pelo ressarcimento, sujeitando-os aos efeitos da sentença que vier a ser prolatada.

          A corrente moderna do Processo Civil preocupa-se muito mais com a praticidade e utilidade das medidas judiciais do que com os excessivos rigores formais que, de resto, só atravancam o desenvolvimento da técnica processual e a pronta e eficaz prestação jurisdicional.

          O Direito Processual não mais se apraz com a simples composição da lide por meio da cognição. Mais que isso, preocupa-se com a efetiva satisfação do crédito ou da pretensão estampada na petição inicial.

          Em veras, a prestação jurisdicional não está completamente entregue com o julgamento de mérito, eis que o réu poderá opor-se aos efeitos da condenação, restando ao autor apenas o direito de promover a execução da sentença. E ainda aqui, se o executado não possuir bens suficientes para a satisfação do crédito, todos os esforços envidados pelo autor serão inúteis, apesar de ter realizado inúmeras despesas para resgatar seu crédito, tais como o desembolso de custas judiciais e honorários advocatícios.

          Portanto, mister se faz a indisponibilização de todos os bens existentes em nome da Empresa ............, de seus representantes legais e do ex e atual Diretor-Geral do Detran. Com esta medida, garante-se, antecipadamente, o resultado útil do processo, sem o risco de se pleitear um provimento inócuo ante a escassez patrimonial. Com efeito, o conjunto de bens registrados em nome dos responsáveis pela recomposição dos danos, provavelmente, é assaz vultoso e capaz se fazer frente às indenizações pleiteadas.

          O Código Buzaid perfilhou com afinco esta nova tendência processual, conferindo ao magistrado, diante de um caso concreto e em hipóteses excepcionais, certa dose de liberdade para adotar as providências necessárias à garantia do regular deslinde do processo e da efetiva outorga da prestação jurisdicional, com a conseqüente entrega do bem da vida. Trata-se do Poder Geral de Cautela, prerrogativa conferida ao juiz, em função do múnus público que desempenha na relação processual.

          O Poder Geral Cautelar do juiz atua como um poder integrativo da eficácia global da atividade jurisdicional. Se esta tem finalidade declarar o direito de quem tem razão e satisfazer esse direito, deve ser dotada de instrumentos para a garantia do direito enquanto não definitivamente julgado e satisfeito.

          Através deste poder, o magistrado adota, de plano, as medidas imprescindíveis para garantir a eficácia de futura sentença de mérito, primando pela presteza e pela efetividade da tutela jurisdicional. Aliás, muito injusto seria o Direito Processual, caso não albergasse tais providências.

          Assim, na concessão de liminares, tanto em relação à antecipação da tutela quanto em razão de medida acautelatória, o critério que o magistrado deverá levar em conta, mediante um juízo de certa forma discricionário, é a garantia de eficácia da decisão que vier a ser proferida, ou seja, a garantia de um resultado útil, o que pode ser aquilatado por dois requisitos fundamentais: o fumus boni juris e o periculum in mora.

          A indisponibilização dos bens registrados em nome dos réus supramencionados constitui medida imprescindível ao sucesso da demanda, tendo-se em vista o perigo existente na eventual espera pelo provimento jurisdicional definitivo. O desfecho de qualquer litígio judicial demanda tempo, havendo assim fundado receio de danos aos cidadãos-consumidores. Ademais, no caso vertente, mesmo com a decretação da procedência do pedido, os cidadãos e a Administração Pública poderão ficar sem obter qualquer ressarcimento, já que os réus poderão, a qualquer tempo, desfazer-se de seus pertences, frustrando os escopos instrumentais do processo.

          Não é necessário muito esforço para vislumbrar a enorme área de risco a que ficarão submetidos os lesados caso esta medida constritiva não seja decretada de imediato. Com efeito, se isto vier a ocorrer, os réus irão procurar se desfazer de suas posses, alienando ou doando bens de sua propriedade, reduzindo-se à insolvência, tudo no afã de se esquivarem à responsabilidade de reparar os danos.

          Daí a imprescindibilidade da decretação da indisponibilidade dos bens registrados em nome dos réus. Trata-se de uma medida assecuratória e acautelatória, através da qual se busca prevenir lesões graves e de difícil reparação, de moldo a tornar efetiva, na prática, a proteção que com essa medida se busca.

          Por outro lado, a fumaça do bom direito elucidou-se no delinear desta exposição. A ofensa aos princípios da legalidade, publicidade, da moralidade e da impessoalidade, o dolo e as tergiversações dos réus, o propósito livre e premeditado de auferir ganhos por meios ilícitos, bem assim as determinações da Constituição da República Federativa do Brasil, da Lei 8.078/90 e da Lei A Lei n° 8.429/92 bastam para vaticinar as conseqüências dos atos praticados pelos réus. Por certo, finda a pendência, o cidadão-consumidor e a Administração Pública hão de lograr êxito em sua pretensão, quão fortes são os argumentos, consubstanciados na boa-fé e nos imperativos legais. O conjunto das legislações citadas, que se ajusta com perfeição ao caso, torna indeclinável o dever de ressarcir os danos causados, demonstrando, assim, a presença do fumus boni juris.

          Essa medida mostra-se indispensável considerando o significativo valor do prejuízo, bem como a real possibilidade de dilapidação do patrimônio e a conseqüente ineficácia do provimento jurisdicional principal.

          Consigne-se, ainda, que o direito material acha-se suficientemente demonstrado nos documentos que instruem esta inicial, o mesmo ocorrendo com a possibilidade do perigo que poderá representar a demora da prestação jurisdicional final conforme já ressaltado.

          Fica, assim, claramente evidenciada a necessidade de amparo judicial urgente para afastar de pronto os riscos de perecimento dos bens que representam a garantia de eficácia da sentença de mérito postulada por meio desta ação civil pública.


XIV. Da necessidade de antecipação da tutela também em relação a suspensão da emissão das multas e da cobrança das já emitidas:

          O artigo 12 da Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) prevê a concessão de liminar, inclusive sem oitiva da parte contrária. Já o artigo 84, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor, aplicável a qualquer tipo de ação civil pública por força do que dispõe o artigo 21 da LACP(16), dispõe que "sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente".

          No presente caso, os fundamentos da demanda são relevantíssimos, bem como justificado é o receio de ineficácia do provimento final da decisão.

          As ilegalidades saltam aos olhos, além do que são praticadas por aqueles que deveriam ser os primeiros a cumprir e a fazer cumprir a lei de trânsito.

          Patente é que uma decisão judicial definitiva conseguida daqui um, dois, três, quatro ou cinco anos trará prejuízos irreparáveis aos motoristas e aos futuros penalizados por aparelho que não inspira confiança e constituem-se em verdadeira armadilhas para os usuários do trânsito.

          Embora sejam inúmeros os prejuízos não só de ordem moral e material, vale lembrar que pouquíssimos serão os motoristas prejudicados que, em caráter individual, irão pleitear em Juízo a devolução de tudo quanto pagaram indevidamente aos réus. Não é justo que aos prejuízos já causados se somem, doravante, outros que jamais serão ressarcidos aos motoristas sul-mato-grossenses.

          Mesmo aqueles que ingressarem em juízo, ficarão por anos a fio a espera do tão demorado precatório, para reaver parte dos valores despendidos, posto que quando receberem o quantum pagaram quase nada representará para eles.

          Não é possível exigir que muitos cidadãos continuem pagando multas ilegais, inclusive com prejuízo do sustento próprio e de sua família. Isso sem mencionar os danos morais que sofrerão por estarem sendo cobrados de forma vexatória e abusiva e terem que pagar por algo indevido, com o risco de, com o passar do tempo, até serem impedidos de dirigir, em virtude de perda de pontos em suas CNH.

          Some-se a isso os vexames que passarão com os negativas que receberão quando forem licenciar ou transferir seus veículos por conta de multas oriundas de fotossensores e os prejuízos que terão por não poderem se utilizar dos mesmos por se encontrarem irregulares. Quem os ressarcirá de todos esses danos patrimoniais e morais? Onde conseguirão provas suficientes para demonstrar esses danos em juízo?

          A liminar será ainda benéfica aos municípios réus e ao Detran/MS que deixarão de terem que devolver as quantias despendidas pelos cidadãos-consumidores em dobro e devidamente corrigidas e acrescidas dos juros e multas legais.

          Por outro lado, não se vislumbra na concessão de liminar nenhum prejuízo aos réus. Possível alegação do perigo da irreversibilidade do provimento antecipatório, por parte dos réus, não deverá ser acatada, dado que, na presente situação, não existe a mínima possibilidade de reversibilidade do provimento, em face das inúmeras ilegalidades acima apontadas e que vêm sendo reconhecidas diariamente pelo Poder Judiciário. Além do que os réus, principalmente o Detran, terão, como sempre tiveram, os meios coercitivos para tudo cobrar dos cidadãos qualquer multa aplicada, em razão de uma remota e inadmissível improcedência da presente ação civil pública.

          Resumindo, há que se dizer que a emissão de multas sem qualquer amparo legal e visando fins escusos é, por si só, uma violação irreparável que tira toda a credibilidade da Administração Pública e ofende não só a dignidade do cidadão como todo o ordenamento jurídico pátrio e o sistema democrático, merecendo, por isso, a intervenção pronta e eficaz do Poder Judiciário.


XV DOS PEDIDOS:

          A) Do pedido de concessão de antecipação da tutela:

          Diante do exposto, o Ministério Público requer à V. Exª a concessão de liminar, "initio litis" e "inaudita altera pars", com expedição de mandado, para que o Detran e os municípios réus:

  1. suspendam imediatamente toda e qualquer constatação de ilícito de trânsito mediante a utilização dos equipamentos conhecidos como fotossensores, fotomultas ou olho vivo, bem como deixem de exigir o pagamento de toda e qualquer multa aplicada pelos referidos dispositivos;
  2. abstenham-se, de pronto, de expedir, por si ou por terceiro, qualquer notificação de multa de trânsito, por constatação de ilícito através dos equipamentos acima referidos;
  3. abstenham-se de condicionar – doravante e sob quaisquer pretextos, principalmente sob o argumento de que o caso está sendo debatido em juízo – o licenciamento e a transferência de veículos ao pagamento de multas oriundas de fotossensores;
  4. façam contrapropagandas – com divisão das despesas daí oriundas de forma eqüitativa entre si – para informar, pelos meios de comunicação escrita e televisada, por três dias seguidos, sobre a suspensão, por determinação judicial, da aplicação das multas por meio de fotossensores.

          Tudo sob pena de pagamento de multa no valor de 1.000 UFIRs, por cada vez que, sobre qualquer modalidade, os réus desobedecerem a determinação judicial, sem prejuízo da configuração da prática de crime de desobediência.

          Requer, ainda, o autor - em relação a todos os réus, com exceção das pessoas jurídicas de direito público - que esse Juízo, liminarmente:

          1) – torne indisponíveis, para a garantia de um real ressarcimento de todos os danos causados, os bens dos réus;

          2) decrete a quebra do sigilo bancário das pessoas físicas e jurídica demandadas, requerendo para tanto o autor, com supedâneo no artigo 399 do Código de Processo Civil e na necessidade premente de se buscar a verdade real, que seja oficiado ao Banco Central para que informe sobre a existência de cofres, bens ou numerário em nome dos réus em instituições financeiras do país e para que seja determinado que se proceda a lacração dos cofres encontrados, para posterior abertura e apreensão de todos os bens lá existentes, inclusive transações financeiras em moeda estrangeira e cautelas de metais e pedras preciosas, bem como determine o bloqueio de eventuais contas-correntes que existam;

          3) decrete a quebra do sigilo fiscal, requerendo, por conseqüência o demandante, que sejam requisitadas à Delegacia da Receita Federal as declarações de bens e rendimentos dos últimos cinco anos da Empresa .............. Ltda., dos seus sócios, ........... e ........, e do ex e do atual Diretor Geral do Detran, constando da requisição os dados identificadores dos réus, sendo que os que não constarem do preâmbulo desta petição inicial, principalmente CPF e CGC, deverão ser fornecidos incontinente pelos demandados;

          c) determine a expedição de ofícios aos Cartórios Imobiliários de Campo Grande e de Fortaleza, ao Detran deste Estado e do Ceará, à Telems, à Teleceará e à Telems Celular, para que informem se existem bens ou ações em nome dos demandados, bem como para que sejam imediatamente vedadas eventuais transferências de propriedade ou de cessão de direito;

          d) determine aos Cartórios de Notas e de Títulos e Documentos desta Capital e da Capital do Ceará que procedam buscas e informem sobre a existência de procurações ou de instrumentos de mandato outorgados pelos ou para os requeridos;

          e) determine a expedição de ofício à Egrégia Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul e do Estado do Ceará, comunicando a indisponibilidade dos bens imóveis dos réus e solicitando que sejam informados de tal fato todos os órgãos de Registro Imobiliário do Estado do Mato Grosso do Sul e do Ceará;

          f) determine, com fulcro no artigo 84, parágrafo 5º, do Código de Defesa do Consumidor, especificamente na parte que prevê a possibilidade de o Juiz impedir a continuidade de "atividade nociva" ao mercado de consumo, a suspensão das atividades da Empresa .............. Ltda., pois sua permanência no mercado, atuando livre e abusivamente, somente gerará novos litígios e prejuízos ao cidadão consumidor e à Administração Pública desavisados, o que precisa ser evitado; e

          h) determine a publicação, via Diário Oficial, da r. decisão concessiva da medida liminar, a fim de que chegue ao conhecimento de todos a indisponibilidade dos bens dos réus e a suspensão provisória das atividades da Empresa ré.

          B) Dos pedidos referentes à tutela definitiva:

          Requer, ainda, o órgão ministerial que seja julgado procedente a presente demanda, tornando definitivas as liminares concedidas.

          Requer mais:

  1. a anulação da licitação ocorrida, bem como do contrato firmado pelo Detran e pela Empresa ........... Ltda., por não se ter obedecido aos princípios que regem a Administração Pública;
  2. o cancelamento de todas e quaisquer multas cuja "infração" tenha sido "detectada" por fotossensores, bem como o cancelamento de todas as punições subsidiárias aplicadas, tal como a perda de pontos na CNH;
  3. a desativação e desinstalação de todos os equipamentos de fotossensor do Estado de Mato Grosso do Sul;
  4. sejam proibidas a aquisição, instalação e colocação em funcionamento, no Estado de Mato Grosso do Sul, de qualquer equipamento eletrônico, fotográfico ou audiovisual para auxiliar no controle do tráfego que não permitam a certificação, aferimento e calibração pelos órgão competentes;
  5. a determinação de que - se outra licitação for feita para se colocar, neste Estado, equipamentos semelhantes aos fotossensores para controlar o tráfico – se exija dos participantes que apresentem, para se habilitarem ao certame, equipamentos devidamente regulamentados, aprovados e certificados pelo Inmetro ou por entidade a ele credenciada, e que sejam passíveis de aferição, tudo com o fim de se cumprir o CBT e as normas complementares expedidas pelo Contran, bem como seja exigido das empresas interessadas e seus engenheiros que estejam devidamente registrados e credenciados juntos ao CREA/MS;
  6. que só seja permitida a instalação, pelos réus, no Estado de Mato Grosso do Sul, de equipamentos auxiliares da fiscalização de trânsito que tenham por objetivo principal a educação e a prevenção de acidente e não a de multar e de conseguir fundos, seja para os cofres públicos seja para entidades particulares, ou que deixem de punir algum tipo de veículo, ferindo, assim, o princípio da isonomia com a qual devem ser tratados todos os administrados;
  7. sejam o Detran e os Municípios reclamados obrigados a instarem em qualquer aparelho eletrônico que vierem a ser acoplados aos semáforos, de forma dependente deles, dispositivo que mostre aos usuários, através de números ou de luzes, o tempo que resta de cada sinal, com o fim de que eles não sejam pegos de surpresa com a mudança repentina de sinal e, assim, acabem por serem multados indevidamente;
  8. que o Detran e os Municípios réus sejam proibidos de firmar contrato com valor incerto e com base em multas aplicadas, por ser ilegal e imoral, bem como sejam proibidos de deixar a fiscalização de implantação dos serviços contratados por conta da própria empresa interessada;
  9. que o Detran e os Municípios réus sejam proibidos de firmarem contratos que não identifiquem os recursos que irão fazer frente aos gastos que deles decorrerem, como exige o artigo 67, inciso VI, da Lei estadual 1.070/90, bem como sejam proibidos de delegarem atribuições exclusivas suas a empresas particulares, como a de fiscalizar o trânsito e emitir multas e fazer as notificações devidas;
  10. que o Detran e os Municípios demandados sejam obrigados a fazerem ampla divulgação de todas as licitações que promoverem, bem como a informarem, de forma clara e inteligível, o objeto do certame, de forma que todos os interessados possam ter idéia precisa do teor do negócio, de suas vantagens, alcance e rentabilidade;
  11. que o Detran seja condenado a devolver, em dobro e devidamente corrigidos e acrescidos das multas e juros legais, todos os valores arrecadados com multas aplicadas em razão de infrações de trânsito registradas por fotossensores, com o direito de regresso contra os municípios envolvidos, na proporção da participação que eles tiveram nas multas arrecadadas, dado que nada fizeram para sanar os vícios apontados nesta peça, embora o CBT lhes imponha o dever legal de cumprir e fazer cumprir as normas de trânsito no âmbito de suas respectivas circunscrições;
  12. que o Detran seja obrigado, tão logo a sentença transitar em julgado, a apresentar em juízo um cronograma de restuições, que serão feitas mês-a-mês, a começar pelo mês imediatamente seguinte ao trânsito em julgado da decisão, de forma que no final de 12 meses todas as devoluções tenham sido efetuadas, devendo este réu convocar os interessados, em suas representações regionais ou na Capital, de acordo com o local de residência de cada beneficiado, ou no local que mais favoreça o cidadão que não mais reside no Estado de Mato Grosso do Sul, onde serão feitas as devoluções devidas, sendo certo que estas restituições, para se facilitar as atualizações e para se usar um critério objetivo, deverão ocorrer no mesmo mês em que o pagamento da multa ou das multas foi efetuado, independentemente do ano em que o desembolso ocorreu;
  13. seja determinado ao Detran, através de seu representante legal, que informe à população, fazendo publicar no Diário Oficial e nos dois jornais de maior circulação no Estado, o quanto foi arrecadado com as multas aplicadas pelos fotossensores e a destinação dada a cada centavo arrecadado, bem como exiba em juízo os documentos que comprovem a informação e dão suporte a mesma;
  14. que sejam condenados a empresa ............... Ltda. e os seus sócios a restituirem ao Detran todos os valores recebidos desde a instalação dos primeiros aparelhos até hoje, em face da ilegalidade e da imoralidade praticada em conluio com o Detran/MS e em prejuízo da população deste Estado, desconsiderando, para tanto, a personalidade jurídica da empresa ré, para atingir o patrimônio dos seus sócios;
  15. que sejam condenados o ex e o atual Diretor-geral do Detran e os sócios da empresa ........... a devolverem aos cofres públicos todos os valores que o Detran/MS for obrigado a restituir aos motoristas lesados, tudo devidamente corrigidos e acrescidos de multa e juros legais, por prática de ato de improbidade administrativa, descontados, naturalmente, os valores que forem devolvidos ao Detran em razão da condenação ocorrida no item anterior;
  16. que sejam os Municípios réus obrigados a informarem os valores de multas de fotossensor que eles receberam, bem como seu respectivo percentual;
  17. que sejam os Municípios demandados condenados a adequarem o tempo do sinal amarelo dos semáforos ao mínimo recomendável (4 a 6 segundos), assim como sejam obrigados a sinalizar, como determinado pelo CBT e pelas normas do Contran, todos os locais onde for instalado aparelho eletrônico ou fotográfico que registrem infrações, sob pena de ineficácia da multa aplicada;
  18. que seja o Detran condenado a não condicionar o licenciamento ou transferência de veículos ao pagamento de qualquer multa, quando o cidadão-consumidor esteja discutindo, administrativamente ou em Juízo, a validade e legalidade da aplicação da punição, com o fim de que não se inviabilize o direito de defesa e de ação;
  19. que sejam os réus ............., ..........., ......... e .............. condenados por improbidade administrativa, aplicando-lhes às penas previstas nos artigos 12 e 18 da Lei n° 8.429/92, ente elas a de: perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao seus patrimônios, ressarcimento integral dos danos causados, inclusive moral, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de três vezes o valor do acréscimo patrimonial que tiveram e proibição de contratar com o Poder Público e de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos.
  20. que seja, nos termos do parágrafo único do artigo 20 da Lei de Improbidade Administrativa, determinado o afastamento do réu ............ do exercício do cargo de Diretor-Geral do Detran caso venha, durante o tramitar do processo, colocar empecilho ou dificultar a instrução da causa.

          Requer, igualmente, o demandante que V. Exa fixe, na sentença, multa no montante suficiente para que os réus se sintam desincentivados a descumprir qualquer uma das determinações desse Juízo ou a cumpri-las fora do prazo determinado, devendo, neste último caso, o valor da multa ser aplicado diariamente até o efetivo cumprimento da obrigação, tudo nos termos do artigo 11 da Lei nº 7.347/85 e do parágrafo 4º do artigo 84 da Lei nº 8.078/90, sem prejuízo, é claro, da responsabilização dos recalcitrantes por prática do crime de desobediência.

          C) Dos requerimentos finais:

          Requer, finalmente, o autor:

  1. a citação dos réus, na forma prevista nos artigos 12, inciso VI e 213 e seguintes do Código de Processo Civil, e sob a autorização do artigo 172, § 2º, do mesmo códex processual, nos endereços mencionados no preâmbulo, para que, querendo, contestem a presente demanda, sob pena de confissão quanto às matérias de fato e sob os efeitos da revelia;
  2. a intimação do Estado de Mato Grosso do Sul, através do Exmo Senhor Procurador-geral do Estado, para, querendo, intervir na lide;
  3. a dispensa ao pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, à vista do disposto nos artigos 18, da Lei 7.347/85 e 87 da Lei 8.078/90;
  4. a publicação de edital no órgão oficial, a fim de que os interessados, querendo, possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte deste Órgão de Defesa do Consumidor, tudo com previsão no Artigo 94, da Lei 8.078/90.
  5. a juntada dos autos do IC 11/98 e do PA 14/97/PJPPPSF, instaurados e concluídos pelo Ministério Público estadual, como prova documental em desfavor dos réus;
  6. a intimação pessoal do autor, na pessoa de seus agentes subscritores, mediante entrega e vista dos autos na sede das Promotorias de Justiça Especializadas, no endereço constante do rodapé, dado o disposto no artigo 236, § 2º, do Código de Processo Civil e na Lei Complementar Estadual do Ministério Público.

          Protesta o autor provar o alegado pelos meios de prova em direito permitidos, notadamente por perícias, a juntada de novos documentos, oitiva dos demandados e dos seus representantes, bem como de testemunhas, cujo rol, se necessário, será oferecido oportunamente.

          Embora esta ação seja de natureza economicamente inestimável, dá-se à causa, meramente para os efeitos legais, o valor de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais).

          Termos em que

          Pede deferimento.

          Campo Grande, 8 de Outubro de 1999.

Amilton Plácido da Rosa
Promotor de Justiça da Cidadania, em exercício

Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social, em exercício

Promotor de Justiça do Consumidor

Luiz Antônio Freitas de Almeida
Estagiário do Ministério Público


NOTAS

  1. RT 445/287, p. 284.
  2. Ob. Citada, p. 284.
  3. "Art. 22. Compete aos órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, no âmbito de sua circunscrição: I - cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito das respectivas atribuições".
  4. "Amarelo: os condutores de veículos que recebem uma indicação luminosa nesta cor devem parar o veículo, antes de entrar na interseção, e permanecer parados até que recebam autorização de passagem através de luz verde ou autoridade legal. Caso não seja possível parar, sem risco par a segurança do tráfego, devem continuar em frente e cruzar a interseção."
  5. "Art. 42. Na cobrança de débitos o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça."
  6. "Art. 71. Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer:"
  7. Desvio de Poder, artigo publicado na Revista do MP Paulista, edição set./98, e de autoria de Wallace Paiva Martins Júnior, que é Promotor de Justiça da Capital paulista.
  8. Sintomas Denunciadores do "Desvio de Poder". Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo 09, p. 27, dezembro de 1976.
  9. Desvio de Poder. Revista de Direito Público 9. P. 27.
  10. Reflexões sobre a teoria do desvio do poder em direito administrativo. Coimbra: Coimbra Editora, 1940, p.26.
  11. Problemas de direito público. 1960. P. 292.
  12. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo; Malheiros Editores 1995, 20ª ed. , p. 97.
  13. Sintomas Denunciadores do "Desvio de Poder". Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo 09, p. 28, dezembro de 1976.
  14. Waline. Droit Administratif. 1963. 9ª ed. P. 481.
  15. Droit Administratif . 1973 5ª ed. P. 610.
  16. "Art. 21 - Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da Lei n° 8.078, de 11/09/1990, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor."


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Amilton Plácido da; ALMEIDA, Luiz Antônio Freitas de. Ação civil pública contra fotossensores. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 36, 1 nov. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16210. Acesso em: 25 abr. 2024.