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Considerações acerca da jurisprudência formada em torno do conceito de insumos na sistemática da não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS

Considerações acerca da jurisprudência formada em torno do conceito de insumos na sistemática da não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS

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A Receita Federal entende que a não-cumulatividade consistiria em mera técnica de abatimento modulável a critério do legislador ordinário e que o conceito de insumos passíveis de gerar créditos dentro dessa nova sistemática de recolhimento da Contribuição ao PIS e da COFINS seria similar ao do IPI.

I – Notas Introdutórias

         Nos últimos anos verificou-se a manifestação da ânsia arrecadatória do governo federal a partir do manejo das Contribuições Sociais, que ganharam maior relevância em função de não se vincularem à regra da repartição das receitas tributárias. Assim é que o aumento da arrecadação devido à incidência dessa espécie tributária não atraiu a necessidade de divisão com os demais entes da federação brasileira. A onerosa contrapartida não se fez presente ao erário federal, ainda que em detrimento dos Estados e dos Municípios.

         Nesse cenário é que adveio a majoração de alíquotas da Contribuição ao PIS e da COFINS, perpetrado por medidas provisórias posteriormente convertidas nas Leis n.º 10.637/02 e 10.833/03, cujo intuito consistiu – como não poderia deixar de ser em terras tupiniquins – no aumento da carga tributária e consequente elevação da arrecadação federal. Ao argumento de que se tratava, na verdade, de uma adequação do arquétipo normativo das exações em comento às necessidades do setor empresarial, foi vinculado ao aumento de alíquotas a sistemática da não-cumulatividade, fazendo crer ao mais ingênuo contribuinte que a carga tributária manter-se-ia estável.

         A modificação no arquétipo normativo da Contribuição ao PIS e da COFINS, no entanto, gerou divergências em relação à sua aplicação na prática, motivando a edição de inúmeras normas infralegais pela Receita Federal do Brasil com o objetivo de dirimi-las, invariavelmente restringindo a eficácia da sistemática da não-cumulatividade aplicada ao recolhimento das aludidas exações. Assim é que se consignou posicionamento no sentido de que consistiria em mera técnica de abatimento modulável a critério do legislador ordinário e de que o conceito de insumos passíveis de gerar créditos dentro dessa nova sistemática de recolhimento da Contribuição ao PIS e da COFINS seria similar ao do Imposto sobre Produtos Industrializados.

         O posicionamento fazendário já era até esperado, na medida em que se trata do maior interessado no aumento da arrecadação promovido pela majoração de alíquotas da Contribuição ao PIS e da COFINS, que certamente torna-se mais significante caso seja limitado o amplo direito creditório dos contribuintes. O intrigante é que se verifica a validação, especialmente pelos Tribunais Regionais Federais, dado que a questão ainda não foi apreciada pelas Cortes Superiores, da interpretação dada pela Receita Federal do Brasil.

         O presente trabalho objetiva, portanto, contrapor os argumentos adotados pela segunda instância de julgamento para validar as restrições impostas a não-cumulativa da Contribuição ao PIS e da COFINS ao consistente entendimento doutrinário formado em torno do tema, de forma a revelar as inconsistências presentes no posicionamento jurisprudencial até o momento dominante e auxiliar a condução da problemática perante as Cortes Superiores.


II – Regime Jurídico da Contribuição ao PIS e da COFINS

         Em apertada síntese, destaca-se que o regime jurídico da Contribuição ao PIS e da COFINS sofreu sensível modificação com o advento das Leis n.º 10.637/02 e 10.833/03, as quais instituíram sistemática de incidência diferente daquela até então regulada desde a concepção dessas exações, veiculada pelas Leis Complementares n.ºs 07/70 e 70/91 e pelas Leis n.ºs 9.715/98 e 9.718/98.

         A incidência cumulativa deu lugar à incidência não-cumulativa para determinados contribuintes, em regra aqueles sujeitos à apuração do Imposto sobre a Renda com base no lucro real, com a fixação, pelos novos Diplomas Normativos, da possibilidade de desconto de créditos acumulados nas hipóteses legalmente previstas, destacando-se os bens e serviços utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda.

         A despeito de inicialmente a não-cumulatividade ter sido atrelada ao arquétipo normativo da Contribuição ao PIS e da COFINS no âmbito legal, a modificação do regime jurídico respectivo ganhou concretude apenas posteriormente, com a edição da Emenda Constitucional 42/2003, a qual inseriu ao artigo 195 da Constituição Federal o parágrafo 12º, prevendo que "a lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuintes incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas".

         Ao regulamentar em especial o que poderia se entender como insumo para o exercício do direito de crédito da Contribuição ao PIS e da COFINS, foram editadas pela Secretaria da Receita Federal, atual Receita Federal do Brasil, as Instruções Normativas 247/2002 e 404/2004, as quais estipularam que o seu conceito deveria contemplar, na fabricação ou produção de bens destinados à venda, apenas "as matérias primas, os produtos intermediários, o material de embalagem e quaisquer outros bens que sofram alterações, tais como o desgaste, o dano ou a perda de propriedades físicas ou químicas, em função da ação diretamente exercida sobre o produto em fabricação", e na prestação de serviços, "os bens aplicados ou consumidos na prestação de serviços".

         Assim é que, da análise da legislação de regência do tema, à luz das regras infralegais, a apuração de créditos da Contribuição ao PIS e da COFINS apenas dar-se-ia de forma válida quando da efetiva incorporação do insumo ao processo produtivo de fabricação e comercialização de bens ou prestação de serviços, no que se torna semelhante às diretrizes estipuladas a esse respeito pelo artigo 164 do Decreto n.º 4.544/02, aplicáveis ao Imposto sobre Produtos Industrializados. Restou limitado, portanto, o pleno direito ao creditamento dos contribuintes.


III – Cenário Jurisprudencial

         A restrição ao direito de créditos da Contribuição ao PIS e da COFINS foi levada à apreciação do Poder Judiciário, com enfrentamento direto das Instruções Normativas SRF n.ºs 247/2002 e 404/2004. As causas foram submetidas, em grau recursal, ao crivo dos Tribunais Regionais Federais, aonde as regras infralegais encontraram guarida pois estariam em consonância com as Leis n.ºs 10.637/02 e 10.833/03. Dado o fator tempo, que se sabe ser longo quando aplicado ao trâmite processual, as Cortes Superiores ainda não se manifestaram a respeito da validade desse posicionamento jurisprudencial.

         Colhe-se dos julgados firmados no âmbito da segunda instância a adoção de entendimento segundo o qual a não-cumulatividade atrelada ao regime jurídico da Contribuição ao PIS e da COFINS consiste em mera técnica de abatimento, diferente daquela sistemática vinculada à apuração do ICMS e do IPI, na medida em que inexiste para aquelas a dicção constitucional que prescreve a necessidade de compensação do "que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores". [01] Por essa razão, a não-cumulatividade aplicada às Contribuições Sociais traduziria apenas um direito de crédito apurado com base em alguns encargos definidos pela legislação, representando, sob essa óptica, um verdadeiro favor fiscal, livremente moldável pelo legislador ordinário.

         Seguindo a trilha desse raciocínio, convencionou-se considerar o conceito de insumo como sendo aquele descrito pela legislação do Imposto sobre Produtos Industrializados, assim considerado como todo bem que se aglutina ao processo de transformação da qual resultará a mercadoria industrializada, tais como o desgaste, o dano ou a perda de propriedades químicas ou físicas, em função da ação diretamente aplicada ao produto em fabricação.

         De forma mais específica à Contribuição ao PIS e à COFINS, o conceito de insumo deveria ser entendido, nesse contexto, como sendo representado apenas pelos elementos efetivamente inseridos/aplicados na produção de mercadorias, na comercialização de produtos ou na prestação de serviços. Assim, não haveria direito ao creditamento apurado, por exemplo, sobre despesas com o transporte de mercadorias (frete) ou com o convênio médico pago em favor dos funcionários, haja vista tratar-se de custo administrativo, e não operacional.

         De forma concreta, o Tribunal Regional Federal da 1a. Região, ao apreciar essa questão, asseverou que "os produtos de limpeza, desinfecção e detetização têm finalidades outras que não a integração do processo de produção e do produto final, mas de utilização por qualquer tipo de atividade que reclama higienização, não compreendendo conceito de insumo, que é tudo aquilo utilizado no processo de produção e/ou prestação de serviço, em sentido estrito, e integra o produto final". [02]

         O Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por sua vez, explicitou entendimento no sentido de que "a adoção do princípio da não-cumulatividade para o PIS e a COFINS não significa dizer que todas as despesas da empresa, estejam ou não relacionadas às suas atividades, podem gerar créditos, sem nenhuma limitação. Nessa medida, podem ser abatidos na etapa seguinte apenas os créditos previstos na legislação de regência do PIS e COFINS não-cumulativos", sendo que, nesse contexto, "insumo é tudo aquilo que é utilizado no processo de produção e, ao final, integra-se ao produto, seja bem ou serviço. Desse modo, a vigilância e a limpeza, a publicidade, o aluguel e a energia elétrica não são insumos dos prestadores de serviços". [03]

         O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por fim, consignou acerca do tema que

         "as leis que instituíram o PIS e a COFINS não cumulativos apenas autorizam a apropriação de créditos calculados em relação a bens e serviços utilizados como ‘insumos’ na fabricação de produtos destinados à venda, sem explicitar qual o alcance desse termo. Isso não significa, porém, que se possa caracterizar como insumo todos os elementos, inclusive os indiretos, necessários à produção de produtos e serviços, como mão de obra a energia elétrica. Embora o sistema de não-cumulatividade das contribuições seja distinto do aplicado aos tributos indiretos, como o IPI (...), entendo que em relação aos insumos há semelhança de tratamento, na medida em que somente pode ser assim considerado o que se relaciona diretamente à atividade da empresa, com restrições, portanto". [04]

         Em oportunidade diversa, asseverou que "há de se reconhecer que as embalagens de acondicionamento utilizadas especificamente para transporte das mercadorias industrializadas não se enquadram na definição de insumos (...) porquanto tais embalagens não foram utilizadas no processo de industrialização e transformação do produto final". [05]

         Não obstante o exposto, cabe transcrever o seguinte trecho decisório que sintetiza as premissas ora abordadas: [06]

         "Quanto à controvérsia especificamente estabelecida nesta ação, temos que fazer as seguintes considerações:

         a) a regra da não-cumulatividade estabelecida para as contribuições sociais pela Emenda Constitucional n.º 42, de 19.12.2003, diverge daquela previsão constitucional originária (IPI e ICMS), depende de definição de seu conteúdo pela lei infraconstitucional, não se extraindo do texto constitucional a pretendida regra de obrigatoriedade de dedução de créditos relativos a todo e qualquer bem ou serviço adquirido e utilizado nas atividades da empresa (...);

         b) estando as regras da não-cumulatividade das contribuições sociais afetas à definição infraconstitucional, o conceito de ‘insumo’ para definição dos bens e serviços que dão direito a creditamento na apuração do PIS e COFINS deve ser extraído no inciso II do artigo 3º das Leis n.º 10.637/02 e 10.833/03, (...) não havendo direito de creditamento sem qualquer limitação para abranger qualquer outro bem ou serviço que não seja diretamente utilizado na fabricação dos produtos destinados à venda ou na prestação dos serviços."Em resumo, observa-se que o posicionamento jurisprudencial ora examinado pressupõe como válida a possibilidade de regulamentação da sistemática da não-cumulatividade pelo legislador ordinário quando aplicável à Contribuição ao PIS e à COFINS, inclusive de forma a restringi-lo, sendo pertinente concluir, com base na adoção dessa premissa, que os insumos passíveis de creditamento, a teor das Leis n.ºs 10.637/02 e 10.833/03, seriam apenas aqueles consumidos no processo operacional dos contribuintes. Por consequência, as regras descritas nas Instruções Normativas SRF n.ºs 247/2002 e 404/2004 foram consideradas adequadas ao regime jurídico aplicável à nova sistemática de recolhimento da Contribuição ao PIS e da COFINS.


IV – Análise da Possibilidade de Disciplina Legal da Não-Cumulatividade

         Inicialmente, anota-se que a sistemática da não-cumulatividade aplicada às Contribuições Sociais foi alçada ao altiplano constitucional por meio da Emenda n.º 42/2003, a qual inseriu o parágrafo 9º ao artigo 195 da Carta Política. Por coerência hermenêutica, a consequência que decorre consiste na adoção de entendimento no sentido de que se trata daquela mesma regra da não-cumulatividade disposta no texto constitucional com especial ênfase ao IPI e ICMS, devendo ser, assim, interpretada.

         Waldir Luiz Braga e Valdirene Lopes Franhani asseveram a esse respeito que "a partir da EC n.º 42/03, o texto constitucional incorpora a não-cumulatividade do PIS e da COFINS, a qual não pode mais ser analisada fora do seu contexto. Vale dizer, a simples menção do temo ‘não cumulativas’ pelo texto constitucional delimita o campo de atuação da lei". [07]

         Com essa premissa devidamente definida deve-se recordar que a regra da não-cumulativade encontra raízes no Imposto sobre Valor Agregado (IVA), peculiar ao sistema tributário europeu e de alguns países da América Latina. Seu desenvolvimento, fomentado principalmente na Europa, passou por três diferentes fases. A primeira, com a reunião de todos os tributos sobre o consumo em um único imposto, incidente sobre o valor agregado. A segunda, com a percepção dos entes estatais de que ao invés de várias incidências fiscais, o IVA passou a proporcionar apenas uma incidência, ao final do ciclo produtivo, o que se revelou prejudicial aos interesses fazendários, na medida em que apenas o último contribuinte da cadeia acabava recolhendo o tributo, postergando a arrecadação e favorecendo a sonegação. Por essa razão, passou-se a terceira fase, com a instituição de uma sistemática de pagamento onde todos os contribuintes inseridos nas operações passíveis de tributação pelo IVA eram obrigados a se sujeitar à incidência fiscal, porém, com a aplicação da regra da não-cumulatividade, de forma a não desvirtuar a essência não cumulativa do imposto.

         A partir dessa concepção foi inserida no cenário jurídico brasileiro a regra da não-cumulatividade de forma a evitar a incidência em cascata dos tributos incidentes sobre a produção e o consumo. Ao longo dos anos, e contam-se vários, a doutrina lapidou o conceito da não-cumulatividade de forma a consolidar o entendimento de que se trata de técnica responsável a promover, a cada etapa subsequente do processo produtivo, a respectiva dedução do valor do tributo que incidiu nas etapas anteriores, qualificando-a como verdadeiro princípio.

         Conforme explica Sacha Calmon Navarro Coelho "é justamente pela sua observância que cada agente somente recolhe ou deveria recolher o imposto sobre o valor que adicionou ao produto, pois o valor que foi pago na operação anterior lhe dá um ‘crédito’ a ser abatido do ‘débito’ do imposto." [08]

         Nesse mesmo sentido anota Fabiana Del Padre Tomé que "somente se poderá falar em não-cumulatividade se ausentes limitações ou restrições ao aproveitamento do tributo relativo aos negócios jurídicos anteriores. Apenas se amplo e irrestrito o direito ao crédito, o tributo não se acumulará. Caso algum tributo devido em uma das etapas do ciclo não seja levado em conta nas subsequentes, haverá sobreposição do ônus tributário, sendo inadmissível falar-se em não-cumulatividade". [09]

         As conclusões expostas decorrem da própria essência do princípio da não-cumulatividade, sendo desnecessário falar que não partem unicamente da prescrição contida no texto constitucional, descrita apenas em relação ao IPI e ao ICMS, no sentido de que o imposto "será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores". O termo tem significado autônomo, o qual, apesar de correlacionar-se com a mencionada expressão, independe dela para ser definida.

         Afinal, de acordo com Aires Barreto, "só há tributo não cumulativo se for possível compensar, abater, todos os gatos necessários à prestação do serviço, ainda que esses gastos não se consumem (com ele) ou não lhe tenham sido diretamente aplicados", [10] o que se estende, obviamente, à industrialização e à comercialização de bens.

         Assim é que a integral possibilidade de dedução do imposto recolhido em operações anteriores aplica-se inclusive às Contribuições Sociais, ainda que o texto constitucional não as vincule ao princípio da não-cumulatividade de forma tão minuciosa quanto faz em relação ao IPI e ao ICMS. A rigor, não há como se conceber a existência de tributo não-cumulativo – sejam os próprios IPI ou o ICMS, sejam os impostos de competência residual da União ou as Contribuições Sociais –, que permita a incidência em cascata do ônus fiscal, ainda que parcial.

         Por essas razões é que a não-cumulatividade não pode ser afetada por legislação infraconstitucional que pretenda restringir a sua eficácia normativa plena. Conforme ratifica Roque Antonio Carrazza, "operando sobre uma base constitucional, o legislador não pode manipular livremente o princípio da não-cumulatividade." [11] Geraldo Ataliba e Cléber Giardino também auxiliam a compreensão do exposto ao afirmarem acerca do amplo e irrestrito direito ao creditamento que se trata do "critério constitucional pelo qual, juridicamente, se constrói a não-cumulatividade desses tributos. Em cada operação é facultada e garantida uma dedução, um abatimento." [12]

         Com base nessas considerações decorre, com hialina clareza, a conclusão de que o princípio da não-cumulatividade apresenta interpretação única, impossível de ser modulada pelo legislador ordinário sem ofensa ao texto constitucional, assertiva essa que deve nortear, a partir do advento da Emenda Constitucional n.º 42/2003, o arquétipo normativo da Contribuição ao PIS e da COFINS.


V – Análise do Conceito de Insumos na Sistemática da Não-cumulatividade

         À luz do princípio da não-cumulatividade o conceito de insumo ganha relevância na medida em que identifica o elemento inserido no ciclo produtivo que deve necessariamente gerar o direito de crédito ao contribuinte, evitando a sobreposição do ônus fiscal.

         Por essa específica razão, haja vista gerar efeitos em relação ao montante tributário a ser recolhido – sendo que quanto maior for o crédito apurado pelo contribuinte menor será o seu débito tributário –, a definição de insumo, aparentemente clara e precisa, deixa de lado os seus contornos translúcidos, ganhando, invariavelmente, interpretações divergentes e, sobretudo, restritivas.

         De acordo com as lições de Aliomar Baleeiro, o termo insumo representa "o conjunto dos fatores produtivos, como matérias-primas, energia, trabalho, amortização do capital etc., empregados pelo empresário para produzir o produto final." [13] Sua origem vincula-se com a expressão inglesa "input", que signifca "something put into a system or expended in its operation to achieve output or a result, especially (...) any of the items, including materials, equipment, and funds, required for production". [14] Representa, dessa forma, todos os meios, sejam diretos ou indiretos, utilizados na produção de bens e serviços.

         A legislação de regência dos impostos originariamente não-cumulativos, no caso o artigo 164 do Decreto n.º 4.544/02, em relação ao IPI, e o artigo 20 da Lei Complementar n.º 87/96, no que se refere ao ICMS, incorporaram ao conceito de insumo a premissa de que, para gerar o direito ao crédito dessas exações, deve necessariamente haver a integração com o produto final. A exceção é verificada apenas em relação ao IPI, que também admite o creditamento nas entradas de matérias-primas e produtos intermediários que forem consumidos no processo de industrialização.

         Observando as peculiaridades do IPI e do ICMS verifica-se que o significado empregado ao termo insumo, apesar de restritivo, ao menos se adéqua ao regime jurídico de cada qual. O direito de crédito do imposto federal por certo deve contemplar tanto os insumos utilizados para a composição do novo produto, quanto aqueles consumidos no processo fabril, na medida em que se trata de tributo incidente sobre a industrialização. Já o creditamento do gravame estadual de certa forma pode ser limitado apenas aos insumos integrados ao bem comercializável, tendo em vista que se trata de oneração sobre a circulação de mercadorias (o que pressupõe inexistir consumo de insumo para a constituição de "novo" produto).

         Contudo, a despeito de aparentemente assemelharem-se as características do IPI, do ICMS, da Contribuição ao PIS e da COFINS, principalmente após a instituição da sistemática da não-cumulatividade no recolhimento dessas Contribuições Sociais, trata-se de tributos com diferentes regimes jurídicos e, sobretudo, incidências sobre materialidades diversas. O pressuposto fático "auferir faturamento ou receita" é inquestionavelmente mais amplo do que "industrializar produtos" ou "comercializar mercadorias", indo além, portanto, da atividade fabril ou mercantil.

         Ao se analisar detidamente o arcabouço normativo de regência da Contribuição ao PIS e da COFINS verifica-se que essas exações incidem sobre a quantia positiva auferida pela pessoa jurídica em decorrência da venda de mercadorias e/ou da prestação de serviços de qualquer natureza (o produto estritamente ligado à atividade-fim do contribuinte), assim entendido como faturamento, ou sobre outros aumentos de ativos decorrentes de operações não usuais por ela desenvolvidas (o produto desvinculado da atividade-fim do contribuinte), no que é definido pelo termo receita.

         Tendo em vista, na realidade, o termo receita contemplar o termo faturamento, pode-se adotar como premissa que ambas as Contribuições Sociais em tela incidem sobre aquela materialidade (tal qual definem as Leis n.ºs 10.637/02 e 10.833/03), que no aspecto amplo é representada, conforme lições de José Antonio Minatel, "pelos ingressos e recursos financeiros no patrimônio da pessoa jurídica, em caráter definitivo, proveniente dos negócios jurídicos que envolvam o exercício da atividade empresarial, que corresponda à contraprestação pela venda de mercadorias, pela prestação de serviços, assim como pela remuneração de investimentos ou pela cessão onerosa e temporária de bens e direitos a terceiros, aferido instantaneamente pela contrapartida que remunera cada um desses eventos." [15]

         Ao comparar o pressuposto fático de cada uma das exações ora abordadas, anota Adolpho Bergamini que "no caso do PIS e da COFINS, o núcleo do critério material de sua regra matriz vai além da atividade meramente mercantil, fabril ou de serviços, alcançando todo o universo de receitas auferidas pela pessoa jurídica. Não sem razão que os contribuintes do PIS e da COFINS 'não-cumulativos' elegem outras hipóteses creditórias desvinculadas da atividade desenvolvida pelo contribuinte como é o caso das contraprestações de operações de arrendamento mercantil". [16]

         A dicotomia ora descrita é importante na medida em que o conceito de insumo deve ser delimitado com base nas peculiaridades de cada tributo, sem deixar de lado, obviamente, a observância aos limites da não-cumulatividade quando utilizado como pressuposto para a concessão do direito ao creditamento. Por essa razão, tratando-se de materialidades distintas, conforme demonstrado, conclui-se que o significado de insumo aplicado na sistemática da não-cumulatividade do IPI e do ICMS não pode em hipótese alguma ser adotado para regular o creditamento da Contribuição ao PIS e da COFINS.

         O aprofundamento do cenário exposto atrairá, no primeiro momento, a adoção do regime jurídico aplicável ao Imposto sobre a Renda – que incide sobre materialidade bem mais próxima ao do pressuposto fático que gera a incidência da Contribuição ao PIS e da COFINS – e, consequentemente, do regramento dos custos passíveis de dedutibilidade na composição da base de cálculo daquele gravame.

         Conforme explica Eric Castro e Silva, "de fato, o conceito de custos, tanto os diretos quanto os indiretos, é critério bem mais condizente do que exclusivamente ‘matéria-prima’, ‘produto intermediário’ e ‘material de embalagem’ para parametrização do que seja ‘insumos’ para fins de PIS e COFINS não cumulativos. Isto se dá porque, para a obtenção da receita (materialidade do PIS/COFINS), assim como para a auferição do lucro (materialidade do Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas), o contribuinte necessariamente consome bens ou serviços, direta ou indiretamente". [17]

         Natanael Martins auxilia a compreensão do exposto ao defender que "a toda evidência, o conceito de insumo pode se ajustar a todo consumo de bens ou serviços que se caracterize como custo segundo a teoria contábil, visto que necessário ao processo fabril ou de prestação de serviços como um todo. É dizer, ‘bens e serviços utilizados como insumo na fabricação de produtos destinados à venda ou na prestação de serviços’, na acepção da lei, refere-se a todos os dispêndios de serviços, ou seja, insumos seriam aqueles bens e serviços contabilizados como custo de produção, nos termos do art. 290, do Regulamento do Imposto de Renda". [18]

         De acordo com as lições transcritas, adotando para a disciplina da sistemática não-cumulativa no recolhimento da Contribuição ao PIS e da COFINS o regime de deduções previsto para o Imposto sobre a Renda, deverão ser considerados como insumos também as despesas indiretas incorridas para a obtenção de receita, como por exemplo os gastos de promoção, colocação e distribuição dos produtos da empresa, inclusive com o pessoal das áreas de vendas, marketing, distribuição, administrativo interno de vendas, comissões sobre vendas, propaganda e publicidade, além daquelas despesas administrativas propriamente ditas, as quais são qualificadas por Arthur Ridolfo Neto como sendo "os gastos incorridos na gestão da empresa, contemplando as atividades administrativas, tecnologia de informação, recursos humanos, instalações e material de escritório". [19]

         Contudo, há espaço válido para ir além, considerando um conceito ainda mais abrangente para a definição de insumos na sistemática não-cumulativa no recolhimento da Contribuição ao PIS e da COFINS, conforme assinala Ricardo Mariz de Oliveira, no sentido de que "também outros dispêndios que a prática contábil debite à despesa podem ser considerados insumos, porque são, e quando o sejam relacionados à produção, como por exemplo, as seguintes espécies que possivelmente estejam contabilizadas fora do custo, embora pudessem estar dentro dele: gastos com vigilância da fábrica, o tratamento de efluentes e esgota da fábrica, e outros semelhantes". [20]

         Isso porque, apesar da semelhança com o pressuposto fático que gera a incidência do Imposto sobre a Renda, a Contribuição ao PIS e a COFINS oneram a atividade empresarial propriamente dita, e não apenas o seu resultado, sendo que, nessa acepção, o conceito de insumo deve considerar além dos bens integrados ou consumidos no processo produtivo, também os demais fatores utilizados pelos contribuintes para a consecução das suas atividades.

         A rigor, o conceito de insumo na sistemática não-cumulatividade no recolhimento da Contribuição ao PIS e da COFINS deve considerar todas as despesas voltadas à obtenção de receitas num aspecto amplo, assim como ocorre em relação à própria materialidade passível de oneração pelas aludidas exações e ao conceito amplo de insumos inicialmente abordado, excluindo dessa qualificação apenas aqueles gastos desnecessários e desvinculados da atividade empresarial desenvolvida pelo contribuinte.

         Conjugando as lições doutrinárias formadas em torno do tema, assevera Fábio Pallaretti Calcini que "a constatação de insumo não pode ficar tão somente relacionada à noção advinda do IPI, uma vez que o regime não cumulativo existente e o pressuposto de fato da incidência do tributo (produto industrializado) é diferente das contribuições para o PIS e a Cofins. Do mesmo, pode-se concluir que os critérios de custos e despesas de IRPJ/CSLL não são suficientes para se constatar o que seria insumo para fins de abatimento de créditos", [21] para concluir que "estes dois parâmetros contribuem e não podem ser excluídos, uma vez que possuem utilidade. É inegável, todavia, que o conceito de insumos para fins de crédito de PIS e Cofins deve ser mais abrangente que ambos, uma vez que existe em função da receita e, como sabido, esta é mais ampla que produto industrializado, renda e lucro". [22]

         A adoção da tese conciliatória parece ser a que melhor se apresenta para a definição do conceito de insumos na sistemática da não-cumulatividade no recolhimento da Contribuição ao PIS e da COFINS, com a captação de elementos oriundos tanto da legislação do Imposto sobre Produtos Industrializados quanto do Imposto sobre a Renda para qualificá-lo de forma abrangente, considerando todos os dispêndios do contribuinte incorridos, de forma direta ou indireta, com a finalidade de gerar receita, adequando-se, assim, o princípio da não-cumulatividade ao pressuposto fático passível de atrair a incidência das aludidas exações.


VI – Conclusão

         O fato de as decisões formadas em segunda instância de julgamento acerca da não-cumulatividade da Contribuição ao PIS e da COFINS (no sentido de que seriam válidas as restrições impostas ao pleno direito de creditamento dos contribuintes) fundarem-se nas premissas de que o princípio da não-cumulatividade, quando aplicado às aludidas Contribuições Sociais, poderia ser restringido pelo legislador ordinário, bem como que a interpretação restritiva dada pelas Instruções Normativas SRF n.º 247/2002 e 404/2004 ao conceito de insumos, como sendo apenas aqueles elementos consumidos ou integrados no processo de produção, estaria em consonância com as Leis n.º 10.637/02 e 10.833/03.

         As premissas adotadas pela jurisprudência, contudo, não ultrapassam o teste da validade, na medida que o princípio da não-cumulatividade não pode em hipótese alguma ser mitigado pela legislação ordinária, devendo garantir a integral recomposição dos montantes tributários recolhidos ao longo da cadeia produtiva, com a manutenção do ônus fiscal apenas em seu ciclo final, sendo que o conceito de insumo, nesse cenário, ganha importância de forma a que o princípio da não-cumulatividade possa exercer eficazmente os seus efeitos, devendo ser abrangente.

         Assim é que se conclui que a única interpretação jurídica plausível para a definição do termo insumos na sistemática da não-cumulatividade no recolhimento da Contribuição ao PIS e da COFINS é aquela que contempla todos os dispêndios incorridos pelos contribuintes para a consecução de suas atividades empresariais e para a geração de receita, a qual deve, portanto, subsidiar o afastamento, pelas Cortes Superiores, das normas infralegais editadas em sentido contrário, com a reforma do posicionamento jurisprudencial até o momento predominante.


Notas

  1. Artigo 153, § 3º, II, e Artigo 155, § 2º, I, da Constituição Federal.
  2. Apelação Cível n.º 2004.38.00.037579-9 / MG, Relator Desembargador Federal Luciano Tolentino Amaral, DJe 04.12.2009.
  3. Agravo por Instrumento n.º 2007.03.00.011390-0, Relator Desembargador Federal Fábio Prieto, DJ 31.10.2007.
  4. Apelação Cível n.º 2009.71.07.002230-2 / RS, Relatora Juíza Federal Convocada Vânia Hack de Almeida, DJ 04.03.2010.
  5. Apelação/Reexame Necessário n.º 2007.72.01.000244-4 / SC, Rel. Desembargador Federal Joel Ilan Paciornik, DJ 26.11.2008.
  6. Extraído do julgamento realizado pelo Tribunal Regional Federal da 3a. Região da Apelação Cível n.º 2007.61.00.009362-9 / SP, Relator Juiz Federal Convocado Souza Ribeiro, publicado em 26.08.2009.
  7. "A Não-Cumulatividade do PIS e da COFINS após a Emenda Constitucional n.º 42/03." Revista Dialética de Direito Tributário n.º 109. São Paulo: Dialética, p. 102.
  8. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 2a. Edição. Rio de Janeiro: Forense, 1999, ps. 458/459.
  9. "Natureza Jurídica da "Não-Cumulatividade" da Contribuição ao PIS/PASEP e da COFINS: Conseqüências e Aplicabilidade." PIS-COFINS Questões Atuais e Polêmicas. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 543.
  10. "A Nova Cofins: Primeiros Apontamentos". Revista Dialética de Direito Tributário n.º 103. São Paulo: Dialética, p. 10.
  11. ICMS. 8a. Edição. São Paulo: Malheiros, 2002, ps. 276/277.
  12. "ICMS e IPI – Direito de crédito, produção e mercadorias isentas ou sujeitas à alíquota ‘zero’". Revista de Direito Tributário n.º 46. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 75.
  13. Direito Tributário Brasileiro. 11a. Edição. Atualizado por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1999, ps. 405/406.
  14. Consulta em 03.05.2010. Disponível em http://www.thefreedictionary.com/input.
  15. Conteúdo do conceito de receita e regime jurídico para sua tributação. São Paulo: MP Editora, 2005, p. 124.
  16. PIS e Cofins Na Teoria e na Prática. 2a. Edição. São Paulo: MP Editora, 2010, p. 313.
  17. "Definição de Insumos para fins de PIS e COFINS não Cumulativos." Revista Dialética de Direito Tributário n.º 170. São Paulo: Dialética, p. 28.
  18. "O Conceito de Insumos na Sistemática Não-Cumulativa do PIS e da COFINS". PIS-COFINS Questões Atuais e Polêmicas. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 207.
  19. "As demonstrações financeiras da Companhia." Sociedade Anônima. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 290.
  20. "Aspectos Relacionados à ‘Não-Cumulatividade’ da Cofins e da Contribuição ao PIS". PIS-COFINS Questões Atuais e Polêmicas. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 49.
  21. "Pis e Cofins. Algumas Ponderações acerca da não Cumulatividade". Revista Dialética de Direito Tributário n.º 176. São Paulo: Dialética, p. 59.
  22. Obra citada na nota 21, p. 59.

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GOUVEIA, Carlos Marcelo. Considerações acerca da jurisprudência formada em torno do conceito de insumos na sistemática da não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2563, 8 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/16928. Acesso em: 19 abr. 2024.