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Poder normativo de agência reguladora estadual: competências

Poder normativo de agência reguladora estadual: competências

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Parecer solicitado pela Agência Goiana de Regulação, Controle e Fiscalização de Serviços Públicos (AGR), sobre sua competência regulatória, especialmente no que tange à fiscalização e controle de serviços públicos.

A Agência Goiana de Regulação, Controle e Fiscalização de Serviços Públicos – AGR, criada pela Lei Estadual nº 13.550, de 11/11/99, honra-nos com a solicitação de parecer sobre sua competência regulatória, especialmente no que tange à fiscalização e controle de serviços públicos, em razão das permanentes demandas normativas e de fiscalização impostas pelas atividades abrangidas pelo citado diploma legal de criação e atos regulamentares.

A solicitação é instruída pela legislação de criação e regulamentação da Agência, bem como da exposição feita pelo seu ilustre Presidente a respeito das principais dificuldades e indefinições enfrentadas pela entidade em relação aos limites da competência do órgão, especialmente quanto à legitimidade para estabelecer, dentro da legalidade e como forma de melhor atender ao interesse público regulado, regras que normatizem, sempre e quando necessário, a conduta dos agentes econômicos, delegados e usuários que atuem ou sejam atendidos na área de suas atribuições, ao tempo em que correspondam a instrumental jurídico legítimo que permita uma ação dinâmica e eficiente no âmbito de sua competência legal.

As agências reguladoras como tais instituídas, constituem fenômeno recente na vida administrativa brasileira. Isso sem embargo de que várias autarquias tenham assumido, no passado e no presente, funções amplamente regulatórias sem causar espécie ou mesmo chamar a atenção para o caráter complexo e polivalente de suas atividades, em face da competência normativa do Executivo. Essa competência, embora cambiante e permeada pelas influências políticas que inspiraram uma ou outra Carta Política, sempre se manteve fiel aos limites impostos pela tripartição de poderes e, conseqüentemente, à intocabilidade das funções reservadas ao Legislativo e ao Judiciário.

Interessante anotar a esse respeito, por pertinente aos objetivos do presente estudo, que embora a pletora de entes e atribuições que integram a administração indireta do Estado tenha progressivamente sido ampliada a partir das décadas de 30 e 40, crescendo assustadoramente na década de 70, notadamente quanto às pessoas jurídicas de direito privado rotuladas de estatais, algumas poderosas e fortalecidas por substanciosos recursos financeiros (BNH, EMBRATEL, EMBRAER), somente as Autarquias, organizadas sob a forma de pessoas jurídicas de direito público, assumiram funções nitidamente regulatórias, característica fundamental e peculiar das atuais agências reguladoras.


referência histórica necessária

Sem maior detença, cabe lembrar as funções regulatórias exercidas pelo Instituto Brasileiro do Café-IBC, Instituto Brasileiro do Açúcar e do Álcool-IAA, o Banco Central-BACEN, o Conselho Monetário Nacional-CMN e a Comissão de Valores Mobiliários-CVM,, que editam normas sobres o sistema financeiro, a Câmara de Comércio Exterior-CACEX.

De criação mais recente, mas anterior às atuais agencias reguladoras, embora revestidos de poder de fiscalização e regulamentação nas respectivas áreas, anote-se o Instituto Nacional de Pesos e Medidas-INMETRO e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica-CADE.

Embora nenhum desses entes incorpore a totalidade das características que distinguem as agências dos demais órgãos públicos, mesmo dotados de personalidade jurídica própria, especialmente quanto à investidura por mandato de seus dirigentes e autonomia administrativa e financeira perante o Executivo, a referência às mencionadas autarquias tem o objetivo específico de demonstrar que as atuais agências regulatórias não inovaram no direito brasileiro quanto à atividade fiscalizadora, controladora e, no conjunto, regulatória de serviços públicos e atividades econômicas por órgãos dotados de maior ou maior grau de independência normativa.


características do modelo

A mudança de orientação constitucional da atuação do Estado em relação à prestação de serviços públicos e quanto à forma de intervenção no campo econômico, marcada pelos efeitos da privatização dos primeiros e da desestatização e deslegalização desses últimos, é que determinou as transformações que ensejaram a implantação das atuais agências reguladoras.

Instituídas sob a forma de Autarquias especiais, as Agências possuem, conforme registro pacificado na doutrina [1], os seguintes traços marcantes, que normalmente são basicamente definidos na respectiva lei de criação: a) ampla autonomia técnica, administrativa e financeira, que as torne imunes às injunções político-partidárias, aos entraves burocráticos e a carências de verbas orçamentárias; b) competência para expedição de normas operacionais e de serviço, de forma a acompanhar o ritmo extraordinário do desenvolvimento tecnológico e de atendimento das demandas populares; c) poder de aplicar sanções com rapidez, respondendo aos reclamos da população e exigências do serviço; d) capacidade para vincular a participação dos usuários ao controle e fiscalização dos serviços.

Essas características se assentam em dois pilares fundamentais, sem os quais a operacionalização das atribuições das agências fatalmente esbarraria nos mesmos entraves que condenaram à ineficiência, ao esvaziamento e à completa desfiguração administrativa as autarquias tradicionais: estabilidade dos administradores e poder normativo.


adoção do modelo gerencial do estado brasileiro

Embora o fenômeno das agências não seja novo e o surgimento das mesmas, nos Estados Unidos, remonte ao século XIX, entre nós somente em 1995, após a Promulgação das Emendas Constitucionais nºs. 08, de 15/08/95 e 09, de 09/11/95, marcos significativos da reforma administrativa intentada pelo governo federal, com o objetivo de implantar o Estado Gerencial que, de qualquer forma, representou um avanço em relação à tradicional figura do Estado Patrimonialista, caracterizado pelas formas burocráticas de atuação, controle dos meios e não dos fins.

Referidas Emendas constitucionais que alteraram, respectivamente, os arts. 21, incs. XI e XII e o art. 177, § 1º, inc. III, da Constituição Federal, instituindo modificações no regime dos serviços públicos de telecomunicações, energia elétrica, transportes, a quebra do monopólio estatal do petróleo, prevendo a criação de órgãos reguladores, representaram os primeiros passos no sentido das profundas transformações que se seguiriam em direção à privatização, desestatização e deslegalização.

Por esse caminho, ensejaram o surgimento das primeiras Agências Reguladoras modernas, concebidas e legalmente instituídas com a finalidade de exercer funções de regulação e fiscalização de atividades econômicas e serviços públicos, privatizados ou não, bem como o desenvolvimento de atividades de interesse público correlacionadas com essas atribuições.

No plano federal, em seguida, a Lei nº 9.427, de 26/12/02, instituiu a Agência Nacional de Energia Elétrica-ANEEL, seguindo-se criação da Agencia Nacional de Telecomunicações-ANATEL, pela Lei nº 9.472, de 16/07/97, e a Agência Nacional do Petróleo-ANP, pela Lei nº 9.478, de 06/08/97, bem como as demais agências reguladoras da administração federal, conferindo nova dimensão ao aparato administrativo do poder público nesse nível.

Assim, à medida em que esses entes pontificaram na administração federal indireta, emprestando não apenas nova roupagem à descentralização administrativa, mas colocando à disposição do Poder Público valioso instrumental jurídico operacional no campo da regulação de serviços públicos, principalmente, os estudiosos do Direito Administrativo buscaram elementos no direito comparado e na experiência de algumas autarquias brasileiras do passado, para definir-lhes os contornos, o regime de seu pessoal, a titulação jurídica de seus dirigentes e a natureza e, sobretudo, os limites de seu poder normativo.


o poder normativo das agências

O notável plexo de atribuições conferidas a cada uma das agências instituídas, no âmbito de suas respectivas funções, mesmo quando concentradas em área específica da atuação estatal, é por si só denotativo da razão pela qual o Poder Público criador procurou cercá-las de prerrogativas, instrumentos legais e garantias jurídicas para que possam prestar e regular com eficiência os serviços públicos que lhes são delegados ou cuja delegação, controle e fiscalização é entregue à sua cura.

Contudo, no direito brasileiro, poder normativo compreende apenas a competência da autoridade administrativa, seja da administração direta ou indireta, para expedir atos normativos, complementares ao regulamento ou, quando muito, de caráter regulamentar, que disciplinem de forma abstrata ou concreta campo delimitado pela norma legislativa.

Daí a perplexidade que o conceito de regulação vem despertando, já que este [2] "significa estabelecer regras, independentemente de quem as dite, seja o Legislativo ou o Executivo, ainda que por meio de órgãos da Administração direta ou entidade da Administração indireta. Trata-se de vocábulo de sentido amplo, que abrange, inclusive a regulamentação, que tem um sentido mais estrito."

Deve ser acrescida ainda a essa observação que o vocábulo regular, tal como empregado abrange, também, o poder de dirimir conflitos entre a Administração e os interessados ou mesmo entre os particulares envolvidos, quer como prestadores de serviços públicos ou exploradores de atividades econômicas reguladas, quer na condição de usuários.

A questão que se coloca, portanto, é a delimitação da função normativa ou regulatória das agências reguladoras em face dos postulados constitucionais da tripartição de poderes e do princípio da legalidade, que no nosso sistema têm como parâmetros fundamentais os arts. 5º, inc. II, e 84, inc. IV, da Constituição Federal, segundo os quais, respectivamente, somente a lei pode obrigar condutas e é do Presidente da República a competência para expedir regulamentos, com a estrita finalidade de permitir "o fiel cumprimento da lei".

Pacífico, nesse sentido, o entendimento de que os regulamentos emitidos pelo Executivo com fundamento no citado preceito constitucional possuem como única finalidade explicitar ou facilitar o cumprimento da lei, daí intitularem-se regulamentos executivos. Inexistem, no nosso sistema, os chamados regulamentos autônomos, que podem cobrir as lacunas da lei ou matéria não expressamente reservada a ela, inovando na ordem jurídica a partir de standarts constitucionais.

Mesmo a Emenda Constitucional nº 32, de 11/09/01, que alterou o inc. VI do art. 84 da Carta Política, só permite o regulamento autônomo para dispor sobre a organização e funcionamento da administração federal, desde que não implique no aumento de despesas e nem na criação ou extinção de órgãos.

A visão ortodoxa e clássica da matéria vem presidindo o estudo da questão regulatória, de modo a colocar grande parte dos estudiosos em posição francamente defensiva, exame no qual o fenômeno das agências reguladoras – inobstante compreenda realidade administrativa perfeitamente integrada e consolidada no ordenamento jurídico -, é analisado mais em função do que não deve, do que aquilo que pode ser feito por esses entes sem ofender os valores básicos que orientam as modernas concepções de tripartição de poderes e da legalidade.

Sem embargo que esse exame mais retrospectivo do que prospectivo do assunto predomine entre os estudiosos, a competência legal atribuída às Agências Reguladoras pelas leis de criação é sempre caracterizada por comandos de conteúdo genérico dos quais remanesce amplas faixas de discricionariedade que exigem, no dia-a-dia da prática administrativa, o exercício concreto, pelas mesmas, de todas as modalidades disciplinadoras cometidas ao Poder Público, sejam fiscalizatórias ou regulatórias. A esse propósito, assinala Alexandre Santos de Aragão [3] que "As leis instituidoras das agências reguladoras integram, destarte, a categoria das leis-quadro (lois-cadre) ou standartizadas, próprias das matérias de particular complexidade técnica e dos setores suscetíveis a constantes mudanças econômicas e tecnológicas. Podemos ver, com efeito, que, apesar da maior ou menor magnitude de poder normativo legalmente outorgado nas suas esferas de autuação, todas as agências reguladoras – umas mais e outras menos – possuem competências normativas calcadas em standards, ou seja, em palavras dotadas de baixa densidade normativa, às vezes meramente habilitadoras, devendo exercer estas competências na busca da realização das finalidades públicas – também genéricas – fixadas nas suas respectivas leis."

Essa realidade agora enfatizada pela atividade operacional ampla, dinâmica e flexível cometida às agências reguladoras, em princípio apenas reafirma, sob nova roupagem, a característica da administração indireta no Brasil que sempre teve caráter executivo e objetivou conferir mais celeridade e eficiência à atividade administrativa do Estado coordenada pelos órgãos centrais de administração direta (Ministérios no plano federal e Secretarias de Estado no plano estadual). Assim, o art. 8º, § 2º do DL 200/67 já atribuía ao nível superior da Administração Federal a coordenação dos sistemas de atividades auxiliares, dispondo, no art. 10, que "a execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada", estabelecendo, no mesmo dispositivo, os níveis de execução no interior da administração ou com o envolvimento de particulares, mediante contratos ou concessões.

É enfim, de fácil entendimento, que as Agências Reguladoras recebem delegação do ente criador (União, Estado ou Município) para executar ou fiscalizar a implementação das políticas públicas legalmente definidas para determinado setor de interesse coletivo; para a prestação de serviços públicos; ou para a fiscalização e controle dos serviços públicos delegados a particulares mediante concessão, permissão ou autorização (CF, art. 175, art. 21, incs. XI e XII).

De conseqüência, a lei que institui a agência declara o teor dessa delegação em caráter genérico, amplo, fixando parâmetros gerais e definidores dos objetivos dorsais que vão orientar sua atuação, em obediência à complexidade técnica predominante em alguns serviços ou mesmo visando a permitir que a agência, atendendo aos desdobramentos impostos pela dinâmica social subjacente ou interagindo com os particulares interessados, encontre a melhor solução para as demandas individuais ou coletivas que lhe cabe satisfazer dentro da legalidade.

Comentando a amplitude da dicção do art. 2º da Lei nº 9.427/97, que criou a Agência Nacional de Energia Elétrica-ANEEL, que lhe permite, entre outras competências, "regular a produção, transmissão e comercialização de energia elétrica", José Maria Pinheiro Madeira [4] define a natureza ampla dessas normas, afirmando que "Esta é a espécie de delegação que as agências reguladoras deverão possuir. A lei determina seu âmbito de atuação e os atos normativos produzidos pelas agências regerão o mercado de atuação específica de cada agência. A celeridade das decisões é imprescindível para a gestão eficaz do negócio e essas normas direcionam rapidamente o rumo a ser tomado sem a morosidade que impera no poder legislativo, seja pela desídia de seus parlamentares, seja pelo devido processo legal, normalmente longo e lento."

Carlos Ari Sundfeld [5] também analisa o aparente confronto de competências normativas que se estabelece entre as Agências Reguladoras e Poder Legislativo em razão das dificuldades encontradas por esse Poder, no Estado contemporâneo, ante as demandas de uma sociedade plural que reclama soluções urgentes para problemas cada vez mais técnicos e complexos, afugentando a idéia de "substituição" da função legiferante pelas agências, possibilidade que chegou a provocar justificadas manifestações de indignação intelectual, ao afirmar, respondendo à sua própria indagação: "Será verdade, como temem alguns, que a agência reguladora é necessariamente uma usurpadora da função legislativa ? Não. Nos novos tempos, o Poder Legislativo faz o que sempre fez: edita leis, freqüentemente com alto grau de abstração e generalidade. Só que, segundo os novos padrões da sociedade, agora essas normas não bastam, sendo preciso normas mais diretas para tratar das especificidades, realizar o planejamento dos setores, viabilizar a intervenção do Estado em garantia ao cumprimento ou realização daqueles valores: proteção do meio ambiente e do consumidor, busca do desenvolvimento nacional, expansão das telecomunicações nacionais, controle sobre o poder econômico – enfim, todos esses que hoje consideramos fundamentais e cuja persecução exigimos do Estado. É isso o que justificou a atribuição de poder normativo para as agências reguladoras, o qual não exclui o poder de legislar que conhecemos, mas significa, sim, o aprofundamento da atuação normativa do Estado."

A conclusão que remanesce nitidamente das abordagens trazidas à colação no presente estudo deságua, ainda uma vez, em constatação pragmaticamente vinculada às finalidades sempre perseguidas pelas diversas entidades que integram a administração indireta como parte executiva e dinâmica do instrumental administrativo do Estado brasileiro, em todos os níveis de poder.

Ou seja, os dilemas atuais enfrentados pelo Legislativo não nasceram com as agências reguladoras e nem estas, entendidas como instrumento operacional do Estado constituídas com personalidade jurídica de direito público – portanto um prolongamento, uma longa manus estatal, dotado de todas as prerrogativas e privilégios que revestem os atos e a atuação do Estado na ordem jurídica -constituem novidade absoluta.

As autarquias brasileiras e mais especialmente as autarquias econômicas antes registradas sempre exerceram a competência normativa reguladora, sem causar espanto ou espécie. Importante é definir a função integradora da norma de regulação e compreender que os seus limites, no exercício da discricionariedade que é amplamente peculiar às atividades dessas agências, pelos motivos já analisados, circunscrevam-se aos fundamentos constitucionais do Estado Democrático de Direito e, em especial, ao conteúdo jurídico dos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade, do interesse público, da segurança jurídica e os demais princípios explícitos ou no ordenamento.

Sobre a função jurídica e democrática da norma regulatória, Marcos Juruena Villela Souto [6] afirma que ela "...faz um papel de ligação entre a lei – genérica, distante da realidade dos fatos e despida da especialização inerente à concretização dos interesses de cada grupamento econômico e social – e o administrado. Limita-se à interpretação do conteúdo técnico da lei (por exemplo, a definição de produto perigoso, de atividade poluidora, de serviço eficiente, de tarifa módica, de preço abusivo, de bem essencial). O conteúdo dessa eficiência é ditado por conceitos de uma análise econômica do direito. Uma norma regulatória será eficiente quando alcançar o equilíbrio que envolve os interesses da sociedade, eventualmente representados pelo Poder Público, os interesses dos consumidores – e, em especial, usuários de serviços públicos – e os interesses de fornecedores, sobretudo, os prestadores de serviços públicos. Portanto, haverá uma norma regulatória que atenda ao princípio constitucional da eficiência quando esta a eqüidistância entre os vértices de um triângulo eqüilátero." E mais adiante conclui o autor em perfeita sintonia com essa premissa e as conclusões já extraídas neste escorço, asseverando que "Cabe, portanto, à norma reguladora traduzir tecnicamente, com neutralidade política, princípios constitucionais e legais que constituem a base da moldura regulatória (marco regulatório) para uma implementação eficiente, com vistas ao atendimento das decisões políticas previamente tomadas pela sociedade por meio de seus representantes no Poder Legislativo. Os agentes reguladores editam normas, que passam a compor a moldura regulatória, desde que compatíveis com a Constituição e com a lei. A norma regulatória representa a maneira pela qual o agente regulador interpreta determinados comandos constitucionais e legais. A observância dessas normas regulatórias pela própria agência representa uma obrigatoriedade do ponto de vista do princípio da segurança jurídica, porque ali é fixada uma interpretação acerca de como deve ser cumprido eficientemente um determinado comando constitucional e legal."

A esse ponto, com seguro suporte na melhor doutrina, acreditamos ser possível fixar alguns pontos fundamentais ao nosso estudo, quais sejam: a) as agências reguladoras são órgãos integrantes da estrutura da administração indireta do Poder Executivo dotados de independência e efetiva autonomia administrativa; b) para o eficiente desempenho das atribuições que recebem a partir da lei de criação, possuem funções fiscalizadoras, controladoras, normativas, possuindo ainda competência para a aplicação de penalidades e composição de conflitos nas respectivas áreas de atuação; c) os marcos regulatórios que orientam o poder normativo dessas entidades são estabelecidos inicialmente na lei específica de criação das mesmas sob a forma de Autarquia especial (CF, art. 37, inc. XIX), no momento em que lhes define as finalidades e a área de competência; d) quando a lei de criação for genérica, referindo-se a padrões referenciais dos quais resulta uma ampla faixa discricionária de atuação, a função normativa, como as demais funções fundamentais – imposição de penalidades e composição de conflitos – serão norteadas pela interpretação sistemática e integradora da moldura legislativa (marco regulatório), com os princípios jurídicos e valores vetoriais do sistema jurídico.


Agência goiana de regulação, controle e fiscalização de serviços púlicos – AGR

A Agência Goiana de Regulação, Controle e Fiscalização de Serviços Públicos-AGR, foi criada pela Lei nº 13.550, de 11/11/1999, que modificou a organização administrativa do Poder Executivo estadual, na esteira de uma reforma administrativa que inovou quanto a esse aspecto, acompanhando a moderna tendência de confiar a essas entidades funções até então desempenhadas de modo ineficiente ou insatisfatório pelos instrumentos tradicionais de ação do Poder Público.

O art. 6º, inc. VI, do citado diploma legal já cuidou, ab initio, de conferir autonomia administrativa, financeira e patrimonial ao novo ente criado sob a forma de autarquia, determinando, ainda, no § 6º do mesmo dispositivo, que a "AGR absorvesse as atividades da Superintendência de Terminais e Transportes Rodoviários Intermunicipais, da extinta Secretaria de Transportes e Obras Públicas, e, conforme definido em Regulamento, da Empresa de Transporte Urbano do Estado de Goiás-TRANSURB." Por esse dispositivo, como visto, a nova agência assumiu as funções de fiscalização e controle dos serviços de transporte coletivo antes distribuída entre vários órgãos.

Posteriormente, a Lei nº 13.569, de 27/12/99 dispôs especificamente sobre a AGR, reafirmando, no art. 1º, caput, suas características administrativas e amplas funções regulatórias, e definindo-a como autarquia especial "revestida de poder de polícia, com a finalidade de regular, controlar e fiscalizar a prestação dos serviços públicos de competência do Estado de Goiás, cuja exploração tenha sido delegada a terceiros, entidade pública ou privada, através de lei, concessão, permissão ou autorização..."

A seguir, no mesmo art. 1º, os incisos I a XX de seu § 2º o extenso rol de atividades, serviços de interesse coletivo, obras e serviços públicos sujeitos ao controle, fiscalização e regulação da AGR, incluindo: Construção, pavimentação, restauração conservação, ampliação e exploração de rodovias, ferrovias e hidrovias; construção, conservação, recuperação, ampliação e exploração de terminais rodoviários, hidroviários, portos e aeroportos para o transporte de pessoas e cargas; transporte coletivo rodoviário, hidroviário, ferroviário e metroviário, municipal, intermunicipal e interestadual; serviço aéreo do Estado de Goiás;esporte e lazer; abastecimento de produtos agropecuários; habitação; centros prisionais; turismo; cultura; recursos hídricos e minerais e outros recursos naturais; comunicações, inclusive telecomunicações; geração, transmissão e distribuição de energia elétrica; abastecimento de água e tratamento de esgotos; petróleo, combustíveis, lubrificantes e gás, inclusive canalizado;meio ambiente; irrigação; saúde; assistência social; inspeção de segurança veicular.

O citado artigo primeiro e seus parágrafos da lei que regulamenta a AGR, ainda mais, já definem sua competência para regular, controlar e fiscalizar os serviços públicos de competência do Estado de Goiás delegados a terceiros, aqueles que lhe forem delegados pela União ou Município, referindo-se ainda, no § 2º, aos "bens e direitos" relativos aos serviços, obras e atividades listados.

Os mesmos preceptivos deixam claro que a AGR é uma Agência Reguladora interdisciplinar, cuja principal característica, quanto a esse pacífico enquadramento, consiste, como visto, na incumbência de regular, controlar e fiscalizar um amplo espectro de serviços públicos e atividades administrativas, delegadas ou não pelo Estado.

Ao definir a competência da AGR o art. 2º fornece o marco regulatório inicial para a atuação da entidade relativamente aos serviços públicos estaduais prestados diretamente ou delegados através de concessão, permissão ou autorização, estabelecendo no inc. I, quanto aos últimos, que lhe caberá "cumprir e fazer cumprir a legislação específica. ..através da fixação de normas, recomendações e procedimentos técnicos’.

Mais adiante, no inc. II do mesmo artigo reafirma a competência da AGR para "acompanhar, regular, controlar e fiscalizar os serviços públicos de competência do Estado, de acordo com os regulamentos e contratos de concessão, permissão ou autorização...", fornecendo os parâmetros fundamentais ou marcos regulatórios para o exercício dessas funções, assim: para os serviços prestados diretamente os regulamentos, para os delegados os contratos e os regulamentos.

Até aí nenhuma novidade porque o Estado sempre expediu regulamentos para disciplinar a condução de seus órgãos e agentes na prestação de serviços públicos e, quando poder concedente, sempre fiscalizou a execução dos respectivos contratos com base nas cláusulas que lhe conferem predominância nesses ajustes, nos termos da legislação específica, por isso mesmo rotuladas de "cláusulas exorbitantes".

O aspecto inovador está na amplitude conferida a essas atribuições pelos referidos incisos I e II do art. 1º da citada lei, quando permitem à AGR expedir normas e regular, de acordo com os padrões e as normas estabelecidos – pela própria AGR, inclusive – os serviços públicos delegados ou não, aplicando sanções e reprimindo infrações. Os parâmetros jurídicos para as mencionadas normas encontram-se, para os serviços públicos prestados diretamente, na legislação estadual ou federal aplicável, por exemplo, à saúde, ao meio ambiente, ao abastecimento, à assistência social e, via de conseqüência, aos demais serviços e atividades.

A essa altura, surgem as seguintes indagações: e quando a lei ou regulamento forem omissos ? Já que no nosso sistema não existe o regulamento autônomo, nesse caso a agência estaria impedida de agir, em face dos princípios da separação de poderes e da legalidade ? A resposta para essas duas perguntas tem preenchido, especialmente após a introdução das Agências Reguladoras na organização administrativa brasileira, páginas e páginas de substanciosos estudos doutrinários e motivado paradigmáticas decisões do Supremo Tribunal Federal.

Como sempre, a solução legal cabível está na interpretação sistemática e integradora da norma jurídica em questão, a partir da competência atribuída à AGR pela lei regulamentadora (Lei nº 13.569/99) e dos standards contidos na norma aplicada, em sintonia com os princípios jurídicos constitucionais e valendo-se da discricionariedade administrativa remanescente ajustável à situação determinada. Debruçando-se sobre a matéria com a sobriedade doutrinária de sempre, Marçal Justen Filho [7] invoca a sustentação de importante precedente jurisprudencial do STF a respeito:

"Tal como a cima referido de passagem, o STF discutiu a questão a propósito da liminar na ADIn nº 1.668. Tratou-se de impugnação promovida por diversos partidos políticos contra inúmeras disposições da Lei Federal nº 9.472. Ainda que por maioria, foi adotada interpretação conforme a Constituição para dispositivos que reconheciam competência normativa à ANATEL, impondo-se reconhecer que tal poder apresentava natureza regulamentar e deveria observar os limites legais.

Esse precedente apresenta relevância marcante, eis que a Lei da Anatel é a mais completa e exaustiva, dentre as que introduziram agências regulatórias. O STF teve oportunidade de examinar, ainda que com a sumariedade inerente ao julgamento de liminares, o tema da competência normativa abstrata reconhecida a uma agência reguladora. A conclusão do julgamento, por apertada maioria, indica a complexidade do tema. Mas pode assinalar que a orientação consagrada foi de que a Constituição impõe limitações à competência normativa abstrata das agências, que se pode desenvolver apenas como manifestação de cunho regulamentar não autônoma."

Todavia, a competência normativa abstrata entendida apenas como "manifestação de cunho regulamentar", não exclui, antes reafirma, a competência para preencher, por ato normativo o campo da discricionariedade deixada pela norma legal ou regulamentar, quando esta provier de outra instância administrativa – por exemplo, da chefia do Executivo. Embora a conclusão pareça não anunciar grandes revelações, ela serve para definir, de forma concreta, que a finalidade determinante da criação das agências reguladoras, que é, em suma, a de regular, controlar e fiscalizar os serviços públicos entregues à sua cura, é sufragada pela mais elevada Corte de Justiça do país, indicando a consolidação de um modelo e garantindo a sustentação jurídica das medidas impostas pelas exigências da complexa realidade econômica e administrativa em que todas as agências atuam.

Sobre o alcance da discricionariedade na espécie, ou seja, tocante ao exercício da competência normativa da agência reguladora em face de situação jurídica de caráter abstrato, isto é, que exija a edição de ato que vá dispor sobre hipótese não prevista de modo específico na norma de competência como a única cabível, cujos efeitos alcancem duas ou mais pessoas, mas contida entre uma das alternativas possíveis para o atendimento da finalidade declarada na lei, importando em avaliação subjetiva ou interpretação integrativa de seus comandos genéricos, é ainda Marçal Justen Filho [8] que conclui, em consonância com as premissas já delineadas:

"Parece que a melhor solução consiste em reconhecer que a discricionariedade pode importar juízos de conhecimento ou, mesmo, de interpretação integrativa da lei, mas sua essência reside numa atuação volitiva de cunho funcional, orientada a selecionar a alternativa mais adequada para realizar os diferentes interesse em jogo. Nessa linha, o núcleo do conceito de discricionariedade reside numa avaliação de oportunidade que conduz à eleição de uma dentre diversas alternativas possíveis. Mas essa escolha é orientada à realização do interesse público, assim entendido como o resultado de uma ponderação dos efeitos da decisão sobre os diversos interesses secundários em vista do fim público a atingir.

A discricionariedade não consiste, ou melhor, não consiste necessariamente – numa simples escolha de uma dentre várias escolhas previamente determinadas em nível legislativo. Quando a lei configura a discricionariedade, também pode fazê-lo pela impossibilidade de selecionar abstrata e antecipadamente todas as alternativas disponíveis para resolver um certo problema. A discricionariedade pode resultar da consideração de que a disciplina de uma relação jurídica ou de um setor da realidade social deve fazer-se segundo critérios técnico-científicos, variando as soluções inclusive em face do progresso futuro. Ou seja, formular legislativamente um elenco de soluções admissíveis corresponderia ao equívoco de delimitar o exercício da competência discricionária ao conhecimento consagrado à época da edição da lei.

Daí decorre que a competência normativa delegada impropriamente pode comportar uma margem de autonomia relevante e significativa, inclusive para produzir resultados não previstos por ocasião da elaboração da lei. (Destacou-se).

Nessa linha de raciocínio, como tem entendido a melhor doutrina, a expedição de normas administrativas abstratas ou de caráter regulamentar pelas agências corresponde a uma garantia para os administrados, ao descrever o elenco de medidas ou condutas aplicáveis em cada hipótese de incidência concreta da norma, de modo a atenuar a margem de discricionariedade da norma legislativa para cada caso concreto.

Em outras palavras, a expedição de normas abstratas pela agência, dentro de sua competência regulamentar, não ofende o ordenamento, mas corresponde a dever que lhe é imposto a fim de tornar previsível e passível de avaliação prévia pelos interessados a conduta administrativa descrita, antecipadamente regrada, a respeito de situações concretas possíveis.

Os fundamentos legais norteadores das funções normativas abstratas ou concretas da AGR estão sintetizadas nos dispositivos da Lei Estadual nº 13.569/99, que deverão ser interpretados de forma sistemática com os demais preceitos da referida norma e com as disposições da legislação pertinente às relações econômicas ou serviços públicos regulados, especialmente tocante à legislação em consonância com os princípios jurídicos constitucionais. A propósito do exercício dessas funções dentro da legalidade ganham especial relevo a aplicação dos princípios jurídicos da razoabilidade e da proporcionalidade, que exigem adequação entre meios e fins, pela Administração.

A respeito dos limites da função regulamentar atribuída à AGR pela lei instituidora e legislação correlata aplicável, relativa aos serviços públicos regulados, oportuna lembrança da lição do mestre Caio Tácito [9], que ensina: "regulamentar não é só reproduzir analiticamente a lei, mas ampliá-la e completá-la, segundo seu espírito e conteúdo, sobretudo nos aspectos que a própria lei, explícita ou implicitamente, outorga à esfera regulamentar." As normas reguladoras necessárias ao pleno exercício das funções cometidas à AGR ou qualquer outra agência reguladora criada com a mesma finalidade, no âmbito estadual, tanto poderão ser expedidas pela própria agência, com fundamento nos dispositivos próprios da Lei regulamentadora, que no caso estão citados, como pelo Executivo, por iniciativa do Conselho de Gestão, órgão de deliberação superior da agência, que tem como a atribuição específica, segundo o art. 11, inc. III, "analisar, aprovar e encaminhar ao Poder Executivo proposta de normas, regulamentos gerais e específicos para regulação, controle e fiscalização da prestação de serviços.", competindo-lhe, também, conforme inc. VIII: "deliberar sobre todas e quaisquer questões afetas às atividades de regulação, controle e fiscalização dos serviços públicos regulados controlados e fiscalizados, apresentadas pelo Presidente da AGR;"

A interpretação sistemática dos citados dispositivos da Lei nº 13.569/99 com o art. 84, inc. IV, da Constituição Federal ou 37, inc. IV, da Constituição Estadual, indica que as normas regulamentares propriamente ditas, ou seja, aquelas de caráter geral, consistentes em regulamentos elaborados com base em autorização legislativa contida no texto da norma regulamentada, deverão ser preparadas pela AGR e encaminhadas ao Executivo depois de devidamente aprovadas pelo Conselho de Gestão, na forma do citado art. 11, inc. III, da mencionada lei, a fim de que sejam expedidas mediante Decreto. As demais manifestações da função normativa, a teor do que preconizam as Leis nºs. 13.550/99 13.569/99, poderão ser concretizadas pela própria AGR, por intermédio dos órgãos diretivos pertinentes, visando suprir a indefinição reservada à discricionariedade da agência pela legislação que dispuser sobre cada serviço público regulado. Notadamente quanto aos serviços públicos concedidos, permitidos ou autorizados, a competência regulatória da AGR ganha reforço nas Leis Federais nºs. 8.666/93, 8.987/95 e 9.074/95, todas elas leis de caráter nacional, portanto, aplicáveis aos Estados.

Nesse sentido, nunca é demais lembrar o regime jurídico especial dos contratos administrativos sintetizado no art. 58 da Lei nº 8.666/93, especialmente quanto às prerrogativas reservadas à Administração em relação aos mesmos, cabendo-lhe: modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado; rescindí-los, unilateralmente; fiscalizar-lhes a execução; aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste, entre outras competências.

Endossando essas prerrogativas nos casos específicos dos contratos de concessão e permissão, os arts. 29 e 30 da Lei nº 8.987/95 permitem ao poder concedente, no caso representado pela AGR por força dos arts. 1º e 20 da Lei nº 13.569/99, o exercício das seguintes atribuições: regulamentar o serviço concedido e fiscalizar permanentemente a sua execução; aplicar penalidades regulamentares e contratuais; intervir na prestação dos serviços, nos casos previstos nesta lei e na forma prevista no contrato; homologar reajustes e proceder à revisão das tarifas; cumprir e fazer cumprir as disposições regulamentares e as cláusulas contratuais; zelar pela boa qualidade dos serviços; estimular o aumento da qualidade, produtividade, preservação do meio ambiente e conservação; incentivar a competitividade, entre outras.

Induvidoso portanto, quanto aos serviços públicos concedidos, permitidos ou autorizados, que o suprimento da discricionariedade administrativa resultante de expressões como "regulamentar o serviço concedido", "zelar pela boa qualidade dos serviços" ou "estimular o aumento da qualidade, produtividade, preservação do meio ambiente", compreende tanto o exercício de funções normativas abstratas como concretas pelas agências reguladoras, importando, de conseqüência, não apenas no disciplinamento da prestação dos referidos serviços públicos, mediante a expedição de resoluções, instruções ou portarias, mas, também, na aplicação de preceitos contidos em regulamentos ou atos normativos expedidos pela própria agência.

Os objetivos jurídicos e administrativos da "deslegalização" alusivos à eficiência estatal, ou seja, a retirada de certas matérias do domínio da lei pelo próprio legislador, para atribuí-las à competência das agências reguladoras, completa o quadro na espécie, pois de nada valeria a criação de uma agência com poderes administrativos especiais se, diante dos inúmeros casos concretos impostos pela dinâmica e complexa atividade pública exigindo soluções imediatas, rápidas e eficientes, ela tivesse que remeter a questão ao Legislativo, para atuar depois que dispusesse de norma formal para definir sua conduta diante de cada caso concreto.

Nada obstante se trate de questão dilemática no Estado Democrático de Direito, a atribuição dessa competência normativa às agências regulatórias, compreendendo o poder de dirimir conflitos, é desmitificada e simplificada de maneira objetiva por Alexandre Santos de Aragão [10], para quem: "As leis atributivas de poder normativo às entidades reguladoras independentes possuem baixa densidade normativa, a fim de – ao estabelecer finalidades e parâmetros genéricos – propiciar, em maior ou menor escala, o desenvolvimento de normas setoriais aptas a, com autonomia e agilidade, regular a complexa e dinâmica realidade social subjacente. Ademais, recomenda-se que propiciem à Administração a possibilidade de, na medida do possível, atuar consensualmente, com alguma margem de negociação, junto aos agentes econômicos e sociais implicados."

No caso das agências reguladoras multidisciplinares, haveria o risco anotado por Leila Cuéllar [11] de que a não especialização da agência contribuísse para desnaturar o fundamento dessas entidades, que é a especialização sobre a área de atribuição, com a finalidade de assegurar uma atuação técnica, especializada e independente. A estruturação e funcionamento da AGR definidos na própria lei instituidora e no Decreto nº 5.569, de 18/03/2002, que aprova o seu regulamento, especialmente nesse último, entretanto, militam em sentido contrário a essa conclusão, ao prever como órgão de direção um Conselho de Gestão constituído por Câmaras Setoriais relativas a cada serviço público objeto de efetiva regulação, controle e fiscalização, bem como uma Diretoria Executiva integrada pela presidência e quatro diretorias setoriais estruturadas em grupos técnicos correspondentes aos mesmos serviços, conforme art. 3º, incs. I e II, letras "a" e "b", § 2º, e art. 12 da Lei nº 13.569/99.

Bem por isso a necessidade de especialização e, de outra parte, o suprimento de um suposto deficit democrático que decorreria do exercício de poder normativo por órgão independente do Executivo, mostram-se atendidos pela composição tanto das Câmaras Setoriais como do Conselho de Gestão da AGR, fazendo parte daquelas um representante da Secretaria de Estado ou agência responsável pelo serviço público respectivo, um representante dos usuários e um representante das empresas operadoras do mesmo serviço, e, deste, além do Presidente e Vice, que são indicados pelo Poder Público, dois representantes dos usuários, dois representantes das empresas operadoras e um representante de cada câmara setorial.

Ao final, devemos assinalar que a Agência Goiana de Regulação, Controle e Fiscalização de Serviços Públicos-AGR, constitui importantíssimo instrumento de ação da administração indireta do Estado de Goiás, para o exercício de seu poder de polícia administrativa e de intervenção no campo econômico, em relação aos serviços públicos de sua competência ou resultantes de convênios ou contratos com a União, Distrito Federal ou Municípios.

O modelo de autarquia especial independente, com real autonomia administrativa, financeira e patrimonial seguido pelas agências reguladoras vem inovando e revolucionando velhos conceitos do Direito Administrativo, na tentativa de suplantar os fracassos cometidos no passado pela organização estatal na intenção de descentralizar e eficientizar os instrumentos de atuação de sua administração indireta, mormente quando criados como pessoas jurídicas de direito público, representando um prolongamento da personalidade estatal que, no pretérito, por isso mesmo, reproduziu organicamente os males do insulamento burocrático que comprometeu a eficiência e a agilidade da administração central.

O amplo espectro de serviços públicos e atividades de interesse coletivo que são regulados, controlados e fiscalizados pelas agências reguladoras, sejam estaduais ou federais, encontra, na composição flexível e democrática de seus órgãos diretivos, canais de legitimação e compatibilização com a ordem jurídica, a partir dos parâmetros legais fornecidos pela legislação disciplinadora da entidade, em consonância com as leis e regulamentos referentes aos serviços e atividades regulados.

Relevante anotar, contudo, que a preservação da autonomia e da independência real das agências em relação ao Executivo são vitais para manter vida a característica fundamental do órgão que o distingue das fracassadas e despersonalizadas autarquias do passado administrativo brasileiro em todos os níveis de poder. O garroteamento dessa independência por intermédio da superposição de instâncias administrativas de "supervisão" ou de "controle" no interior da estrutura do aparelho estatal, terminará por emascular administrativa e legalmente o novel instituto, condenando as agências reguladoras à vala mesma embolorada e burocrática vala comum de ineficiência e falsa autonomia de antanho, onde foram enterradas inúmeras autarquias brasileiras criadas em todos os níveis de poder.

Não é sem tempo, nesse desfecho, reiterar, ainda uma vez, que a função normativa resultante da integração jurídica desses dois parâmetros fundamentais – a legislação disciplinadora da agência e as leis e/ou regulamentos aplicáveis ao serviço público ou atividade regulada – deverá ser norteada pelos princípios jurídicos que presidem o funcionamento da Administração Pública, a partir dos elencos paradigmáticos insculpidos no art. 37, caput, da Constituição Federal, e no art. 2º, caput, da Lei Estadual nº 13.800, de 18/01/01 (a exemplo da Lei nº 9.784/99, no plano federal) que regula o processo administrativo no Estado de Goiás, verdadeiras normas-princípio do sistema, de sólido conteúdo jurídico, de modo a ensejar que essa manifestação discricionária seja sempre consonante com o basilar princípio da legalidade.

É o que nos parece, s.m.j.

NELSON FIGUEIREDO

OAB/GO 10.950


Notas

01. Eurico Andrade Azevedo, Agências Reguladoras, RDA 213: 141/148.

02. Maria Sylvia Zanella de Pietro, Parcerias na Administração Pública, Atlas, 4ª edição, 2002, p. 150.

03. - Agências Reguladoras, Forense, Rio de Janeiro, 2002, p. 408.

04. - Administração Pública Centralizada e Descentralizada, América Jurídica, 2001, p.233.

05. - Direito Administrativo Econômico, Malheiros, 2000, pg. 27.

06. - Direito Administrativo Regulatório, Lúmen Júris, Rio de Janeiro, 2002,

07. O Direito das Agências Reguladoras, Dialética, São Paulo, 2002, pgs. 638/639

08. ob. Cit. p. 518.

09. - Comissão de Valores Mobiliários. Poder Regulamentar. Temas de Direito Público, Renovar, Rio de Janeiro, 1977, Tomo 2, p. 1079, cf. Alexandre Santos de Aragão, ob. Cit. p. 416

10. Ob. Cit. p. 406

11. As Agências Reguladoras e seu Poder Normativo, Dialética, São Paulo, 2001, p. 144., item 9.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FIGUEIREDO, Nelson. Poder normativo de agência reguladora estadual: competências. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 66, 1 jun. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16583. Acesso em: 25 abr. 2024.