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Coisa julgada inconstitucional e ação rescisória em matéria tributária.

Restabelecimento do crédito tributário

Coisa julgada inconstitucional e ação rescisória em matéria tributária. Restabelecimento do crédito tributário

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Sentença que, em controle difuso de constitucionalidade, havia exonerado contribuinte de recolher Contribuição Social sobre o Lucro, foi posteriormente rescindida, ocasião na qual foi declarado o restabelecimento dos créditos tributários não recolhidos oportunamente em virtude da decisão anulada. Alegando que a rescisória não poderia fazer ressurgir crédito tributário, o contribuinte manejou sucessivamente recurso especial (indeferido), recurso extraordinário (inadmitido), e agravo de instrumento (que teve seguimento negado pelo Min. Gilmar Mendes). Segue-se a resposta da Fazenda Nacional ao agravo regimental contra a decisão monocrática que não recebeu o agravo de instrumento.

Sumário: I. A decisão objeto do agravo regimental da Contribuinte; II. Breve histórico do presente caso; III. O obstáculo processual ao conhecimento do recurso de agravo regimental; IV. A ação rescisória em matéria tributária.

Resumo: O presente artigo nasceu de petição de Impugnação fazendária à petição de Agravo Regimental da contribuinte em face de decisão monocrática do Ministro Gilmar Mendes, Relator do Agravo de Instrumento n. 460.253, que indeferiu o pleito da Empresa. A pretensão empresarial é no sentido de invalidar decisão judicial que, em ação rescisória, restabeleceu o crédito tributário federal relativo à CSLL – Contribuição Social sobre o Lucro Líquido.

Palavras-chave: Constitucional – Tributário – Processual – Ação Rescisória – Unidade Sistemática do Direito – Supremacia Normativa das Decisões Constitucionais do STF – Isonomia e Justiça Tributária – CSLL.


I. A DECISÃO OBJETO DO AGRAVO REGIMENTAL DA CONTRIBUINTE

1. Eis a decisão do Ministro Gilmar Mendes agravada pela empresa contribuinte:

"DECISÃO: Trata-se de agravo contra decisão que negou processamento a recurso extraordinário fundado no art. 102, III, "a", da Constituição Federal, interposto em face de acórdão assim ementado (fl. 823):

‘TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO DAS EMPRESAS. AÇÃO RESCISÓRIA. DESCONSTITUIÇÃO DE DECISÃO QUE RECONHECEU A INCONSTITUCIONALIDADE DA EXAÇÃO PREVISTA NA LEI 7.689/88. MATÉRIA ESSENCIALMENTE CONSTITUCIONAL E JURISPRUDÊNCIA EM CONSONÂNCIA COM O ACÓRDÃO RECORRIDO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. NÃO CONHECIMENTO DO ESPECIAL SOB TAIS ASPECTOS. EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. RESCINDIDA A SENTENÇA O CRÉDITO TRIBUTÁRIO FICA INTACTO; VOLTA-SE AO STATUS QUO ANTE. INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 156, X, DO CTN.

I – Não cabe conhecer do recurso especial na parte em que o Tribunal a quo decidiu a questão em bases essencialmente constitucionais, estando o acórdão em consonância com jurisprudência do STJ, ausente o prequestionamento de dispositivo legal apontado como malferido.

II – A decisão judicial transitada em julgado extingue o crédito tributário, a teor do disposto no art. 156, inciso X, do Código Tributário Nacional. Julgada procedente rescisória, na espécie, volta-se ao status quo ante, ressurgindo o crédito tributário, que pode ser exigido novamente do contribuinte, eis que, com a procedência da ação, desaparece a decisão judicial passada em julgado e fica sem efeito a extinção, porquanto deixou de existir a coisa julgada.

III – Recurso especial parcialmente conhecido, mas improvido’.

Alega-se violação aos artigos 5º, II e XXXVI (coisa julgada) e 150, I, da Carta Magna. Sustenta-se que "Admitir-se a rescisória proposta pela Recorrida, conferindo à decisão o condão de revigorar crédito tributário já extinto, nos termos do acórdão prolatado pelo Tribunal de origem, equivale a conceder ao Judiciário o poder de substituir o Legislativo, vez que, como antedito, inexiste no ordenamento jurídico pátrio norma legal revigoradora de crédito tributário extinto."

O Subprocurador-Geral da República, Dr. Paulo da Rocha Campos, manifestou-se pelo não provimento do agravo, em parecer no qual restou assentado (fls. 896/897):

"5. Sem razão a Agravante.

6. O presente recurso é admissível, tempestivo e cabível razão pela qual merece ser conhecido. Com relação ao mérito, no entanto, deve ele ser desprovido, pois é assente na jurisprudência dessa Corte que a ofensa à Constituição Federal apta a ensejar a interposição de recurso extraordinário em desfavor de acórdão do STJ que decidiu recurso especial deve ter surgido, originariamente, no próprio STJ, haja vista ser diverso e anterior o momento processual para o manejo de apelo extremo contra suposta ofensa à Carta da República oriunda de acórdãos de tribunais inferiores. A título de exemplo, consigne-se o AgR em AI nº 483.230/PE:

‘CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. OFENSA À CONSTITUIÇÃO. MATÉRIA FÁTICA. PROVA. SÚMULA 279-STF. QUESTÃO CONSTITUCIONAL SURGIDA DO ACÓRDÃO PROFERIDO PELO TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU.

I. - Somente a ofensa direta à Constituição autoriza a admissão do recurso extraordinário. No caso, o acórdão limita-se a interpretar normas infraconstitucionais.

II. - Decisão contrária aos interesses da parte não configura negativa de prestação jurisdicional (CF, art. 5II. - Decisão contrária aos interesses da parte não configura negativa de prestação jurisdicional (CF, art. 5º, XXXV).

III. - Alegação de ofensa ao devido processo legal: CF, art. 5º, LV: se ofensa tivesse havido, seria ela indireta, reflexa, dado que a ofensa direta seria a normas processuais. E a ofensa a preceito constitucional que autoriza a admissão do recurso extraordinário é a ofensa direta, frontal.

IV. - O acórdão recorrido partiu da análise do contexto fático-probatório trazido aos autos, o que, por si só, seria suficiente para impedir o processamento do recurso extraordinário (Súmula 279-STF).

V. - O sistema constitucional vigente prevê o cabimento simultâneo de recursos extraordinário e especial contra acórdão dos tribunais de segundo grau, do que decorre que, da decisão do STJ que não admite o recurso especial, somente cabe recurso extraordinário se a questão constitucional exsurgir nesse julgado e for diversa da que houver sido resolvida pela instância ordinária. Precedentes.

VI. - Agravo não provido.’ Original não grifado – [STF, Rel. Min. Carlos Velloso, 2ª T., DJ 22.04.2006].

7. Assim, em razão de as supostas lesões à Lei Maior suscitadas pela Agravante em seu extraordinário – princípios da legalidade, isonomia, segurança jurídica, e ofensa à coisa julgada – terem sido discutidas pelo TRF da 1ª Região, quando do julgamento da ação rescisória, o momento oportuno para a interposição de extraordinário sob esses fundamentos se deu no próprio TRF, e não no STJ, que, ao julgar o recurso especial, praticamente se limitou a repisar as mesmas razões presentes no acórdão do Tribunal a quo.

8. Conclui-se, portanto, que deve ser negado provimento ao agravo."

No acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que julgou a Ação Rescisória, está consignado (fl. 153):

"Dispõe o art. 156, inciso X, do CTN, que a decisão judicial transitada em julgado extingue o crédito tributário. Ora, se a sentença é rescindida, o crédito permanece intacto. Volta-se ao statu quo ante."

Esta Corte, no julgamento do AgRRE 452.027, 1ª T., Rel. Sepúlveda Pertence, DJ 24.3.2006, firmou o seguinte entendimento:

"1. Recurso extraordinário: interposição de decisão do STJ em recurso especial: inadmissibilidade, se a questão constitucional de que se ocupou o acórdão recorrido já fora suscitada e resolvida na decisão de segundo grau (cf. AI 145589-AgR, Pertence, RTJ 153/684).

2. Recurso extraordinário: limitação temática às questões suscitadas na interposição: precedente (RE 140.395, Pertence, DJ 22.8.1997).

No mesmo sentido, o AgRAI 483.230, 2ª T., Rel. Carlos Velloso, DJ 22.4.2005.

No caso, observa-se que a matéria objeto do recurso extraordinário, na realidade, fora decida pelo TRF, e apenas mantida pelo STJ.

Assim, nego seguimento ao agravo (art. 557, caput, do CPC)."

2. Conquanto irrepreensível a referida decisão, foi aviado o aludido agravo regimental desafiando a referida decisão, com os argumentos subseqüentes, em síntese:

a) a matéria constitucional nasceu no STJ;

b) não cabimento da ação rescisória em matéria tributária;

c) impossibilidade de decisão judicial restabelecer o crédito tributário;

d) ofensa ao princípio da estrita legalidade tributária;

e) ofensa ao princípio da segurança jurídica; e

f) ofensa ao princípio da separação dos Poderes;


II. BREVE HISTÓRICO DO PRESENTE CASO

3. Para uma adequada compreensão da controvérsia constitucional sob exame, imprescindível recordar o longo caminho processual percorrido até a presente situação.

4. Com efeito, em 20.01.1992 foi prolatada sentença nos autos do Mandado de Segurança n. 91.00.00602-5 (1ª Vara da Seção Judiciária da Bahia, Juiz Aloísio Palmeira Lima), que exonerou a Empresa, sob o fundamento de inconstitucionalidade, do recolhimento da contribuição social objeto da Lei n. 7.689, de 15.12.1988.

5. Em 31.08.1992 foi julgada pelo Tribunal Federal da 1ª Região a Remessa Ex Officio em Mandado de Segurança n. 92.01.12632-8 (Quarta Turma, Relator Juiz Convocado Leomar Barros Amorim) que manteve a sentença concessiva da segurança. Eis a ementa do acórdão desse julgado:

CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. LEI 7.689, DE 15/12/1998, INSTITUIDORA DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO DAS EMPRESAS. INCONSTITUCIONALIDADE.

Declarada a inconstitucionalidade da exação pelo Plenário desta Corte (A.I. AMS n. 89.01.13614-7/MG), nega-se provimento à remessa.

6. Eis a ementa do acórdão da mencionada Argüição de Inconstitucionalidade na Apelação em Mandado de Segurança n. 89.01.13614-7/MG (Pleno, Relator Juiz Tourinho Neto, J. 17.12.1990; DJ 14.01.1991):

CONSTITUCIONAL. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS. LEI N. 7.689, DE 15.12.88. INCONSTITUCIONALIDADE.

1 – Ante o disposto no art. 149, da Constituição Federal de 1988, que manda observar o art. 146, inc. III, só lei complementar pode instituir contribuição social.

2 – Às contribuições sociais, que, em face dos arts. 149 e 146, inc. III, da CF/88, são tributos, não se aplica o disposto no art. 150, inc. III, tendo em vista o estabelecimento no § 6º, do art. 195, da CF/88.

3 – As contribuições sociais novas não podem ter fato gerador ou base de cálculo próprios dos impostos e contribuições já existentes (CF/88, art. 195, § 4º c/c o art. 154, inc. I). A lei 7.689/88, no entanto, elege como base de cálculo da contribuição o lucro das pessoas jurídicas (arts. 1º e 2º), que já é próprio do imposto de renda (arts. 44 do CTN, e 153, do RIR/80), além de assemelhar o seu fato gerador ao deste imposto – aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica (art. 43 CTN).

4 – A lei 7.689, de 15 de dezembro de 1988, por outro lado, não poderia instituir contribuição social, pois o novo sistema tributário ainda não estava em vigor, ex vi do art. 34 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que estabeleceu que o sistema tributário entraria em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição – 1º de março de 1989. Infringência, por conseguinte, ao princípio da irretroatividade.

5 – Violou, outrossim, a lei 7.689/88 o Art. 165, § 5º, inc. II, da CF/88, ao determinar, em seu art. 6º, que a contribuição social será administrada e fiscalizada pela Secretaria da Receita Federal, quando diante do preceito constitucional (art. 165, § 5º, inc. III), a sua arrecadação deveria integrar o orçamento da seguridade social.

6 – A lei 7.689/88 é inconstitucional, em razão, pois, de ter infringido os arts. 146, inc. III; 154, inc. I; 165, § 5º, inc. III; e 195, §§ 4º e 6º, da Constituição Federal.

7 – Incidente de inconstitucionalidade procedente.

7. Em 01.07.1992 o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional o art. 8º da Lei 7.689/88, e declarou constitucionais todos os demais dispositivos desse Diploma Legal (RE 138.284, Relator Ministro Carlos Velloso, DJ 28.08.1992), acórdão que tem a ementa subseqüente:

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS. CONTRIBUIÇÕES INCIDENTES SOBRE O LUCRO DAS PESSOAS JURIDICAS. Lei n. 7.689, de 15.12.88.

I. - Contribuições parafiscais: contribuições sociais, contribuições de intervenção e contribuições corporativas. C.F., art. 149. Contribuições sociais de seguridade social. C.F., arts. 149 e 195. As diversas espécies de contribuições sociais.

II. - A contribuição da Lei 7.689, de 15.12.88, e uma contribuição social instituída com base no art. 195, I, da Constituição. As contribuições do art. 195, I, II, III, da Constituição, não exigem, para

a sua instituição, lei complementar. Apenas a contribuição do parág. 4. do mesmo art. 195 e que exige, para a sua instituição, lei complementar, dado que essa instituição devera observar a técnica da competência residual da União (C.F., art. 195, parag. 4.; C.F., art. 154, I). Posto estarem sujeitas a lei complementar do art. 146, III, da Constituição, porque não são impostos, não há necessidade de que a lei complementar defina o seu fato gerador, base de calculo e contribuintes (C.F., art. 146, III, "a").

III. - Adicional ao imposto de renda: classificação desarrazoada.

IV. - Irrelevância do fato de a receita integrar o orçamento fiscal da União. O que importa e que ela se destina ao financiamento da seguridade social (Lei 7.689/88, art. 1.).

V. - Inconstitucionalidade do art. 8., da Lei 7.689/88, por ofender o princípio da irretroatividade (C.F., art, 150, III, "a") qualificado pela inexigibilidade da contribuição dentro no prazo de noventa dias da publicação da lei (C.F., art. 195, parag. 6). Vigência e eficácia da lei: distinção.

VI. - Recurso Extraordinário conhecido, mas improvido, declarada a inconstitucionalidade apenas do artigo 8º da Lei 7.689, de 1988.

8. Em 27.10.1992 houve o trânsito em julgado da referida REOMS n. 92.01.12632-8.

9. Em 22.09.1994 a Fazenda Nacional propôs a Ação Rescisória n. 94.01.29225-6, em face do acórdão da referida REOMS 92.01.12632-8, julgada procedente pela 2ª Seção do TRF 1, acórdão assim ementado:

TRIBUTÁRIO. CONSTITUCIONAL. PROCESSO CIVIL. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO DAS PESSOAS JURÍDICAS. LEI N. 7.689, DE 15.12.88. AÇÃO RESCISÓRIA.

1. Cabe à Seção rescindir os julgamentos dos seus acórdãos, ainda que tenha contrariado decisão do Plenário ao obedecer orientação do Supremo Tribunal Federal.

2. Rescindida a decisão judicial, retorna-se a statu quo ante, e o crédito extinto com base no art. 156, inc. X, do CTN, ressurge.

3. "II – A contribuição da Lei 7.689, de 15.12.88, é uma contribuição social instituída com base no art. 195, I, da Constituição. As contribuições do art. 195, I, II, III, da Constituição, não exigem, para sua instituição, lei complementar. Apenas a contribuição do parág. 4º do mesmo art. 195 é que exige, para a sua instituição, lei complementar, dado que essa instituição deverá observar a técnica da competência residual da União (C. F., art. 195, parág. 4º ; C.F., art. 154, I). Posto estarem sujeitas à lei complementar do art. 146, III, da Constituição, porque não são impostos, não há necessidade de cálculo e contribuintes (C.F., art. 146, III, "a").

III – Adicional ao imposto de renda: classificação desarrazoada.

IV – Irrelevância do fato de a receita integrar o orçamento fiscal da União. O que importa é que ela se destina ao financiamento da seguridade social (Lei 7.689, art. 1º).

V – Inconstitucionalidade do art. 8º, da Lei 7.689/88, por ofender o princípio da irretroatividade (C.F., art. 150, III, "a") qualificado pela inexigibilidade da contribuição dentro do prazo de noventa dias da publicação da lei (C.F., art. 195, parág. 6º). Vigência e eficácia da lei: distinção.

VI – Recurso extraordinário conhecido, mas improvido, declarada a inconstitucionalidade apenas do artigo 8º da Lei 7.689, de 1989" (STF-RE 138.284-8-CE, rel. Min. Carlos Velloso).

4. Rescisória admitida. Procedência no iudicium rescidens.

5. Ius rescisorium: Procedência da remessa.

10. Em face desse aludido acórdão foram interpostos, pela Empresa, Embargos Infringentes (em 08.05.1995) e Recursos Especial e Extraordinário (ambos em 09.05.1995).

11. O recurso de embargos infringentes (Embargos Infringentes em Ação Rescisória n. 95.01.14096-2/Ação Rescisória n. 94.01.29225-6)

foi rejeitado pelo TRF 1 em 25.03.1998. A ementa do acórdão está vazada nos seguintes termos:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES EM AÇÃO RESCISÓRIA. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. SÚMULAS 343/STF E 134/TFR. INAPLICABILIDADE. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO. LEI 7689, ARTIGO 8º. INCONSTITUCIONALIDADE.

1. Consoante decidiu o Excelso Supremo Tribunal Federal (RE 138.284-8/CE), é inconstitucional apenas o art. 8º da Lei 7.689/88, por ofender o princípio da irretroatividade do prazo de noventa dias da publicação da lei (C.F., art. 195, parág. 6º).

2. Tratando-se de interpretação de texto constitucional são inaplicáveis os enunciados das Súmulas ns. 343, do Supremo Tribunal Federal e 134, do extinto Tribunal Federal de Recursos.

3. Compete às Seções processar e julgar as ações rescisórias dos julgados das respectivas Turmas (RI/TRF – 1ª Região, art. 12, inc. V).

4. Embargos rejeitados.

12. Em 18.05.1998 houve a oposição de Embargos de Declaração em face do referido acórdão dos Embargos Infringentes. Em 02.06.1999 o TRF 1 rejeitou os declaratórios, em acórdão assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. INTENÇÃO MANIFESTAMENTE PROTELATÓRIA. MULTA.

1. Os embargos de declaração são cabíveis quando houver, na sentença ou no acórdão embargado, obscuridade, contradição ou for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o Juiz ou o Tribunal.

2. Na espécie, as questões apontadas pelo embargante foram devidamente enfrentadas e rejeitadas, conforme reconhece a própria embargante.

3. A inexistência das omissões e contradições indicadas, bem assim o nítido caráter infringente que se pretende dar ao recurso, revelam a intenção manifestamente protelatória dos embargos declaratórios, ensejando, pois, aplicação da multa prevista no parágrafo único, do artigo 538, CPC.

13. Em 08.09.1999, a Empresa peticionou ao Presidente do TRF 1 requerendo que fossem processados os Recursos Especial e Extraordinário interpostos em 09.05.1995, em face do acórdão da Ação Rescisória n. 94.01.29225-6.

14. Em 08.09.1999, a Empresa interpôs novo Recurso Especial em face do acórdão dos Embargos Infringentes em Ação Rescisória n. 95.01.14096-2.

15. Em 29.05.2001 o Vice-Presidente do TRF 1 negou seguimento ao Recurso Extraordinário interposto em 09.05.1995 e admitiu o Recurso Especial interposto em 09.05.1995. Também foi negado seguimento ao Recurso Especial interposto em 08.09.1999. Contra as negativas de seguimento foram interpostos os respectivos Agravos de Instrumento.

16. No Superior Tribunal de Justiça, os Recursos Especiais receberam os ns. 333.258 e 418.916, todos sob a relatoria do Ministro Garcia Vieira.

17. Em 09.04.2002 foi julgado o REsp n. 333.258 (DJ 12.08.2002). Ementa do acórdão:

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO DAS EMPRESAS. AÇÃO RESCISÓRIA. DESCONSTITUIÇÃO DE DECISÃO QUE RECONHECEU A INCONSTITUCIONALIDADE DA EXAÇÃO PREVISTA NA LEI 7689⁄88. MATÉRIA ESSENCIALMENTE CONSTITUCIONAL E JURISPRUDÊNCIA EM CONSONÂNCIA COM O ACÓRDÃO RECORRIDO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. NÃO CONHECIMENTO DO ESPECIAL SOB TAIS ASPECTOS. EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. RESCINDIDA A SENTENÇA O CRÉDITO TRIBUTÁRIO FICA INTACTO; VOLTA-SE AO STATUS QUO ANTE. INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO O ART. 156, X, DO CTN.

I - Não cabe conhecer do recurso especial na parte em que o Tribunal a quo decidiu a questão em bases essencialmente constitucionais, estando o acórdão em consonância com jurisprudência do STJ, ausente o prequestionamento de dispositivo legal apontado como malferido.

II - A decisão judicial transitada em julgado extingue o crédito tributário, a teor do disposto no art. 156, inciso X, do Código Tributário Nacional. Julgada procedente rescisória, na espécie, volta-se ao status quo ante, ressurgindo o crédito tributário, que pode ser exigido novamente do contribuinte, eis que, com a procedência da ação, desaparece a decisão judicial passada em julgado e fica sem efeito a extinção, porquanto deixou de existir a coisa julgada.

III - Recurso especial parcialmente conhecido, mas improvido.

18. Em 06.08.2002 foi julgado o REsp n. 418.916 (DJ 30.09.2002). Ementa do acórdão:

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO DAS EMPRESAS. AÇÃO RESCISÓRIA. DESCONSTITUIÇÃO DE DECISÃO QUE RECONHECEU A INCONSTITUCIONALIDADE DA EXAÇÃO PREVISTA NA LEI 7689⁄88. MATÉRIA ESSENCIALMENTE CONSTITUCIONAL E JURISPRUDÊNCIA EM CONSONÂNCIA COM O ACÓRDÃO RECORRIDO. OPOSIÇÃO DE EMBARGOS. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO E FINS DE PREQUESTIONAMENTO. MULTA PREVISTA NO ART. 538, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. INAPLICABILIDADE.

I - Não cabe prover o recurso especial na parte em que o Tribunal a quo, além de decidir a questão em bases essencialmente constitucionais, posiciona-se, quanto ao aspecto infraconstitucional, em consonância com jurisprudência do STJ.

II – Os embargos de declaração opostos sob coima de omissão e contradição, mas também com manifesto propósito de prequestionamento, não têm caráter protelatório, nem cabe aplicar ao embargante a multa prevista no art. 538, Parágrafo Único, do CPC.

III - Recurso especial parcialmente provido, para afastamento da multa imposta.

18. Em face do acórdão do REsp n. 333.258 foi interposto Recurso Extraordinário, que teve seu seguimento obstado por despacho do Ministro Vice-Presidente do STJ, forte no argumento de que a questão constitucional nascera na instância ordinária, nos julgamentos proferidos pelo Egrégio TRF 1.

19. Contra esse obstáculo à subida do recurso extraordinário interposto, foi aviado o Agravo de Instrumento n. 460.253, objeto de nossa análise, sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes, que teve o seguimento negado, conforme já demonstrado.


III. O OBSTÁCULO PROCESSUAL AO CONHECIMENTO DO RECURSO DE AGRAVO REGIMENTAL

20. Com efeito, há um obstáculo intransponível ao conhecimento do Agravo sob exame: a matéria constitucional nasceu nos julgamentos do Egrégio Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Não foi no STJ, no julgamento do REsp n. 333.258, que as questões constitucionais que ora se pretendem submeter ao crivo do STF foram debatidas. Foi, repita-se no TRF 1.

21. Por essa razão, que a Empresa interpôs, perante o TRF 1, a petição de recurso extraordinário que veio a ter o seu seguimento negado na instância originária, em despacho do Vice-Presidente daquela Corte regional. Nada obstante, foi interposto Agravo de Instrumento em Recurso Extraordinário n. 2001.01.00.028805-0, que, em vez de ascender ao Pretório Excelso, ficou retido nas instâncias ordinárias, em face das normas procedimentais. Competia a Empresa, para evitar a preclusão, peticionar ao TRF 1 requerendo o "destravamento" do mencionado agravo e o seu encaminhamento para o STF.

22. Em vez de ter tomado essa correta providência processual, a Empresa interpôs, contra o acórdão do referido REsp n. 333.258, recurso extraordinário em face de questões constitucionais ventiladas nos julgamentos do TRF 1, e apenas confirmadas no julgamento do STJ, sem o ineditismo processual indispensável para o cabimento de recurso extraordinário em face de recurso especial.

23. A jurisprudência do STF é pacífica em relação a essa situação processual, com bem recordado no despacho de inadmissão proferido pelo Ministro Vice-Presidente do STJ, no douto Parecer do Ministério Público Federal. Eis os precedentes consignados: RREE ns. 115.949 e 452.027 e AI n. 483.230.


IV. A AÇÃO RESCISÓRIA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

24. Ainda que superada essa aludida barreira do conhecimento processual, no mérito melhor sorte não assiste à Empresa.

25. O pleito constitucional submetido à elevada apreciação do Supremo Tribunal Federal, a despeito do bom nome dos causídicos patrocinadores (André Martins de Andrade, Marco André Dunley Gomes e Rodrigo Leporace Farret), de reconhecida seriedade e competência profissional, e da alta qualificação dos ilustres pareceristas contratados (Humberto Theodoro Jr., Sacha Calmon Navarro Coêlho, Misabel de Abreu Machado Derzi e Egas Moniz Aragão), todos doutrinadores que honram as letras jurídicas nacionais, raia à irrisão, permissa venia.

26. Seria flagrante panurgismo acompanhar as teses desenvolvidas pela Empresa. Mas, diferentemente dos "carneiros de Panurgo", tomaremos outro rumo.

27. A tese central defendida pela Empresa é a impossibilidade de ação rescisória rescindir decisão judicial transitada em julgado que declarou a inconstitucionalidade de norma tributária e, por conseqüência, restabeleceu o crédito tributário julgado extinto pela decisão rescindida. Com essa tese, pretende-se fazer da ação rescisória em matéria tributária instituto processual emasculado, data venia.

28. Alega a Empresa: "O Código Tributário Nacional, lei complementar à Carta da República, que disciplina as limitações ao poder de tributar (art. 146, I e II, b) dentre as quais se insere a coisa julgada, determina que as decisões favoráveis ao contribuinte, transitadas em julgado, extinguem o crédito tributário. De outra parte, a lei tributária não prevê, em qualquer hipótese, o ressurgimento do crédito tributário extinto por força de decisão judicial passada em julgado, como entendeu o Superior Tribunal de Justiça".

29. Diz mais a Empresa: "Assim, ao confirmar o provimento da ação rescisória, na espécie dos autos, tendo em vista que, com o trânsito em julgado da sentença rescindenda, extingue-se a obrigação e o crédito tributário, o E. Superior Tribunal de Justiça acaba por conferir ao decisum rescisório efeito de lei, caráter normativo capaz de reinventar a obrigação e o crédito, substituindo a lei e o legislador, fulminando os princípios constitucionais da legalidade (art. 5º, II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei), da estrita legalidade em matéria tributária (art. 150... é vedado à União... I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça...), e o da separação de poderes, vez que atua como legislador positivo, ao arrepio da jurisprudência sedimentada nesta Excelsa Corte (Cf. RE n. 188.951, DJ de 15.9.95 e RE n. 196.590, DJ de 14.11.96)."

30. Para dar um mínimo de consistência teórica a essas teses, a Empresa louvou-se em pareceres contratados junto a eminentes doutrinadores que, nada obstante a excelência de seus articulados e o quilate acadêmico emprestado, não conseguem derrubar – nem arranhar – os alicerces que fundaram as teses da Fazenda Nacional e todas as decisões judiciais proferidas a partir do julgamento da presente Ação Rescisória n. 94.01.29225-6.

31. É preciso deixar claro que no julgamento da referida AR n. 94.01.29225-6 o tema do alcance da decisão que rescinde decisão passada em julgado em matéria tributária foi surpreendido. Recordem-se os votos dos Juízes Tourinho Neto e Osmar Tognolo:

"Diz, então, a ora ré que o crédito tributário, de acordo com o art. 156, inciso X, do Código Tributário Nacional, extingue-se com a decisão judicial transitada em julgado. Logo, raciocina: transitada que foi a decisão, extinto foi o crédito tributário. E assim, mesmo que venha a ser rescindida a sentença, o crédito tributário não pode ressurgir, porque já foi extinto por decisão judicial transitada em julgado, e essa extinção seria ex lege. Data venia, assim não entendo. Se a sentença é rescindida, evidentemente o crédito tributário está intacto; volta-se ao status quo ante. Não há por que dizer que não. O que impede que este crédito esteja inteiro, vigendo? Por que foi imposto por lei? Não. A lei diz o seguinte: a decisão judicial transitada em julgado extingue o crédito tributário. Só. E se essa decisão cair? Claro e evidente que o crédito estará perfeito, intacto para ser cobrado".

32. Juiz Osmar Tognolo:

"O mandado de segurança, no caso, é preventivo, por uma razão muito simples: quanto à contribuição social, o lançamento é por homologação, não há ato da autoridade administrativa. O que se pretende é evitar qualquer tipo de coação, de fiscalização, incidindo sobre o não-recolhimento, que é de responsabilidade exclusiva do contribuinte. Não há nada extinto, porque nada foi pago; nada foi antecipado; não existe crédito para ser considerado extinto."

34. No STJ, nos votos dos Ministros Garcia Vieira, José Delgado e Luiz Fux palmilharam a trilha percorrida no TRF 1. Ministro Garcia Vieira:

"O egrégio Tribunal a quo decidiu a questão em bases constitucionais, conforme se depreende da própria ementa do acórdão e do contexto do voto condutor de fls. 125⁄127 e dos seguintes; e, depois, porque a egrégia Corte Especial já pacificou o entendimento no sentido de que é admissível a ação rescisória mesmo que à época da decisão rescindenda fosse controvertida a interpretação de texto constitucional, afastada a aplicação da Súmula n° 343 do STF (Resp n° 184.175⁄SE, Relator Min. Peçanha Martins, DJ 19.02.2001). Neste mesmo sentido, Resp 157.051-PE, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 14.12.98, Resp 259.254⁄PE, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 16.08.2000 e Resp 346.359⁄DF, da minha relatoria, decisão monocrática de 05.11.2001.

Sob este aspecto, portanto, não conheço do recurso.

Do mesmo modo, afigura-se-me inadmissível a irresignação recursal, em relação ao alegado maltrato ao artigo 468 do CPC, não versado no acórdão hostilizado e, por isso mesmo, ausente o necessário prequestionamento viabilizador do acesso à via excepcional, bem como no que se relaciona com o pretenso dissídio jurisprudencial, eis que os julgados indicados como paradigmas cuidam da matéria de mérito, cujo exame, nesta via recursal, está superado pelos motivos invocados.

Resta, contudo, apreciar a quaestio iuris quanto à preliminar rejeitada, por unanimidade, relativa à falta de interesse processual e de impossibilidade jurídica do pedido, por isso que a matéria foi apreciada à luz da legislação infraconstitucional tida como desafeiçoada, conforme se verifica no fundamento, assim resumido, preliminarmente:

"Dispõe o art. 156, inc. X, do CTN, que a decisão judicial transitada em julgado extingue o crédito tributário. Ora, se a sentença é rescindida, o crédito permanece intacto. Volta-se ao statu quo ante. Deste modo, rejeito a preliminar de falta de interesse e de impossibilidade jurídica do pedido, argüida na sustentação oral. " (fl. 125)

Para justificar o seu voto, melhor explicita o digno Relator, no seguinte excerto:

"Diz, então, a ora ré que o crédito tributário, de acordo com o art. 156, inciso X, do Código Tributário Nacional, extingue-se com a decisão judicial transitada em julgado. Logo, raciocina: transitada que foi a decisão, extinto foi o crédito tributário e assim mesmo que venha a ser rescindida a sentença, o crédito tributário não pode ressurgir, porque já foi extinto por decisão judicial transitada em julgado, e essa extinção seria ´ex lege´. ´Data venia´, assim não entendo. Se a sentença é rescindida, evidentemente o crédito tributário está intacto; volta-se ao ´statu quo ante´. Não há por que dizer que não. O que impede que este crédito esteja inteiro, vigindo? Por que foi imposto por lei? Não. A lei diz o seguinte: a decisão judicial transitada em julgado extingue o crédito tributário. Só. E se essa decisão cair? Claro e evidente que o crédito estará perfeito, intacto para ser cobrado. " (fl. 171)

Conheço do recurso quanto ao tema infraconstitucional devidamente prequestionado.

Entendo assistir razão ao v. aresto hostilizado. É verdade que a decisão judicial transitada em julgado extingue o crédito tributário (art. 156, X, do CTN). Mas, se a rescisória foi admitida e julgada procedente, como no caso em exame volta-se ao statu quo ante e o crédito resurge e pode ser cobrado do contribuinte integralmente.

Com a procedência da ação rescisória, desaparece a decisão judicial passada em julgado, ficando sem efeito a extinção, porque deixou de existir a coisa julgada.

Assim sendo, rejeito a preliminar de falta de interesse e de impossibilidade jurídica do pedido.

Como se vê, nenhuma censura merece o v. acórdão recorrido que fica inteiramente mantido.

35. Ministro José Delgado:

"(...)

No caso, o contribuinte defende o que aqui está posto. Veja V. Exa. que as opiniões doutrinárias, por mais sólidas que sejam, geram insegurança na confiabilidade da tese defendida. Aprofundei-me muito no estudo dessa situação e não tenho desprestigiado os efeitos da segurança jurídica, mas não posso valorizá-la em matéria tributária quando tenho uma Constituição Federal a cumprir. Não posso conceber que uma decisão - mesmo de trânsito em julgado -, que recebeu os efeitos de uma ação rescisória desconstituindo-a em razão de o Supremo Tribunal Federal, órgão maior, ter declarado a constitucionalidade de uma lei tributária, permita que um contribuinte se beneficie, por prazo certo ou incerto, dessa decisão.

Seria olhar de modo muito estreito ao que diz o art. 156, inciso X. do CTN. Sabemos, hoje, que essa decisão literal de qualquer dispositivo legal tem uma interpretação completamente afastada do nosso ordenamento jurídico. Se ler o art. 156. inciso X, do CTN como está posto, e limitar-me tão-somente ao mesmo, tenho que dar razão ao contribuinte. Mas não posso fazê-lo, porque sei que essa interpretação não me leva a um convencimento de acordo com as regras postas na Constituição Federal. Prefiro ficar com a interpretação sistêmica, finalística, aplicada a todos os ramos do Direito, especialmente ao do Direito Tributário. Não devemos nos esquecer que estamos no ramo do Direito Tributário em que não se admitem privilégios, e o princípio da igualdade tem que ser considerado. Uma lei declarada constitucional tem que abranger todos os contribuintes. Uma sentença não pode ir de encontro ao que está posto no art. 150. da Constituição Federal, que expõe como princípio fundamental das relações tributárias o da igualdade tributária, nem à situação aqui posta no voto do eminente Ministro Relator, nem à situação contrária, quando a lei é declarada inconstitucional e o tribunal a quo declarou a sua constitucionalidade. Se a lei foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, mesmo em situações de trânsito em julgado que tenha que manifestar a constitucionalidade. O fisco também não pode cobrar o tributo.

Tem sido essa a posição uniforme desta Turma, sem nenhum equívoco, tanto em benefício do contribuinte, quanto do órgão tributário.

Sr. Presidente, não obstante as minhas homenagens às razões aqui postas, não posso me convencer da tese aqui desenvolvida, porque, a meu ver, fere a elementar regra de interpretação, e não podemos interpretar estritamente, literalmente o art. 156, inciso X, do CTN. A coisa julgada tributária há de produzir efeitos de acordo com a Constituição Federal. Sabemos que há vários trabalhos nos cursos de mestrado desenvolvendo a chamada coisa julgada inconstitucional, demonstrando que a sentença não pode chegar a tanto, interferir no que está na Constituição. O julgador brasileiro não é um poder constituinte, nem originário, nem derivado, mas transformar-se-ia no primeiro.

Com essas considerações, fazendo meus os louvores que S. Exa. fez à sustentação oral do eminente advogado, acompanho o eminente Relator.

36. O Ministro Luiz Fux:

Sr. Presidente, Egrégia Turma, também gostaria de me solidarizar com o eminente Ministro José Delgado quanto aos elogios lançados ao eminente advogado da tribuna, que fez realmente uma sustentação oral singular, assim como também é singular essa causa. Considero, pelo pouco tempo que aqui tenho, uma das causas mais bonitas em termos doutrinários que passou pela Turma, principalmente essa questão central sobre a ressuscitação do crédito tributário em razão do acolhimento da ação rescisória, desconstituindo uma sentença que considerou indevido o tributo por inconstitucionalidade.

A nossa Turma tem firmado dois princípios básicos: o primeiro deles é que a segurança jurídica há de obedecer os limites impostos pela Constituição Federal; em segundo lugar, como muito bem destacou o Sr. Ministro José Delgado, o contribuinte não pode ser obrigado a pagar um tributo por força da coisa julgada se posteriormente essa lei veio a ser considerada inconstitucional. Claro, se empreendermos esse raciocínio com relação ao contribuinte a fortiori, temos que empreender esse raciocínio também em favor da Fazenda Pública, até pelo princípio da igualdade.

Para auxiliar na formação da nossa opinião, e coadjuvar os brilhantes votos dos Srs. Ministros José Delgado e Garcia Vieira, trago à colação o art. 156 que dispõe: "Extingue o crédito tributário, dentre outros, a decisão judicial passada em julgado." Se nos detivermos no art. 156 do Código Tributário Nacional, vamos verificar que todos os incisos que antecedem a esse, que é objeto da discussão, tratam de fatos jurídicos que tornam o crédito tributário automaticamente inexistente do ordenamento jurídico. Assim, por exemplo, o pagamento que extingue o crédito tributário, bem como a remissão que também opera esse efeito.

Pergunto, a decisão transitada em julgado, neste momento, extingue o crédito tributário? Não. Só a decisão soberanamente julgada, que é aquela decisão que não comporta mais a ação rescisória, porque em tema de Direito Tributário, o art. 111 do Código Tributário Nacional, no seu inciso I é claríssimo ao nos impor, aplicadores da lei, uma interpretação absolutamente restritiva a todas as regras e a todas as decisões judiciais que visem a excluir o crédito tributário, que é o que se pretende na hipótese vertente.

Gostaria de adjuntar esses elementos aos brilhantes votos que me antecederam para acompanhar integralmente o Sr. Ministro-Relator, com os aditamentos ilustres e brilhantes do Ministro José Delgado.

37. Após a leitura desses contundentes votos, torna-se cristalina indevida insurgência da Empresa.

38. Com efeito, dispõe o artigo 156, X, CTN, que a decisão judicial passada em julgado extingue o crédito tributário. Também está disposto no art. 485, V, CPC, que a sentença de mérito transitada em julgado pode ser rescindida quando violar literal disposição de lei. Na Constituição da República, art. 108, I, "b", está prescrito que compete aos Tribunais Regionais Federais processar e julgar, originariamente, as ações rescisórias de seus julgados.

39. Ainda em sede constitucional, está timbrado que a lei não excluirá da apreciação do Judiciário lesão ou ameaça a direito, nem prejudicará o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada (art. 5º, XXXV e XXXVI, CR).

40. É fora de toda dúvida a indispensável interpretação sistemática de todos esses enunciados prescritivos. A coisa julgada pode ser rescindida por decisão judicial competente, em ação rescisória, se essa coisa julgada não estiver perfeita, em adequada harmonia com a ordem jurídica. É o caso presente.

41. Nessa linha, é evidente que é soberana a coisa julgada que não possa sofrer os efeitos de uma ação rescisória. Se ainda for possível o ajuizamento de ação rescisória, a coisa julgada ainda não é perfeita, soberana, indiscutível e insuscetível de nova apreciação judicial, mormente, como no presente caso, quando se viola literal disposição constitucional e se contraria flagrantemente decisão constitucional do Supremo Tribunal Federal.

42. A unidade sistemática do ordenamento jurídico brasileiro não suporta a idéia da convivência de decisões judiciais antagônicas, sobretudo se houver antagonismo com decisão constitucional do Supremo Tribunal Federal.

43. Há um importante julgado do Ministro Gilmar Mendes que ilumina a compreensão desse tema: o respeito à supremacia das decisões constitucionais do STF. Cuida-se do Agravo Regimental no RE 395.662 (Redator para o acórdão Ministro Gilmar Mendes, J. 16.03.2004; DJ. 23.04.2004). Eis a ementa do acórdão:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL.

2. Ação rescisória. Extinção do feito, sem julgamento do mérito, por impossibilidade jurídica do pedido. 3. Entendimento no sentido de que o autor pretendia rescindir a sentença, em vez de buscar a desconstituição do acórdão que a substituiu. 3. Formalismo excessivo que afeta a prestação jurisdicional efetiva. Erro no pedido que não gera nulidade, nem causa para o não-provimento.

4. Força normativa da Constituição. Jurisprudência do STF quanto à matéria que constitui objeto da ação rescisória.

5. Recurso extraordinário provido. Remessa ao TRT da 4ª Região, a fim de que aprecie a ação rescisória, como entender de direito.

43. No tocante à supremacia das decisões constitucionais da Corte, o Ministro Gilmar Mendes pontificou:

"Ressalte-se, ainda, que o Supremo Tribunal Federal já se manifestou quanto à matéria que constitui o mérito da ação rescisória.

Ora, se ao Supremo Tribunal Federal compete, precipuamente, a guarda da Constituição Federal, é certo que a sua interpretação do texto constitucional deve ser acompanhada pelos demais Tribunais, em decorrência do efeito definitivo absoluto outorgado à sua decisão. Não se pode diminuir a eficácia das decisões do Supremo Tribunal Federal com a manutenção de decisões divergentes.

Assim, se somente por meio do controle difuso de constitucionalidade, portanto, anos após as questões terem sido decidas pelos Tribunais ordinários, é que o Supremo Tribunal Federal veio a apreciá-las, é a ação rescisória, com fundamento em violação de literal disposição de lei, instrumento adequado para a superação de decisão divergente.

Contrariamente, a manutenção de soluções divergentes, em instâncias inferiores, sobre o mesmo tema, provocaria, além da desconsideração do próprio conteúdo da decisão desta Corte, última intérprete do texto constitucional, a fragilização da força normativa da Constituição."

44. Se isso por si só não fosse suficiente para espancar as pretensões da Empresa, em homenagem ao esforço argumentativo deduzido, a alegação de que a decisão judicial que, em ação rescisória, rescinde decisão judicial transitada em julgado e restabelece o crédito tributário extinto, viola o princípio constitucional da legalidade tributária (arts. 5º, II; 150, I, CR), não encontra guarida no sistema constitucional nem na jurisprudência da Suprema Corte.

45. Só a lei pode instituir tributo. Somente a lei pode elencar as hipóteses de extinção do crédito tributário. Coisa julgada, que vem a ser efeito de decisão judicial perfeita, em harmonia com o ordenamento jurídico e não sujeita à rescindibilidade, extingue plenamente o crédito tributário. Todavia, se a coisa julgada não é perfeita e pode ser atacada via ação rescisória, é de toda evidência que o crédito tributário não foi extinto plenamente. E, ainda que tenha sido, faz parte dos efeitos da decisão em ação rescisória restabelecer a situação jurídica anterior. A segurança jurídica pressupõe a conformidade com o ordenamento jurídico-constitucional. Se assim não fosse, emasculada estaria o instituto da ação rescisória.

46. Em relação ao princípio constitucional da separação dos Poderes não há qualquer violação perpetrada pela decisão judicial ora combatida. Com efeito, a própria Constituição da República estabelece que compete ao Poder Judiciário analisar a juridicidade de todas as condutas e comportamentos das pessoas e instituições. Compete ao Judiciário dizer se uma norma jurídica é válida ou inválida. Isso não é intrusão na atividade legislativa, mas atribuição que a própria Constituição lhe destinou. Não há que se falar em atividade legislativa positiva. Não houve criação de tributo nem inovação do ordenamento jurídico, mas tão somente a aplicação do direito e da justiça. É cediço que a guarda da Constituição, do Direito e da Justiça compete, precipuamente ao Poder Judiciário e, em última e definitiva instância, ao Supremo Tribunal Federal (Capítulo III – Do Poder Judiciário, arts. 92 a 135, CR).

47. O pleito da Empresa, no ponto que interessa, ou seja, não sofrer as conseqüências de não pagar tributo por meio de decisão judicial, posteriormente revista ou anulada ou rescindida, foi recentemente rechaçado (RREE 353.657 e 370.682) no julgamento da modulação dos efeitos constitucionais do creditamento de IPI nas hipóteses de alíquota-zero ou não-tributados, forte o STF no argumento de que contra decisão que declara constitucional a norma tributária não se pode invocar a segurança jurídica, pois o contribuinte correu os riscos sabendo das possíveis conseqüências, como no presente caso.

48. Com o costumeiro brilhantismo, um dos patronos da Empresa sustentou que vivemos em um Estado de Direito, e não em um Estado Liberal ou Estado Social. Com razão o ilustre advogado da Contribuinte.

49. Se estivéssemos sob a égide do paradigma constitucional do Estado Liberal, no qual o tributo é uma violência ao patrimônio do contribuinte e o Estado um eterno inimigo do indivíduo, a solução dessa controvérsia não demandaria maiores dificuldades: a Contribuinte teria o seu pleito atendido.

50. Se estivéssemos sob a égide do paradigma constitucional do Estado Social, no qual o Estado assume todas as funções públicas, sufoca o indivíduo e o contribuinte, toma tributos sem respeito ao ordenamento jurídico e sem um mínimo de ética e moralidade públicas, a solução também não seria problemática: a Contribuinte não teria direito algum.

51. Felizmente, a partir de 05.10.1988 passamos a viver na quadra do paradigma constitucional do Estado Democrático de Direito, síntese e superação dos outros dois paradigmas recordados. Qual a melhor solução? Qual o sentido do tributo? Qual o sentido das contribuições sociais da seguridade social? Qual o significado da idéia democrática no Estado de Direito? Qual o valor da igualdade? E da justiça?

52. Parece-nos que no atual modelo constitucional, não há espaço para uma leitura monstruosa do papel do Estado, das leis e da jurisprudência, como pretende a Empresa. No Estado Democrático de Direito, em princípio, todos os tributos instituídos por lei aprovada pelos legítimos representantes do povo, em conformidade com as normas constitucionais, são válidas, gozam da presunção de validade constitucional, até que decisão definitiva do STF diga o contrário. A palavra definitiva acerca da validade constitucional de uma norma tributária compete ao Supremo Tribunal.

53. A Contribuinte ao optar por não pagar o tributo, ainda que escorada por decisão judicial transitada em julgado, mas sem o crivo definitivo do STF agiu por conta e risco próprios. Recorde-se que a decisão do TRF 1 que manteve a sentença concessiva da exoneração tributária data de 31.08.1992. A decisão do STF que julgou válida a norma tributária obrigatória do recolhimento da exação data de 01.07.1992. Ou seja, mesmo após o julgamento da Suprema Corte, pretendeu a Empresa beneficiar-se de decisão judicial contrária ao entendimento desse Colendo Tribunal. Eis a justiça das decisões combatidas.

54. E a igualdade e a justiça no dever de todos contribuírem com a seguridade social na medida de suas potencialidades econômicas será preservada com o indeferimento do pleito da Empresa. Isso porque, a contribuição em jogo incide sobre o lucro. Tributar o lucro é uma das conseqüências de uma política fiscal em conformidade com o modelo democrático de nossa sociedade, pois todos devem participar na medida de suas disponibilidades para que todos possam usufruir na medida de suas necessidades. Nada mais justo, mais eqüitativo, mais democrático.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

Coisa julgada inconstitucional e ação rescisória em matéria tributária. Restabelecimento do crédito tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1568, 17 out. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16807. Acesso em: 19 abr. 2024.