Petição Destaque dos editores

ACP contra "venda programada" de automóveis em fraude a consumidores

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01/10/2001 às 00:00
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B. Do direito:

O Ministério Público tem legitimidade "ad causam" para ajuizar Ação Civil Pública visando garantir não só a defesa de direitos difusos e coletivos dos consumidores (art. 129, III, CF/88), mas também para a defesa dos seus direitos individuais homogêneos (art. 129, IX, CF/88).

Como expressa Nélson Nery Jr., comentando sobre o tema:

"o Ministério Público é parte legítima para ajuizar ACP, não apenas na defesa dos direitos difusos e coletivos, mas de outros direitos individuais. A CF, art. 129, XI, autoriza a lei infraconstitucional a cometer outras atribuições ao MP, desde que compatíveis com sua função institucional de atuar no interesse público, defendendo os direitos sociais e os individuais indisponíveis(CF, art. 127, "caput"). Assim, por exemplo, é constitucional e legítima a atribuição, pelo CDC, art. 82, I, de legitimidade do MP para ajuizamento da ação coletiva na defesa de direitos individuais homogêneos, já que essa defesa coletiva é sempre de interesse social (CDC, art. 1º), ditada no interesse público".

Encontra-se ainda a legitimidade do Ministério Público, para tutelar os direitos dos consumidores lesados pelos demandados, amparo no art. 81, parágrafo único, III, do CDC, "in verbis":

"Art. 81 – A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único – A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum".

Ensina Nélson Nery Jr. em comentários ao referido artigo do CDC:

"(....) a defesa do direito individual puro não pode ser feita pelo Ministério Público, exceto se for indisponível e houver autorização legal para tanto. No entanto, o feixe de direitos individuais, ainda que disponíveis, que tenham origem comum, qualifica esses direitos como sendo individuais homogêneos, dando ensejo à possibilidade de sua defesa poder ser realizada coletivamente em juízo. Essa ação coletiva é deduzida no interesse público em obter-se sentença única, homogênea, com eficácia erga omnes da coisa julgada(CDC, art. 103, III), evitando-se decisões conflitantes. Por essa razão está o Ministério Público legitimado a propor em juízo a ação coletiva para a defesa de direitos individuais homogêneos(Constituição Federal, art. 129, IX; CDC, art. 82, I)".

Prescreve ainda a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público:

Art. 25 - Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:

IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:

a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos; (grifo nosso)

É dada essa legitimidade para o Ministério Público com a finalidade de se evitar decisões conflitantes sobre uma mesma demanda judicial. No caso em epígrafe, se todos os consumidores lesados pleiteassem em juízo a tutela de seus direitos teríamos inúmeras ações com mesmo pedido. Mesmo por que, os direitos individuais homogêneos podem e devem ser defendidos pelo órgão ministerial com o objetivo de se ter decisão única, em benefício de todos os lesados pela ré, como diz o artigo 103, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, que diz:

"Art. 103 – Nas ações coletivas de que trata este Código, a sentença fará coisa julgada:

III – erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese prevista no inciso III do parágrafo único do art. 81."

Sobre o tema, cabe ainda citar aqui os ensinamentos da Professora Ada Pellegrini Grinover, em parecer publicado na Revista de Direito do Consumidor, Ed. RT, vol. 5, pp. 213/217, sobre a importância do artigo 81, do Código de Defesa do Consumidor, para o nosso ordenamento jurídico:

"Por esse dispositivo – complementado pelos arts. 91-100 do Código de Defesa do Consumidor quanto aos interesses (ou direitos) individuais homogêneos – o ordenamento pátrio marcou um importante passo no caminho evolutivo das ações coletivas, iniciado pela LACP (Lei n.º 7.347/85). Esta só havia cuidado da defesa de interesses difusos e coletivos (transindividuais de natureza indivisível), voltando-se à proteção dos consumidores e do ambiente, em sentido lato, na dimensão da indivisibilidade do objeto. Agora, com o inc. III do art. 81 do Código de Defesa do Consumidor, complementado pelos arts. 91-100 do mesmo Código, o sistema brasileiro abre-se para o tratamento coletivo da tutela de direitos subjetivos individuais, que podem ser defendidos isoladamente, na linha clássica, mas que também podem ser agrupados em demandas coletivas, dada sua homogeneidade. É a transposição, para o ordenamento jurídico brasileiro, das class actions for damages ou dos mass tort cases do sistema da common law".

O Código de Defesa do Consumidor instituiu uma maior interação entre este diploma legal e a Lei da Ação Civil Pública:

"Art. 117 – Acrescente-se à Lei n.º 7.347, de 24 de julho de 1985, o seguinte dispositivo, renumerando-se os seguintes:

Art. 21 – Aplicam-se à defesa e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da Lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor".

Não é outro o entendimento de NELSON NERY JÚNIOR (in "Código Brasileiro de Defesa do Consumidor", Ed. Forense Universitária, 1991, p. 617/619):

"Como o artigo 21 da Lei nº 7.347/85 determina a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às ações que versem sobre direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, o art. 83 do CDC tem incidência plena nas ações fundadas na Lei nº 7.347/85.

Diz o artigo 83, CDC, que são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela. De conseqüência, a proteção dos direitos difusos e coletivos pela LACP, como os relativos ao meio ambiente, bens e valores históricos, turísticos, artísticos, paisagísticos e estéticos, não mais se restringe àquelas ações mencionadas no preâmbulo e artigos 1º,3º e 4º da Lei 7.347/85. Os legitimados para a defesa judicial desses direitos poderão ajuizar qualquer ação que seja necessária para a adequada e efetiva tutela desses direitos."

Em face dos fundamentos apresentados, o Ministério Público tem total legitimidade para tutelar os direitos dos consumidores lesados pelos requeridos, até por uma questão de economia processual, evitando-se, dessa forma, inúmeras ações que podem inviabilizar ainda mais o Poder Judiciário, visto que são muitos os prejudicados pela empresa ré, daí o interesse social da questão.

2. Da legitimidade passiva dos sócios-proprietários da empresa ré:

No caso presente, evidenciado está a insolvência da empresa demandada, que, inclusive, já entrou em inatividade, tendo a "bandeira" sido passada para outra empresa, o que está a justificar a desconsideração de sua personalidade jurídica, para alcançar os bens dos sócios para garantir o ressarcimento dos consumidores lesados.

A fundamentação legal para tal se encontra exatamente no já citado artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, que trata do caso da seguinte forma:

"Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

(....).

§ 5º. Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores."

Inquestionável é portanto a legitimidade passiva "ad causam" de Henrique Martins Neto e Adriano Fábio Franchini, sócios proprietários da empresa demandada.

3. Da legitimidade passiva das esposas dos sócios-proprietários da empresa ré:

Sem dúvida alguma, as rés Adelaide de Moraes Martins Franchini e Regina Helena de Souza Campo Martins se conluiaram com os outros dois réus, seus esposos, com o fim de simular separação judicial e partilhar seus bens de forma a tentar fraudar os consumidores-credores. Assim agindo, tornaram-se elas responsáveis solidárias pela reparação dos danos causados, nos termos do parágrafo único do artigo 7º e § 1º do artigo 25 do Código de Defesa do Consumidor, assim redigidos:

"Artigo 7º. (....).

Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo. § 1º. Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas Seções anteriores.

(....).

Artigo 25. (....).

§ 1º. Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas Seções anteriores."

Como se não bastasse, artigo 109 do Código Civil prevê que a ação pauliana, nos casos de alienação gratuita e fraudulenta de bens, poderá ser intentada contra a pessoa que com o devedor insolvente celebrou a estipulação considerada fraudulenta, ou terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé.

Cabe, ainda, relembrar o previsto no artigo 159 do Código Civil brasileiro que dispõe que:

"Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano."

Por outro lado, o artigo 1.518 do Código Civil dispõe que os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado e, se tiver mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação, acrescentando, no seu parágrafo único, a responsabilidade solidária dos cúmplices, "in verbis":

"Art. 1.518 – Os bens do responsável pela ofensa ou violação de direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se tiver mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação.

Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores, os cúmplices e as pessoas designadas no art. 1.521.

Indubitavelmente, as esposas dos réus Adriano Fábio Franchini e Henrique Martins Neto, ao passar todos os bens para seus nomes, em separação judicial consensual inexistente, violaram direito e causaram prejuízos aos credores da Empresa ré e de seus sócios. São elas sem dúvidas "as cúmplices" de que fala o parágrafo único do artigo 1.518 do Código Civil. Não podem elas querer só a parte boa do negócio, enriquecendo-se por conta dos negócios da empresa, e negar as dívidas daí advindas.

Além do mais, o bem do casal responde pelas dívidas contraídas durante a constância do casamento. Tal afirmação deve ser lida em conjunto com o disposto no artigo 28, § 5º, do CDC, que prevê que "poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores".

Deve-se finalmente lembrar do previsto no artigo 129 do Código de Processo Civil que tem a seguinte previsão:

"Art. 129 - Convencendo-se, pelas circunstâncias da causa, de que autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim proibido por lei, o juiz proferirá sentença que obste aos objetivos das partes."

Como não mais é possível ao Juiz da "separação judicial consensual" obstar os objetivos das partes, cabe a esse juízo fazer as correções devidas, para os fins a que objetiva a presente ação civil pública.

4. Da ilegalidade do sistema de venda programado feito pela ré, sob a denominação de fácil car:

A atividade que era desenvolvida pela empresa ré consistia na captação de poupança popular, a qual se assemelha ao sistema de consórcio, motivo pelo qual a demandada necessitava de autorização do BACEN, sem o que tal tipo de negócio era e é ilegal e criminoso, conforme previsão do artigo 16, c/c artigo 1º da Lei 7.492/86 e do artigo 7º da Lei 5.768/71, com as alterações feitas pelo artigo 33 da Lei nº 8.177, de 01.03.91.

As operações que envolvem captação antecipada de poupança popular (consórcios, fundos mútuos, vendas com recebimento antecipado, parcial ou total do respectivo preço e assemelhados) constituem atividade de natureza financeira e dependem de prévia autorização administrativa, nos termos da Lei 5.768/71 (art. 7º) e do Decreto nº 70 951/72 (arts. 40 a 56).

Os artigos 7º da Lei 5.768/71 e 33 da Lei 8.177/91 são muito claros quanto à necessidade de prévia autorização do Bacen para a realização desta espécie de negócio jurídico:

"Dependerão, igualmente, de prévia autorização do Ministério da Fazenda, na forma desta lei, e nos termos e condições gerais que forem fixados em regulamento, quando não sujeitas à outra autoridade ou órgãos públicos federais:

I - as operações conhecidas como consórcio, fundo mútuo e outras formas associativas assemelhadas, que objetivem a aquisição de bens de qualquer natureza;

II - a venda ou promessa de venda de mercadorias a varejo, mediante oferta pública e com recebimento antecipado, parcial ou total do respectivo preço;

(....);

V - qualquer outra modalidade de captação antecipada de poupança popular, mediante promessa de contraprestação em bens, direitos ou serviços de qualquer natureza."

O Código de Defesa do Consumidor, na Seção "Das Práticas Comerciais Abusivas", proíbe a colocação, no mercado de consumo, de qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes.

A jurisprudência brasileira caminha nesse sentido. O E. Tribunal de Alçada de Minas Gerais, por exemplos, em caso idêntico ao da presente ação, já se manifestou sobre o assunto, quando do julgamento da Apelação Cível nº 187.659-7, cuja ementa é a seguinte:

"A captação de poupança popular, mediante a promessa de venda de telefones a prazo, é regulamentada por lei federal, nos termos do artigo 22, XIX, da Constituição, e apenas pode ser exercida pelas empresas que atenderem os requisitos legais."

No mesmo sentido foi a decisão daquele Tribunal nos autos da Apelação Cível nº 191.623-6.

A ré, com seu comportamento, ofende dispositivos de ordem pública e interesse social (que exige a atuação judicial e do Ministério Público, de ofício), afrontando a Lei nº 5.768/71, que estabelece normas de proteção à poupança popular, e desrespeitando a Lei 8.078/90, que dispõe sobre a proteção do consumidor.

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A atividade ilícita que era desenvolvida pela requerida representava, bem como representou de fato, grave risco para a ordem pública, pois não cumpria as exigências feitas pela norma legal que regulamenta os contratos de venda, com pagamento antecipado (Decreto n. 70.951/72, arts. 40/56), quais sejam:

a) prévia autorização do BACEN (art. 48);

b) capital, totalmente integralizado, igual ou superior a cinco mil (5.000) vezes o salário mínimo (art. 48);

c) proibição de contratos com prazos inferiores a seis ou superiores a doze meses (art.49).

Efetivamente, a recorrida não tinha, como não tem, autorização do Banco Central do Brasil para atuar na área em que atuava, bem como seu capital social exclusivo para responder pelos compromissos que assumiu no plano de venda programada denominada fácil car, deixando no prejuízo todos os incautos e desinformados consumidores que com ela negociaram.

Os representantes da empresa ré, quando instalados, não apresentaram ao Ministério Público as garantias necessárias ao consumidor.

Sem autorização administrativa, sem demonstrar capacidade técnica e financeira, sem sujeitar-se à fiscalização permanente do governo, o destino dos consumidores só poderia ser aquele que hoje se verifica.

Neste contexto, é importante ressaltar que constitui direito básico do consumidor a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos (art. 6º, VI, CDC):

"Artigo 6º - São direitos básicos do consumidor:

(....);

VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos".

Assim, amparado pela legislação referida e com o fim de se suprimir os riscos de dano aos consumidores e à ordem pública econômica, é que foi instaurado o inquérito civil que instrui a presente ação, mas que hoje, infelizmente, só tem o condão de buscar o ressarcimento dos danos já perpetrado, ressarcimento este que deve ser de imediato e da forma mais completa possível.

5. Da nulidade dos atos jurídicos tendentes a transmissão dos bens imóveis dos sócios proprietários para suas esposas:

A partilha do bem do casal, através da "separação judicial consensual" não tem validade alguma para os credores existentes anteriormente a ela, posto que os bens do casal respondem pelas dívidas contraídas durante a constância do casamento, mormente quando os valores pagos pelos credores foram usados para aumentar o patrimônio do casal.

O ato jurídico praticado (separação consensual) é nulo porque houve conluio das partes para conseguir fim proibido por lei (Artigo 145 do Código Civil c.c. o artigo 129 do Código de Processo Civil).

Mesmo se assim não fosse, ele poderia ser anulado, posto que autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado (Artigo 147, inciso II, do Código Civil).

A simulação se deu exatamente para lesar os credores que estão sendo protegidos pela presente ação civil pública.

Neste caso, vale invocar também os artigos 106 e 109 do Código Civil que dispõe:

"Art. 106. Os atos de transmissão gratuita de bens, ou remissão de dívida, quando os pratique o devedor já insolvente, ou por eles reduzidos à insolvência, poderão ser anulados pelos credores quirografários como lesivos dos seus direitos (art. 109).

(....).

Art. 109. A ação, nos casos dos arts. 106 e 107, poderá ser intentada contra o devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou a estipulação considerada fraudulenta, ou terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé.

A desconsideração da personalidade jurídica seria letra morta, se os sócios pudessem, impunemente, transmitir seus bens para terceiro. Nesse passo, vale aqui relembrar a responsabilidade solidária prevista no Codecon e anteriormente já mencionada e o princípio da efetiva prevenção e reparação dos danos ao consumidor, sem se esquecer também do dever legal de se facilitar a defesa do consumidor.

6. Da nulidade dos atos jurídicos tendentes a transmissão dos bens imóveis dos réus para terceiro, a título oneroso ou gratuito:

São nulos igualmente e pelas mesmas razões acima, todas as outras transmissões de bens, onerosa ou gratuita, a terceiro, a partir do meado de 1997, quando a empresa Auto Peças Chacha Ltda. entrou em estado de insolvência, já que tal estado era público e notório, não podendo terceiro alegar boa fé.

A anulação das transmissões ocorridas deve-se dar com base não só dispostos nos artigos 106, 107 e 109 do Código Civil, mas também em todos os princípios e fundamentos que regem o Código de Defesa do Consumidor, mormente os previstos nos artigos 4º, "caput" e inciso III, 6º, incisos VI e VIII, 7º, parágrafo único, 25, § 1º, 83 e 84, "caput" e § 5º, "in verbis":

"Art. 106. Os atos de transmissão gratuita de bens, ou remissão de dívida, quando os pratique o devedor já insolvente, ou por eles reduzidos à insolvência, poderão ser anulados pelos credores quirografários como lesivos dos seus direitos (art. 109).

(....).

Art. 107. Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência for notória ou houver motivo para ser conhecida do outro contraente.

(....).

Art. 109. A ação, nos casos dos arts. 106 e 107, poderá ser intentada contra o devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou a estipulação considerada fraudulenta, ou terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé."

"Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

(....);

III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;

(.....).

Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

(....);

VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

(....);

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

(....).

Art. 7º. Os direitos previstos neste Código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, ANALOGIA, costumes e eqüidade.

Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.

(....).

Art. 25. (....).

§ 1º. Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas Seções anteriores.

(....).

Art. 83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.

(....).

Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

(....);

§ 5º. Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial."

No caso em exame, a única providência que pode assegurar o ressarcimento dos consumidores é a declaração da nulidade de toda transmissão, gratuita ou onerosa, de bens dos réus para terceiro. Assim, tal medida há de ser tomada, para se fazer efetiva a proteção e ressarcimento dos danos dos consumidores lesados e para se cumprir o preceituado no artigo 84, "caput", do Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

7. Da necessidade de se estabelecer para o consumidor as mesmas garantias estipuladas no contrato para o fornecedor, com o fim de se estabelecer, embora tardiamente, o equilíbrio da avença:

Como já dito, várias cláusula existentes no instrumento contratual são abusivas, posto que fixaram responsabilidades e penalidades apenas para o consumidor e reservaram as garantias apenas para o fornecedor. Para se atingir os reais fins dessa ação, tais cláusulas devem ser aplicadas também aos consumidores, para que se possa trazer ao contrato seu verdadeiro equilíbrio, apanágio principal das relações de consumo.

Assim, as mesmas penalidades que foram aplicadas aos consumidores, quando estes deram causa à rescisão do contrato ou simplesmente atrasaram com o pagamento das prestações, devem ser agora aplicadas aos réus que, além de atrasar a entrega dos bens contratados, rescindiram unilateralmente o contrato e tentaram devolver apenas parte dos valores pagos.

Com efeito, prevê a cláusula 10 que, no caso de atraso no pagamento de qualquer parcela, o consumidor-contratante estaria sujeito ao pagamento de "juros de mora de 1% ao mês ou fração, atualizada monetariamente de 100% do índice de variação do IGP-M, no período compreendido entre a data do vencimento e a data do efetivo pagamento, além de multa contratual de 2%, levando-se sempre em consideração sempre o valor de prestações calculadas na forma da cláusula 1, item 1.4, relativo ao preço do bem vigente no dia do pagamento, consoante estabelecido na cláusula 4 do presente contrato, que será devida, de pleno direito, independentemente de qualquer formalidade, aviso, interpelação ou notificação".

Pelo disposto no item 10.1, em caso de não-pagamento após a ocorrência de notificação judicial ou extrajudicial, dar-se-ia o vencimento antecipado de todas as parcelas, ficando assegurado à Vendedora a faculdade de cobrá-la integralmente ou requerer a reintegração da posse do veículo.

A empresa ré ficava bem a vontade para estabelecer tamanhas truculências e ilegalidades porque o veículo entregue ficava alienado a ela, além de o consumidor ter que apresentar fiador idôneo, que passava a responder solidariamente pelo crédito.

No mesmo item 10.1, ficou convencionado que o consumidor, em caso de a empresa requerida tiver que ingressar com medida judicial, deveria pagar todas as despesas judiciais e extrajudiciais e honorários advocatícios.

Caso o consumidor desistisse do bem antes de sua entrega, perderia em favor da contratada ré 10% do valor pago, mais os valores referentes a eventuais despesas que a ré conseguisse inventar, tudo isso a título de cláusula penal, como prevê a cláusula 13 do contrato, sendo certo que a quantia a ser devolvida não sofreria qualquer reajuste e ainda seria devolvido em 60 dias, contados estes da data da rescisão contratual (cláusula 13.1).

O valor das parcelas eram reajustados simultaneamente com o reajuste do bem objeto do contrato, de forma que os valores pagos pelos contratantes sempre eqüivaliam, proporcionalmente, ao valor do bem vigente no dia do pagamento, conforme previsto nas cláusulas 8.1, 10 e 14 (f. 288-289 do IC), de forma que o consumidor que quitou o bem deve receber, no momento do adimplemento, o veículo objeto do contrato ou o valor equivalente a um veículo novo, acrescidos das multas e juros legais, sendo que, no caso de devolução em dinheiro, o consumidor faz jus ao pagamento da cláusula penal, no valor equivalente a 10% do valor pago, em virtude da ocorrência da rescisão contratual. Aquele que não quitou o bem, tem direito de receber o valor proporcional do bem pago, acrescidos das penalidades constantes da cláusula 10.

Aqueles que já tiverem contratado ou tiverem que contratar advogado para buscar o ressarcimento dos prejuízos detêm, ainda, o direito de receber o dinheiro equivalente aos honorários que despendeu ou vier a despender com tal profissional, acrescido de todos os outros gastos que tiver feito ou vier a fazer, nos termos da cláusula 10.1 do contrato elaborado pela ré, por força do princípio do equilíbrio contratual, e do artigo 51, inciso XII, do CDC.

Em relação aos valores que não forem pagos de imediato pelos réus, os consumidores, nos termos da cláusula 9, tem direito a receber as garantias devidas.

Só com o acolhimento dessas providências pelo Judiciário é que se poderá agora buscar, embora tardiamente, o tão almejado equilíbrio contratual que não foram respeitados pelos réus.

8. Da ilegalidade dos repactuamentos ocorridos e da rescisão indireta do contrato:

Como já dito anteriormente, ocorreram dois repactuamentos indevidos e ilegais, posto que constituíram-se em verdadeiras mudanças unilaterais do contrato. Na realidade, a empresa demandada deveria entregar, no prazo estipulado no contrato, o veículo escolhido pelo consumidor no momento de assinar o "Compromisso de Compra e Venda à Crédito com Promessa de Entrega Futura". Mas tal não ocorreu. Além de mudar inicialmente, por várias vezes, a data de entrega dos veículos contratados, passou, após entender inviável a entrega, por culpa exclusiva sua, fez uma rescisão indireta do contrato e passou a devolver apenas parte do valor pago, num percentual inferior a 50% do valor pago e descontados o valor do seguro pago, ocorrendo aqui a segunda repactuação indevida e ilegal.

O Código de Proteção e Defesa do Consumidor proíbe tais forma de proceder, por vários motivos. O primeiro deles é porque essa atitude demonstra tão somente a falta de boa fé da empresa contratada. Segundo, porque atenua a responsabilidade do fornecedor e implica renúncia de direitos do consumidor (51/I/CDC). Terceiro, porque subtrai do consumidor a opção de reembolso de quantia paga (51/II/CDC). Quarto, porque coloca o consumidor em desvantagem exagerada e é incompatível com a boa-fé e com a eqüidade (51/IV/CDC). Quinto, porque deixa ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora o consumidor tenha sido obrigado a cumprir as responsabilidades assumidas (51/IX/CDC). Sexto, porque autorizou o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito tivesse sido conferido ao consumidor (51/XI/CDC). Sétimo, porque autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração. E Oitavo, porque essa forma de proceder dos réus está em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor (51/XV/CDC), o que causa enriquecimento ilícito dos requeridos e empobrecimento sem causa ao consumidor.

Assim, não tem validade alguma a rescisão indireta dos contratos e as repactuações feitas em prejuízo dos consumidores, devendo os réus serem responsabilizados a cumprir a avença, entregando o bem prometido a quem o quitou e – na impossibilidade de os contratantes que ainda não procederam a quitação dos veículos continuarem fazendo o pagamento restante, dado que a empresa Chacha Veículos fechou as portas – devolver, para estes, o valor pago de forma proporcional ao preço do veículo pretendido ou o valor atualizado pelo IGP-M (FGV), descontados, para quem já recebeu, o quantum já devolvido. Sem se esquecer da aplicação das penalidades devidas, como estava prevista no contrato para os consumidores inadimplentes.

9. Do dever de se devolver o valor pago a título de seguro:

Prevê o inciso III do artigo 39 do CDC que "é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços" "enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço". E o parágrafo único deste mesmo artigo prescreve que "Os serviços prestados e os produtos remetidos ou entregues ao consumidor, na hipótese prevista no inciso III, equiparam-se às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento".

O seguro, como já referendado anteriormente, foi fornecido ao consumidor sem sua solicitação. Em momento algum o consumidor foi ao Chacha Veículos para fazer contrato de seguro. Foi sim para comprar carro, sendo o seguro, que sequer constava no bojo do contrato feito, uma entrega indevida, não havendo, portanto, obrigação do consumidor pagar por ele. Assim, os valores pagos a este título devem ser devolvidos.

Neste diapasão, pode-se concluir que a cobrança do seguro, que deveria ser equiparado a amostra grátis, foi indevida, devendo-se aplicar no caso o disposto no artigo 42, parágrafo único, com o fim de se determinar aos réus que devolvam esses valores devidamente corrigidos em dobro, isso sem prejuízo dos acréscimos legais, como juros e multa devidos.

Mesmo que se queira negar a aplicação do referido inciso III do artigo 39, sob a alegação de que o consumidor estava de tudo ciente e com ele concordou, há de se dizer que a vontade do consumidor se encontrava viciada, posto que ele se sentiu obrigado a fazer o seguro para poder levar o produto pretendido (o veículo). Nessas condições, a empresa ré incidiu na proibição contida no inciso I do referido artigo 39, que prevê:

"Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos".

Para o consumidor não havia outra alternativa, ou ele fazia o seguro que lhe era imposto ou não adquiriria o veículo que efetivamente queria adquirir.

Nesse passo vale lembrar que o comportamento dos réus tipificou o crime previsto no inciso II do artigo 5º da Lei 8.173, de dispõe, "in verbis":

"Art. 5º. Constitui crime da mesma natureza:

II - subordinar a venda de bem ou a utilização de serviço à aquisição de outro bem, ou ao uso de determinado serviço. Pena - detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa."

Por esse ângulo, não há como negar também o dever de os réus devolver os valores adquiridos de uma forma criminosa.

10. Da necessidade da indisponibilização dos bens dos sócios-proprietários da empresa ré e das esposas daqueles, para assegurar o resultado útil do processo:

A responsabilidade dos representantes legais da ré e das esposas deles já foi claramente evidenciada em itens anteriores. Agora, neste artigo, cumpre demonstrar que a indisponibilidade dos bens dessas pessoas torna-se imprescindível para o efetivo ressarcimento dos danos causados aos consumidores.

A Constituição Federal consagra, em seu artigo 5o, inciso XXXII, o sistema de proteção ao consumidor, impondo ao Estado o dever de zelar pela lisura das relações de consumo, nos seguintes termos:

"Art. 5o – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(....);

XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor."

O escopo do constituinte foi propiciar o grau máximo de celeridade, presteza e efetividade na tutela de interesses coletivos, evitando com isso a dispersão e vulgarização das práticas comerciais abusivas.

Para tanto impôs ao Estado o dever de zelar por tais interesses, promovendo a defesa do consumidor através de órgãos especializados, instrumentos e mecanismos adequados ao desempenho desta missão.

E quando o texto constitucional se reporta ao vocábulo "Estado", o faz na mais ampla acepção da palavra, referindo-se indistintamente a todos os poderes integrantes do Estado Democrático de Direito. Com efeito, não apenas ao Poder Executivo incumbe o desempenho dessa missão atribuída pela Carta de 1988, mas também ao Poder Legislativo e ao Poder Judiciário.

Assim fica a cargo do Estado-Executor a fiscalização das relações de consumo (hoje realizada pelo PROCON), além da assistência jurídica às vítimas de práticas comerciais abusivas, atualmente desempenhada pela Defensoria Pública do Consumidor (defesa dos interesses individuais) e pelo Ministério Público (defesa dos interesses individuais indisponíveis, homogêneos, coletivos e difusos). Sem descurar, entretanto, da responsabilidade da própria comunidade, através das associações constituídas com o fim de defender o consumidor.

Por seu turno, o Poder Legislativo se obriga a traçar as diretrizes básicas para a defesa do consumidor, inovando o ordenamento jurídico com a aprovação de leis que assegurem a efetiva proteção de seus interesses. Nesse campo, aliás, várias foram as contribuições propiciadas pelo legislador. A título de ilustração, pode-se citar a Lei 8.078/90 como exemplo do comprometimento parlamentar com o dever imposto pela Constituição Federal. Esta lei trouxe inúmeras inovações em matéria de tutela jurídica do consumidor, principalmente no que tange à prevenção e à reparação de danos, nulidade de cláusulas contratuais leoninas e combate às práticas comerciais abusivas.

Por fim, cumpre ao Estado-Juiz, diante de situações concretas que lhe forem submetidas, apreciar a plausibilidade do direito invocado e o espectro do dano causado, a fim de realizar com imparcialidade a justa composição da lide, adotando as medidas necessárias à efetiva e pronta proteção do consumidor.

Como se vê, a Constituição Federal conferiu ao Estado a árdua missão de promover a defesa do consumidor, tarefa por vezes extremamente difícil. E para consumar na prática aquilo que o constituinte anteviu na teoria, os Poderes Públicos devem estar unidos, envidando esforços conjuntos para executar o postulado constitucional. Judiciário, Executivo e Legislativo, cada qual em sua esfera, devem garantir o equilíbrio e a paridade entre fornecedores e consumidores em suas relações costumeiras.

Todavia, esta garantia constitucional seria inócua caso não fossem admitidas, no âmbito de uma relação processual, medidas destinadas a assegurar o resultado útil do processo e a efetiva satisfação da pretensão deduzida em juízo. De nada adiantará obter um provimento favorável após vários anos de batalha judicial, se os réus já houverem dilapidado seus respectivos patrimônios, frustrando assim futura execução de sentença para o azar dos consumidores.

Para se evitar tamanha injustiça, cumpre tomar-se, ab initio, medidas constritivas incidentes sobre os bens de todos responsáveis pelo ressarcimento, sujeitando-os aos efeitos da sentença que vier a ser prolatada.

A corrente moderna do Processo Civil, preocupa-se muito mais com a praticidade e utilidade das medidas judiciais, do que com os excessivos rigores formais, que de resto só atravancam o desenvolvimento da técnica processual.

O Direito Processual não mais se apraz com a simples composição da lide por meio da cognição. Mais que isso, preocupa-se com a efetiva satisfação do crédito ou da pretensão estampada na petição inicial.

Em veras, a prestação jurisdicional não está completamente entregue com o julgamento de mérito, eis que o réu poderá opor-se aos efeitos da condenação, restando ao autor apenas o direito de promover a execução da sentença. E ainda aqui, se o executado não possuir bens suficientes para a satisfação do crédito, todos os esforços envidados pelo autor serão inúteis, apesar de ter realizado inúmeras despesas para resgatar o crédito, tais como o desembolso de custas judiciais e honorários advocatícios. Isso sem contar o desgastes e gastos feitos pelo próprio Estado para alcançar tal desiderato tão frustrante.

Portanto, mister se faz a indisponibilização de todos os bens existentes em nome da Empresa Auto Peças Chacha Ltda., de seus sócios-proprietários e das esposas destes. Com esta medida, garante-se, antecipadamente, o resultado útil do processo, sem o risco de se pleitear um provimento inócuo ante a escassez patrimonial. Com efeito, o conjunto de bens registrados em nome dos responsáveis pela recomposição dos danos é, provavelmente, assaz vultoso e capaz se fazer frente às indenizações pleiteadas.

O Código Buzaid perfilhou com afinco esta nova tendência processual, conferindo ao magistrado, diante de um caso concreto e em hipóteses excepcionais, certa dose de liberdade para adotar as providências necessárias à garantia do regular deslinde do processo e da efetiva outorga da prestação jurisdicional, com a conseqüente entrega do bem da vida. Trata-se do Poder Geral de Cautela, prerrogativa conferida ao juiz, em função do múnus público que desempenha na relação processual.

O Poder Geral Cautelar do juiz atua como um poder integrativo da eficácia global da atividade jurisdicional. Se esta tem por finalidade declarar o direito de quem tem razão e satisfazer esse direito, deve ser, e o é, dotada de instrumentos para a garantia do direito enquanto não definitivamente julgado e satisfeito.

Através deste poder, o magistrado adota, de plano, as medidas imprescindíveis para garantir a eficácia de futura sentença de mérito, primando pela presteza e pela efetividade da tutela jurisdicional. Aliás, muito injusto seria o Direito Processual, caso não se concebesse tal idéia.

Assim, na concessão de liminares, antecipações de tutela, ou medidas cautelares, o critério que o magistrado deverá levar em conta, mediante um juízo de certa forma discricionário, é a garantia de eficácia da decisão que vier a ser proferida, ou seja, a garantia de um resultado útil, o que pode ser aquilatado por dois requisitos fundamentais: o fumus boni juris e o periculum in mora.

A indisponibilização dos bens registrados em nome dos réus constitui medida imprescindível ao sucesso da demanda, tendo-se em vista o perigo existente na eventual espera pelo provimento jurisdicional definitivo. O desfecho de qualquer litígio judicial demanda tempo, havendo assim fundado receio de danos aos consumidores. Ademais, no caso vertente, mesmo com a decretação da procedência do pedido, os consumidores poderão ficar sem obter qualquer ressarcimento, já que os réus poderão, a qualquer tempo, desfazer-se de seus pertences, frustrando os escopos instrumentais do processo.

Não é necessário muito esforço para vislumbrar a enorme área de risco a que ficarão submetidos os consumidores caso esta medida constritiva não seja decretada de imediato. Com efeito, se isto vier a ocorrer, os réus irão procurar se desfazer de suas posses, alienando ou doando bens de sua propriedade, reduzindo-se à insolvência, tudo no afã de se esquivarem à responsabilidade de reparar os danos. Sendo certo que a empresa demandada não possui patrimônio suficiente para garantir futura execução, posto que já se sabe que em ações individuais de busca e apreensão, propostas por consumidores lesados, já não se obteve êxito em localizar bens da Chacha Veículos para se apreender. É o caso, por exemplo de ação de ações que tramitam pela 2ª Vara Cível desta Comarca de Campo Grande, conforme informação prestada pelo Dr Raslan ao Senhor Sebastião Alves Pereira.

Daí a imprescindibilidade da decretação da indisponibilidade dos bens registrados em nome dos réus. Trata-se de uma medida assecuratória e acautelatória, através da qual se busca prevenir lesões graves e de difícil reparação, de moldo a tornar efetiva, na prática, a proteção e a defesa do consumidor, em cumprimento ao dever imposto pelo artigo 5o de nossa Carta Constitucional.

Por outro lado, a fumaça do bom direito elucidou-se no delinear desta exposição. A publicidade enganosa, o dolo e as tergiversações dos réus, o propósito livre e premeditado de auferir ganhos por meios ilícitos, a inadimplência da empresa ré, que resultou em prejuízos a terceiros, bem assim as determinações da Lei 8.078/90 bastam para vaticinar as conseqüências dos atos praticados pelos réus. Por certo, finda a pendência, o consumidor há de lograr êxito em sua pretensão, quão fortes são os argumentos, consubstanciados na boa-fé e nos imperativos legais. O conjunto da legislação citada, que se ajusta com perfeição ao caso, torna indeclinável o dever de ressarcir os danos causados aos consumidores, ensejando a presença do fumus boni juris.

Essa medida mostra-se indispensável considerando o significativo valor do prejuízo, bem como a real possibilidade de dilapidação do patrimônio, o que já vem ocorrendo, e a conseqüente ineficácia do provimento jurisdicional principal.

Consigne-se, ainda, que o direito material acha-se suficientemente demonstrado nos documentos que instruem esta inicial, o mesmo ocorrendo com a possibilidade do perigo que poderá representar a demora da prestação jurisdicional final conforme já ressaltado.

Fica, assim, claramente evidenciada a necessidade de amparo judicial urgente para afastar de pronto os riscos de perecimento dos bens que representam a garantia de eficácia da sentença de mérito postulada por meio desta ação civil pública.

11. Da necessidade de concessão de medida liminar:

A Empresa ré, na forma já comentada, insiste – com o argumentos inconsistentes e desleais, próprio de quem tem por objetivo único o de tripudiar sobre os direitos alheios – em lesar o consumidor, no sentido de devolver apenas parte do que lhe foi pago, em percentual inferior a 50% do valor do débito.

O "fumus boni iuris" caracteriza-se pela farta documentação e pelas várias reclamações, comprovando lesões à lei e aos consumidores.

O "periculum in mora" está presente, diante da natural demora de tramitação de uma ação coletiva, a qual oportunizará, sem dúvida, como já vem ocorrendo, o desvio do patrimônio restante, dificultando o ressarcimento dos prejuízos ocorridos e ensejando o nascimento de outros danos maiores aos consumidores.

Cabe lembrar aqui que o direito dos trabalhadores só foram garantidos após a concessão de uma liminar pela Justiça do Trabalho, em uma medida cautelar de arresto, quando a empresa ainda tinha bens disponíveis para dar em garantia, o que não acontece hoje.

Ora, se os direitos dos consumidores são amparados por norma de ordem pública e de interesse social, tanto quanto são os direitos dos trabalhadores, não se justificaria uma proteção liminar tão somente para estes, principalmente se levar em conta a situação da empresa agora é mais caótica do que no momento em que a Justiça Trabalhista concedeu liminar aos trabalhadores, arrestando todos os bens da empresa ré.

Aplica-se aqui, com toda propriedade e por analogia, o previsto no artigo 813 do Código de Processo Civil que dispõe:

"Art. 813 - O arresto tem lugar:

(....);

II - quando o devedor, que tem domicílio:

b) caindo em insolvência, aliena ou tenta alienar bens que possui; contrai ou tenta contrair dívidas extraordinárias; põe ou tenta pôr os seus bens em nome de terceiros; ou comete outro qualquer artifício fraudulento, a fim de frustrar a execução ou lesar credores;

Assim exposta a questão, não resta espaço para argumentos contrários e tendentes a opor-se a liminar a ser pleiteada.

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Sobre o autor
Amilton Plácido da Rosa

Procurador de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Amilton Plácido. ACP contra "venda programada" de automóveis em fraude a consumidores. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16396. Acesso em: 2 nov. 2024.

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