Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/peticoes/16396
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

ACP contra "venda programada" de automóveis em fraude a consumidores

ACP contra "venda programada" de automóveis em fraude a consumidores

Publicado em . Elaborado em .

Ação civil pública requerendo providências para evitar prejuízos a consumidores lesados por empresa de "venda programada" de automóveis

Ex.mo Senhor Juiz de Direito da ____ Vara de Fazenda Pública e Registros Públicos da Comarca de Campo Grande:

O Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul, ora representado pelo Promotor de Justiça do Consumidor desta comarca, que ao final subscreve e que recebe as intimações pessoais na Rua Íria Loureiro Viana, 415, Vila Oriente, nesta, com fundamento no que prescreve o artigo 129, inciso III, da Constituição Federal; o artigo 132, inciso III, da Constituição do Estado de Mato Grosso do Sul; artigo 25, inc. VI, da Lei 8.625, de 12.02.93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público); o artigo 1º, II, 2º, 3º, 5º, caput; 11, 12 e 21 da Lei 7.347, de 24.07.85 (Lei de Ação Civil Pública); os artigos 6º, VI; 81, parágrafo único e incisos I, II e III; 82, I; 83; 84, "caput", parágrafos 3º e 4º; 90; (Lei 7.347/85) e 91 do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11.09.90); o artigo 26, inciso IV, letra "a" da Lei Complementar Estadual n.o 072, de 18 de janeiro de 1994, e ancorado nos fatos apurados no inquérito civil n.o 026/98, doravante apenas denominados de IC 26/98, em anexo, propõe nesse Juízo a presente ação civil pública, com preceito cominatório de obrigação de fazer (entrega do bem prometido e devolução dos valores pagos) e de não fazer (abster-se de montar novos grupos de fácil car ou de empreendimento semelhante, por ser contrário à lei), com pedido de liminar, visando a tutela dos interesses difusos e individuais homogêneos, em face de:

1) Auto Peças Chacha Ltda.,

, portador da cédula de identidade inscrita no RG sob o nº 3.558.298 SSP/SP e CPF 567.479.508-87, residente e domiciliado na Rua Pedro Coutinho, 44, Campo Grande, MS;

3) Henrique Martins Neto,

, portador da cédula de identidade inscrita no RG sob o nº 5.361.851 SSP/SP e CPF 937.237.098-34, residente na Av. Afonso Pena, 6.198, prolongamento, Campo Grande, MS;

4) Adelaide de Moraes Martins Franchini,

Com o fim de se averiguar, de ofício: a) a legalidade do sistema de venda programada desenvolvido pela empresa ré, sob a denominação de ""Facilcar"; b) a notícia reinante de que ela não estaria entregando, no tempo contratualmente prometido, os veículos comercializados; e c) para corrigir algumas cláusulas abusivas que foram detectadas no contrato padrão usado por ela, o Ministério Público Estadual, através da Promotoria de Justiça do Consumidor de Campo Grande, instaurou, no dia 30 de junho de 1998, através da Portaria nº 26, o competente Inquérito civil, registrado em livro próprio sob o nº 026/98.

Apesar de as investigações estarem apenas no início, o referido inquérito civil – por motivos que não cabe aqui relatar, valendo lembrar apenas que o então Governador do Estado era Wilson Barbosa Martins, parente do terceiro réu – foi arquivado (termo de arquivamento de f. 55-57, da lavra da Promotora de Justiça Marigô Regina Bittar Bezerra), tendo sido referido arquivamento homologado pelo E. Conselho Superior do Ministério Público, em sessão realizada dia 21 de dezembro de 1998 (f. 64 e 71).

Diante do fato público e notório de que os veículos comercializados pela empresa ré não estavam sendo entregues e sob o argumento de que as questões, objetos do predito Inquérito civil, não haviam sido sequer apuradas e de que arquivamento de inquérito civil e sua homologação pelo Conselho Superior do Ministério Público "não fazem coisa julgada, não são suficientes para fazer letra morta do CDC nem resolve os problemas do consumidor" (f. 77-v do IC 26/98), aliado ao fato de que nem a lei pode retirar da apreciação do Poder Judiciário lesões ou ameaças de lesões aos direitos dos cidadãos, o Promotor de Justiça titular, ciente de que as lesões ao consumidor continuavam, desarquivou o predito procedimento, com o fim de resolver a questão, que já se mostrava ainda mais grave do que antes.

Com as provas colhidas no bojo do prefalado inquérito civil, ficaram evidenciadas as práticas de inúmeras irregularidades e ilegalidades contra a relação de consumo, demonstrando, assim, que os réus agiram com extremada má fé.

Passa-se a citar, em seguida, a título de exemplo, algumas atitudes ilegais cometidas pelos réus.

1. O sistema de venda programada desenvolvido pela ré, sob a denominação de "fácil car"; constitui-se em crime contra o sistema financeiro, posto que para capitação de dinheiro para a entrega futura de bens a empresa deveria ter autorização do Banco Central e dar o mínimo de garantia e segurança ao consumidor, o que, evidentemente, não o fez.

2. A princípio (nos meados de 1997), a empresa requerida apenas atrasava as entregas dos veículos comercializados pelo sistema de venda programada ""Facilcar", mas, posteriormente, já no ano de 1998, passou a não mais entregar qualquer veículo, com descumprimento total do contrato, para, afinal, com a rescisão indireta do contrato, começar a devolver quantias inferiores a 50% dos valores pagos pelos participantes do dito sistema, já que as devoluções eram feitas sem correção e descontados os valores referentes ao seguro imposto ao consumidor pela empresa ré. Os valores a menor devolvido era feito sob a alegação de que a empresa estava quebrada e seus sócios não tinham patrimônio para responder pelo débito. Ou o consumidor aceitava o que se estava oferecendo ou ficava sem nada.

Apesar de o documento de f. 185 constar que faltavam apenas 151 veículos a serem entregues aos consumidores aderentes do plano "Facilcar", no montante total de R$ 1.866.887,40 –outro documento, que foi enviado em 03/08/98 pelos réus, em atendimento à notificação ministerial nº 89, de 30 de junho de 1998, (f. 07 do IC 26/98), até o dia 03/08/98, já haviam sido comercializados pelo sistema "Facilcar" 918 veículos, sendo que destes 367 veículos foram entregues e 551 não haviam sido entregues, sendo que destes 28 já se encontravam com o prazo de entrega vencido como é o caso dos contratos nº 1432 e 2433 que se encontram relacionados às f. 37 do IC e tinham o prazo de entrega previsto para o dia 18/10/97 e 30/06/98 respectivamente.

Assim, é pouco provável que o número de lesados seja mesmo de apenas 151, como consta do referido documento de f. 185.

O número exato de lesados e o montante das lesões o Ministério Público Estadual já deveria ter há muito tempo em mãos, mas desde o início do inquérito civil, os réus vêm omitindo ou enviando informações destorcidas e inverídicas, tudo com o intuito de esconder o verdadeiro montante da dívida que eles têm para com os consumidores lesados. Já na primeira resposta fornecida ao Ministério Público Estadual (f. 10), no dia 03/08/98, o réu Adriano Fábio Franchini informou, mentirosamente, na letra "b", que não havia atraso na entrega dos bens, quanto a própria lista fornecida por ele (f. 11-39) dá conta de que já naquela oportunidade existiam vários carros com sua data de entrega vencida, como já visto acima.

Neste sentido foram expedidas à empresa ré quatro notificações, quais sejam, a de número: a) 064/99, presente à f. 87, expedida em 22 de junho de 1999; b) 124, presente à f. 112 e expedida em 12 de novembro de 1999; c) 160/99, presente à f. 123 e expedida em 23 de dezembro de 1999; d) 041/2000, presente à f. 259-260 e expedida em 14 de março de 2000, sendo todas as notificações do mesmo teor e não atendidas, o que caracterizado está a prática do crime previsto no artigo 10 da Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85) e no artigo 330 do Código Penal.

Apesar do estado de insolvência que a empresa demandada entrou a partir de julho/97, os seus sócios-proprietários, ora réus nesta ação, continuaram a vender veículos, com pagamento imediato com promessa de entrega futura, num verdadeiro ato desleal e de má fé contra o consumidor, a quem não era informado o verdadeiro estado da empresa, o que caracteriza a prática dos crimes de informação enganosa, por omissão, e de estelionato.

3. Em face do não cumprimento dos prazos inicialmente pactuados, os réus, modificando unilateralmente o contrato, fixaram novas datas para a entrega dos veículos, mas esses novos prazos também não foram cumpridos e com certa lógica, posto que esses novos prazos visavam unicamente ganhar tempo para delapidação do patrimônio da empresa.

4. Após a referida mudança unilateral do contrato, os réus rescindiram o contrato, tentando, como já dito, devolver apenas parte do dinheiro pago pelo consumidor.

5. Inúmeras cláusulas abusivas foram detectadas no contrato padrão usado pelos réus, demonstrando a total má fé e desequilíbrio contratual. Garantias só existiam para o fornecedor. Para o consumidor só foram impostas obrigações e penalidades. Como exemplo de cláusulas que trazem desequilíbrio para o contrato pode-se citar a 9ª, 10ª, 10.1, 12ª, 13.1 e 14 (f. 288-289 do IC).

6. Apesar de o consumidor ter procurado a "Concessionária Chacha" para comprar veículos, os réus obrigaram os consumidores a adquirir também um seguro que sequer ficou constando do contrato firmado, o que caracteriza venda casada. Sendo ainda certo que a Chacha, na qualidade de estipulante, indicou a empresa seguradora e obrigou os consumidores a fazer uso do corretor de seguro indicado por ela, sem respeitar a liberdade de escolha do consumidor e a livre concorrência, sendo que dito corretor cobrou, "pela corretagem feita", o preço que bem lhe aprouve.

7. Os réus – ao invés de reverter os valores pagos pelos consumidores na compra dos veículos contratados e ficar consigo tão somente com o lucro da transação – embolsaram todos os valores, majorando com eles seus patrimônios particulares, tendo inclusive os réus Henrique Martins Neto e Regina Helena de Souza Campo Martins aumentado seu poderio no campo do ensino privado, com a construção de uma filial do Colégio Harmonia, sendo de bom alvitre esclarecer que, na "separação judicial consensual" que tentaram forjar, os dois colégios Harmonia, matriz e filial, ficaram em nome da ré Helena de Souza Campo Martins, com o fim único de lesar os consumidores-credores.

8. Vendo a situação em que se encontrava a empresa ré, os sócios, em conluio com suas esposas, também rés nesta ação, passaram a desviar os bens da empresa e os particulares. Sendo tais desvios de bens, independentemente da forma que foram transmitidos, totalmente nulos, posto que o estado falimentar da Empresa Auto Peças Chacha Ltda. tornou-se público e notório a partir do início do ano de 1998, quando os réus não tiveram como esconder tal realidade da população. De uma forma mais escancarada na delapidação dos bens, Adriano Fábio Franchini, Henrique Martins Neto, Adelaide de Moraes Martins Franchini e Regina Helena de Souza Campo Martins simularam separações judiciais consensuais, colocando os bens em nome destas últimas para tentar lesar os credores.

Findo este tópico, deve-se enumerar, em seguida, de forma exemplificativa, alguns fatos que demonstram o público e notório estado de insolvência em que caiu a empresa ré, a partir de julho/97.

Hei-los:

1. A partir de julho/97, começaram a ocorrer os atrasos nas entregas dos veículos comercializados através do Plano "Facilcar".

2. Todos os repactuamentos individualmente feitos com os consumidores, fixando nova data para a entrega do bem, não foram honrados. Para exemplificar tais situações cita-se aqui o caso de Solange Vaz de Campos Freitas (f. 78 – reclamação na Promotoria de Justiça do Consumidor, f. 89 reclamação no Procon/MS e f. 92-93); e de Rozeli Eliza Stebert (f. 94, 106 e 111 – a entrega adiada por 3 vezes, sendo a última proposta para maio de 2000); Mary Abdalah Fernandes (f. 281-282, 284, 285 – a entrega foi adiada por três vezes e, por fim, devolveram 50% dos valores pagos, sem correção e descontados os valores do seguro). Embora todas foram convincentes em suas declarações e apresentaram documento comprobatório, passa-se a citar, com o fim de ilustrar a questão, apenas as declarações prestadas por Mary Abdalah Fernandes.

Eis o seu teor:

"a reclamante alega que aderiu ao Plano Fácil-Car (25 parcelas em torno de R$ 425,00 cada) com prazo de entrega do veículo em 20/04/99. No dia 20/04/99 a reclamante procurou a empresa a fim de saber sobre a entrega do bem, sendo alegado pela empresa que deveria ligar um mês antes para fazer pedido da cor do carro. Foi passado um fax para a empresa mencionando a cor escolhida. Terminado o prazo de trinta dias entrou em contato novamente com a empresa e o Sr. Ivo alegou que esperasse mais uns dias que o carro chegaria, pois estava havendo problemas na fábrica. Depois de muitas insistidas em 21 de junho de 1999 o Sr. Ivo telefonou para a reclamante dizendo que estava mandando um Aditamento ao Compromisso de Compra e Venda à Crédito com Promessa de Entrega Futura com data de entrega do carro em 30/11/99. No dia 15/11/99 o Sr. Darlan Leite Soares foi até Coronel Sapucaia e propôs a reclamante um novo prazo, desta vez o carro seria entregue em 02/06/2000.

No mês de janeiro de 2000 tomou conhecimento que a empresa reclamada havia fechado as portas e poderia ficar sem receber o veículo. Neste mesmo mês ligou para o Sr. Darlan e o mesmo tranqüilizou a reclamante dizendo que receberia o carro até o final do mês de março de 2000.

No dia 16/03/2000 decidiu entrar novamente em contato com o Sr. Darlan lhe dizendo que estaria vindo para Campo Grande para receber o valor correspondente ao carro que já havia quitado. Nesta data comparecendo na sede da empresa foi recebida pelo Sr. Darlan o qual lhe disse que não lhe devolveria o valor do carro, mas sim 50 % do que havia sido pago e sem correção, porque a empresa estava falida e eles não tinham mais bens que desse para pagar suas dívidas, pois eram 152 pessoas que tinham que receber e que se a reclamante quisesse só receberia aquilo ou nada.

Dos R$ 10.474,71 que foram pagos, a empresa descontou o seguro ficando o valor em R$ 10.245,83 e foi pago a reclamante a importância de R$ 5.150,00, sendo que para receber este cheque pré-datado para o dia 22/03/2000 deveria escrever de próprio punho embaixo de um extrato com a relação das parcelas pagas, impresso pela própria empresa, que: "Estou recebendo nesta data valores referentes a um acordo feito entre mim e a Chacha Veículos para rescindir e quitar meu contrato de Compra e Venda acima descrito, valores estes com os quais dou total e plena quitação, não havendo mais nada a reclamar".

3. No final do ano passado, como afirmam os empregados da ré (f. 151, item 4 – IC), esta devolveu à General Motors do Brasil S.A. todos os veículos que se encontravam no seu pátio da empresa, vendeu a terceiros a bandeira da concessão, bem como todos os mobiliários e ferramentas que guarnecem a concessionária, cessando suas atividades.

4. Com isso, a demandada deixou não só os consumidores prejudicados, mas também todos os outros credores, entre eles os seus empregados, em número de 81. Estes, porém, como sabiam de toda a situação da empresa e de sua condição financeira, ingressaram imediatamente, na Justiça Trabalhista, com "Ação Cautelar de Arresto Incidental", para garantir as verbas rescisórias no valor de R$ 800.000,00, obtendo a liminar pleiteada para arrestar o prédio situado na Av. Mato Grosso, nº 5151, onde funcionava a empresa, bem como todos os bens vendidos, mas que se encontram ainda no interior do referido prédio.

Posteriormente – com o acordo de f. 147-148 dos autos de IC 026/98, em virtude do qual foi dado em garantia do débito dos trabalhadores o terreno matriculado sob o nº 171.852, na 1ª CRI de Campo Grande (doc. de f. 155 do IC), com 20.403,4399 metros quadrados de área – houve desistência da medida proposta (doc. de f. 146 do IC), com homologação judicial e, por conseqüência, a liberação dos bens arrestados e a extinção do feito (decisão em anexo – f. 149 dos autos de IC).

Enquanto vigorava a liminar, os trabalhadores montaram vigília em frente ao prédio da empresa requerida não permitindo que se retirasse nada do local. Entretanto, após a ocorrência do acordo e a liberação dos bens, todos os móveis e bens que se encontravam no prédio da empresa (peças para revenda, mobiliários, computadores, maquinarias e ferramentas existentes na oficina e veículos da empresa) foram de lá retirados e entregues quiçá para seus adquirentes, em prejuízo dos consumidores-credores. A situação da empresa que já era ruim ficou péssima.

5. O teor da petição inicial e do acordo feito com os trabalhadores dá a idéia clara da situação financeira da empresa ré antes do ingresso da referida "Ação Cautelar de Arresto Incidental". Para clarear a questão, passa a transcrever abaixo, os pontos que interessam constantes dos referidos documentos:

"1. O Requerente e mais 80 (oitenta) empregados da Requerida são credores dos salários de dezembro/99, décimo terceiro/99, salário de janeiro/2000 e com o aviso prévio despedida vencendo no dia 23.02.2.000, o que soma aos referidos haveres todas as verbas decorrentes de todas as suas rescisões contratuais.

2. Ainda, não existem depósitos fundiários desde o início de 1999 e também não há recolhimentos das contribuições dos INSS.

3. Somam a totalidade das verbas rescisórias mais de R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais).

4. A Requerida, que vinha praticando atrasos nos pagamentos dos salários desde janeiro do ano próximo passado, com as benesse dos seus empregados que se comprometeram em não intentar quaisquer ações que pudessem prejudicá-los, no final do ano passado, devolveu à General Motors do Brasil S.A. todos os veículos que se encontravam no seu pátio e vendeu a terceiros a bandeira da concessão, bem como, todos os mobiliários e ferramentas que guarnecem a concessionária, cessando as suas atividades.

5. Para surpresa dos empregados e do Sindicato que os representa, na manhã de hoje (18.02.2000), advogado da Requerida Dr. Mário João Domingos, procurou o presidente do Sindicato da categoria e ao procurador signatário desta, informando-lhes que a sua representada não tem como honrar nenhum dos compromissos de pagamentos de salários atrasados, verbas rescisórias, multa do FGTS, depósitos de FGTS atrasados e nem com o INSS.

6. Paralelamente, e no mesmo horário do encontro com o já citado advogado, o Requerente, por telefone, comunicou ao presidente do Sindicato que todos os móveis e outros bens que guarnecem a Requerida estavam sendo preparados para serem retirados da sede da empresa, o que configura, com clareza, tentativa de frustar o Requerente e mais os outros 80 (oitenta) empregados de receberem os seus haveres.

7. Resta provado e evidente que a Requerida tenta frustrar a futura execução das dívidas trabalhistas, porquanto, há necessidade (....) de medida preventiva que garantam os seus créditos, pois, desfazendo-se dos bens restantes e do prédio onde estava instalada a ré, a Requerida ficará sem nenhum outro bem de raiz, ainda mais que, informou ainda, o advogado da empresa, que tentam alienar também o prédio onde se instalava a empresa.

8. Para evitar que a Requerida fique em situação que torne impossível o cumprimento do pagamento dos salários atrasados, das verbas rescisórias, do FGTS e sua multa e do INSS, necessário se faz o arresto de todos bens que se encontrem no interior da empresa e do imóvel onde estava instalada, na Avenida Mato Grosso, nº 5151." (Petição inicial – f. 150-151 do IC 26/98).

"CLÁUSULA PRIMEIRA:

As partes acima identificadas, (sic) resolvem firmar o presente termo, para estabelecer condições de pagamento de 13º salário de 1999, Férias coletivas gozadas de 24 de dezembro/99 a 23 de janeiro/2000, FGTS não depositado no período de janeiro/99 a janeiro/2000, aviso prévio terminado em 22.02.2000 e demais verbas rescisórias.

(....).

CLÁUSULA SEXTA:

A empresa acordante dará em garantia ao Sindicato – com cláusula assecuratórias para garantir os créditos dos empregados demitidos em 22.02.2000 – bens imóveis que garantam a liquidez dos valores ora acordados.

Parágrafo único: o imóvel que será objeto da garantia é o terreno matriculado sob o nº 171.852 da 1ª CRI desta Comarca, com frente para a Rua Marcílio de Oliveria Lima, Bairro Copacabana, tratando-se da área A-3 medindo 20.403,4399 metros quadrados." (Termo de Acordo Coletivo de Trabalho).

Cabe aqui ressaltar que os empregados enquanto tomavam todas as medidas a seu dispor para garantir seus créditos, agiam, de forma indecorosa e fraudulenta, em nome e a pedido da ré, para ludibriar os consumidores lesados.

7. Outro fato que demonstra de forma cabal a situação da empresa ré, são as enormes dívidas existentes contra si. Para comprovar tal fato, basta ver o número de ações que tramitam no foro contra ela (documentos juntados no IC – f. 126-131, 133-138 e 142), bem como a quantidade de protestos em aberto, em número de 33, contra si só no 3º Tabelionato (documentos de f. 190-198), cabendo salientar a existência de um no valor de dezoito reais (documento de f. 194). Ora, se a ré não tem capacidade financeira para elidir um protesto de R$ 18,00, como resolverá os demais, na ordem de R$ 951,18, de 2.248,00, de 1.086,84, de 2.016,17, de 1.540,49, etc.

8. O grande patrimônio da empresa, o prédio onde ela funcionava, objeto da matrícula 171.851 do CRI da 1º Circunscrição de Campo Grande, está hipotecado para o Banco do Brasil, por conta dos financiamentos feito, em 15 de setembro de 1995, para sua construção, na ordem de R$ 2.090.098,00 na época (documento de f. 154-f e v, do IC).

9. No início do mês de março de 2000 este órgão ministerial tomou conhecimento de que a empresa Auto Peças Chacha Ltda. passou a chamar os consumidores para solução dos seus créditos, através de uma rescisão indireta do contrato, totalmente abusiva e prejudicial ao consumidor. Ao invés de entregar o bem contratado, passa a devolver parte das quantias, em percentuais inferiores a 50% do valor pago, uma vez que tais devoluções eram feitas sem qualquer correção e ainda com desconto do valor pago a título de seguro, seguro este que fora feito sem a aquiescência do consumidor.

Para demonstrar como tal devolução era feita, invoca-se novamente as declarações de Lúcia José dos Santos. Eis o teor de sua fala naquilo que ora interessa:

"Em março de 2000 a reclamante tomando conhecimento de que a empresa estaria fechando e posteriormente os empregados da empresa entraram com uma ação contra a mesma, resolveu ir pessoalmente até a empresa para ter uma resposta definitiva sobre a entrega do carro ou a devolução do dinheiro que já havia pago, o Sr. Darlan informou que a reclamante já teria pago 87% do veículo e que ela iria receber o valor correspondente ao valor de mercado do veículo, ou seja, atualizado e que em breve ligaria para a reclamante a fim de acertar os valores.

No dia 16 de março foi até a empresa e diante da proposta de receber apenas 50 % do que já havia pago e sem correção e ainda ter que assinar um recibo redigido pela empresa e outro por ela escrito de próprio punho, resolveu obter primeiramente informações para depois assinar o que havia sido proposto pela empresa.

No dia 17 de março de 2000 procurou o PROCON, falando com o Sr. Coutinho, que orientou-a a receber os 50% e depois procurar esta Promotoria de Justiça juntamente com outras pessoas. Na mesma data foi até a empresa e aceitou "coagidamente" receber o cheque no valor de R$ 4.700,00 pré-datado para o dia 22/03/2000, pois se não aceitasse poderia ficar sem receber nada. O Sr. Darlan ainda lhe disse que se quisesse poderia procurar um advogado pois tendo assinado o recibo não poderia mais reclamar."

Como se vê, o principal argumento usado para convencer os consumidores a receber parte do valor pago e não o veiculo contratado era exatamente o de que a empresa e os sócios não tinham bens para responder pela dívida. Ou o consumidor recebia o que eles ofereciam ou ficariam sem mais nada, posto que a empresa estava literalmente falida.

Esse tipo de negociata só cessou com a intervenção do Ministério Público que comunicou aos réus a ilegalidade de seu proceder, através do Sr. Sebastião Alves Pereira, que passou, a partir de 17 de março de 2000, a intermediar uma negociação com a Promotoria de Justiça do Consumidor, no sentido de se viabilizar a assinatura de um termo de compromisso de ajustamento de conduta (f. 519-521).

10. A delapidação dos bens dos sócios, a exemplo do que ocorreu com os da empresa, está ocorrendo na surdina e até com o uso indevido do Poder Judiciário. O segundo e o terceiro réu, como já dito, simularam, recentemente, separação judicial consensual, com o fim de lesar os consumidores, tendo, passado todos os seus bens de valor para o nome da quarta e quinta rés, esposas daqueles, reservando para si tão somente as cotas a que têm direito na empresa Autos Peças Chacha Ltda. que é uma empresa falida e na Meridien – Administradora e Corretora de Seguros Ltda., uma empresa de nenhum expressão financeira, cujo capital social não eqüivale sequer ao valor de um único veículo dos tantos outros já pagos pelos consumidores e não entregues pelos réus.

Usaram esses réus do prefalado expediente justamente para se valer do segredo da Justiça para o ato. Mas aqueles que têm relacionamento íntimo com a família sabem que eles estão vivendo maritalmente sem qualquer mudança no mundo dos fatos.

O Senhor Sebastião Alves Pereira, residente na Av. Cel Antonino, 618, B. Cel. Antonino, tel 751-7780 – que esteve no dia 17/03/2000 na Promotoria de Justiça, fazendo-se acompanhar do Senhor Wilson Carlos Araújo Bento, que se dizia funcionário da Chacha Veículos, para buscar, em nome dos sócios proprietários da empresa ré, uma forma de se resolver as pendências existentes na Promotoria de Justiça do Consumidor – mostrou-se extremamente preocupado e surpreso quando lhe foi relatado a existência de uma separação simulada e fraudulenta do Sr. Henrique Martins Neto com a Srª Regina Helena de Souza Campos Martins. Tão desapontado ficou ele que disse que não era esse tipo de gente que ele estava representando perante o Promotor de Justiça. Disse mais. Disse que a referida separação nunca ocorreu, posto que os dois vivem juntos e tão bem como antes, inclusive na mesma casa.

11. Outra prova da condição econômica precária dos réus é a de que a maioria dos bens descritos nas certidões imobiliárias que se encontram nos autos estão comprometidos.

12. Recentemente, mais precisamente no dia 20 de março do corrente ano, a General Motors do Brasil Ltda. informou ao Ministério Público que o contrato de concessão que ela mantinha com Empresa Auto Peças Chacha Ltda. foi rescindido, por solicitação da empresa concessionária, no dia 09.02.00. (f. 543 do IC).

13. Os representantes da empresa ré não só têm se negado a informar ao Ministério Público os créditos existentes em nome dos consumidores, como também não se dignaram a assinar o termo de compromisso de ajustamento de conduta que se encontra à f. 519-521 dos autos de IC, numa demonstração cabal de que sua intenção é de continuar lesando os consumidores o quanto puderem.

Demonstrado, às escâncaras, a situação financeira dos demandados e sua notória insolvência que era de conhecimento de todos, o caminho correto agora a percorrer pelo Judiciário é reconhecer a nulidade de todas as transmissões fraudulentas dos bens, para assegurar aos credores dos réus as indenizações cabíveis.

Cabe ressaltar, finalmente – para demonstrar que foram esgotadas as possibilidades de se resolver administrativamente o problema e para deixar claro a não-intenção dos réus de acertar as pendências que têm para com os consumidores de maneira satisfatória – que os demandados apesar de demonstrar interesse em negociar com o Ministério Público uma solução rápida e amigável para o problema sequer respondeu, em tempo, se tinham ou não interesse em assinar o termo de compromisso de ajustamento de conduta que lhes foi enviado no dia 22 de março de 2000. Resta, portanto, ao órgão de execução ministerial intentar a competente ação civil pública, com o fim de proteger os sagrados direitos dos consumidores lesados.


B. Do direito:

O Ministério Público tem legitimidade "ad causam" para ajuizar Ação Civil Pública visando garantir não só a defesa de direitos difusos e coletivos dos consumidores (art. 129, III, CF/88), mas também para a defesa dos seus direitos individuais homogêneos (art. 129, IX, CF/88).

Como expressa Nélson Nery Jr., comentando sobre o tema:

"o Ministério Público é parte legítima para ajuizar ACP, não apenas na defesa dos direitos difusos e coletivos, mas de outros direitos individuais. A CF, art. 129, XI, autoriza a lei infraconstitucional a cometer outras atribuições ao MP, desde que compatíveis com sua função institucional de atuar no interesse público, defendendo os direitos sociais e os individuais indisponíveis(CF, art. 127, "caput"). Assim, por exemplo, é constitucional e legítima a atribuição, pelo CDC, art. 82, I, de legitimidade do MP para ajuizamento da ação coletiva na defesa de direitos individuais homogêneos, já que essa defesa coletiva é sempre de interesse social (CDC, art. 1º), ditada no interesse público".

Encontra-se ainda a legitimidade do Ministério Público, para tutelar os direitos dos consumidores lesados pelos demandados, amparo no art. 81, parágrafo único, III, do CDC, "in verbis":

"Art. 81 – A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único – A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum".

Ensina Nélson Nery Jr. em comentários ao referido artigo do CDC:

"(....) a defesa do direito individual puro não pode ser feita pelo Ministério Público, exceto se for indisponível e houver autorização legal para tanto. No entanto, o feixe de direitos individuais, ainda que disponíveis, que tenham origem comum, qualifica esses direitos como sendo individuais homogêneos, dando ensejo à possibilidade de sua defesa poder ser realizada coletivamente em juízo. Essa ação coletiva é deduzida no interesse público em obter-se sentença única, homogênea, com eficácia erga omnes da coisa julgada(CDC, art. 103, III), evitando-se decisões conflitantes. Por essa razão está o Ministério Público legitimado a propor em juízo a ação coletiva para a defesa de direitos individuais homogêneos(Constituição Federal, art. 129, IX; CDC, art. 82, I)".

Prescreve ainda a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público:

Art. 25 - Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:

IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:

a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos; (grifo nosso)

É dada essa legitimidade para o Ministério Público com a finalidade de se evitar decisões conflitantes sobre uma mesma demanda judicial. No caso em epígrafe, se todos os consumidores lesados pleiteassem em juízo a tutela de seus direitos teríamos inúmeras ações com mesmo pedido. Mesmo por que, os direitos individuais homogêneos podem e devem ser defendidos pelo órgão ministerial com o objetivo de se ter decisão única, em benefício de todos os lesados pela ré, como diz o artigo 103, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, que diz:

"Art. 103 – Nas ações coletivas de que trata este Código, a sentença fará coisa julgada:

III – erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese prevista no inciso III do parágrafo único do art. 81."

Sobre o tema, cabe ainda citar aqui os ensinamentos da Professora Ada Pellegrini Grinover, em parecer publicado na Revista de Direito do Consumidor, Ed. RT, vol. 5, pp. 213/217, sobre a importância do artigo 81, do Código de Defesa do Consumidor, para o nosso ordenamento jurídico:

"Por esse dispositivo – complementado pelos arts. 91-100 do Código de Defesa do Consumidor quanto aos interesses (ou direitos) individuais homogêneos – o ordenamento pátrio marcou um importante passo no caminho evolutivo das ações coletivas, iniciado pela LACP (Lei n.º 7.347/85). Esta só havia cuidado da defesa de interesses difusos e coletivos (transindividuais de natureza indivisível), voltando-se à proteção dos consumidores e do ambiente, em sentido lato, na dimensão da indivisibilidade do objeto. Agora, com o inc. III do art. 81 do Código de Defesa do Consumidor, complementado pelos arts. 91-100 do mesmo Código, o sistema brasileiro abre-se para o tratamento coletivo da tutela de direitos subjetivos individuais, que podem ser defendidos isoladamente, na linha clássica, mas que também podem ser agrupados em demandas coletivas, dada sua homogeneidade. É a transposição, para o ordenamento jurídico brasileiro, das class actions for damages ou dos mass tort cases do sistema da common law".

O Código de Defesa do Consumidor instituiu uma maior interação entre este diploma legal e a Lei da Ação Civil Pública:

"Art. 117 – Acrescente-se à Lei n.º 7.347, de 24 de julho de 1985, o seguinte dispositivo, renumerando-se os seguintes:

Art. 21 – Aplicam-se à defesa e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da Lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor".

Não é outro o entendimento de NELSON NERY JÚNIOR (in "Código Brasileiro de Defesa do Consumidor", Ed. Forense Universitária, 1991, p. 617/619):

"Como o artigo 21 da Lei nº 7.347/85 determina a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às ações que versem sobre direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, o art. 83 do CDC tem incidência plena nas ações fundadas na Lei nº 7.347/85.

Diz o artigo 83, CDC, que são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela. De conseqüência, a proteção dos direitos difusos e coletivos pela LACP, como os relativos ao meio ambiente, bens e valores históricos, turísticos, artísticos, paisagísticos e estéticos, não mais se restringe àquelas ações mencionadas no preâmbulo e artigos 1º,3º e 4º da Lei 7.347/85. Os legitimados para a defesa judicial desses direitos poderão ajuizar qualquer ação que seja necessária para a adequada e efetiva tutela desses direitos."

Em face dos fundamentos apresentados, o Ministério Público tem total legitimidade para tutelar os direitos dos consumidores lesados pelos requeridos, até por uma questão de economia processual, evitando-se, dessa forma, inúmeras ações que podem inviabilizar ainda mais o Poder Judiciário, visto que são muitos os prejudicados pela empresa ré, daí o interesse social da questão.

2. Da legitimidade passiva dos sócios-proprietários da empresa ré:

No caso presente, evidenciado está a insolvência da empresa demandada, que, inclusive, já entrou em inatividade, tendo a "bandeira" sido passada para outra empresa, o que está a justificar a desconsideração de sua personalidade jurídica, para alcançar os bens dos sócios para garantir o ressarcimento dos consumidores lesados.

A fundamentação legal para tal se encontra exatamente no já citado artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, que trata do caso da seguinte forma:

"Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

(....).

§ 5º. Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores."

Inquestionável é portanto a legitimidade passiva "ad causam" de Henrique Martins Neto e Adriano Fábio Franchini, sócios proprietários da empresa demandada.

3. Da legitimidade passiva das esposas dos sócios-proprietários da empresa ré:

Sem dúvida alguma, as rés Adelaide de Moraes Martins Franchini e Regina Helena de Souza Campo Martins se conluiaram com os outros dois réus, seus esposos, com o fim de simular separação judicial e partilhar seus bens de forma a tentar fraudar os consumidores-credores. Assim agindo, tornaram-se elas responsáveis solidárias pela reparação dos danos causados, nos termos do parágrafo único do artigo 7º e § 1º do artigo 25 do Código de Defesa do Consumidor, assim redigidos:

"Artigo 7º. (....).

Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo. § 1º. Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas Seções anteriores.

(....).

Artigo 25. (....).

§ 1º. Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas Seções anteriores."

Como se não bastasse, artigo 109 do Código Civil prevê que a ação pauliana, nos casos de alienação gratuita e fraudulenta de bens, poderá ser intentada contra a pessoa que com o devedor insolvente celebrou a estipulação considerada fraudulenta, ou terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé.

Cabe, ainda, relembrar o previsto no artigo 159 do Código Civil brasileiro que dispõe que:

"Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano."

Por outro lado, o artigo 1.518 do Código Civil dispõe que os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado e, se tiver mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação, acrescentando, no seu parágrafo único, a responsabilidade solidária dos cúmplices, "in verbis":

"Art. 1.518 – Os bens do responsável pela ofensa ou violação de direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se tiver mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação.

Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores, os cúmplices e as pessoas designadas no art. 1.521.

Indubitavelmente, as esposas dos réus Adriano Fábio Franchini e Henrique Martins Neto, ao passar todos os bens para seus nomes, em separação judicial consensual inexistente, violaram direito e causaram prejuízos aos credores da Empresa ré e de seus sócios. São elas sem dúvidas "as cúmplices" de que fala o parágrafo único do artigo 1.518 do Código Civil. Não podem elas querer só a parte boa do negócio, enriquecendo-se por conta dos negócios da empresa, e negar as dívidas daí advindas.

Além do mais, o bem do casal responde pelas dívidas contraídas durante a constância do casamento. Tal afirmação deve ser lida em conjunto com o disposto no artigo 28, § 5º, do CDC, que prevê que "poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores".

Deve-se finalmente lembrar do previsto no artigo 129 do Código de Processo Civil que tem a seguinte previsão:

"Art. 129 - Convencendo-se, pelas circunstâncias da causa, de que autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim proibido por lei, o juiz proferirá sentença que obste aos objetivos das partes."

Como não mais é possível ao Juiz da "separação judicial consensual" obstar os objetivos das partes, cabe a esse juízo fazer as correções devidas, para os fins a que objetiva a presente ação civil pública.

4. Da ilegalidade do sistema de venda programado feito pela ré, sob a denominação de fácil car:

A atividade que era desenvolvida pela empresa ré consistia na captação de poupança popular, a qual se assemelha ao sistema de consórcio, motivo pelo qual a demandada necessitava de autorização do BACEN, sem o que tal tipo de negócio era e é ilegal e criminoso, conforme previsão do artigo 16, c/c artigo 1º da Lei 7.492/86 e do artigo 7º da Lei 5.768/71, com as alterações feitas pelo artigo 33 da Lei nº 8.177, de 01.03.91.

As operações que envolvem captação antecipada de poupança popular (consórcios, fundos mútuos, vendas com recebimento antecipado, parcial ou total do respectivo preço e assemelhados) constituem atividade de natureza financeira e dependem de prévia autorização administrativa, nos termos da Lei 5.768/71 (art. 7º) e do Decreto nº 70 951/72 (arts. 40 a 56).

Os artigos 7º da Lei 5.768/71 e 33 da Lei 8.177/91 são muito claros quanto à necessidade de prévia autorização do Bacen para a realização desta espécie de negócio jurídico:

"Dependerão, igualmente, de prévia autorização do Ministério da Fazenda, na forma desta lei, e nos termos e condições gerais que forem fixados em regulamento, quando não sujeitas à outra autoridade ou órgãos públicos federais:

I - as operações conhecidas como consórcio, fundo mútuo e outras formas associativas assemelhadas, que objetivem a aquisição de bens de qualquer natureza;

II - a venda ou promessa de venda de mercadorias a varejo, mediante oferta pública e com recebimento antecipado, parcial ou total do respectivo preço;

(....);

V - qualquer outra modalidade de captação antecipada de poupança popular, mediante promessa de contraprestação em bens, direitos ou serviços de qualquer natureza."

O Código de Defesa do Consumidor, na Seção "Das Práticas Comerciais Abusivas", proíbe a colocação, no mercado de consumo, de qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes.

A jurisprudência brasileira caminha nesse sentido. O E. Tribunal de Alçada de Minas Gerais, por exemplos, em caso idêntico ao da presente ação, já se manifestou sobre o assunto, quando do julgamento da Apelação Cível nº 187.659-7, cuja ementa é a seguinte:

"A captação de poupança popular, mediante a promessa de venda de telefones a prazo, é regulamentada por lei federal, nos termos do artigo 22, XIX, da Constituição, e apenas pode ser exercida pelas empresas que atenderem os requisitos legais."

No mesmo sentido foi a decisão daquele Tribunal nos autos da Apelação Cível nº 191.623-6.

A ré, com seu comportamento, ofende dispositivos de ordem pública e interesse social (que exige a atuação judicial e do Ministério Público, de ofício), afrontando a Lei nº 5.768/71, que estabelece normas de proteção à poupança popular, e desrespeitando a Lei 8.078/90, que dispõe sobre a proteção do consumidor.

A atividade ilícita que era desenvolvida pela requerida representava, bem como representou de fato, grave risco para a ordem pública, pois não cumpria as exigências feitas pela norma legal que regulamenta os contratos de venda, com pagamento antecipado (Decreto n. 70.951/72, arts. 40/56), quais sejam:

a) prévia autorização do BACEN (art. 48);

b) capital, totalmente integralizado, igual ou superior a cinco mil (5.000) vezes o salário mínimo (art. 48);

c) proibição de contratos com prazos inferiores a seis ou superiores a doze meses (art.49).

Efetivamente, a recorrida não tinha, como não tem, autorização do Banco Central do Brasil para atuar na área em que atuava, bem como seu capital social exclusivo para responder pelos compromissos que assumiu no plano de venda programada denominada fácil car, deixando no prejuízo todos os incautos e desinformados consumidores que com ela negociaram.

Os representantes da empresa ré, quando instalados, não apresentaram ao Ministério Público as garantias necessárias ao consumidor.

Sem autorização administrativa, sem demonstrar capacidade técnica e financeira, sem sujeitar-se à fiscalização permanente do governo, o destino dos consumidores só poderia ser aquele que hoje se verifica.

Neste contexto, é importante ressaltar que constitui direito básico do consumidor a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos (art. 6º, VI, CDC):

"Artigo 6º - São direitos básicos do consumidor:

(....);

VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos".

Assim, amparado pela legislação referida e com o fim de se suprimir os riscos de dano aos consumidores e à ordem pública econômica, é que foi instaurado o inquérito civil que instrui a presente ação, mas que hoje, infelizmente, só tem o condão de buscar o ressarcimento dos danos já perpetrado, ressarcimento este que deve ser de imediato e da forma mais completa possível.

5. Da nulidade dos atos jurídicos tendentes a transmissão dos bens imóveis dos sócios proprietários para suas esposas:

A partilha do bem do casal, através da "separação judicial consensual" não tem validade alguma para os credores existentes anteriormente a ela, posto que os bens do casal respondem pelas dívidas contraídas durante a constância do casamento, mormente quando os valores pagos pelos credores foram usados para aumentar o patrimônio do casal.

O ato jurídico praticado (separação consensual) é nulo porque houve conluio das partes para conseguir fim proibido por lei (Artigo 145 do Código Civil c.c. o artigo 129 do Código de Processo Civil).

Mesmo se assim não fosse, ele poderia ser anulado, posto que autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado (Artigo 147, inciso II, do Código Civil).

A simulação se deu exatamente para lesar os credores que estão sendo protegidos pela presente ação civil pública.

Neste caso, vale invocar também os artigos 106 e 109 do Código Civil que dispõe:

"Art. 106. Os atos de transmissão gratuita de bens, ou remissão de dívida, quando os pratique o devedor já insolvente, ou por eles reduzidos à insolvência, poderão ser anulados pelos credores quirografários como lesivos dos seus direitos (art. 109).

(....).

Art. 109. A ação, nos casos dos arts. 106 e 107, poderá ser intentada contra o devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou a estipulação considerada fraudulenta, ou terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé.

A desconsideração da personalidade jurídica seria letra morta, se os sócios pudessem, impunemente, transmitir seus bens para terceiro. Nesse passo, vale aqui relembrar a responsabilidade solidária prevista no Codecon e anteriormente já mencionada e o princípio da efetiva prevenção e reparação dos danos ao consumidor, sem se esquecer também do dever legal de se facilitar a defesa do consumidor.

6. Da nulidade dos atos jurídicos tendentes a transmissão dos bens imóveis dos réus para terceiro, a título oneroso ou gratuito:

São nulos igualmente e pelas mesmas razões acima, todas as outras transmissões de bens, onerosa ou gratuita, a terceiro, a partir do meado de 1997, quando a empresa Auto Peças Chacha Ltda. entrou em estado de insolvência, já que tal estado era público e notório, não podendo terceiro alegar boa fé.

A anulação das transmissões ocorridas deve-se dar com base não só dispostos nos artigos 106, 107 e 109 do Código Civil, mas também em todos os princípios e fundamentos que regem o Código de Defesa do Consumidor, mormente os previstos nos artigos 4º, "caput" e inciso III, 6º, incisos VI e VIII, 7º, parágrafo único, 25, § 1º, 83 e 84, "caput" e § 5º, "in verbis":

"Art. 106. Os atos de transmissão gratuita de bens, ou remissão de dívida, quando os pratique o devedor já insolvente, ou por eles reduzidos à insolvência, poderão ser anulados pelos credores quirografários como lesivos dos seus direitos (art. 109).

(....).

Art. 107. Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência for notória ou houver motivo para ser conhecida do outro contraente.

(....).

Art. 109. A ação, nos casos dos arts. 106 e 107, poderá ser intentada contra o devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou a estipulação considerada fraudulenta, ou terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé."

"Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

(....);

III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;

(.....).

Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

(....);

VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

(....);

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

(....).

Art. 7º. Os direitos previstos neste Código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, ANALOGIA, costumes e eqüidade.

Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.

(....).

Art. 25. (....).

§ 1º. Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas Seções anteriores.

(....).

Art. 83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.

(....).

Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

(....);

§ 5º. Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial."

No caso em exame, a única providência que pode assegurar o ressarcimento dos consumidores é a declaração da nulidade de toda transmissão, gratuita ou onerosa, de bens dos réus para terceiro. Assim, tal medida há de ser tomada, para se fazer efetiva a proteção e ressarcimento dos danos dos consumidores lesados e para se cumprir o preceituado no artigo 84, "caput", do Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

7. Da necessidade de se estabelecer para o consumidor as mesmas garantias estipuladas no contrato para o fornecedor, com o fim de se estabelecer, embora tardiamente, o equilíbrio da avença:

Como já dito, várias cláusula existentes no instrumento contratual são abusivas, posto que fixaram responsabilidades e penalidades apenas para o consumidor e reservaram as garantias apenas para o fornecedor. Para se atingir os reais fins dessa ação, tais cláusulas devem ser aplicadas também aos consumidores, para que se possa trazer ao contrato seu verdadeiro equilíbrio, apanágio principal das relações de consumo.

Assim, as mesmas penalidades que foram aplicadas aos consumidores, quando estes deram causa à rescisão do contrato ou simplesmente atrasaram com o pagamento das prestações, devem ser agora aplicadas aos réus que, além de atrasar a entrega dos bens contratados, rescindiram unilateralmente o contrato e tentaram devolver apenas parte dos valores pagos.

Com efeito, prevê a cláusula 10 que, no caso de atraso no pagamento de qualquer parcela, o consumidor-contratante estaria sujeito ao pagamento de "juros de mora de 1% ao mês ou fração, atualizada monetariamente de 100% do índice de variação do IGP-M, no período compreendido entre a data do vencimento e a data do efetivo pagamento, além de multa contratual de 2%, levando-se sempre em consideração sempre o valor de prestações calculadas na forma da cláusula 1, item 1.4, relativo ao preço do bem vigente no dia do pagamento, consoante estabelecido na cláusula 4 do presente contrato, que será devida, de pleno direito, independentemente de qualquer formalidade, aviso, interpelação ou notificação".

Pelo disposto no item 10.1, em caso de não-pagamento após a ocorrência de notificação judicial ou extrajudicial, dar-se-ia o vencimento antecipado de todas as parcelas, ficando assegurado à Vendedora a faculdade de cobrá-la integralmente ou requerer a reintegração da posse do veículo.

A empresa ré ficava bem a vontade para estabelecer tamanhas truculências e ilegalidades porque o veículo entregue ficava alienado a ela, além de o consumidor ter que apresentar fiador idôneo, que passava a responder solidariamente pelo crédito.

No mesmo item 10.1, ficou convencionado que o consumidor, em caso de a empresa requerida tiver que ingressar com medida judicial, deveria pagar todas as despesas judiciais e extrajudiciais e honorários advocatícios.

Caso o consumidor desistisse do bem antes de sua entrega, perderia em favor da contratada ré 10% do valor pago, mais os valores referentes a eventuais despesas que a ré conseguisse inventar, tudo isso a título de cláusula penal, como prevê a cláusula 13 do contrato, sendo certo que a quantia a ser devolvida não sofreria qualquer reajuste e ainda seria devolvido em 60 dias, contados estes da data da rescisão contratual (cláusula 13.1).

O valor das parcelas eram reajustados simultaneamente com o reajuste do bem objeto do contrato, de forma que os valores pagos pelos contratantes sempre eqüivaliam, proporcionalmente, ao valor do bem vigente no dia do pagamento, conforme previsto nas cláusulas 8.1, 10 e 14 (f. 288-289 do IC), de forma que o consumidor que quitou o bem deve receber, no momento do adimplemento, o veículo objeto do contrato ou o valor equivalente a um veículo novo, acrescidos das multas e juros legais, sendo que, no caso de devolução em dinheiro, o consumidor faz jus ao pagamento da cláusula penal, no valor equivalente a 10% do valor pago, em virtude da ocorrência da rescisão contratual. Aquele que não quitou o bem, tem direito de receber o valor proporcional do bem pago, acrescidos das penalidades constantes da cláusula 10.

Aqueles que já tiverem contratado ou tiverem que contratar advogado para buscar o ressarcimento dos prejuízos detêm, ainda, o direito de receber o dinheiro equivalente aos honorários que despendeu ou vier a despender com tal profissional, acrescido de todos os outros gastos que tiver feito ou vier a fazer, nos termos da cláusula 10.1 do contrato elaborado pela ré, por força do princípio do equilíbrio contratual, e do artigo 51, inciso XII, do CDC.

Em relação aos valores que não forem pagos de imediato pelos réus, os consumidores, nos termos da cláusula 9, tem direito a receber as garantias devidas.

Só com o acolhimento dessas providências pelo Judiciário é que se poderá agora buscar, embora tardiamente, o tão almejado equilíbrio contratual que não foram respeitados pelos réus.

8. Da ilegalidade dos repactuamentos ocorridos e da rescisão indireta do contrato:

Como já dito anteriormente, ocorreram dois repactuamentos indevidos e ilegais, posto que constituíram-se em verdadeiras mudanças unilaterais do contrato. Na realidade, a empresa demandada deveria entregar, no prazo estipulado no contrato, o veículo escolhido pelo consumidor no momento de assinar o "Compromisso de Compra e Venda à Crédito com Promessa de Entrega Futura". Mas tal não ocorreu. Além de mudar inicialmente, por várias vezes, a data de entrega dos veículos contratados, passou, após entender inviável a entrega, por culpa exclusiva sua, fez uma rescisão indireta do contrato e passou a devolver apenas parte do valor pago, num percentual inferior a 50% do valor pago e descontados o valor do seguro pago, ocorrendo aqui a segunda repactuação indevida e ilegal.

O Código de Proteção e Defesa do Consumidor proíbe tais forma de proceder, por vários motivos. O primeiro deles é porque essa atitude demonstra tão somente a falta de boa fé da empresa contratada. Segundo, porque atenua a responsabilidade do fornecedor e implica renúncia de direitos do consumidor (51/I/CDC). Terceiro, porque subtrai do consumidor a opção de reembolso de quantia paga (51/II/CDC). Quarto, porque coloca o consumidor em desvantagem exagerada e é incompatível com a boa-fé e com a eqüidade (51/IV/CDC). Quinto, porque deixa ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora o consumidor tenha sido obrigado a cumprir as responsabilidades assumidas (51/IX/CDC). Sexto, porque autorizou o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito tivesse sido conferido ao consumidor (51/XI/CDC). Sétimo, porque autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração. E Oitavo, porque essa forma de proceder dos réus está em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor (51/XV/CDC), o que causa enriquecimento ilícito dos requeridos e empobrecimento sem causa ao consumidor.

Assim, não tem validade alguma a rescisão indireta dos contratos e as repactuações feitas em prejuízo dos consumidores, devendo os réus serem responsabilizados a cumprir a avença, entregando o bem prometido a quem o quitou e – na impossibilidade de os contratantes que ainda não procederam a quitação dos veículos continuarem fazendo o pagamento restante, dado que a empresa Chacha Veículos fechou as portas – devolver, para estes, o valor pago de forma proporcional ao preço do veículo pretendido ou o valor atualizado pelo IGP-M (FGV), descontados, para quem já recebeu, o quantum já devolvido. Sem se esquecer da aplicação das penalidades devidas, como estava prevista no contrato para os consumidores inadimplentes.

9. Do dever de se devolver o valor pago a título de seguro:

Prevê o inciso III do artigo 39 do CDC que "é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços" "enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço". E o parágrafo único deste mesmo artigo prescreve que "Os serviços prestados e os produtos remetidos ou entregues ao consumidor, na hipótese prevista no inciso III, equiparam-se às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento".

O seguro, como já referendado anteriormente, foi fornecido ao consumidor sem sua solicitação. Em momento algum o consumidor foi ao Chacha Veículos para fazer contrato de seguro. Foi sim para comprar carro, sendo o seguro, que sequer constava no bojo do contrato feito, uma entrega indevida, não havendo, portanto, obrigação do consumidor pagar por ele. Assim, os valores pagos a este título devem ser devolvidos.

Neste diapasão, pode-se concluir que a cobrança do seguro, que deveria ser equiparado a amostra grátis, foi indevida, devendo-se aplicar no caso o disposto no artigo 42, parágrafo único, com o fim de se determinar aos réus que devolvam esses valores devidamente corrigidos em dobro, isso sem prejuízo dos acréscimos legais, como juros e multa devidos.

Mesmo que se queira negar a aplicação do referido inciso III do artigo 39, sob a alegação de que o consumidor estava de tudo ciente e com ele concordou, há de se dizer que a vontade do consumidor se encontrava viciada, posto que ele se sentiu obrigado a fazer o seguro para poder levar o produto pretendido (o veículo). Nessas condições, a empresa ré incidiu na proibição contida no inciso I do referido artigo 39, que prevê:

"Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos".

Para o consumidor não havia outra alternativa, ou ele fazia o seguro que lhe era imposto ou não adquiriria o veículo que efetivamente queria adquirir.

Nesse passo vale lembrar que o comportamento dos réus tipificou o crime previsto no inciso II do artigo 5º da Lei 8.173, de dispõe, "in verbis":

"Art. 5º. Constitui crime da mesma natureza:

II - subordinar a venda de bem ou a utilização de serviço à aquisição de outro bem, ou ao uso de determinado serviço. Pena - detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa."

Por esse ângulo, não há como negar também o dever de os réus devolver os valores adquiridos de uma forma criminosa.

10. Da necessidade da indisponibilização dos bens dos sócios-proprietários da empresa ré e das esposas daqueles, para assegurar o resultado útil do processo:

A responsabilidade dos representantes legais da ré e das esposas deles já foi claramente evidenciada em itens anteriores. Agora, neste artigo, cumpre demonstrar que a indisponibilidade dos bens dessas pessoas torna-se imprescindível para o efetivo ressarcimento dos danos causados aos consumidores.

A Constituição Federal consagra, em seu artigo 5o, inciso XXXII, o sistema de proteção ao consumidor, impondo ao Estado o dever de zelar pela lisura das relações de consumo, nos seguintes termos:

"Art. 5o – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(....);

XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor."

O escopo do constituinte foi propiciar o grau máximo de celeridade, presteza e efetividade na tutela de interesses coletivos, evitando com isso a dispersão e vulgarização das práticas comerciais abusivas.

Para tanto impôs ao Estado o dever de zelar por tais interesses, promovendo a defesa do consumidor através de órgãos especializados, instrumentos e mecanismos adequados ao desempenho desta missão.

E quando o texto constitucional se reporta ao vocábulo "Estado", o faz na mais ampla acepção da palavra, referindo-se indistintamente a todos os poderes integrantes do Estado Democrático de Direito. Com efeito, não apenas ao Poder Executivo incumbe o desempenho dessa missão atribuída pela Carta de 1988, mas também ao Poder Legislativo e ao Poder Judiciário.

Assim fica a cargo do Estado-Executor a fiscalização das relações de consumo (hoje realizada pelo PROCON), além da assistência jurídica às vítimas de práticas comerciais abusivas, atualmente desempenhada pela Defensoria Pública do Consumidor (defesa dos interesses individuais) e pelo Ministério Público (defesa dos interesses individuais indisponíveis, homogêneos, coletivos e difusos). Sem descurar, entretanto, da responsabilidade da própria comunidade, através das associações constituídas com o fim de defender o consumidor.

Por seu turno, o Poder Legislativo se obriga a traçar as diretrizes básicas para a defesa do consumidor, inovando o ordenamento jurídico com a aprovação de leis que assegurem a efetiva proteção de seus interesses. Nesse campo, aliás, várias foram as contribuições propiciadas pelo legislador. A título de ilustração, pode-se citar a Lei 8.078/90 como exemplo do comprometimento parlamentar com o dever imposto pela Constituição Federal. Esta lei trouxe inúmeras inovações em matéria de tutela jurídica do consumidor, principalmente no que tange à prevenção e à reparação de danos, nulidade de cláusulas contratuais leoninas e combate às práticas comerciais abusivas.

Por fim, cumpre ao Estado-Juiz, diante de situações concretas que lhe forem submetidas, apreciar a plausibilidade do direito invocado e o espectro do dano causado, a fim de realizar com imparcialidade a justa composição da lide, adotando as medidas necessárias à efetiva e pronta proteção do consumidor.

Como se vê, a Constituição Federal conferiu ao Estado a árdua missão de promover a defesa do consumidor, tarefa por vezes extremamente difícil. E para consumar na prática aquilo que o constituinte anteviu na teoria, os Poderes Públicos devem estar unidos, envidando esforços conjuntos para executar o postulado constitucional. Judiciário, Executivo e Legislativo, cada qual em sua esfera, devem garantir o equilíbrio e a paridade entre fornecedores e consumidores em suas relações costumeiras.

Todavia, esta garantia constitucional seria inócua caso não fossem admitidas, no âmbito de uma relação processual, medidas destinadas a assegurar o resultado útil do processo e a efetiva satisfação da pretensão deduzida em juízo. De nada adiantará obter um provimento favorável após vários anos de batalha judicial, se os réus já houverem dilapidado seus respectivos patrimônios, frustrando assim futura execução de sentença para o azar dos consumidores.

Para se evitar tamanha injustiça, cumpre tomar-se, ab initio, medidas constritivas incidentes sobre os bens de todos responsáveis pelo ressarcimento, sujeitando-os aos efeitos da sentença que vier a ser prolatada.

A corrente moderna do Processo Civil, preocupa-se muito mais com a praticidade e utilidade das medidas judiciais, do que com os excessivos rigores formais, que de resto só atravancam o desenvolvimento da técnica processual.

O Direito Processual não mais se apraz com a simples composição da lide por meio da cognição. Mais que isso, preocupa-se com a efetiva satisfação do crédito ou da pretensão estampada na petição inicial.

Em veras, a prestação jurisdicional não está completamente entregue com o julgamento de mérito, eis que o réu poderá opor-se aos efeitos da condenação, restando ao autor apenas o direito de promover a execução da sentença. E ainda aqui, se o executado não possuir bens suficientes para a satisfação do crédito, todos os esforços envidados pelo autor serão inúteis, apesar de ter realizado inúmeras despesas para resgatar o crédito, tais como o desembolso de custas judiciais e honorários advocatícios. Isso sem contar o desgastes e gastos feitos pelo próprio Estado para alcançar tal desiderato tão frustrante.

Portanto, mister se faz a indisponibilização de todos os bens existentes em nome da Empresa Auto Peças Chacha Ltda., de seus sócios-proprietários e das esposas destes. Com esta medida, garante-se, antecipadamente, o resultado útil do processo, sem o risco de se pleitear um provimento inócuo ante a escassez patrimonial. Com efeito, o conjunto de bens registrados em nome dos responsáveis pela recomposição dos danos é, provavelmente, assaz vultoso e capaz se fazer frente às indenizações pleiteadas.

O Código Buzaid perfilhou com afinco esta nova tendência processual, conferindo ao magistrado, diante de um caso concreto e em hipóteses excepcionais, certa dose de liberdade para adotar as providências necessárias à garantia do regular deslinde do processo e da efetiva outorga da prestação jurisdicional, com a conseqüente entrega do bem da vida. Trata-se do Poder Geral de Cautela, prerrogativa conferida ao juiz, em função do múnus público que desempenha na relação processual.

O Poder Geral Cautelar do juiz atua como um poder integrativo da eficácia global da atividade jurisdicional. Se esta tem por finalidade declarar o direito de quem tem razão e satisfazer esse direito, deve ser, e o é, dotada de instrumentos para a garantia do direito enquanto não definitivamente julgado e satisfeito.

Através deste poder, o magistrado adota, de plano, as medidas imprescindíveis para garantir a eficácia de futura sentença de mérito, primando pela presteza e pela efetividade da tutela jurisdicional. Aliás, muito injusto seria o Direito Processual, caso não se concebesse tal idéia.

Assim, na concessão de liminares, antecipações de tutela, ou medidas cautelares, o critério que o magistrado deverá levar em conta, mediante um juízo de certa forma discricionário, é a garantia de eficácia da decisão que vier a ser proferida, ou seja, a garantia de um resultado útil, o que pode ser aquilatado por dois requisitos fundamentais: o fumus boni juris e o periculum in mora.

A indisponibilização dos bens registrados em nome dos réus constitui medida imprescindível ao sucesso da demanda, tendo-se em vista o perigo existente na eventual espera pelo provimento jurisdicional definitivo. O desfecho de qualquer litígio judicial demanda tempo, havendo assim fundado receio de danos aos consumidores. Ademais, no caso vertente, mesmo com a decretação da procedência do pedido, os consumidores poderão ficar sem obter qualquer ressarcimento, já que os réus poderão, a qualquer tempo, desfazer-se de seus pertences, frustrando os escopos instrumentais do processo.

Não é necessário muito esforço para vislumbrar a enorme área de risco a que ficarão submetidos os consumidores caso esta medida constritiva não seja decretada de imediato. Com efeito, se isto vier a ocorrer, os réus irão procurar se desfazer de suas posses, alienando ou doando bens de sua propriedade, reduzindo-se à insolvência, tudo no afã de se esquivarem à responsabilidade de reparar os danos. Sendo certo que a empresa demandada não possui patrimônio suficiente para garantir futura execução, posto que já se sabe que em ações individuais de busca e apreensão, propostas por consumidores lesados, já não se obteve êxito em localizar bens da Chacha Veículos para se apreender. É o caso, por exemplo de ação de ações que tramitam pela 2ª Vara Cível desta Comarca de Campo Grande, conforme informação prestada pelo Dr Raslan ao Senhor Sebastião Alves Pereira.

Daí a imprescindibilidade da decretação da indisponibilidade dos bens registrados em nome dos réus. Trata-se de uma medida assecuratória e acautelatória, através da qual se busca prevenir lesões graves e de difícil reparação, de moldo a tornar efetiva, na prática, a proteção e a defesa do consumidor, em cumprimento ao dever imposto pelo artigo 5o de nossa Carta Constitucional.

Por outro lado, a fumaça do bom direito elucidou-se no delinear desta exposição. A publicidade enganosa, o dolo e as tergiversações dos réus, o propósito livre e premeditado de auferir ganhos por meios ilícitos, a inadimplência da empresa ré, que resultou em prejuízos a terceiros, bem assim as determinações da Lei 8.078/90 bastam para vaticinar as conseqüências dos atos praticados pelos réus. Por certo, finda a pendência, o consumidor há de lograr êxito em sua pretensão, quão fortes são os argumentos, consubstanciados na boa-fé e nos imperativos legais. O conjunto da legislação citada, que se ajusta com perfeição ao caso, torna indeclinável o dever de ressarcir os danos causados aos consumidores, ensejando a presença do fumus boni juris.

Essa medida mostra-se indispensável considerando o significativo valor do prejuízo, bem como a real possibilidade de dilapidação do patrimônio, o que já vem ocorrendo, e a conseqüente ineficácia do provimento jurisdicional principal.

Consigne-se, ainda, que o direito material acha-se suficientemente demonstrado nos documentos que instruem esta inicial, o mesmo ocorrendo com a possibilidade do perigo que poderá representar a demora da prestação jurisdicional final conforme já ressaltado.

Fica, assim, claramente evidenciada a necessidade de amparo judicial urgente para afastar de pronto os riscos de perecimento dos bens que representam a garantia de eficácia da sentença de mérito postulada por meio desta ação civil pública.

11. Da necessidade de concessão de medida liminar:

A Empresa ré, na forma já comentada, insiste – com o argumentos inconsistentes e desleais, próprio de quem tem por objetivo único o de tripudiar sobre os direitos alheios – em lesar o consumidor, no sentido de devolver apenas parte do que lhe foi pago, em percentual inferior a 50% do valor do débito.

O "fumus boni iuris" caracteriza-se pela farta documentação e pelas várias reclamações, comprovando lesões à lei e aos consumidores.

O "periculum in mora" está presente, diante da natural demora de tramitação de uma ação coletiva, a qual oportunizará, sem dúvida, como já vem ocorrendo, o desvio do patrimônio restante, dificultando o ressarcimento dos prejuízos ocorridos e ensejando o nascimento de outros danos maiores aos consumidores.

Cabe lembrar aqui que o direito dos trabalhadores só foram garantidos após a concessão de uma liminar pela Justiça do Trabalho, em uma medida cautelar de arresto, quando a empresa ainda tinha bens disponíveis para dar em garantia, o que não acontece hoje.

Ora, se os direitos dos consumidores são amparados por norma de ordem pública e de interesse social, tanto quanto são os direitos dos trabalhadores, não se justificaria uma proteção liminar tão somente para estes, principalmente se levar em conta a situação da empresa agora é mais caótica do que no momento em que a Justiça Trabalhista concedeu liminar aos trabalhadores, arrestando todos os bens da empresa ré.

Aplica-se aqui, com toda propriedade e por analogia, o previsto no artigo 813 do Código de Processo Civil que dispõe:

"Art. 813 - O arresto tem lugar:

(....);

II - quando o devedor, que tem domicílio:

b) caindo em insolvência, aliena ou tenta alienar bens que possui; contrai ou tenta contrair dívidas extraordinárias; põe ou tenta pôr os seus bens em nome de terceiros; ou comete outro qualquer artifício fraudulento, a fim de frustrar a execução ou lesar credores;

Assim exposta a questão, não resta espaço para argumentos contrários e tendentes a opor-se a liminar a ser pleiteada.


C) Dos pedidos:

Diante do exposto, o Ministério Público requer à V.Exa a concessão de liminar, "initio litis" e "inaudita altera pars", com expedição de mandado, para:

1. desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade, com o fim de alcançar os bens dos sócios e dos seus respectivos cônjuges, também réus nesta demanda, tudo com o fim de garantir a real proteção e indenização dos consumidores lesados;

2. indisponibilizar todos os bens dos réus, oficiando aos órgãos competentes para que não os transfiram para terceiro sem a autorização judicial, com o fim de garantir os ressarcimentos futuros dos consumidores, visto que os réus, há muito já vêm delapidando seus bens;

3. determinar o arresto de todos os bens remanescentes da Empresa Autos Peças Chacha Ltda., também para garantia das indenizações aos consumidores lesados, o que é pedido nos termos do artigo 12 da Lei nº 7.347/85; artigo 84, parágrafo 5º, do CDC; e do artigo 813, II, "b", do Código de Processo Civil;

4. determinar que os pais de alunos matriculados no Colégio Harmonia I e II, pertencentes aos réus Henrique Martins Neto e Regina Helena de Souza Campo Martins, depositem os valores das mensalidades em conta vinculada a esse Juízo e que os valores que serão necessários para fazer frente a gastos com pagamento de professores, de funcionários e com encargos diversos para manutenção da referida instituição, sejam solicitados mensalmente ao Judiciário, mediante comprovação de todo o destino das verbas, de modo que os réus Henrique Martins Neto e Regina Helena de Souza Campo Martins não façam qualquer movimentação financeira em relação aos valores depositados ou que virão a ser depositados em nome do Colégio Harmonia I e II, sem a devida autorização judicial, após a concessão da presente liminar;

5. determinar a indisponibilidade de todos os valores existentes em conta corrente e em aplicações bancárias em nome de referida instituição de ensino, a partir da concessão da liminar, sendo que os seus proprietários devem fornecer extrato da movimentação bancária feita pelo referido colégio desde janeiro próximo passado, bem como devem atualizar mensalmente referidas movimentações, mantendo esse Juízo de tudo informado;

6. determinar a expedição de ofício ao Bacen para fornecer os nomes das agências bancárias onde referida instituição de ensino e seus proprietários mantêm movimentações financeiras, com discriminação de número de contas e valores lá depositados desde janeiro de 2000;

7. determinar que as mesmas providências acima sejam tomadas em relação ao réus Adriano Fábio Franchini e a empresa Meridien - Administradora e Corretora de Seguros Ltda., CGC/MF sob o nº 37.552.940/0001-01, onde ele é sócio majoritário;

8. determinar que réu Adriano Fábio Franchini não faça qualquer movimentação financeira em relação aos valores depositados ou que virão a ser depositados em nome da Empresa Meridien – Administradora e Corretora de Seguros Ltda., após a concessão da presente liminar, devendo ser comunicado ao outro sócio da empresa essa decisão, para que ela seja fielmente cumprida;

9. anular as partilhas feitas nos autos de separação judicial consensual nº 2000.2682-4 e nº 2000.2683-2, em que são partes, respectivamente, Adriano Fábio Franchini e Adelaide de Moraes Martins Franchini e Henrique Martins Neto e Regina Helena de Souza Campo Martins, com expedição do necessário mandado ao cartório competente, para fazer as anotações e averbações necessárias;

10. determinar aos réus Adriano Fábio Franchini e Henrique Martins Neto que informem a esse juízo: o nome, endereço, CGC, inscrição estadual, da empresa que eles dizem que ficou com a bandeira que a Empresa Chacha Veículos detinha, com envio de cópia do contrato firmado; identificação completa e endereço de seus representantes legais; valor que o Chacha transferiu a bandeira para essa empresa e como foram pagos tal valor e o destino dado ao mesmo, indicando a agência bancária onde foi depositado; bem como se resta algum valor a ser pago e, em restando, que esse valor seja depositado em nome desse Juízo;

11. apreender as verbas referentes a venda da referida bandeira (concessão da GMB), que deverão ser depositadas em contas à disposição do Juízo, devendo, para tanto, os réus indicarem a agência bancária onde elas se encontram e o seu valor, apresentando extrato que demonstre toda a movimentação desse dinheiro, desde a data de seu pagamento até hoje;

12. notificar a empresa que adquiriu a concessão da GMB para, caso as verbas correspondentes a aquisição da bandeira respectiva não tenham sido repassadas por inteiro a empresa ré, efetuar os depósitos correspondentes aos valores restantes em juízo, sob pena de responder solidariamente pelos danos que por conta dessa desobediência forem causados aos consumidores, nos termos dos artigos 7º, parágrafo único, e 25, § 1º, ambos do CDC, sem prejuízo da pratica do crime de desobediência e o pagamento de multa a ser fixada por esse juízo no dobro do valor da transação;

13. determinar aos réus Henrique Martins Neto e Adriano Fábio Franchini que relacionem todos os bens móveis que guarneciam a sede da empresa "Chacha Veículos" até dezembro de 1999, bem como informem o destino de todos eles, indicando os prováveis adquirentes, o valor e a data da transação, bem como o destino das verbas daí advindas;

14. determinar o arrestos dos bens mencionados no item anterior, que deverão ser colocados a disposição desse Juízo, embora possa ficar sob a responsabilidade de quem os detêm até o pagamento completo de todos os consumidores lesados, com intimação dos seus detentores para, querendo, integrar o pólo passivo da presente ação;

15. determinar aos réus Henrique Martins Neto e Regina Helena de Souza Campo Martins que juntem aos autos cópia integral dos autos da "Separação Judicial Consensual" deles, para que os bens ali constantes sejam indisponibilizados também e se possa evitar novas delapidações;

16. determinar aos réus que relacionem todos os bens, móveis e imóveis, que possuíam nos meados do ano de 1997, mais precisamente no dia 30 de julho de 1997, quando a empresa ré entrou em estado insolvência, especificando o atual destino de cada um e a forma como foram transferidos, se os foram, bem como informar os bens que foram adquiridos posteriormente;

17. anular – com comunicação aos órgãos competentes para fazer as devidas anotações e averbações – todas as transferências de bens, onerosa ou não, ocorridas a partir de julho/97, quando a empresa começou a não mais entregar qualquer bem em relação ao "Facilcar", embora tenha continuado a comercializar mais veículos por essa modalidade de venda programada.

Requer, ainda, que seja fixada, sem prejuízo de responsabilização por prática de crime de desobediência a ordem judicial, com expedição imediato de mandado de prisão em caso de descumprimento, multa na forma e valor adequados, de forma a desestimular o descumprimento de cada uma das determinações desse Juízo, sendo que os valores respectivos deverão ser recolhidos ao Fundo Estadual de Defesa do Consumidor.

Requer também que seja determinada a publicação via Diário Oficial da r. decisão concessiva das medidas liminares pleiteadas, a fim de que chegue ao conhecimento de todos, para fazer efeito contra terceiro.

Requer, igualmente, que seja oficiado aos CRIs, ao Detran e aos Bancos em geral, para comunicar o teor da decisão a ser prolatada liminarmente e para requisitar certidão dos bens e valores que estavam em nome dos réus nos últimos 2 anos e a quem foram transmitidos, bem como o saldo existentes nas contas correntes, caderneta de poupanças e em outras aplicações em nome dos réus, quebrando, assim, o sigilo bancário dos mesmos, em defesa dos direitos dos consumidores.

2. Dos pedidos referentes à tutela definitiva:

a) Requer, outrossim, o órgão ministerial o julgamento procedente da presente demanda, para manutenção definitiva das liminares requeridas, com cominação de multa para o caso de descumprimento de qualquer determinação judicial, sem prejuízo da responsabilização penal.

Requer, igualmente, que sejam declarados nulos todos os repactuamentos posteriores e as mudanças unilaterais dos contratos, sejam eles judiciais ou extrajudicialmente, no sentido de mudar a data de entrega do bem e de permitir que o consumidor recebesse valor menor do que despendeu para a compra do bem contratado.

É requerido, ainda, pelo autor que os réus sejam condenados:

b) a suportar as mesmas penalidades que eram impostas aos consumidores quando estes atrasassem o cumprimento das obrigações assumidas ou dessem causa a rescisão contratual, em face dos princípios da boa fé e da eqüidade que devem nortear as relações de consumo;

c) a entregar os veículos a quem os quitou, na forma prevista nas clausulas 4ª, .8.1 e 14, ou, alternativamente a devolução do valor equivalente ao preço que estiver vigente para o veículo contratado na época da devolução; ou o valor pago de forma atualizada, a partir de cada desembolso feito, pelo IGP-M (FGV);

d) a devolver os valores pagos, devidamente atualizados pelo IGP-M (FGV), aos consumidores que ainda não quitaram os veículos contratados, dado que há impossibilidade de se dar continuidade aos pagamentos restantes, em virtude de a empresa ré ter cessado suas atividades, sendo que a mesma condenação deve ocorrer em relação aqueles que anteriormente desistiram do contrato por sua própria conta e que ainda não foram reembolsados dos valores despendidos;

e) a sofrer a mesma penalidade que estariam sujeitos os consumidores caso dessem causa a rescisão contratual, com pagamento, a título de cláusula penal, do valor correspondente a 10% do despendido pelo consumidor, devidamente corrigido e acrescido de juros e multa legais, conforme previsão da cláusula 13, em virtude da aplicação do princípio do equilíbrio;

f) ao pagamento dos juros (1% ao mês, calculados estes também sobre o montante total pago pelo contratante e contados da data prevista originariamente para a entrega dos bem), multa (2% do total do valor total pago) e correção monetária da mesma forma a que estaria sujeito o consumidor caso atrasasse com o pagamento de sua parcela, conforme consta da cláusula 10 do contrato padrão, com pagamento dos honorários do advogado dos consumidores que ingressaram ou vierem a ingressar com ação individual (cláusula 10.1 do contrato), em virtude também da aplicação do princípio do equilíbrio;

g) a restituir, em dobro e devidamente corrigidos pelo IGP-M e acrescidos dos juros e multas legais, os valores pagos a título de seguro, posto que foi cobrado indevidamente, dado que o consumidor nunca solicitou esse serviço, mas que lhe foi imposto como condição para aquisição do bem objeto do contrato;

h) genericamente, ao pagamento dos danos morais e dos lucros cessantes sofridos pelos consumidores, sendo que tal condenação será liquidada e executada por cada consumidor interessado;

i) a se absterem de reabilitar a empresa "Chacha Veículos" ou de abrirem nova empresa para venda de veículo ou de outro bem qualquer, sob a modalidade venda programada, consistente em comercialização de bens com pagamento antecipado para entrega futura, sem que estejam autorizados para tanto pelo Bacen ou por outro órgão público responsável para exigir as garantias necessárias e dar as autorizações devidas;

j) a trazer para os autos o nome, endereço e telefone de todos os consumidores aderentes do plano de venda programada denominada "Facilcar" que ainda não receberam o bem nem tiveram devolvidos os valores pagos, discriminando data de assinatura do contrato, data contratual original da entrega do bem, descrição e valor de cada um dos bens objeto dos contratos firmados e data de desembolso feita por cada um desses consumidores-credores;

k) a informar também, para fins do artigo 108 do Código Civil, o nome de todos os compradores dos bens dos réus principalmente da empresa Chacha, discriminando o valor da transação e o quanto ainda resta a pagar; e

l) a depositarem em Juízo os valores restantes, sendo que para os mesmos fins sejam notificados os respectivos adquirentes, nos termos e para os fins do artigo 108 do Código Civil, se algum dos adquirentes dos bens dos réus ainda não tiverem pago por completo os valores devidos.

Requer igualmente que seja declarada fraudatória dos direitos dos consumidores, para fins do artigo 111 do Código Civil, as garantias de dívida dadas aos ex-empregados da empresa ré, com o fim de que o bem objeto da garantia faça frente também aos débitos do consumidor.

Requerer, outrossim, a vinda para os autos de relação circunstanciadas de todas as vendas, promessas de vendas, doações, permutas e pagamentos de credores realizados a partir de julho/97.

3. Dos requerimentos finais:

Requer, finalmente, o Ministério Público Estadual:

a) a citação dos réus, sob a autorização do artigo 172, § 2º, do mesmo Código de Processo Civil, para que, querendo, contestem a presente, sob pena de revelia;

b) a juntada dos autos do Inquérito Civil nº 026/98, concluído por esta Promotoria de Justiça do Consumidor, como prova documental em desfavor dos réus;

c) a inversão do ônus da prova, em favor do consumidor, por se tratar de relação de consumo, onde fica, por conseqüência, evidenciada a vulnerabilidade do consumidor;

d) a condenação da requerida ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes a ser depositado na conta nº 6.120-9, agência nº 3381-2, Banco do Brasil S/A, em favor do Fundo Especial de Apoio e Desenvolvimento do Ministério Público, conforme autorização legal contida no artigo 2º, inciso VI, da Lei Estadual nº 1.861, de 03 de julho de 1.998;

e) a dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, à vista do disposto nos artigos 18, da Lei 7.347/85 e 87 da Lei 8.078/90;

f) a publicação de edital no órgão oficial, a fim de que os interessados, querendo, possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte deste Órgão de Defesa do Consumidor, tudo com previsão no artigo 94, da Lei 8.078/90.

Embora esta ação seja de natureza econômica, não há como se determinar com precisão o valor dela posto que não se tem a dimensão da lesão, já que os réus não atenderam a contento as requisições ministeriais, além do que há pedido de condenação de perdas e danos morais e econômicos, cujos valores correspondentes serão apurados em liquidação de sentença, motivo pelo qual se dá à causa, meramente para os efeitos legais, o valor de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais).

Protesta provar o alegado pelos meios de prova em direito permitidos, notadamente por perícias, a juntada de novos documentos, oitiva do representante da demandada e de testemunhas, cujo rol, se necessário, será oferecido oportunamente.

Termos em que,

Pede deferimento.

Campo Grande, 29 de março de 2000.

Amilton Plácido da Rosa


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Amilton Plácido da. ACP contra "venda programada" de automóveis em fraude a consumidores. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16396. Acesso em: 26 abr. 2024.