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A evolução do controle de constitucionalidade das leis orçamentárias enquanto instrumento de efetivação dos direitos fundamentais

A evolução do controle de constitucionalidade das leis orçamentárias enquanto instrumento de efetivação dos direitos fundamentais

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Este ensaio defende a evolução que o STF tem dado ao controle abstrato de constitucionalidade das leis orçamentárias. O conceito e a revelância da jurisdição constitucional, enquanto condição de possibilidade do Estado Democrático de Direito, demonstram a importância destas decisões.

         RESUMO: Este ensaio busca defender a evolução que o Supremo Tribunal Federal tem dado ao controle abstrato de constitucionalidade das leis orçamentárias. O conceito e a revelância da jurisdição constitucional, enquanto condição de possibilidade do Estado Democrático de Direito, demonstram a importância destas decisões. Anteriormente, não se admitia a realização deste controle jurisdicional, mas o estudo da natureza jurídica das leis orçamentárias demonstra que elas podem ser objeto desta fiscalização jurídica. A ultrapassagem deste entendimento arcaico está intimamente relacionada aos novos limites objetivos impostos pelo legislador constituinte, os quais, por sua vez, derrubam a concepção tradicional de discricionariedade do Executivo na elaboração do orçamento público. O trabalho denuncia sua relevância social ao tratar do controle do orçamento público, instrumento essencial para promover a concretização dos direitos fundamentais. Portanto, o gerenciamento do dinheiro público merece ser cada vez mais sindicado, tanto pelos Poderes Públicos quanto pela própria sociedade, a fim de que se efetive a propalada democracia brasileira.

         Palavras-chave: jurisdição constitucional; controle de constitucionalidade; leis orçamentárias; evolução; direitos fundamentais.

         SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Jurisdição Constitucional – 2.1 Conceito e relevância – 3. O controle jurisdicional de constitucionalidade - 3.1 Controle concentrado – 4. Controle das leis orçamentárias – 4.1 Natureza jurídica das leis orçamentárias: ato normativo concreto com forma de lei – 4.2 O problema da discricionariedade – 4.3 Evolução da jurisprudência do STF – 5. Conclusão.


1 INTRODUÇÃO

         O presente trabalho busca afirmar que o controle de constitucionalidade das leis orçamentárias vem passando por uma inegável evolução constituída pela nova jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre o tema.

         Neste contexto, a jurisdição constitucional se revela como um poderoso instrumento conformador do objeto cultural (que é o Direito) à realidade. É por meio do exercício da jurisdição constitucional que se alcançará, além da manutenção da integridade do sistema constitucional, uma maior efetividade dos direitos fundamentais quando houver abusos do Poder Executivo na execução e no gerenciamento do orçamento público.

         De fato, enquanto a lei da física, por meio dos experimentos, indica como solução "aquilo que é", a jurisdição constitucional, por meio da hermenêutica realizada no controle de constitucionalidade, indica a resposta como "aquilo que deve ser" entendido como a vontade da Constituição – no caso, direcionar as leis orçamentárias à efetivação dos direitos fundamentais.

         Uma breve exposição da noção de jurisdição constitucional servirá para demonstrar que o controle de constitucionalidade é uma das formas de expressão dessa jurisdição e que a interferência do Judiciário é essencial para concretizar o Estado Democrático de Direito.

         Dessa forma, o estudo gira em torno da análise do controle de constitucionalidade das leis orçamentárias, das maneiras em que tal exercício jurisdicional pode ser levado a efeito, preservando-se o ordenamento jurídico vigente, a fim de alcançar a conformidade dos direitos fundamentais previstos na CF/88.

         Pode-se dizer que a ação direta é um meio célere capaz de ornamentar e instrumentalizar este tipo de exercício da jurisdição constitucional – levando-se em consideração que as leis orçamentárias não dispõem sobre direitos subjetivos e que isto inviabiliza acionar o controle incidenter tantum, como se demonstrará.

         É neste cenário que surge a relevância de determinar a natureza jurídica das leis orçamentárias, seus efeitos e consequências. O entendimento jurisprudencial tradicional não admitia, sob nenhuma hipótese, sequer o conhecimento das ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas contra leis orçamentárias.

         Acreditava-se que, por absoluta ausência de generalidade ou abstração, tais leis formais tinham apenas efeito concreto, e estariam, portanto, alheias ao controle jurisdicional.

         No entanto, restará demonstrado que a própria Carta Magna não fez distinção sobre qual ato normativo (abstrato ou concreto) pode ser objeto de ações diretas, logo, é equivocada a interpretação que cria tal distinção.

         Fato é que a discricionariedade do Poder Executivo para elaborar e executar o orçamento público também está cada vez mais subjugada aos ditames previstos na Carta Magna. O que antes era um poder absoluto do Administrador lastreado no princípio da separação dos poderes começa a ser limitado pelos dispositivos constitucionais que estabelecem percentuais mínimos de investimentos em determinadas políticas públicas, como saúde e educação.

         A importância do estudo é irrefutável na medida em que trata do controle de constitucionalidade das leis orçamentárias que desafiarem diretamente a ordem constitucional posta, subvertendo a garantia e a preservação da força normativa da constituição [01].

         A redação do art. 2º da lei nº. 4.320/64 [02], que regulamenta as normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos, não deixa dúvidas de que o orçamento deverá ser "evidenciado" a todos, para que se saiba qual a política pública do Governo e o programa de trabalho a ser executado com o erário.

         Isso quer dizer que a transparência com o dinheiro público deve servir para dar concretude ao princípio da informação insculpido na Constituição Federal, bem como emprestar um caráter de legitimidade nas escolhas públicas.

         Outra medida importante para emprestar legitimidade nas deliberações públicas seria viabilizar uma participação mais efetiva da sociedade, como ocorre no orçamento participativo. Digno de nota é a experiência bem sucedida na cidade de Belo Horizonte, conforme dão notícia Gustavo Castro e Loyanna Miranda ao analisar a efetivação do direito fundamental ao lazer [03].

         Em síntese, o trabalho busca demonstrar que o gasto do dinheiro público, dada a sua relevância, merece ser controlado, e hoje conta com uma inegável evolução da jurisprudência do STF, circunstância essencial para alcançar a desejável efetivação de todos os direitos fundamentais, e por conseguinte, auxiliar a estabelecer o Estado Democrático de Direito no Brasil.


2 JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL

         2.1 CONCEITO e RELEVÂNCIA

         A etimologia da palavra "jurisdição" nos informa que se trata da função de "dizer o direito", ou seja, "iuris" = direito + "dictio" = dizer. Mas tal definição não implica afirmar que a jurisdição se resume a "dizer o direito", pois há casos em que ela faz muito mais que dizer o direito, e termina atuando como própria fonte criadora do direito.

         Consoante a lição de Fredie Didier [04], trata-se da função estatal que objetiva dar a última palavra, a decisão definitiva sobre o direito aplicável ao caso, sem se submeter essa decisão ao controle ou à revisão de nenhum outro poder. É dizer: a jurisdição somente é controlada pela própria jurisdição.

         Assim, a jurisdição é capaz de controlar a função legislativa (como ocorre no controle de constitucionalidade) e a função administrativa, sem ser controlada por estas outras duas funções estatais.

         A imposição de que todos os casos devem ser sempre solucionados pela jurisdição foi elevada à condição de direito fundamental e está positivada no art. 5º, XXXV, da CF/88 – trata-se do princípio da inafastabilidade jurisdicional.

         Já que a função jurisdicional está obrigada a solucionar as demandas ainda que não regulamentadas pelo legislador, diz-se que ela, além de "dizer o direito", "cria o direito", tudo para não fugir do seu dever constitucional de sempre dar uma resposta às demandas, solucionando o caso concreto.

         Cite-se o exemplo das relações homoafetivas: a despeito da ausência de lei que disponha sobre os direitos dos casais homossexuais, é o Judiciário quem hoje regulamenta as situações jurídicas propostas pelas partes, de modo que tudo que se sabe hoje sobre os direitos dos homossexuais decorre do chamado "direito judicial".

         Assim sendo, se por um lado, é vedado ao Judiciário não dar uma resposta ao caso concreto, por outro, nos casos sem regulamentação legal, os juízes têm o poder de criar a regra jurídica para o caso concreto.

         Niklas Luhmann trata muito bem desse paradoxo:

         Por essa razão, podemos compreender essa norma fundamental da atividade dos tribunais (Gerichtsbarkeit) como o paradoxo da transformação da coerção em liberdade. Quem se vê coagido à decisão e, adicionalmente, à fundamentação de decisões, deve reivindicar para tal fim uma liberdade imprescindível de construção do Direito. Somente por isso não existem "lacunas no Direito". Somente por isso a função interpretativa não pode ser separada da função judicativa. E somente por isso o sistema jurídico pode reivindicar a competência universal para todos os problemas formulados. [05]

         Assim sendo:

         Em linhas gerais, pode-se dizer que a jurisdição é a realização do direito, por meio de terceiro imparcial, de modo autoritativo e em última instância (caráter inevitável da jurisdição) [...] É manifestação do poder estatal, conceituado como capacidade de decidir imperativamente e impor decisões. Expressa, ainda, a função que tem os órgãos estatais de promover a pacificação de conflitos interindividuais, mediante a realização do direito justo e através do processo. [06]

         Jurisdição constitucional seria o dever do Judiciário de decidir definitivamente os casos e se necessário, criar as saídas (quando não houver regulamentação prévia, como ocorre nos julgamentos de mandado de injunção) e impor decisões finais que envolvam a interpretação da Constituição Federal.

         Nas palavras de Lenio Streck, a jurisdição constitucional busca dar "condição de possibilidade do Estado Democrático de Direito":

         A compreensão acerca do significado do constitucionalismo contemporâneo, entendido como o constitucionalismo do Estado Democrático de Direito, a toda evidencia implica a necessária compreensão da relação existente entre Constituição e jurisdição constitucional. [...] Isto significa afirmar que, enquanto a Constituição é o fundamento de validade (superior) do ordenamento e consubstanciadora da própria atividade político-estatal, a jurisdição constitucional passa a ser a condição de possibilidade do Estado Democrático de Direito. [07]

         A relevância da jurisdição constitucional nos dias atuais, em especial em países de modernidade tardia, como o Brasil, transborda os interesses subjetivos de particulares, de modo que ela deve ser empregada para solucionar algo muito maior que conflitos inter-individuais. No âmbito do controle concentrado de constitucionalidade, como se demonstrará, o poder de dizer o direito constitucional não serve, precipuamente, a solucionar estes embates.

         Nesse passo, a jurisdição constitucional assume papel importantíssimo para dar efetividade às normas constitucionais a fim de entregar as promessas da Constituição social brasileira.

         É que diante da inércia do Legislativo em controlar os projetos de leis orçamentárias enviados pelo Executivo, pode-se dizer que foi deslocado o "centro de decisões" [08] para o plano da jurisdição constitucional.

         Humberto Ávila entende que o Judiciário pode controlar o Legislativo nos seguintes termos:

         De um lado, o âmbito de controle pelo Poder Judiciário e a exigência de justificação da restrição a um direito fundamental deverá ser tanto maior quanto maior for: (1) a condição para que o Poder Judiciário construa um juízo seguro a respeito da matéria tratada pelo Poder Legislativo; (2) a evidência de equívoco da premissa escolhida pelo Poder Legislativo como justificativa para a restrição do direito fundamental; (3) a restrição ao bem jurídico constitucionalmente protegido; (4) a importância do bem jurídico constitucionalmente protegido, a ser aferida pelo seu caráter fundante ou função de suporte relativamente a outros bens (por exemplo, vida e igualdade) e pela sua hierarquia sintática no ordenamento constitucional (por exemplo, princípios fundamentais). [09]

         E esse controle será menor tanto quanto:

         De outro lado, o âmbito de controle pelo Poder Judiciário e a exigência de justificação da restrição a um direito fundamental deverá ser tanto menor, quanto mais: (1) duvidoso for o efeito futuro da lei; (2) difícil e técnico for o juízo exigido para o tratamento da matéria; (3) aberta for a prerrogativa de ponderação atribuída ao Poder Legislativo pela Constituição. [10]

         De fato, quando se trata de direitos fundamentais, a relevância da jurisdição constitucional ecoa mais alto no mundo jurídico, pois é por meio dela que se fará o efetivo controle da realização desses direitos. Assim, quanto mais importante for o direito fundamental, maior deve ser a atuação da jurisdição constitucional sobre ele.

         Mas relembre-se que para promover a transformação social apregoada, deve-se partir de uma interpretação jurídica em detrimento de uma interpretação histórica, consoante a lição de Emilio Betti:

         O ponto saliente da diferença entre interpretação histórica e jurídica resume-se no seguinte: que na primeira se trata unicamente de reevocar na sua autonomia, de reconstruir na sua totalidade, de integrar na sua originária coerência o sentido – concluído em si – da forma representativa, o pensamento que nela se exprime; em contrapartida, na interpretação jurídica de um ordenamento vigente, não se pode deter para relembrar o sentido originário da norma, mas deve-se dar um passo adiante, pois a norma, longe de exaurir-se na sua formulação primitiva, tem vigor atual juntamente com o ordenamento de que faz parte e destina-se a passar e a transfundir-se na vida social, a cuja disciplina deve servir. [11]

         É dizer: somente com a evolução da interpretação do Direito se inserirá na vida social a disciplina que a jurisdição constitucional se propõe, tornado-a um efetivo agente de transformação social. E o controle de constitucionalidade das leis orçamentárias é uma das formas de manifestação da jurisdição constitucional capaz de lograr tal êxito.


3 O CONTROLE JURISDICIONAL DE CONSTITUCIONALIDADE

         Antes de abordar o controle abstrato de constitucionalidade das leis orçamentárias, cumpre tecer algumas considerações sobre o principal regime de controle jurisdicional de constitucionalidade existente.

         De início, deve-se saber que o controle de constitucionalidade é uma forma de tutelar a defesa da Constituição, assegurando-lhe a necessária supremacia perante a ordem jurídica nacional: "...é uma atividade de fiscalização da validade e conformidade das leis e atos do poder público à vista de uma Constituição rígida, desenvolvida por um ou vários órgãos constitucionalmente designados". [12]

         Dessa maneira, qualquer incompatibilidade vertical entre a lei e a Carta Magna deve ser expurgada do sistema normativo, sob a pecha de contaminação pelo vício da inconstitucionalidade.

         Da supremacia e hierarquia jurídica da Constituição brota o fundamento e a legitimidade do controle das normas infra diante dos princípios e regras adotadas pela Carta. Surge, assim, o denominado princípio da constitucionalidade, relacionado por Dirley da Cunha Junior:

         Essa indeclinável e necessária compatibilidade vertical entre as leis e os atos normativos com a Constituição satisfaz, por sua vez, o princípio da constitucionalidade: todos os atos normativos dos poderes públicos só são válidos e, consequentemente, constitucionais, na medida em que se compatibilizem, formal e materialmente, com o texto supremo. [13]

         Dessa forma, para o exercício do controle de constitucionalidade jurisdicional, tem-se, de um lado, a norma impugnada, objeto de controle, e do outro, o parâmetro a ser confrontado, é dizer, a Constituição Federal – a norma que fundamenta a validade da norma impugnada.

         Cumpre frisar que a fiscalização do ordenamento jurídico em sede de controle de constitucionalidade não deve ser confundida com o controle de legalidade das normas – exempli gratia, o conflito entre lei e regulamento.

         A distinção reside no fato de que aquele controle tem como referência (ou parâmetro) a Constituição, enquanto este vela pela compatibilidade entre o regulamento e a própria lei que lhe conferiu fundamento de validade.

         Ademais, como bem adverte Gilmar Mendes:

         Não se pode deixar de reconhecer, por outro lado, que, na prática, a submissão dos regulamentos ao juízo abstrato de constitucionalidade poderia ameaçar o próprio funcionamento do Supremo Tribunal Federal, uma vez que, dadas a conformação conferida ao direito de propositura e a inexistência de requisitos de admissibilidade em processos dessa índole, um sem-número de causas acabaria por ser instaurado com objetivo de se aferir, simplesmente, a compatibilidade entre lei e regulamento. [14]

         Diga-se que este argumento – de assoberbar as funções do STF [15], inviabilizando seu funcionamento – ao tempo em que viabiliza a concretização do princípio da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF/88), por outro, nega o acesso do cidadão a Corte Suprema, afastando a apreciação de casos individuais, violando, portanto, o princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF/88), antes comentado.

         Registre-se que o parâmetro constitucional federal para controle de constitucionalidade engloba todas as normas constitucionais, seja de âmbito material, seja de âmbito formal, donde inclui-se até mesmo o ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - consoante nos informa José Carlos Francisco ao avaliar a reforma do judiciário perpetrada pela EC nº. 45/04:

         Uma dessas certezas é que a aplicação do Princípio da Supremacia da Constituição (que permite o controle de constitucionalidade dos atos jurídicos infraconstitucionais) passa a ter como parâmetro um conjunto de atos normativos, que no início não estará consolidado ou codificado, de forma sistematizada, num único diploma normativo. Com efeito, o ordenamento constitucional passa a ser composto do texto positivado e pelos elementos implícitos inseridos no corpo permanente e no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) pelo constituinte de 1988, pelos preceitos expressos e implícitos constantes apenas nas emendas de revisão produzidas com amparo no art. 3º do ADCT (vale dizer, dispositivos constitucionais que não foram introduzidos no corpo permanente ou no ADCT, mas que têm hierarquia constitucional) e, agora, também pelos preceitos expressos e implícitos contidos nos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos aprovados nos moldes do §3º do art. 5º do ordenamento constitucional. [16]

         Para o autor, este conjunto de normas e princípios conformam o denominado bloco de constitucionalidade:

         Dessa reunião de diplomas normativos, todos com hierarquia constitucional, o sistema jurídico brasileiro passa a se valar [sic] da noção de bloco de constitucionalidade, qual seja Constituição em sentido formal e material (portanto, hierárquico, permitindo o controle de constitucionalidade em decorrência da Supremacia da Constituição) que agora representa a reunião de diplomas normativos diversos, ainda que não consolidados em um único "código". [17]

         Fixadas as premissas que envolvem esta sindicância jurídica, passa-se a análise do regime de controle jurisdicional de constitucionalidade ao qual foi dado maior ênfase nesta pesquisa, como se justificará abaixo.

         3.1 CONTROLE CONCENTRADO

         Pode-se dizer que o controle concentrado de constitucionalidade surgiu na Europa, no século XX, quando Hans Kelsen atendeu ao projeto de Constituição da Áustria Oktober Verfassunj em 01/10/1920. Caracteriza-se por atribuir o controle a um único órgão jurisdicional, o Tribunal Constitucional.

         Segundo a doutrina tradicional, o controle de constitucionalidade concentrado, que deve ser realizado à luz da lei ou do ato normativo em tese, também pode ser denominado controle abstrato de constitucionalidade.

         Tal circunstância justifica a inexistência de partes ou de lide no processo, que é iniciado por uma ação especial de caráter objetivo, onde não há contraditório ou ampla defesa e que tem natureza dúplice [18].

         Dessa maneira, a improcedência da demanda em uma ação direta de inconstitucionalidade implica na declaração de constitucionalidade da norma impugnada. Já a improcedência da demanda em sede de ação direta de constitucionalidade redunda na declaração de inconstitucionalidade.

         Portanto, o controle concentrado de constitucionalidade se dá com ações objetivas, contra as quais não cabem recursos (excetuando-se os embargos de declaração) [19] e não é permitido desistência (art. 169, § 1º do RISTF). Sua decisão tem eficácia contra todos e em regra, efeito ex nunc.

         Trata-se de ações com "causa de pedir aberta", que permite ao órgão julgador decidir a questão da constitucionalidade com base em qualquer fundamento, mesmo se não ventilado pelo autor.

         Em outras palavras, a causa de pedir aberta viabiliza a análise do parâmetro Constitucional como um todo, de modo que, verbi gratia, ainda que a inicial indique a violação do art. X da Carta a ação poderá ser acolhida pelo desrespeito ao art. Y. Com efeito, o processo objetivo:

         É espécie de processo que não predispõe à tutela de situações subjetivas – sem vinculação a quaisquer pendengas concretas e individuais – mas, sim, de uma situação eminentemente objetiva: a adequação de norma infraconstitucional às normas constitucionais. Destina-se, assim, à guarda da Constituição, à defesa da ordem constitucional. Seu escopo é, portanto, estritamente político [20].

         Na lição de Gilmar Mendes, o controle concentrado ou abstrato de normas teria as seguintes características:

         Ao contrário dos sistemas dotados de um Tribunal Constitucional especial, nos quais o processo de controle abstrato de normas é apenas uma modalidade entre as diversas formas de controle de normas, o controle abstrato de normas no Brasil representava a única possibilidade de atacar-se, diretamente, perante o Supremo Tribunal Federal, a constitucionalidade de uma lei estadual ou federal. Pode-se afirmar, pois, que o controle abstrato de normas preenchia, nos modelos constitucionais de 1946, após a Emenda n. 16, de 1965, e de 1967/69, uma função supletiva e uma função corretiva do "modelo incidente" ou "difuso". [...] O controle abstrato de normas desempenhava, também uma função corretiva na medida em que, mediante decisão direta e definitiva do Supremo Tribunal Federal, permitia superar a situação de insegurança jurídica e da contraditoriedade dos julgados proferidos pelos diferentes juízes ou Tribunais sobre a mesma matéria. [...] A Constituição de 1988 reduziu o significado do controle de constitucionalidade incidental ou difuso, ao ampliar, de forma marcante, a legitimação para propositura da ação direta de inconstitucionalidade (CF, art. 103), permitindo que, praticamente, todas as controvérsias constitucionais relevantes sejam submetidas ao Supremo Tribunal Federal mediante processo de controle abstrato de normas. [21]

         Verifica-se que muitos defendem que o Brasil adotou uma concepção eclética na matéria, pois admite tanto o controle concentrado (ou abstrato – segundo a classificação tradicional) como o controle difuso (ou concreto) de constitucionalidade.

         Cumpre consignar, neste ponto, a lição peculiar de Edvaldo Brito:

         Há controle concentrado naqueles sistemas jurídicos, como o alemão, que prevêem um órgão com a exclusividade de apreciar e decidir sobre a constitucionalidade das leis. Nesse tipo, portanto, somente um órgão tem a competência. Tanto que, verificada por qualquer outro, no caso concreto, a ofensa, este suspenderá a apreciação do caso, submeterá o incidente àquele, aguardando a decisão para, então, reiniciar o procedimento. [22]

         Assim, seria incorreto afirmar que há no Brasil o controle concentrado, uma vez que todos os juízos em qualquer grau podem analisar a inconstitucionalidade argüida, sem outorgar ao STF exclusividade.

         Ainda segundo o mestre baiano, o Brasil adotou unicamente o controle difuso:

         Dissemos que ele é difuso. Isto porque, não somente há a declaração de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade, no plano jurisdicional, mas, também, porque qualquer órgão da estrutura do Estado, com atribuição para praticar atos decisórios, seja ele legislativo ou administrativo, pode agir em conformidade com a Constituição fazendo, pelo seu próprio controle, a seleção entre as normas válidas, recusando aquela flagrantemente ofensiva à Lei Maior para aplicar aquela que lhe seja compatível, sempre que a antinomia, entre elas, revelar conflito. Quando um órgão da Administração diz, porém, que ele não pode fazer esse controle é natural que está confundindo duas situações: a do controle de constitucionalidade, que exclui a norma do sistema mediante uma declaração, com a desse controle pela via da rejeição em aplicar normas geradoras de feitos opostos aos decorrentes da Constituição. Controle de constitucionalidade não significa, sempre, declarar a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade do ato normativo, mas, praticar atos regendo-os com normas que estejam em conformidade com a Constituição. [23]

         Portanto, o autor afasta-se da concepção tradicional que identifica o controle concentrado como controle abstrato de normas e o controle difuso como controle concreto.

         Para ele, o controle de constitucionalidade jurisdicional pode ser concentrado (como no exemplo do Tribunal Alemão) ou difuso, o qual se subdivide em in abstrato (da lei em tese) e in concreto (ou incidental, no caso concreto).

         Dessa forma, não haveria, tampouco, um controle de constitucionalidade "misto" no Brasil.

         Mencione-se que neste trabalho, a despeito da brilhante distinção acima aludida, foi adotada a classificação tradicional eis que mais difundida e comum, para fins de facilitar o entendimento e o desenvolvimento do tema.

         Assim, quando se fizer referência ao controle concentrado, leia-se controle in abstrato, e quando se falar de controle difuso, deve-se ler controle in concreto – sempre na modalidade jurisdicional.

         Fato é que, no tocante ao controle jurisdicional de constitucionalidade das leis orçamentárias, dada a natureza do objeto de regulação destas leis, o controle difuso de constitucionalidade se mostra inócuo.

         É que por regulamentar a aplicação de recursos públicos, fins e montantes, bem como determinar a atividade administrativa de obtenção, criação, gestão e dispêndio de recursos públicos, as leis orçamentárias não fixam deveres de observância universal tampouco direitos públicos subjetivos.

         Isto significa que o conteúdo das leis orçamentárias não contempla proposições cujo destinatário seja sujeito universal (generalidade) ou ação universal (abstração). Estas características, como se demonstrará, segundo jurisprudência ortodoxa do STF tem o poder de blindar tais espécies legislativas do controle de constitucionalidade, o que será objeto de crítica e reprovação.

         Diga-se ainda que o Supremo Tribunal Federal, há muito tempo, entende que a simples previsão da despesa no orçamento público não gera o direito subjetivo à realização dos gastos ou ao seu pagamento.

         Este é o teor da ação rescisória nº. 929 de relatoria do Ministro Rodrigues Alckmin:

         ORÇAMENTO. VERBAS DESTINADAS A INSTITUIÇÃO ASSISTENCIAL. - A PREVISÃO DE DESPESA, EM LEI ORÇAMENTÁRIA, NÃO GERA DIREITO SUBJETIVO A SER ASSEGURADO POR VIA JUDICIAL. - AÇÃO RESCISÓRIA IMPROCEDENTE. [24]

         Por todas estas razões, o controle difuso de constitucionalidade é imprestável para impugnar as leis orçamentárias, justamente porque elas não veiculam conteúdo de deveres ou direitos, presentes nos conflitos inter-individuais. Daí não fazermos um estudo sobre este tipo de controle de constitucionalidade.

         Indicada a relevância da modalidade concentrada, ressaltada também pelo efeito vinculante e eficácia contra todos, justifica-se o realce maior dado a esta forma de controle de constitucionalidade no presente trabalho.

         Passa-se agora a analisar o controle de constitucionalidade das leis orçamentárias em face da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, objeto central do presente trabalho.


4. CONTROLE DAS LEIS ORÇAMENTÁRIAS

         4.1 NATUREZA JURÍDICA DAS LEIS ORÇAMENTÁRIAS: ATO NORMATIVO CONCRETO COM "FORMA" DE LEI

         A fiscalização do ordenamento jurídico em sede de controle concentrado de constitucionalidade previsto na Carta Federal de 1988 tem como objeto todas as espécies normativas do art. 59 da CF/88, quais sejam: I - emendas à Constituição; II - leis complementares; III - leis ordinárias; IV - leis delegadas; V - medidas provisórias; VI - decretos legislativos; VII - resoluções.

         O art. 2º da Lei 4320/64 que Estatui Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal preceitua:

         A Lei do Orçamento conterá a discriminação da receita e despesa de forma a evidenciar a política econômica financeira e o programa de trabalho do Governo, obedecidos os princípios de unidade universalidade e anualidade.

         Elas compreendem, como espécies, o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e os orçamentos anuais, sendo todas de iniciativa exclusiva do Chefe de Poder Executivo (art. 165 da CF/88 e ADI nº. 1759-MC).

         Mas qual a natureza das leis orçamentárias? Teriam elas certo caráter de generalidade e/ou abstração inerente às leis ordinárias "comuns"?

         Norberto Bobbio, ao classificar as normas jurídicas, informa que toda proposição prescritiva "é formada de dois elementos constitutivos e portanto imprescindíveis: o sujeito, a quem a norma se dirige, ou seja, o destinatário, e o objeto da prescrição, ou seja, a ação prescrita". [25]

         Mais a frente o mestre italiano salienta:

         Em outras palavras, tanto o destinatário quanto o objeto podem figurar em uma proposição com sujeito universal e com sujeito singular. Deste modo, obtém-se, não dois, mas quatro tipos de proposições jurídicas, ou seja, prescrições com destinatário universal, prescrições com destinatário singular, prescrições com ação universal, prescrições com ação singular. [26]

         Partindo dessas distinções, Bobbio chega à diferenciação entre normas gerais e normas abstratas:

         Ao invés de usar indiscriminadamente os termos "geral" e "abstrato", julgamos oportuno chamar de "gerais" as normas que são universais em relação aos destinatários, e "abstratas" aquelas que são universais em relação à ação. Assim, aconselhamos falar em normas gerais quando nos encontramos frente a normas que se dirigem a uma classe de pessoas; e em normas abstratas quando nos encontramos frente a normas que regulam uma ação-tipo (ou uma classe de ações). Às normas gerais se contrapõem as que têm por destinatário um indivíduo singular, e sugerimos chamá-las de normas individuais; às normas abstratas se contrapõem as que regulam uma ação singular, e sugerimos chamá-las de normas concretas. [27]

         Ao final chega à seguinte classificação:

         Na realidade, combinando-se os quatro requisitos, o da generalidade, o da abstração, o da individualidade e o da concretude, as normas jurídicas podem ser de quatro tipos: normas gerais e abstratas (deste tipo são a maior parte das leis, por exemplo, as leis penais); normas gerais e concretas (uma lei que declara mobilização geral se volta a uma classe de cidadãos e ao mesmo tempo prescreve uma ação singular que, uma vez cumprida, exaure a eficácia da norma); normas individuais e abstratas (uma lei que atribui a uma determinada pessoa um ofício, por exemplo, o de juiz da Corte constitucional, se dirige a um só indivíduo e lhe prescreve não uma ação singular, mas todas aquelas que são inerentes ao exercício da função); normas individuais e concretas (o exemplo mais característico é fornecido pelas sentenças do juiz). [28]

         O Ministro Gilmar Mendes reconhece esta classificação:

         Os estudos e análises no plano da teoria do direito indicam que tanto se afigura possível formular uma lei de efeito concreto — lei casuística — de forma genérica e abstrata quanto seria admissível apresentar como lei de efeito concreto regulação abrangente de um complexo mais ou menos amplo de situações. [29]

         Ocorre que o legislador constituinte, a despeito das distinções acima referidas, não utilizou de qualquer classificação para delimitar o controle de constitucionalidade deste ou daquele tipo de norma.

         O art. 102, I, "a", da CF/88 é suficientemente claro:

         Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

         I - processar e julgar, originariamente:

         a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; (grifamos)

         A determinação constitucional de controlar apenas os atos normativos não dá margem a outra interpretação.

         No entanto, não há, no texto constitucional, qualquer ressalva sobre a lei "abstrata e/ou geral" ou o ato normativo "abstrato e/ou geral" ser o único idôneo à sindicância jurisdicional por meio da ação direta de constitucionalidade.

         Em outras palavras, a Constituição não exige densidade normativa para efeitos de controle abstrato de constitucionalidade. Ela o faz para ato que não seja a lei formal.

         Ademais, onde não houver restrição do texto constitucional não caberá ao intérprete fazê-lo, pena de inovar no ordenamento, substituindo-se ao Legislador Constituinte usurpando da sua função de criar o direito constitucional.

         É está a conclusão do Ministro Gilmar Mendes no seu voto na ADI 4048:

         Ora, se a Constituição submete a lei ao processo de controle abstrato, até por ser este o meio próprio de inovação na ordem jurídica e o instrumento adequado de concretização da ordem constitucional, não parece admissível que o intérprete debilite essa garantia da Constituição, isentando um número elevado de atos aprovados sob a forma de lei do controle abstrato de normas e, muito provavelmente, de qualquer forma de controle. [30]

         Cumpre observar que, para atender à vontade do Legislador Constituinte, alguns atos devem ser veiculados por meio de lei (ainda que disponham de objeto com ação singular, ou seja, tenha efeitos concretos), como as leis que criam as autarquias, fundações, sociedades de economia mista, empresas públicas e municípios.

         Gilmar Mendes é taxativo:

         O Tribunal se vê diante, assim, de um tema ou de uma controvérsia constitucional suscitada em abstrato, independente do caráter geral ou específico, concreto ou abstrato de seu objeto. A Corte não pode se furtar à análise do tema posto nesta ação direta. Há uma questão constitucional, de inegável relevância jurídica e política, que deve ser analisada a fundo. [31]

         Em conclusão, toda norma idônea para sindicar por meio do controle abstrato – sim, porque este é quem deve ser abstrato, e não seu objeto – de constitucionalidade é aquele que se enquadre como lei ou ato normativo.

         Dessa forma, uma norma pode ser concreta (por regular uma ação/conduta singular) ou abstrata (por regular ação/condutas indeterminadas) e ter caráter de individualidade ao mesmo tempo (por ser cogente a uma determinada pessoa).

         De outra monta, as leis orçamentárias se direcionam a um sujeito determinado, singular, no caso, ao Poder Executivo, a quem caberá implementar aquele orçamento.

         Não restam dúvidas de que as leis orçamentárias encerram um comando singular, uma ação, uma ordem. Exempli gratia: "deverão ser investidos R$ 20 milhões em saneamento básico nos próximos 2 anos no Estado da Bahia"; ou, "deverão ser arrecadados R$ 100 milhões em tributos estaduais".

         Fato é que uma vez exaurido o comando da lei orçamentária, tais leis perderão a eficácia, mas é importante repisar que seu caráter temporário não retira, em nenhuma hipótese, sua essência de lei formal. Não influencia, tampouco, na sua eventual abstratividade, como se demonstrará. A temporariedade das leis orçamentárias apenas delimita o período em que o comando deve ser executado pelo destinatário.

         Assim, pode-se dizer que as leis orçamentárias enquadram-se numa zona cinzenta, em que, a despeito de consubstanciar um ato concreto (ação singular) e individual (destinatário único), tem forma de lei, tanto que seus projetos seguem as mesmas regras do processo legislativo prescritas na CF/88 (§7º do art. 166 da CF/88).

         Aliás, diga-se que o processo legislativo das leis orçamentárias se distingue apenas em dois pontos em relação à criação da lei ordinária "comum": i) deliberação bicameral (art. 166, caput, da CF/88); ii) emendas ao projeto apreciadas por Comissão mista (art. 166, §2º, da CF/88).

         O certo é que, apesar de serem atos normativos que prescrevem uma ação concreta e específica, direcionada não à universalidade de sujeitos mas a um único destinatário, distintamente das leis ordinárias comuns, elas tem natureza de ato normativo concreto com "forma" de lei.

         4.2 O PROBLEMA DA DISCRICIONARIEDADE

         É sobremodo importante analisar o problema da discricionariedade do Executivo nas escolhas políticas da elaboração do orçamento público, no contexto do controle de constitucionalidade das leis orçamentárias.

         Afinal, há violação ao postulado da separação dos poderes quando o Judiciário interfere nas escolhas políticas do Executivo sobre onde aplicar as verbas públicas?

         Inicialmente, deve ser afastada a idéia de que a lei orçamentária não possui qualquer força normativa pois assim como qualquer outra lei, ela é cogente ao seu destinatário.

         Realmente, os gastos públicos além de sindicáveis em determinados aspectos pelo Judiciário, hoje estão vinculados a determinadas circunstâncias objetivamente fixadas pela Constituição Federal.

         A discricionariedade das escolhas é cada vez mais restrita. Seu ponto mais significativo ocorre durante a elaboração das leis orçamentárias, ou seja, no momento do reconhecimento das políticas públicas carentes e nas escolhas daquelas que receberão recursos, haja vista a escassez dos mesmos [32].

         De fato, neste momento não há sequer possibilidade de controle jurisdicional de constitucionalidade. Aqui, o grau de discricionariedade da Administração Pública é máximo, mas é equivocado afirmar que ele não tem limites.

         É inegável que durante as escolhas do Poder Público na elaboração do orçamento, uma ingerência de outro poder sobre o Executivo além de violar a cláusula da separação dos poderes, implicaria numa substituição escancarada das funções políticas daquele, o que não se deve admitir.

         Por outro lado, sancionada a lei orçamentária, surge o caráter cogente da norma (força normativa) que merece fiscalização, especialmente quando o texto Constitucional dispõe sobre vínculos de despesas, limites mínimos e políticas públicas a serem implantadas.

         A discricionariedade da Administração neste ponto é muito mais limitada e está jungida, tanto aos limites fáticos impostos pelas reais necessidades da população (o que implica na legitimidade ou não daquela despesa pública) quanto pelas regras constitucionais.

         Não se pode admitir a construção de uma praça de lazer quando a região afetada não possui sequer um posto de saúde básico, pena de tal escolha ser taxada de ilegítima. Também não se pode destinar a arrecadação com determinação contribuição especial em finalidade distinta daquela prevista no texto Magno, sob pena de inconstitucionalidade.

         Convém ponderar que as decisões axiológicas e políticas que foram tomadas pelo Legislador Constituinte Originário merecem ser observadas e cumpridas para não desvalorar a força normativa da Carta.

         Deve-se reconhecer que há dispositivos, como as normas programáticas, de nítido teor político, que merecem ser cumpridas como todas as outras da Constituição. Assim, ao Poder Público, só cabe (também) obedecer a tais diretrizes políticas na elaboração e na execução das leis orçamentárias.

         Nem se diga que no caso das normas constitucionais programáticas, por serem isentas de vinculação jurídica, não estaria o Executivo obrigado a obedecê-la, pois consoante a lição de Rui Barbosa, citado por Edvaldo Brito, não há uma única norma constitucional com mero conteúdo moral ou valor sugestivo:

         [...] a doutrina tradicional da norma programática, segundo a qual os direitos econômicos e sociais, debuxados nas hipóteses normativas constitucionais, seriam, na realidade, conteúdos éticos-sociais ou econômicos-sociais constitutivos de programas a serem posteriormente implementados se e quando as autoridades competentes deliberarem fazê-lo. Por isso, essas hipóteses normativas não seriam, propriamente, normas, mas, simples enunciados sem natureza deôntica. Não há, neste sentido, norma programática. Toda norma do tecido constitucional tem natureza jurídica e, por isso, participa de todas as características desse tipo de regra. RUY BARBOSA [33] sepulta as dúvidas, afirmando que não há, numa Constituição, cláusulas, a que se deva atribuir meramente o valor moral de conselhos, avisos ou lições. Todas têm a força imperativa de regras, ditadas pela soberania nacional ou popular aos seus órgãos. [35]

         Regra geral, o direito orçamentário é orientado pelo princípio da não afetação de receitas, positivado no início do art. 167, IV, da CF/88, bem rememorado por Kiyoshi Harada da seguinte forma:

         Os impostos, que são decretados independentemente de qualquer atuação específica do Estado, destinam-se a prover a execução de obras públicas e serviços públicos gerais. A Constituição, entretanto, abriu exceções que vêm sendo ampliadas por meio de Emendas. [36]

         Impende observar que a EC nº. 42/03 deu nova redação ao dispositivo para excepcionar deste princípio, algumas situações:

         Art. 167. São vedados:

         [...]

         IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo;

         Portanto, a própria Carta inclui um item no orçamento público que deverá ser observado: haverá destinação dos impostos partilhados entre os entes federados nas ações para saúde, ensino e atividades da administração tributária. Trata-se de um novo limite ao âmbito discricionário do Executivo.

         No tocante ao direito fundamental à saúde e ao ensino, a não aplicação dos percentuais mínimos exigidos pela Carta dá causa a intervenção Federal nos Estados e no Distrito Federal, e intervenção Estadual nos Municípios. Trata-se da violação aos princípios constitucionais sensíveis. Confira-se:

         Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:

         [...]

         VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:

         e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.

         Art. 35. O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em Território Federal, exceto quando:

         III - não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde;

         O § 3º do art. 198 dispõe que os limites constitucionais mínimos de gastos públicos aceitáveis com o direito fundamental à saúde constariam de lei complementar:

         Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

         [...]

         § 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre:

         I - no caso da União, na forma definida nos termos da lei complementar prevista no § 3º;

         II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios;

         III - no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º.

         § 3º Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabelecerá:

         I - os percentuais de que trata o § 2º;

         II - os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos Estados destinados a seus respectivos Municípios, objetivando a progressiva redução das disparidades regionais;

         Ocorre que tal lei complementar, diante da finalidade delineada no inciso II do § 3º, do art. 198 deve ser editada no âmbito federal, consoante já decidiu o STF, ao declarar a inconstitucionalidade de lei estadual que dispõe sobre isso:

         Sistema único de saúde: reserva à lei complementar da União do estabelecimento de ‘critérios de rateio dos recursos e disparidades regionais’ (CF, art. 198, § 3º, II): conseqüente plausibilidade da argüição da invalidez de lei estadual que prescreve o repasse mensal aos municípios dos 'recursos mínimos próprios que o Estado deve aplicar em ações e serviços de saúde'; risco de grave comprometimento dos serviços estaduais de saúde: medida cautelar deferida para suspender a vigência da lei questionada. [37]

         Enquanto tal lei federal não é editada, o tema encontra-se regulamentado pelo art. 77 do ADCT incluído pela EC 29/00:

         Art. 77. Até o exercício financeiro de 2004, os recursos mínimos aplicados nas ações e serviços públicos de saúde serão equivalentes:

         I - no caso da União:

         a) no ano 2000, o montante empenhado em ações e serviços públicos de saúde no exercício financeiro de 1999 acrescido de, no mínimo, cinco por cento;

         b) do ano 2001 ao ano 2004, o valor apurado no ano anterior, corrigido pela variação nominal do Produto Interno Bruto - PIB;

         II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, doze por cento do produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios; e

         III - no caso dos Municípios e do Distrito Federal, quinze por cento do produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º.

         § 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que apliquem percentuais inferiores aos fixados nos incisos II e III deverão elevá-los gradualmente, até o exercício financeiro de 2004, reduzida a diferença à razão de, pelo menos, um quinto por ano, sendo que, a partir de 2000, a aplicação será de pelo menos sete por cento

         § 2º Dos recursos da União apurados nos termos deste artigo, quinze por cento, no mínimo, serão aplicados nos Municípios, segundo o critério populacional, em ações e serviços básicos de saúde, na forma da lei.

         § 3º Os recursos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinados às ações e serviços públicos de saúde e os transferidos pela União para a mesma finalidade serão aplicados por meio de Fundo de Saúde que será acompanhado e fiscalizado por Conselho de Saúde, sem prejuízo do disposto no art. 74 da Constituição Federal.

         § 4º Na ausência da lei complementar a que se refere o art. 198, § 3º, a partir do exercício financeiro de 2005, aplicar-se-á à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios o disposto neste artigo.

         No tocante ao direito fundamental ao ensino, é o art. 212 quem fixa os limites:

         Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino

         Por sua vez, o art. 79 do ADCT, também inserido por emenda constitucional (EC nº. 31/00), instituiu o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, nos seguintes termos:

         Art. 79. É instituído, para vigorar até o ano de 2010, no âmbito do Poder Executivo Federal, o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, a ser regulado por lei complementar com o objetivo de viabilizar a todos os brasileiros acesso a níveis dignos de subsistência, cujos recursos serão aplicados em ações suplementares de nutrição, habitação, educação, saúde, reforço de renda familiar e outros programas de relevante interesse social voltados para melhoria da qualidade de vida.

         Parágrafo único. O Fundo previsto neste artigo terá Conselho Consultivo e de Acompanhamento que conte com a participação de representantes da sociedade civil, nos termos da lei.

         Compõem este Fundo, dentre outras receitas, a arrecadação de 5% (cinco por cento) de imposto sobre produtos industrializados incidente sobre produtos supérfluos, impostos sobre grandes fortunas etc.

         Há mais exemplos na Constituição, trazidos por emenda, de limites objetivos para elaboração do orçamento público.

         Como no art. 204 que facultou os Estados-membros e o Distrito Federal vincular até cinco décimos por cento de sua receita tributária liquida a programa de apoio à inclusão e promoção social, bem como o fundo de fomento à cultura para o financiamento de programas e projetos culturais, nos termos do §6º do art. 216 da Carta. Tal dispositivo peca por ter instituído faculdade, quando deveria ter vinculado as despesas, assim como fez com a saúde e o ensino.

         Entretanto, no momento, deve-se ressaltar o caráter progressivo e a atenção dispensada pelo Constituinte Reformador para efetivação dos direitos à assistência social e à cultura, tão negligenciados pelo Poder Público em todo o país.

         Citem-se ainda as previsões constitucionais de receitas vinculadas, que também servem como limitadores da discricionariedade do Executivo: art. 149 trata das contribuições sociais cobradas dos servidores públicos que deverão servir para custear o regime próprio de previdência social; art. 195 trata das contribuições para custear o regime geral de previdência social;

         Diante desse arcabouço legal, indaga-se: será mesmo que a lei orçamentária que desrespeite estes limites objetivos fixados pela Constituição Federal deve estar alheia ao controle jurisdicional de constitucionalidade? A resposta só pode ser negativa.

         O fato é que todas estas limitações à discricionariedade administrativa, incidem, sem dúvida alguma, sobre a elaboração do orçamento público. A inobservância destes limites atrai a incidência da jurisdição constitucional para corrigir a pecha de inconstitucionalidade da lei orçamentária, como passa a admitir, cada vez mais, o Supremo Tribunal Federal.

         4.2 EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF

         O Supremo Tribunal Federal, na década de 1990, se posicionou pela impossibilidade de conhecer de ação direta de constitucionalidade quando o ato normativo tiver apenas efeitos concretos, ainda que editados sob a forma de lei:

         AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI N. 8.541/92 (ART. 56 E PARS.) - ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO CONCURSO PÚBLICO E A REGRA DE VALIDADE TEMPORAL DAS PROVAS SELETIVAS (CF, ART. 37, II E III) - ATO DE EFEITOS CONCRETOS - INIDONEIDADE OBJETIVA DESSA ESPÉCIE JURÍDICA PARA FINS DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO - JUÍZO DE CONSTITUCIONALIDADE DEPENDENTE DA PREVIA ANALISE DE ATOS ESTATAIS INFRACONSTITUCIONAIS - INVIABILIDADE DA AÇÃO DIRETA - NÃO-CONHECIMENTO. - ATOS ESTATAIS DE EFEITOS CONCRETOS, AINDA QUE VEICULADOS EM TEXTO DE LEI FORMAL, NÃO SE EXPOEM, EM SEDE DE AÇÃO DIRETA, A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ABSTRATA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. A AUSÊNCIA DE DENSIDADE NORMATIVA NO CONTEUDO DO PRECEITO LEGAL IMPUGNADO DESQUALIFICA-O ENQUANTO OBJETO JURIDICAMENTE INIDONEO - PARA O CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO. - A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE NÃO CONSTITUI SUCEDANEO DA AÇÃO POPULAR CONSTITUCIONAL, DESTINADA, ESTA SIM, A PRESERVAR, EM FUNÇÃO DE SEU AMPLO ESPECTRO DE ATUAÇÃO JURÍDICO-PROCESSUAL, A INTANGIBILIDADE DO PATRIMÔNIO PÚBLICO E A INTEGRIDADE DO PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA (CF, ART. 5. LXXIII). - NÃO SE LEGITIMA A INSTAURAÇÃO DO CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO QUANDO O JUÍZO DE CONSTITUCIONALIDADE DEPENDE, PARA EFEITO DE SUA PROLAÇÃO, DO PREVIO COTEJO ENTRE O ATO ESTATAL IMPUGNADO E O CONTEUDO DE OUTRAS NORMAS JURIDICAS INFRACONSTITUCIONAIS EDITADAS PELO PODER PÚBLICO. A AÇÃO DIRETA NÃO PODE SER DEGRADADA EM SUA CONDIÇÃO JURÍDICA DE INSTRUMENTO BASICO DE DEFESA OBJETIVA DA ORDEM NORMATIVA INSCRITA NA CONSTITUIÇÃO. A VALIDA E ADEQUADA UTILIZAÇÃO DESSE MEIO PROCESSUAL EXIGE QUE O EXAME "IN ABSTRACTO" DO ATO ESTATAL IMPUGNADO SEJA REALIZADO EXCLUSIVAMENTE A LUZ DO TEXTO CONSTITUCIONAL. DESSE MODO, A INCONSTITUCIONALIDADE DEVE TRANSPARECER DIRETAMENTE DO TEXTO DO ATO ESTATAL IMPUGNA DO. A PROLAÇÃO DESSE JUÍZO DE DESVALOR NÃO PODE E NEM DEVE DEPENDER, PARA EFEITO DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO, DA PREVIA ANALISE DE OUTRAS ESPÉCIES JURIDICAS INFRACONSTITUCIONAIS, PARA, SOMENTE A PARTIR DESSE EXAME E NUM DESDOBRAMENTO EXEGETICO ULTERIOR, EFETIVAR-SE O RECONHECIMENTO DA ILEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO ATO QUESTIONADO. [38]

         Ação direta de inconstitucionalidade. Argüição de inconstitucionalidade parcial dos artigos 7. e 9. da Lei 8.029/90, bem como dos incisos III e IV do artigo 2. do Decreto 99240/90. Medida liminar requerida. - A ação direta de inconstitucionalidade e o meio pelo qual se procede, por intermédio do Poder Judiciário, ao controle da constitucionalidade das normas jurídicas "in abstrato". Não se presta ela, portanto, ao controle da constitucionalidade de atos administrativos que tem objeto determinado e destinatários certos, ainda que esses atos sejam editados sob a forma de lei - as leis meramente formais, porque tem forma de lei, mas seu conteúdo não encerra normas que disciplinem relações jurídicas em abstrato. - No caso, tanto o artigo 7. como o artigo 9. da Lei 8.029 são leis meramente formais, pois, em verdade, tem por objeto atos administrativos concretos. - Por outro lado, no tocante aos incisos III e IV do artigo 2. do Decreto 99240, de 7 de maio de 1990, são eles de natureza regulamentar - disciplinam a competência dos inventariantes que promoverão os atos de extinção das autarquias e fundações declarados extintos por esse mesmo Decreto com base na autorização da Lei 8.029, de 12 de abril de 1990, não sendo assim, segundo a firme jurisprudência desta Corte, susceptíveis de ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida. [39]

         - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 2006/90 DO ESTADO DO AMAZONAS. ATO ADMINISTRATIVO CONCRETO. NÃO-CONHECIMENTO DA AÇÃO, PREJUDICADA A MEDIDA CAUTELAR. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 2006, DE 14 DE DEZEMBRO DE 1990, DO ESTADO DO AMAZONAS, QUE DISPÕE SOBRE A REVISÃO DE PROVENTOS DE SERVIDORES DA SECRETARIA DE ESTADO DA FAZENDA. TEXTO INABILITADO AO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. ATO ADMINISTRATIVO CONCRETO SOB A FORMA DE LEI: INEXISTÊNCIA DE ASPECTOS DE ABSTRAÇÃO E GENERALIDADE QUE CARACTERIZAM O OBJETO IDONEO DA AÇÃO DIRETA. AÇÃO NÃO CONHECIDA, RESTANDO PREJUDICADA A MEDIDA CAUTELAR. [40]

         O Supremo não conheceu, ainda, da ação direta que questionava Lei Piauiense que determinou o retorno de servidores públicos à atividade:

         EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade: inviabilidade: ato normativo de efeitos concretos. 1. O Decreto Legislativo 121/98, da Assembléia Legislativa do Estado do Piauí, impugnado, impõe a reintegração de servidores, que teriam aderido ao Programa de Incentivo ao Desligamento Voluntário do Servidor Público Estadual (L. est. 4.865/96). 2. O edito questionado, que, a pretexto de sustá-los, anula atos administrativos concretos - quais os que atingiram os servidores nominalmente relacionados - não é um ato normativo, mas ato que, não obstante de alcance plural, é tão concreto quanto aqueles que susta ou torna sem efeito. 3. É da jurisprudência do Supremo Tribunal que só constitui ato normativo idôneo a submeter-se ao controle abstrato da ação direta aquele dotado de um coeficiente mínimo de abstração ou, pelo menos, de generalidade. 4. Precedentes (vg. ADIn 767, Rezek, de 26.8.92, RTJ 146/483; ADIn 842, Celso, DJ 14.05.93). [41]

         Ou da ADI que impugnou lei estadual que declarava bem público como integrante do patrimônio cultural e histórico, conforme noticiado no informativo nº. 284/STF:

         Tendo em vista a jurisprudência do STF no sentido de que não se conhece de ação direta de inconstitucionalidade contra atos normativos de efeitos concretos, o Tribunal não conheceu de ação direta ajuizada pelo Governador do Estado do Rio Grande do Sul em que se impugnava a Lei 11.744/2002, do mesmo Estado, que declara, como bem integrante do patrimônio cultural e histórico estadual, o prédio e a destinação do Quartel General da Brigada Militar em Porto Alegre. [42]

         São exemplos de leis que tratam de ações específicas (concretas), com destinatário definido (individual) e que não tem o poder de regulamentar ações universais (abstratas) ou com destinatário universal (geral).

         O posicionamento do STF começou a mudar ao reconhecer o de caráter normativo das leis orçamentárias, como no caso da Lei Orçamentária Anual da União (Lei nº. 10.640/03) na ADI 2.925/DF, em 2003:

         PROCESSO OBJETIVO - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI ORÇAMENTÁRIA. Mostra-se adequado o controle concentrado de constitucionalidade quando a lei orçamentária revela contornos abstratos e autônomos, em abandono ao campo da eficácia concreta. LEI ORÇAMENTÁRIA - CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO - IMPORTAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DE PETRÓLEO E DERIVADOS, GÁS NATURAL E DERIVADOS E ÁLCOOL COMBUSTÍVEL - CIDE - DESTINAÇÃO - ARTIGO 177, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. É inconstitucional interpretação da Lei Orçamentária nº 10.640, de 14 de janeiro de 2003, que implique abertura de crédito suplementar em rubrica estranha à destinação do que arrecadado a partir do disposto no § 4º do artigo 177 da Constituição Federal, ante a natureza exaustiva das alíneas "a", "b" e "c" do inciso II do citado parágrafo. [43]

         Na oportunidade, a Corte conheceu [44] e julgou procedente a ADI para dar interpretação conforme à CF/88, no sentido de que a abertura de crédito suplementar prevista na LOA da União seja destinado às finalidades enumeradas no art. 177, § 4º, II, da CF/88, quais sejam:

         a)ao pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, gás natural e seus derivados e derivados de petróleo;

         b)ao financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás;

         c)ao financiamento de programas de infra-estrutura de transportes.

         É que o art. 4º da aludida lei federal autorizava o Poder Executivo a abrir os créditos suplementares para complementar outras dotações, distintas daquelas despesas vinculadas pelo texto Constitucional quando da instituição da CIDE-combustíveis.

         É inegável que este artigo preceituou uma regra matriz de movimentação orçamentária. Aqui se desvelou o caráter abstrato (objeto com proposição de ação universal) da norma orçamentária.

         Apesar de conter um único destinatário (norma individual), o texto era abstrato por prescrever um número indeterminado de ações (norma abstrata) ou condutas – abertura de inúmeros créditos suplementares pelo Executivo. De fato, a abertura do crédito por meio de decreto, como já se disse, é um ato concreto, mas nem por isso a lei perde abstratividade.

         Registre-se que na oportunidade, tanto a Advocacia Geral da União quanto o Ministério Público Federal opinaram pelo não conhecimento e pela improcedência da ação.

         O autor logrou demonstrar que as receitas com arrecadação da contribuição por intervenção no domínio econômico não seria, consoante o demonstrativo das despesas trazidas pela própria lei, para nenhuma das indicações vinculantes da Carta Magna.

         Estes créditos suplementares - os quais servem para reforçar despesas já previstas e são abertos por simples decreto presidencial - consubstanciaram, na verdade, "cheques em branco" para o Executivo gastar com outras despesas públicas, nos termos da lei impugnada mas ao largo do texto constitucional.

         Diga-se ainda que a abstração da LOA da União não é suplantada pela temporariedade típica deste tipo de leis orçamentárias – válidas por um ano. É que a abstração, como se viu, está ligada as prescrições legais de condutas desejadas do destinatário, de modo que se a lei o autoriza a aplicar e reaplicar a lei (ainda que limitado temporalmente), não se pode falar em desaparecimento da abstração da mesma (ao menos até que perca a eficácia, com o advento do termo final).

         Se em outros tempos, a abertura de crédito suplementar no que diz respeito a escolha da alocação de recursos públicos pelo Poder Executivo, tendo em consideração o princípio da separação de poderes, sempre foi algo alheio ao controle jurisdicional, com esta decisão, passou a ser objeto de fiscalização e ingerência pelo Judiciário, nos termos daquilo que preceituar a CF/88.

         Este é o novo entendimento do STF sempre que houver dúvida na interpretação da lei orçamentária atacada em face de dispositivo peremptório da Carta, sem que implique em interferência do Judiciário na escolha das políticas públicas, como bem ressaltou o Ministro Carlos Veloso no seu voto:

         Evidentemente que não estou mandando o Governo gastar. A realização de despesas depende de políticas publicas. O que digo é que o Governo não pode gastar o produto da arrecadação da CIDE fora do que estabelece a Constituição Federal, no art. 177, § 4º,II. Noutras palavras, o Governo somente poderá gastar o produto da arrecadação da mencionada contribuição no que está estabelecido na Constituição, art. 177, § 4º, II. [45]

         Fato é que todos os Ministros se curvaram diante das várias interpretações que a matéria – assaz complexa – impõe, mas entenderam a necessidade de excluir aquelas diferentes da preconizada pelo art. 177, § 4º, II, da CF/88.

         Recentemente, no julgamento da medida cautelar na ADI 4048 de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, o STF voltou a admitir o controle de constitucionalidade das leis orçamentárias:

         EMENTA: MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA PROVISÓRIA N° 405, DE 18.12.2007. ABERTURA DE CRÉDITO EXTRAORDINÁRIO. LIMITES CONSTITUCIONAIS À ATIVIDADE LEGISLATIVA EXCEPCIONAL DO PODER EXECUTIVO NA EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS.

         I. MEDIDA PROVISÓRIA E SUA CONVERSÃO EM LEI. Conversão da medida provisória na Lei n° 11.658/2008, sem alteração substancial. Aditamento ao pedido inicial. Inexistência de obstáculo processual ao prosseguimento do julgamento. A lei de conversão não convalida os vícios existentes na medida provisória. Precedentes.

         II. CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE DE NORMAS ORÇAMENTÁRIAS. REVISÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O Supremo Tribunal Federal deve exercer sua função precípua de fiscalização da constitucionalidade das leis e dos atos normativos quando houver um tema ou uma controvérsia constitucional suscitada em abstrato, independente do caráter geral ou específico, concreto ou abstrato de seu objeto. Possibilidade de submissão das normas orçamentárias ao controle abstrato de constitucionalidade.

         III. LIMITES CONSTITUCIONAIS À ATIVIDADE LEGISLATIVA EXCEPCIONAL DO PODER EXECUTIVO NA EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS PARA ABERTURA DE CRÉDITO EXTRAORDINÁRIO. Interpretação do art. 167, § 3º c/c o art. 62, § 1º, inciso I, alínea "d", da Constituição. Além dos requisitos de relevância e urgência (art. 62), a Constituição exige que a abertura do crédito extraordinário seja feita apenas para atender a despesas imprevisíveis e urgentes. Ao contrário do que ocorre em relação aos requisitos de relevância e urgência (art. 62), que se submetem a uma ampla margem de discricionariedade por parte do Presidente da República, os requisitos de imprevisibilidade e urgência (art. 167, § 3º) recebem densificação normativa da Constituição. Os conteúdos semânticos das ex pressões "guerra", "comoção interna" e "calamidade pública" constituem vetores para a interpretação/aplicação do art. 167, § 3º c/c o art. 62, § 1º, inciso I, alínea "d", da Constituição. "Guerra", "comoção interna" e "calamidade pública" são conceitos que representam realidades ou situações fáticas de extrema gravidade e de conseqüências imprevisíveis para a ordem pública e a paz social, e que dessa forma requerem, com a devida urgência, a adoção de medidas singulares e extraordinárias. A leitura atenta e a análise interpretativa do texto e da exposição de motivos da MP n° 405/2007 demonstram que os créditos abertos são destinados a prover despesas correntes, que não estão qualificadas pela imprevisibilidade ou pela urgência. A edição da MP n° 405/2007 configurou um patente desvirtuamento dos parâmetros constitucionais que permitem a edição de medidas provisórias para a abertura de créditos extraordinários. IV. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. Suspensão da vigência da Lei n° 11.658/2008, desde a sua publicação, ocorrida em 22 de abril de 2008. [46]

         Neste caso, após direcionar solidamente o entendimento da Corte pela possibilidade de controle abstrato de constitucionalidade das leis orçamentárias, revisitando a jurisprudência mais antiga e ortodoxa do Supremo, o julgamento da medida cautelar terminou por suspender a Lei nº 11.658/2008 (conversão da MP nº 405/07).

         A fundamentação da medida cautelar contempla a análise de vícios inconstitucionais relacionados à edição da medida provisória, de modo que, a despeito da mesma ter sido convertida na lei que foi suspensa, o STF entende que a sua transformação posterior não convalida os vícios existentes no momento em que foi editada aquela espécie normativa.

         Por seu turno, a medida provisória foi editada para autorizar o Executivo a abrir credito extraordinário destinando R$ 5.455.677.660,00 (cinco bilhões, quatrocentos e cinqüenta e cinco milhões, seiscentos e setenta e sete mil, seiscentos e sessenta reais) de recursos públicos a diversificados setores e atividades estatais, sem observar a necessidade de imprevisibilidade e urgência para adotar a medida, como nos casos de guerra, comoção interna ou calamidade pública previsto nos arts. 62 c.c. 167, §3º da CF/88.

         Como se vê, a própria Carta dá parâmetros para que o intérprete delimite o alcance da norma. É dizer, somente nos casos de eventos extremamente graves (guerra, calamidade pública), capazes de afetar a ordem social e a paz, é que será possível utilizar-se da medida provisória para abertura de crédito extraordinário. Mas tal limite constitucional para elaboração do orçamento público foi desrespeitado.

         É bem verdade que os investimentos (i) na aquisição de 18 (dezoito) cartórios eleitorais do TRE-MG, ou (ii) na implantação da TV Digital no Brasil, (iii) criação 480 (quatrocentos e oitenta) vagas para atendimento socioeducativo de adolescentes em conflito com a lei, (iv) instalação e funcionamento de empreendimento ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia para fomentar o mercado de semicondutores, (v) pagamento de despesas com o Sistema Integrado de Administração Financeira (SIAFI) e com o Sistema Integrado de Comercio Exterior (SISCOMEX), (vi) concessão de bolsas de estudo no exterior, (vii) continuidade da operação de policiamento das rodovias federais, (viii) reformulação das agências de previdência social, (ix) participação brasileira nos projetos humanitários e de cooperação nos Territórios Palestinos ocupados, (x) pagamento de despesas com as Delegacias Regionais do Trabalho, dentre inúmeros outros itens, não correspondem aos preceitos autorizadores da Constituição Federal para abertura de crédito extraordinário por meio de medida provisória. Tratam-se de despesas correntes que constam em orçamentos anteriores, e que servem para administrar a maquina pública. Não há que se falar em urgência para tais despesas.

         Seja como for, é inegável que tanto este como aqueloutro julgado, demonstram uma clara alteração no posicionamento da Corte Excelsa sobre o tema. Cada vez mais, o STF vem emprestando à Carta caráter determinante em relação à realidade do gerenciamento do orçamento público no Brasil, a fim de conformar estes atos até então incontroláveis, ao quanto dispõe o texto magno.


5 CONCLUSÃO

         O papel da jurisdição constitucional é garantir a efetiva concretização da ordem constitucional, e no contexto do orçamento público, o controle abstrato de constitucionalidade das leis orçamentárias se impõe.

         Admitir-se que estas leis de efeitos concretos são inidôneas ao controle abstrato de constitucionalidade é inaceitável.

         Primeiro, porquanto tal assertiva gera enorme insegurança jurídica, já que implica dizer que um número elevadíssimo de leis editadas todos os anos ficariam ser qualquer controle, ou seja, estariam blindadas à sindicância da jurisdição constitucional. Segundo, porquanto as leis orçamentárias não envolvem questões subjetivas, o que dificulta muito o seu controle por meio do controle difuso de constitucionalidade. Terceiro, porque o princípio da supremacia da Constituição não permite que esta espécie de lei formal seja colocada em posição superior à própria Constituição.

         Em hipóteses semelhantes às da ADI nº. 2925 e ADI nº. 4048, em que patente o descumprimento do texto Constitucional, negar o conhecimento da ação direta equivaleria a criar um espaço de ilegitimidade inalcançável pelo controle jurisdicional. Seria criar um "cavalo de Tróia" [47] no sistema de controle de constitucionalidade.

         A nova orientação do legislador constituinte reformador demonstra que o tema não foi esquecido e que está começando a ter o tratamento constitucional adequado.

         Já a nova orientação do Supremo Tribunal Federal permite o controle de legitimidade da legislação orçamentária, o que viabiliza a concretização do Estado Democrático de Direito Brasileiro. E, no campo dos provimentos das prestações positivas dos direitos fundamentais, tal entendimento se revela ainda mais necessário e relevante.

         Ainda que não existam critérios gerais para orientar a jurisprudência do STF, é louvável a alteração marcante no entendimento da Corte, que busca dar cada vez mais força normativa a Constituição.

         O controle do Poder Executivo (que envia o projeto de lei orçamentária) e do Poder Legislativo (que o aprova sem adotar os limites vinculantes da Carta em matéria orçamentária) deve ser feito com a intervenção da Corte no papel de guardião da Constituição.

         Não é mais possível relegar o tema da efetivação dos direitos fundamentais unicamente àqueles poderes, historicamente omissos e negligentes aos interesses dos setores mais desprovidos da sociedade.

         Para que o direito cumpra sua finalidade que é defender o interesse público primário, seja quem for o governante ou sua opção política, é indispensável que o controle das leis orçamentárias pelo Judiciário ocorra com maior freqüência.

         Trata-se de um poderoso instrumento de delimitação da discricionariedade administrativa sobre o orçamento público que foi sempre tão arraigada e desmedida no nosso país.

         O fato é que as restrições à discricionariedade do Executivo agora são encontradas tanto no momento da elaboração, quanto no momento da execução do orçamento público, pelas imposições constitucionais advindas das reformas, e pelo controle jurisdicional de constitucionalidade, respectivamente.

         Oportuno se torna dizer que esse controle só deve ser feito em momentos de excepcional teratologia legislativa, em que sejam aprovadas leis orçamentárias abusivas e irracionais, que desrespeitem instantaneamente os preceitos constitucionais.

         Todo exercício de função estatal que importe em manifesto abuso institucional ou práticas governamentais despropositadas podem e devem ser confrontados aos postulados constitucionais que informam a concepção democrática, e especialmente, o princípio da supremacia da Constituição, o qual deriva do caráter rígido das normas constitucionais.

         Aliás, seria muito bem vinda uma alteração ainda maior na Carta Federal no tocante à vinculação de receitas a determinados direitos fundamentais, como ocorreu com as Emendas Constitucionais nº. 29/2000 e 42/03.

         Na atualidade, o tema dos direitos fundamentais (saúde, ensino etc), dada sua relevância, não pode ficar amarrado aos dogmas da separação dos poderes e da ampla discricionariedade do Executivo. Eles deverão ceder em prol da efetividade da Constituição Federal para viabilizar a construção de uma sociedade mais justa e democrática.

         Conclui-se que a relevante atividade financeira do Estado, que define a aplicação de recursos públicos, indicando os fins e montantes a serem gastos, não é possível de ser realizada adequadamente sem a confluência de uma hermenêutica constitucional lastreada na busca da implementação dos direitos fundamentais.

         A nítida evolução da Corte Excelsa, ainda que tardia e vagarosa, é benvinda, pois ajudará a combater os maus gestores e a omissão Legislativa que infelizmente se faz tão presente em nosso país. Uma jurisdição constitucional presente e efetiva é instrumento indispensável para melhorar o quadro da falta de efetividade dos direitos fundamentais.


Notas

  1. Para Konrad Hesse (A Força Normativa da Constituição, Porto Alegre: SAF, 1991), as normas jurídicas e a realidade devem ser consideradas em seu condicionamento recíproco. A norma constitucional não tem existência autônoma em face da realidade. Para ser aplicável, a CF deve ser conexa à realidade jurídica, social e política, não sendo apenas determinada pela realidade social, mas determinante em relação a ela.
  2. Art. 2°: A Lei do Orçamento conterá a discriminação da receita e despesa de forma a evidenciar a política econômica financeira e o programa de trabalho do Governo, obedecidos os princípios de unidade universalidade e anualidade.
  3. DE CASTRO, Gustavo Almeida Paolinelli; MIRANDA, Loyanna de Andrade. Leis Orçamentárias e escolhas democráticas: (re) pensando o direito ao lazer em um contexto de recursos escasso. CONPEDI. Anais de Salvador. Disponível em: <http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/anais/salvador/loyanna_de_andrade_miranda.pdf>. Acesso em 01/12/09.
  4.          "O município de Belo Horizonte, por exemplo, inovou, inclusive mundialmente, com a ampliação da discussão sobre obras através do orçamento participativo digital. Assim, todo cidadão com domicílio eleitoral em Belo Horizonte poderia votar em 36 obras planejadas pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, identificando prioridades e carências. (PREFEITURA MUNICIPAL... 2008) [...] Isso porque, embora os dados colhidos no IBGE tenham demonstrado que os recursos alocados nos programas de lazer ainda são muito reduzidos quando comparados à educação e saúde, por exemplo, das nove regionais suscitadas, sete tiveram como destaque obras que correspondem aos instrumentos de lazer. Na Regional Barreiro, por exemplo, 41 % dos votos foram destinados à implantação do Complexo Esportivo Vale do Jatobá, enquanto que apenas 13% votaram na revitalização de vias de acesso à região. (PREFEITURA MUNICIPAL... 2008)."

  5. DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil. Salvador: Juspodivm, 2006, p. 77.
  6. LUHMANN, Niklas. A posição dos tribunais no sistema jurídico. Porto Alegre: AJURIS, 1990, p.163
  7. DIDIER JR, op. cit. p. 81.
  8. STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 13.
  9. Ibidem, p. 19
  10. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 174.
  11. Ibidem, p. 175.
  12. BETTI, Emilio. Interpretação da lei e dos atos jurídicos. 1.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. LVIII-LIX
  13. CUNHA JUNIOR, Dirley da. Controle de constitucionalidade: teoria e prática. 3.ed. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 38
  14. CUNHA JR, op. cit., 2009, p. 31.
  15. MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2004a, p. 203.
  16. Foi também este o argumento utilizado para vetar o inciso II do art. 2º que outorgava a "qualquer pessoa lesada ou ameaçada por ato do Poder Público" a legitimidade para propor argüição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos da lei nº. 9882/99 que dispõe sobre o processo e julgamento da ADPF, consoante a Mensagem nº. 1.807 de 3 de dezembro de 1999.
  17. In: TAVARES, Andre Ramos; LENZA, Pedro; ALARCON, Pietro de Jesus Lora (coords.). Reforma do Judiciário. São Paulo: Método, 2005, p.99.
  18. Ibidem, p.100
  19. Art. 24 da Lei nº 9868/99.
  20. Art. 26 da Lei nº 9868/99.
  21. DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Aspectos processuais da ADIN e da ADC. In: DIDIER JR, Fredie (coord.). Ações constitucionais. Salvador: Juspodivm, 2006, p. 352.
  22. MENDES, 2004 a, op. cit. p. 77 et. seq.
  23. BRITO, Edvaldo. Aspectos inconstitucionais da ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira (coords.) Ação declaratória de constitucionalidade. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 47.
  24. Idem. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade na lei tributária. Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional, nº. 3, 2003, p.211.
  25. AR 929, Relator(a): Min. RODRIGUES ALCKMIN, TRIBUNAL PLENO, julgado em 25/02/1976, RTJ VOL-00078-02 PP-00339
  26. BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Bauru: EDIPRO, 2003, p. 178.
  27. Ibidem, p.179
  28. Ibidem, p.181
  29. Ibidem, p.183
  30. Trecho do voto da ADI 4048 MC, Relator(a): Min. GILMAR MENDES. Disponível em <www.stf.gov.br> Acesso em: 01/12/09.
  31. Trecho do voto da ADI 4048 MC, Relator(a): Min. GILMAR MENDES. Disponível em <www.stf.gov.br> Acesso em: 01/12/09.
  32. Trecho do voto da ADI 4048 MC, Relator(a): Min. GILMAR MENDES. Disponível em <www.stf.gov.br> Acesso em 01/12/09.
  33. Sobre a escassez dos recursos públicos, ver Gustavo Amaral em "Direito, escassez & escolha: em busca de critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas". Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
  34. Cf. "Comentários à Constituição federal brasileira" organizado por Homero Pires.
  35. BRITO, Edvaldo. Limites da revisão constitucional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1993, p.51.
  36. HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 17.ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 68.
  37. ADI 2.894-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 7-8-03, DJ de 17-10-03
  38. ADI 842 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 26/02/1993, DJ 14-05-1993 PP-09002 EMENT VOL-01703-01 PP-00041
  39. ADI 647, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 18/12/1991, DJ 27-03-1992 PP-03801 EMENT VOL-01655-02 PP-00240 RTJ VOL-00140-01 PP-00036
  40. ADI 767, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 26/08/1992, DJ 18-06-1993 PP-12110 EMENT VOL-01708-02 PP-00231
  41. ADI 1937 MC-QO, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 20/06/2007, DJe-092 DIVULG 30-08-2007 PUBLIC 31-08-2007 DJ 31-08-2007 PP-00029 EMENT VOL-02287-02 PP-00332
  42. ADI 2.686-RS, rel. Min. Celso de Mello, 3.10.2002.
  43. ADI 2925, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 19/12/2003, DJ 04-03-2005 PP-00010 EMENT VOL-02182-01 PP-00112 LEXSTF v. 27, n. 316, 2005, p. 52-96
  44. Todos os Ministros conheceram da ADI, com exceção da Ministra relatora Helen Gracie.
  45. Trecho do voto da ADI 2925, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 19/12/2003, DJ 04-03-2005 PP-00010 EMENT VOL-02182-01 PP-00112 LEXSTF v. 27, n. 316, 2005, p. 52-96.
  46. ADI 4048 MC, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 14/05/2008, DJe-157 DIVULGAÇÃO 21-08-2008 PUBLICAÇÃO 22-08-2008 EMENTA VOL-02329-01 PP-00055
  47. Como se referiu a Ministra Carmem Lucia no seu voto na ADI 4048.

Autor

  • Roberto Mizuki Santos

    Advogado-sócio MDL Advogados Associados. Procurador do Estado da Paraíba. Professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e da Faculdade Internacional da Paraíba (FPB) onde leciona Direito Administrativo e Processo Civil. Mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia. Pós-Graduado em Direito do Estado pela Unyahna/BA. Graduado em Direito pela Universidade Católica do Salvador. Ex-Procurador Federal (2008) e Ex-Procurador do Estado do Piauí (2009-2012). Ampla experiência em concursos públicos: aprovado nos certames para procurador da PGF(AGU), PGE/PI, PGE/CE, PGE/PB e PGM/SP. Autor de artigos e capítulos publicados em revistas e livros jurídicos.

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SANTOS, Roberto Mizuki. A evolução do controle de constitucionalidade das leis orçamentárias enquanto instrumento de efetivação dos direitos fundamentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2561, 6 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/16935. Acesso em: 23 abr. 2024.