Soberania como problema de Teoria da Constituição
Soberania como problema de Teoria da Constituição
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O conceito de soberania deve ser mantido como ferramenta retórica de defesa para Estados com menor poder de barganha no cenário internacional e mesmo como parte da manutenção da democracia intra e inter-estatal.
Introdução.
Atualmente o conceito clássico de soberania tem sofrido fortes ataques tanto das modernas teorias políticas e jurídicas quanto da jurisprudência ao ter de resolver demandas que versem sobre direito internacional. Fala-se em fim da soberania ou de um conceito flexível, de modo a permitir que a doutrina utilize o conceito sem, no entanto, compreendê-la como poder absoluto.
Essa discussão acerca do que é a soberania nada mais é do que reflexo da crise do Estado, ou seja, conseqüência da mudança que se operou na forma de se compreender o Estado do modo como surgiu na modernidade a partir do Absolutismo e o surgimento do modelo comunitário de organização social (fruto da globalização e que tem na União Européia o seu exemplo mais claro e instigante).
O conceito clássico de soberania surge exatamente no momento de afirmação do Estado Nacional e permanece com ele sem grandes alterações, compreendido, inclusive, como corolário do exercício do poder estatal. Nada mais natural, portanto, que no momento em que o Estado (da maneira como é entendido na modernidade) passe por uma crise – ao ponto de se falar abertamente no seu fim – o conceito de soberania também se veja ameaçado.
No entanto, apesar das considerações acima, a idéia de soberania não pode ser descartada (assim como a de Estado) sem graves conseqüências para a idéia de democracia e sem afetar drasticamente as relações de poder que ocorrem na sociedade. Ao se entender a globalização como conseqüência de um retorno ao modelo econômico liberal, o que parece ocorrer a princípio é a transferência do poder do Estado para os detentores do poder econômico. Não só retorna a idéia de Estado mínimo como o Estado, como fenômeno jurídico, deixa de ser necessário, pois as relações de mercado são cada vez mais internacionalizadas, em escala global.
Juntamente com o desaparecimento das fronteiras de mercado, a internacionalização das relações comerciais e a avançada tecnologia de informação possibilitam que também se desfaçam as fronteiras culturais e jurídicas (os sistemas normativos precisam regular condutas e relações que se dão em locais muito mais amplos que as fronteira geográficas dos Estados).
Esses fatores fazem com que, no plano das relações reguladas no âmbito do direito internacional público, aqueles Estados econômica, tecnológica e belicamente mais fortes possam se impor perante as demais para defender seus interesses, que são geralmente ditados por grandes conglomerados econômicos. A internacionalização do mercado e das culturas é utilizada como desculpa para que um Estado se veja limitado no modo de regular seu modo de vida interno. Cresce a idéia de que o direito interno deve ser subordinado ao direito internacional. A idéia de soberania como conceito flexível é utilizado como mecanismo retórico para imposições advindas da "comunidade internacional". Nesse sentido, é de grande importância uma defesa do conceito de soberania como forma de se combater, juridicamente, uma imposição da força.
Assim, este trabalho busca fazer uma análise das questões acima suscitadas e mostrar a importância de manter o conceito de soberania como algo relevante e que deve ser mantido como ferramenta retórica de defesa para Estados com menor poder de barganha no cenário internacional e mesmo como parte da manutenção da democracia intra e inter-estatal.
Para isso, seguir-se-á o seguinte roteiro: retomada da discussão sobre soberania entendida à maneira clássica (para isso serão expostos os conceitos de Jean Bobin, Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau); exposição dos conceitos de soberania trabalhados por dois dos maiores constitucionalistas do século XX (Carl Schmitt e Hans Kelsen); breve discussão acerca da noção de poder constituinte originário; exposição sumária do que é democracia na modernidade e equiparação das noções de soberania e democracia como mecanismos de manutenção da independência dos povos.
De todo modo, o objetivo último desse ensaio é ressaltar a importância de se manter forte a noção de soberania como forma de proteção dos Estados com menor capacidade de negociação com as chamadas grandes potências e de modo a se evitar uma hegemonia no cenário internacional. Porém, pelas limitações deste trabalho, o aprofundamento das questões levantadas deverá ficar para um segundo momento.
I) As Diversas Concepções de Soberania.
I.a) Os conceitos clássicos de soberania: Bodin, Hobbes e Rousseau.
I.a.1) O conceito de soberania de Jean Bodin.
"Soberania é o poder absoluto e perpétuo de uma
nação" [01]. Esta é a maneira que Bodin começa a discutir
a soberania e é o conceito central para desenvolver suas reflexões sobre o
poder soberano. Por perpétuo deve-se entender que o poder é exercido por
toda a vida daquele que o detém. No caso de uma democracia ou de uma
aristocracia, ele, o poder, perdura indefinidamente. No caso de um monarca,
este o detém durante toda a sua vida. Assim, não é soberano aquele que recebe o poder, ainda
que absoluto, por um determinado período de tempo. Ele é apenas um
mandatário, um representante daquele que realmente detém o poder soberano e
recuperará o poder absoluto assim que o prazo para o exercício do poder se
extinguir. Se há um período de tempo é porque o poder é limitado e
voltará para aquele que determinou o prazo. Ilustrativa é a seguinte passagem de Bodin: O que diríamos de alguém que recebe poder absoluto do
povo por todo tempo de sua vida? Aqui há que ter uma distinção. Se o poder
absoluto é dado a ele puro e simples não sendo do tipo de um magistrado ou
de um comissário e não na forma de um consentimento precário, então ele
certamente é, e tem o direito de se denominar, um monarca soberano. Pois,
aqui, o povo desempossou-se e despiu-se de seu soberano poder para colocar o
monarca na sua posse e cobri-lo com ele. O povo transferiu todo o seu poder,
autoridade, prerrogativas e direitos soberanos ao monarca e colocou-o nele, do
mesmo modo como alguém abre mão de sua posse ou propriedade de algo que lhe
pertence. (...) Mas se o povo concede seu poder a alguém pelo período de sua
vida na condição de administrador, líder, ou apenas para livrar-se do
exercício do seu poder, então ele não é um soberano, mas um simples
administrador, líder, regente, governante, ou guardião e procurador de poder
de outrem [02]. Assim, não basta que aquele que exerça o poder o faça
por toda a sua vida. O soberano é o legítimo proprietário do poder, não
deve prestar contas a ninguém, ele o detém de maneira originária, sem
qualquer condição. Já por absoluto deve-se entender que o soberano não
reconhece ninguém que lhe seja superior, com a exceção de Deus, a quem ele
deve reverência. Não há nada que, a princípio, limite o poder do soberano,
ele não deve obediência a nada a não ser às leis divinas e naturais. Todo
esse poder significa que o soberano é a autoridade máxima a ser obedecida.
Não está subordinado, assim, a nenhuma lei que tenha origem humana, nem
mesmo às leis costumeiras de sua nação. Não está sujeito nem mesmo às
leis de seus predecessores, que podem ser alteradas a qualquer momento. Isso implica que, para Bodin, a soberania resulta do poder
de impor e anular a lei [03]. Se alguém tem esse poder, de maneira
perpétua, então é soberano. Nas palavras do jurista: "Nós então
vemos que o ponto central da majestade soberana e absoluto poder consiste em
dar a lei aos súditos em geral sem os seus consentimentos" [04]. Mas Bodin admite determinadas restrições do poder
soberano, que não somente as lei de Deus. Primeiro, o soberano tem de agir de
acordo com o interesse público. Ele claramente diferencia entre o que é
patrimônio do rei e o que é patrimônio da nação, que deve ser gerido no
seu interesse. Além disso, o soberano está vinculado ao que é justo. Se,
por exemplo, uma lei de seu antecessor ou um costume for justa, só podem ser
alteradas se houver algum benefício à comunidade. O soberano também não
pode usurpar a propriedade privada. Só pode retirar a propriedade de alguém
por motivos justos e deve pagar a devida indenização ou negociação
[05]. Outra limitação é a referente aos contratos realizados
pelo soberano. Estes devem sempre ser cumpridos, a não ser que sejam
injustos. Não faz diferença, segundo o jurista francês, se o contrato é
feito com um súdito ou com um estrangeiro (Bodin chega a dizer que a
obrigatoriedade da cumprimento do contrato se baseia numa "eqüidade
natural") [06]. I.a.2) O conceito de soberania em Hobbes A principal coisa que se tem de observar na doutrina de
Hobbes é que, para ele, o homem é movido pela razão e pelas paixões, mas
estas muitas vezes suplantam aquela no momento da escolha dos atos, o que gera
insegurança no convívio social, pois cada um tende a buscar seus interesses
próprios ou a satisfazer as suas paixões. Isso faz com que os indivíduos
deixem de observar as leis naturais (que são dadas por Deus) ou que se tornem
incapazes de reconhecê-las. Já as leis naturais são, segundo esse teórico
do absolutismo inglês, as leis morais que todo ser humano deve seguir (como
justiça, eqüidade, caridade, etc.). Esclarecidas essas idéias, fica mais evidente o conceito
de soberania de Thomas Hobbes. Segundo ele, o homem, antes da formação de um
Estado, vive num estado de natureza, que se caracteriza pela luta de todos
contra todos, pois todos são livres para fazerem o que bem entenderem. Nesse
sentido, tudo pertence a todos, pois o único modo de garantir a propriedade
privada é pelo emprego da força individual ou pela reunião de alguns
indivíduos. Num determinado momento um grupo de homens (o suficiente
para se proteger contra ataques externos) pode compreender que, para que
possam viver com maior segurança, devem se abster de suas liberdades
naturais. Precisam transferir o poder de decidir sobre suas vidas a alguém,
para que todos convivam sob as mesmas regras e se unam para defenderem-se
contra os mesmo inimigos externos comuns. É o pacto social. O objetivo
principal dessas regras gerais é proteger a vida. Veja-se o que diz Norberto
Bobbio: A justiça é ordem. Esta teoria surge do fato de
considerar como fim último do direito a paz social. Ela sustenta que a
exigência fundamental segundo a qual os homens criaram o ordenamento
jurídico é de sair do estado de anarquia e de guerra, no qual viveram no
estado de natureza. O direito é remédio primeiro e fundamental contra os
males que derivam do bellum ommium contra omnes. E esse realizou o seu
fim quando, por meio de um poder central capaz de emanar normas coercitivas
para todos os associados, é estabelecida uma ordem social, qualquer que seja
essa. O direito natural fundamental que essa teoria deseja salvaguardar é o direito
à vida. O direito como ordem é o meio que os homens no decorrer da
civilização, encontram para garantir a segurança da vida. Um exemplo
característico dessa concepção de justiça encontra-se na filosofia
política de Hobbes [07]. O homem (ou assembléia de homens) que recebe o poder da
comunidade para garantir a paz e a estabilidade política, simboliza a união
de todos. O pacto é no sentido de que cada um se destitua de seu poder de
auto-governança, com a condição de que os outros também o façam,
autorizando todas as ações daquele que recebe esses poderes: forma-se o
Estado. Todos devem submeter suas vontades à vontade do
representante e suas decisões à sua decisão. Isto é mais do que
consentimento ou concórdia, pois resume-se numa verdadeira unidade de todos
eles, numa só e mesma pessoa, realizada pelo pacto de cada homem com todos os
homens, de modo que é como se cada homem dissesse a cada homem: ‘Cedo e
transfiro meu direito de governar a mim mesmo a este homem, ou a esta
assembléia de homens, com a condição de que transfira a ele teu direito,
autorizando de maneira semelhante todas as suas ações’. Feito isso, à
multidão assim unida numa só pessoa chama-se Estado, em latim civitas
[08]. Eis, de acordo com o teórico inglês, a essência do
Estado: Uma grande multidão institui a uma pessoa, mediante pactos
recíprocos uns com os outros, para em nome de cada um como autora, poder usar
a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para
assegurar a paz e a defesa comum [09]. Nesse sentido, aquele que recebe o direito de representar a
pessoa que essa multidão instituiu (o Estado) é o soberano e seu poder é
absoluto, pois ele tem o dever de fazer de tudo para garantir a paz, a vida e
a segurança dos demais, que são seus súditos. Num Estado instituído, o pacto, então, é o seguinte: a
multidão, no intuito de dar um fim à guerra de todos contra todos, se une e
escolhe alguém para ser o representante do Estado que seus integrantes estão
formando. Para isso, alienam-se de todas as suas liberdades e seus poderes em
benefício do representante (a quem pertencerá o poder soberano), que em
troca deverá assegurar-lhes segurança e proteção contra seus inimigos
comuns. Uma vez realizado esse pacto, os súditos não podem mais desfazê-lo,
pois, como o soberano não participou do pacto, não pode quebrá-lo [10]. Hobbes é um dos primeiros teóricos a fundamentar o poder
sem necessitar de argumentos divinos. O poder do soberano não provém de
Deus, mas sim do pacto realizado pelos seus súditos. É, pois, um dos
primeiros autores da corrente do contratualismo. Mas, de qualquer forma, o
poder do soberano está sempre submetido às leis divinas. O rei (ou a
assembléia soberana), não poder ir contra os mandamentos divinos. Muito interessante a observação de Marcelo Alves sobre o
contrato hobbesiano: O contrato hobbesiano rompe, assim, com o contrato
medieval. Este distinguia entre um Contrato Social (pactum societatis)
e um Político (pactum subiectionis), no qual o primeiro fundava a
sociedade e o segundo instituía o Estado, ou melhor, a relação entre povo e
príncipe. Na tese de Hobbes, povo e Estado imergem do mesmo acordo, são
univitelinos [11]. Conquanto Hobbes admita que um súdito, ao realizar o pacto
social, está sujeito a um poder ilimitado e ao arbítrio daquele que detém
esse poder (a possibilidade de submissão às suas paixões), essa sujeição
perde a relevância quando se tem em mente o horror da desordem e da guerra
civil, condições que cabe ao poder soberano evitar. De acordo com a doutrina hobbesiana, ao se instituir um
Estado as ações do soberano são as ações de todo corpo político e, por
conseguinte, a ação de cada súdito; isso em razão do pacto pelo súdito
celebrado, que transfere, juntamente com os demais indivíduos, o seu poder de
se autogovernar para aquele que passa a representar o Estado. Assim, não há
como o súdito reclamar das ações do soberano, pois estará apenas
reclamando de suas próprias ações [12]. Há, contudo, além do pacto que institui o Estado, outra
forma de se adquirir o poder soberano: por meio da força (o que Hobbes chama
de Estado por aquisição). Os outros povos, que são vencidos na guerra,
podem se tornar súditos do soberano vencedor. Isso se, em virtude da
condição que tem o soberano vencedor de garantir a segurança e a vida dos
vencidos, for realizado um pacto no qual o súdito declara sua fidelidade ao
soberano em troca da proteção e o soberano garante a proteção. Há,
portanto, um pacto. No entanto, diferentemente do anterior, o pacto é feito
com o soberano e não apenas entre os súditos. Entretanto, se esse pacto não for realizado entre vencedor
e vencido, não há obrigações recíprocas. Assim, um escravo não tem
qualquer dever para com aquele que o mantém cativo, e pode se virar contra
ele para defender sua liberdade. Para garantir a segurança, a estabilidade e a paz, o poder
soberano não pode ser dividido (pois existiriam controvérsias a respeito de
como exercitar o poder), não pode ser retirado (uma vez realizado o pacto,
este não pode ser desfeito legitimamente) e não pode ter limite, pois cabe
ao soberano decidir o que é melhor para o Estado que representa e não pode,
por isso, estar sujeito às leis, para poder revogá-las quando achar
conveniente. Também o poder religioso tem de estar nas mãos do soberano,
para que não haja dúvidas sobre a quem se deve obedecer: ao clero ou ao
soberano. De acordo com a doutrina de Hobbes, o súdito não tem o
direito de se opor ao soberano, a não ser para defender a própria vida (e,
neste caso, até mesmo se foi julgado legitimamente). Também os súditos não
têm o direito de se unir para defenderem alguém que esteja com sua vida
ameaçada, a não ser que as deles também estejam. No entanto, se algum dos
associados tiver sua vida garantida pelo soberano, sua participação na
união deixa de ser legítima [13]. Para finalizar, deve ficar claro que o dever de segurança
não é apenas o de preservação, mas sim o de garantir uma vida digna: Não entendemos aqui, por segurança, uma simples
preservação, mas também todas as outras comodidades da vida, que todo
homem, por um trabalho legítimo, sem perigo ou inconveniente do Estado,
adquire para si próprio [14]. Tem o soberano, por tanto, o dever de gerar o bem-estar e
garantir o emprego. Não só, deve ainda prestar auxílio aos incapazes de
gerar seu próprio sustento. Mais adiante acrescenta Hobbes: Por um acidente inevitável, sempre que muitos homens se
tornam incapazes de se sustentar com seu trabalho, não devem ser deixados à
caridade de particulares mas ser supridos – tanto quanto as necessidades da
natureza o exigirem – pelas leis do Estado. Assim como é falta de caridade,
pois, em qualquer homem abandonar aquele que não tem forças, também o é no
soberano de um Estado expô-lo aos acasos de uma tão incerta caridade
[15]. Em resumo, o poder soberano tem de ter todas as
atribuições necessárias para a realização de seus fins, que são,
sobretudo, proteger a vida e dar segurança a seus súditos. As ações do
soberano devem sempre ser dirigidas para a consecução desses fins [16]. I.a.3) A soberania popular de Rousseau.
Como se depreende do que acima foi dito, mesmo os
defensores de um poder soberano absoluto, sem qualquer limitação, não
afirmam que esse poder é dado ao seu detentor para o que ele faça dele o que
bem entender. O poder tem uma finalidade, que pode ser chamada de uma
finalidade pública, qual seja: atender aos interesses da nação (no caso de
Hobbes, garantir a paz e a estabilidade política). No entanto, com um poder tão grande depositado em uma
única pessoa, muito difícil seria encontrar quem dele não abusasse,
imiscuindo interesse público e privado. Além disso, uma nova camada
ascendia, expandindo cada vez mais seu poderio econômico e crescendo no
cenário político. Essa camada era a burguesia. A idéia de propriedade ganha
em importância, e um novo modelo de produção se afirma. Conseqüentemente,
novos valores [17] permeiam a sociedade e o Absolutismo passa a ser
contestado com veemência. Para garantir a propriedade e as liberdades individuais é
necessário um novo direito que garanta e positive esses valores [18]
(liberdade, igualdade e propriedade, tidos como direitos naturais derivados da
razão e denominados, na história do constitucionalismo, direitos de primeira
geração) e controle do poder absoluto, para não se ficar sob o arbítrio do
príncipe, garantindo liberdade e segurança nas relações privadas
(principalmente nas comerciais). Daí a teoria do direito natural e do contratualismo de
John Locke, que dizia que o contrato social não faz sentido se não for para
garantir os direitos inseguros do estado de natureza (liberdade, igualdade e
propriedade). Segundo Locke, o indivíduo celebra o contrato social no intuito
de ver seus direitos garantidos e protegidos e o soberano é limitado ao
respeito desses direitos naturais [19]. Por outro lado, era também necessário limitar o poder
materialmente, de forma interna, em suas próprias estruturas, para que o
abuso pudesse ser ao menos limitado. Daí a teoria da separação dos poderes,
tão conhecida na obra de Montesquieu, de forma que um poder, exercendo
funções diferentes das dos outros, pudesse controlar e não concentrar todos
os atos do poder soberano numa só pessoa. Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo e magistratura o
poder legislativo está reunido ao poder executivo, não existe liberdade,
pois pode-se temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado apenas estabeleçam
leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Não haverá também liberdade se o poder de julgar não
estiver separado do poder legislativo e do executivo. Se estivesse ligado ao
poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria
arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse ligado ao poder
executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor [20]. Rousseau segue na esteira da garantia dos ideais liberais,
principalmente no que tange à igualdade e à liberdade, também admitindo a
proteção à propriedade como um dos fatores que leva à formação do
Estado. No entanto, o filósofo genebrino apresenta um diferencial em sua
teoria contratualista: a defesa da soberania popular, que tem como essência o
interesse público. Em linhas gerais, o contrato social formulado por Rousseau
não é muito diferente daquele descrito por Hobbes e, conseqüentemente, o
conceito de soberania é bastante próximo. Segundo Rousseau, no momento da
formação do pacto os indivíduos transferem todo o seu poder ao soberano.
Dessa forma, a soberania é, assim como para Hobbes, um poder absoluto,
inalienável e indivisível. Também não está submetida às suas próprias
leis. Mas a grande diferença está em quem as pessoas que
realizam o pacto depositam o poder. Eles transferem o poder a si mesmos, mas,
agora, não como uma soma de indivíduos, mas como um corpo uno movido pela
vontade geral. Esse corpo uno é o que Rousseau chama de "corpo
político" [21]. Rousseau supõe que o homem é levado a se unir em uma
sociedade quando as dificuldades por ele encontradas no estado de natureza
sobrepujam sua capacidade de resistência. Assim, os indivíduos, para
garantirem suas sobrevivências, realizam o pacto social alienando-se de seus
direitos do estado de natureza, sua liberdade de fazer tudo o que for
necessário para sua sobrevivência, formando o corpo político [22].
Assim ele explica o que é esse corpo: Essa pessoa pública, assim formada pela união de todas as
demais, tomava outrora o nome de Cidade, e hoje o de República
ou de corpo político, o qual é chamado por seus membros de Estado
quando passivo, soberano quando ativo e Potência quando
comparado aos seus semelhantes. Quanto aos associados, eles recebem
coletivamente o nome de povo e se chamam, em particular, cidadãos,
enquanto participantes da atividade soberana, e súditos, enquanto
submetidos às leis do Estado" [23]. A grande dificuldade que Rousseau admite na sua obra é,
portanto, explicar como alguém pode alienar todos os seus direitos e, ainda
assim, permanecer livre. A solução está justamente na originalidade
apontada na sua teoria: o poder é transferido a todos, que devem agir como um
único corpo. E, para que esse corpo funcione é necessário que as decisões
fundamentais sejam tomadas por todos, sempre visando ao interesse geral, o que
é possível pela identificação da vontade geral. Sendo a vontade geral a
vontade que dirige à busca do interesse de todos e, portanto, é do interesse
de cada um, o cidadão não obedece senão a si mesmo, permanecendo livre,
não devendo obediência a nenhum particular. Assim: "... em vez de destruir a igualdade natural, o pacto
fundamental substitui, ao contrário, por uma igualdade moral e legítima
aquilo que a natureza poderia trazer de desigualdade física entre os homens
e, podendo ser desiguais em força ou em talento, todos se tornam iguais por
convenção e de direito [24]. Necessário esclarecer, então, o que é essa vontade
geral. A vontade geral é aquela que está de acordo com o interesse de todos,
ainda que esse interesse seja um mal [25]. Por isso satisfaz a
todos. Em oposição à vontade geral está a vontade particular, que se
refere aos interesses egoísticos de um indivíduo, de um grupo (ainda que
esse grupo seja composto pela maioria dos cidadãos) ou de uma facção. O que
caracteriza a vontade geral não é o número de votos, mas o interesse comum.
Mas, segundo Rousseau, "a vontade geral é invariavelmente reta e tende
sempre à utilidade pública; mas daí não se segue que as deliberações do
povo tenham sempre a mesma retidão" [26]. O povo pode não
encontrá-la em suas deliberações ou mesmo ser enganado. Já a vontade particular poder estar de acordo com a
vontade geral, mas isso é mera coincidência. Mas, como na maioria das vezes
a vontade particular é diferente da vontade geral, o Estado tem o poder de
coerção para forçar o súdito a cumprir as leis (que derivam da vontade
geral), pois o indivíduo pode ser tentado a agir em busca do interesse
privado, em detrimento do interesse coletivo. A soberania decorre, portanto, do respeito à vontade
geral, pois só quando o corpo político age buscando o interesse comum é que
se caracteriza o exercício do poder soberano, sem que alguém (ou alguns)
subjugue outrem. Assim como a natureza dá a cada homem poder absoluto sobre
seus membros, o pacto social dá ao corpo político poder absoluto sobre todos
os seus, e é esse mesmo poder que, dirigido pela vontade geral, recebe, como
ficou dito, o nome de soberania [27]. E, assim como o poder soberano, suas características e
limites decorrem de idéia de vontade geral. O poder é absoluto porque não
há nada que o limite, nem suas leis e nem mesmo a necessidade de que as leis
sejam boas. É inalienável porque se o corpo político (que é o soberano)
passa simplesmente a obedecer, então perde a qualidade de povo e deixa de
existir a soberania. Não podendo, pois, ser transferida a vontade, mas apenas
o poder, então, uma vez transferida a soberania, ela se desfaz e o que resta
é apenas a submissão [28]. A soberania é também indivisível e
seu fruto é a lei (sempre geral e abstrata). As divisões do poder são
referentes apenas ao seu exercício, à execução da lei. Essas divisões
advindas das "partes divididas" estão sempre subordinadas à
"vontade suprema" [29]. Como o limite do poder soberano decorre daquilo que se
refere à vontade geral, que são as matérias referentes ao interesse comum,
as decisões do soberano não podem onerar mais um súdito que outro. Os
limites impostos devem sempre ser iguais. Se assim não for, age como
representante de um interesse particular, perdendo sua competência para
deliberar sobre o assunto. Por fim, muito esclarecedora é a seguinte passagem de
Nicola Matteucci. Segundo ele, em Rousseau: a soberania exprime uma racionalidade substancial, ou,
melhor, exprime a moralidade, por pertencer à vontade geral que se opõe à
vontade particular, por ser a expressão direta da vontade dos cidadãos,
quando estes buscam o interesse geral e não o particular, isto é, quando
atuam moralmente e não de forma utilitarista [30]. I.b) A Soberania no Constitucionalismo do Século XX: Kelsen e Schmitt. I.b.1) O conteúdo formal da soberania em Hans Kelsen Antes de propriamente adentrar nas considerações
realizadas por Kelsen sobre o tema da soberania, algumas considerações
preliminares necessitam ser feitas. Primeiro, Kelsen escreve em um contexto no qual, dentro das
teorias jurídicas e políticas, praticamente não se discute mais a
submissão do poder político à lei, mais especificamente, ao ordenamento
jurídico. O Estado de Direito já é um fato consubstanciado historicamente.
Além dos mecanismos de contenção do poder, o que está em voga – nesse
momento das principais idéias de Kelsen – é a criação de mecanismos
jurídicos que façam o Estado agir positivamente dentro da sociedade: O
Estado Social está no seu período de afirmação como paradigma de Estado. A
idéia de soberania como poder ilimitado perde o sentido, pois, na teoria
jurídica contemporânea, já não há poder do Estado que não esteja
submetido ao ordenamento jurídico, ao império da lei, cuja maior expressão
é a constituição. Outro ponto a se destacar é o fato de que Kelsen quer
afirmar uma possibilidade de uma ciência do direito, balizada nos critérios
de pureza, isenção ideológica e objetividade determinados pela
epistemologia advinda da filosofia analítica, principalmente aquela que
decorre da filosofia praticada pelos neokantianos e pelos integrantes do
Círculo de Viena. Assim, Kelsen está preocupado em descrever o fenômeno
jurídico sem levar em consideração seus aspectos políticos, morais ou
ideológicos. Para isso trata o direito de modo apenas formal, possibilitando
uma verdadeira ciência jurídica do direito. Em outras palavras, não é sua
preocupação identificar fatores reais de poder. Decorre das considerações acima feitas que a soberania,
para Hans Kelsen, não é e não pode ser exercida por um indivíduo ou por um
grupo deles. A soberania, se for entendida como componente inerente ao poder
do Estado, então ela nada mais é que a manifestação da validade e
eficácia do ordenamento jurídico, que é aquilo que determina o modo de
exercer o poder e os seus limites. E esse ordenamento poderia ser limitado
apenas pelo direito internacional. Pensa-se no Estado como um agregado de indivíduos, um
povo, que vive dentro de certa parte delimitada da superfície da Terra, e que
está sujeito a certo poder: um Estado, um território, um povo, um poder.
(...) O poder do Estado ao qual o povo está sujeito que é a validade e a
eficácia da ordem jurídica, de cuja unidade resultam a unidade do
território e a do povo. O ‘poder’ do Estado deve ser a validade e a
eficácia da ordem jurídica nacional, caso a soberania deva ser considerada
uma qualidade desse poder porque a soberania só pode ser a qualidade de uma
ordem normativa na condição de autoridade que é a fonte de obrigações e
de direitos [31]. Assim, é clara a posição de Kelsen no sentido de que só
é possível identificar o poder soberano no ordenamento jurídico, pois
aquele que tem o poder de emitir comandos obrigatórios para todos os
cidadãos só possui esse direito de obrigar por determinação de uma ordem
jurídica que fundamenta esse seu direito [32]. Nesse sentido, juridicamente falando, o problema da
classificação das formas de governo é uma questão de identificar a quem é
dado o poder de legislar pela constituição. Assim, se a constituição
determina que uma só pessoa será o legislador, então o governo é
monárquico; se um grupo minoritário deve legislar, o governo é
aristocrático; se a maioria é a legisladora, o governo é democrático. Isso
porque "... o poder do Estado é a validade e eficácia da ordem
jurídica" [33]. Pois quem determina a organização do Estado
e quem exercerá a função legislativa é o ordenamento jurídico, sendo seu
principal instrumento a constituição. No pensamento de Kelsen, a discussão a respeito da
soberania passa, primeiramente, pela discussão da identificação de o que é
o direito internacional. Segundo o jurista austríaco, não há como negar a
existência do direito internacional, pois, além de os Estados poderem
celebrar entre si tratados (direito internacional parcial) existem normas de
caráter consuetudinário que valem para todos os Estados genericamente,
normas que os Estados não podem isoladamente determinar. Por exemplo, Kelsen
cita as normas de direito marítimo e o fato de um Estado só poder ser
reconhecido como tal pelo ordenamento internacional [34]. E mesmo o conteúdo material das normas jurídicas do
direito interno podem ser limitados ou determinados pela ordem internacional,
de forma que aquele fica limitado por este. Nas palavras de Kelsen: O Direito internacional é relevante também para a esfera
de validade da ordem jurídica nacional. Como as suas normas, especialmente as
criadas por tratados internacionais, podem regulamentar qualquer matéria e,
portanto, também as matérias regulamentadas pelo Direito nacional, ele
limita a esfera de validade material deste último. Os Estados, é verdade,
permanecem competentes, mesmo sob o direito internacional, para regulamentar
em princípio todas as matérias que podem ser regulamentadas por uma ordem
limitada na sua esfera territorial; mas eles conservam essa competência
apenas na medida em que o Direito internacional não regulamente uma matéria
específica. O fato de uma matéria ser regulamentada pelo Direito
internacional tem o efeito de que esta não pode ser regulamentada
arbitrariamente pelo direito nacional [35]. Mas não basta que a ordem internacional limite o âmbito
de atividade do ordenamento jurídico nacional para ser reconhecida como
direito. É necessário que suas normas sejam dotadas das características que
devem ter todas as normas jurídicas. Essas características são, segundo
Kelsen, pertencer a um ordenamento com poder de coerção e, conseqüentemente,
ser dotada de sanção. Para Kelsen, o que caracteriza a norma jurídica é
prever uma sanção como conseqüência de um ato indesejado (e, por isso,
proibido) que pode ser imposta por um poder externo de coerção (ou seja,
mediante o uso da força, que, nesse caso, é legitimada pelo direito)
[36]. Como a ordem jurídica internacional é extremamente
descentralizada, Kelsen afirma que ela é uma ordem jurídica primitiva, assim
como as ordens jurídicas tribais. Não há, assim, um órgão dotado de poder
de coação; apenas aquele que foi ofendido fica legitimado a impor
represálias ou fazer a guerra contra seu ofensor. É a idéia de que a guerra
só pode ser cometida se for por uma causa justa. Se não como reação a um
ilícito internacional, a guerra passa a ser um ilícito. Assim, se um Estado
comete um ilícito, o Estado ofendido tem o direito de declarar guerra ou
impor-lhe represálias. Ele (o direito internacional) possui a técnica da
iniciativa individual. O Estado, violado no seu direito, está autorizado a
agir contra o violador, lançando mão da guerra ou de represálias. Estas
são as sanções específicas providas pelo direito internacional geral
[37]. Quando assim age, o Estado ofendido funciona como um
órgão da comunidade internacional, pois só tem o direito de impor a
sanção porque legitimado pelo reconhecimento do ilícito proibido pela ordem
jurídica internacional. Mas Kelsen admite que o direito internacional pode
evoluir, criando instituições jurídicas como as dos Estados, podendo vir a
constituir uma espécie de "Estado mundial" [38]. Provada a existência do direito internacional, Kelsen
enfrenta as diversas doutrinas que o relaciona com o direito nacional. Logo
descarta a doutrina dualista (ou pluralista), pois não admite que possam
existir duas ordens jurídicas independentes e autônomas, já que, além da
ordem jurídica internacional fundamentar as esferas de validade dos
ordenamentos nacionais e poder limitar a validade material, os próprios
dualistas admitem que, uma vez aprovada internamente, o direito internacional
tem vigência para o Estado, o que demonstra que existe apenas uma ordem
jurídica geral. Só pode prevalecer, assim, a doutrina monista. Esta, no
entanto, possui duas vertentes: a que defende a primazia do direito
internacional e a que defende a primazia do direito nacional. O jurista
vienense, apesar de afirmar sua preferência política pela primeira vertente,
diz que ambas são cientificamente defensáveis. E dessas duas vertentes é
que saem as características da soberania no pensamento kelseniano. Como acima visto, Kelsen nega que um poder físico possa
ser considerado soberano. Isso porque, se assim fosse, ele teria de ser a
causa primeira da formação do ordenamento jurídico. Como, para esse
jurista, uma cadeia de causa e efeito é algo infinito, não se pode
determinar a causa primeira e a idéia de soberania como poder físico não
passa de uma ilusão, pois, se não pode haver nenhuma causa primeira, não
poderia haver soberania. Disso decorre que: O Estado na sua capacidade de autoridade jurídica deve ser
idêntico à ordem jurídica nacional. Dizer que o Estado é soberano
significa que a ordem jurídica nacional é uma ordem acima da qual não
existe nenhuma outra. A única ordem que se poderia supor como sendo superior
à ordem jurídica nacional é a ordem jurídica internacional. Assim, a
questão de saber se um Estado é soberano ou não coincide com a questão de
saber se o Direito internacional é ou não ordem superior ao Direito nacional
[39]. Nesse sentido, como Kelsen admite como cientificamente
possível defender-se as duas correntes monistas, a existência da soberania
é apenas uma hipótese decorrente da escolha de uma dessas duas teorias. Sob
a hipótese da primazia do direito internacional, a soberania só pode ser
entendida relativamente: como um ordenamento que só reconhece como superior o
internacional, nenhum outro. Ao admitir-se a primazia do direito nacional,
"... então o Estado ‘é’ soberano no sentido absoluto, original, do
termo, sendo superior a qualquer outra ordem, inclusive ao Direito
internacional" [40]. I.b.2) Carl Schmitt: soberano é aquele que exerce o poder no estado de
exceção. Carl Schmitt, contemporâneo e um dos principais
debatedores de Kelsen, se defronta com os mesmos problemas que o jurista
austríaco para discutir e afirmar um conceito de soberania. Reconhece, assim,
a afirmação do Estado de Direito e, com isso, a limitação constitucional
do exercício do poder dentro de um Estado. Aquele que tem o poder de decidir
sempre o tem em virtude da determinação imposta pelo ordenamento jurídico.
Sua tese, entretanto, é que só faz sentido falar-se em um conceito de
soberania se for possível identificar quem exerce um poder último,
irrestrito. Assim, ao contrário do caminho da formalização seguido
por Hans Kelsen, Schmitt está preocupado em identificar quem exerça um poder
soberano (no sentido de ilimitado) de fato. No seu entender, não tem sentido
falar-se no exercício de um poder se ele não for exercido de fato. Esse
exercício de fato é, segundo o juspublicista alemão, o poder de dar a
última decisão, sem ser contestado. Nessa esteira, Schmitt busca traçar uma sociologia do
conceito de soberania, que busca encontrar as equivalências entre as
estruturas das idéias prevalecentes num determinado período histórico e as
estruturas do pensamento político dessa época. Por exemplo, nos séculos
XVII e XVIII a idéia de soberania encontra a sua estrutura equivalente na
função que Deus exerce na metafísica da época (cuja base era o
racionalismo cartesiano) [41]. Para esse constitucionalista
alemão, o soberano exerce no Estado Absoluto o papel que Deus exerce no
universo. Seguindo esse raciocínio, Carl Schmitt entende que em
Bodin e Hobbes a soberania, como é o poder absoluto, está acima das leis do
Estado. É, em outras palavras, o poder último de decisão a respeito daquilo
que é o interesse do Estado. Eis aqui a principal característica da
soberania para Schmitt: ser o poder de decisão não sujeito a controle;
portanto, aquele que detém esse poder é o soberano e pode ser apontado
empiricamente. Já na teoria de Rousseau a soberania perde essa
característica e passa a ser encarada do modo que perdura até a sua época:
torna-se formal e passa-se a identificar o Estado ou o direito com a
soberania, como algo que determina o conteúdo das decisões mas não
identifica quem decide nem mesmo é fruto de uma decisão. A idéia de
soberania popular faz com que o poder soberano perca o seu caráter
decisionista, pois agora soberano – que é o povo – é um todo orgânico,
não há alguém com poder de decisão. "A unidade formada pelo povo não possui um caráter
decisionista; ela é uma unidade orgânica, e com a consciência nacional as
idéias surgem da totalidade orgânica do Estado" [42]. Mas de pouco adianta esvaziar a importância do conceito de
soberania transportando-o para o ordenamento jurídico como ordem legal que
limita o exercício do poder, pois o ordenamento jurídico, em si, não decide
nada, apenas indica como dever ser feita a decisão [43]. Isso porque:
"Até mesmo a ordem jurídica, como toda ordem, baseia-se numa decisão e
não numa norma" [44]. O estabelecimento de uma ordem jurídica é fruto
de uma decisão de quem tem o poder de dispor sobre ela. A partir dessas considerações, Schmitt identifica o
problema moderno da discussão da soberania não no conceito, mas na
identificação de quem exerce esse poder de fato ou se existe esse alguém
acima do ordenamento (tese negada pelos "formalistas"). Segundo ele,
no Estado Contemporâneo, onde o poder exercido cotidianamente é limitado por
critérios normativos e pela distribuição de funções cuja principal é a
separação dos poderes, o poder soberano só pode ser identificado num caso
emergencial, no chamado "Estado de exceção". Em geral, não se briga por causa de um conceito, pelo
menos não na história da soberania. Briga-se por causa da sua aplicação
concreta, e isto significa brigar para saber quem toma as decisões em caso de
conflito, para saber no que se constitui o interesse público ou estatal, le
salut public etc. O caso excepcional, aquele caso não circunscrito na
ordem jurídica vigente, pode ser no máximo definido como um caso de
emergência extrema, de perigo à existência do Estado ou algo assim, mas
não pode ser circunscrito numa tipificação jurídica. É só esse caso que
torna atual a questão do sujeito da soberania, isto é, a questão da
soberania em geral [45]. Não se pode definir quando ocorre o Estado de exceção ou
o que pode ser feito durante ele. Essa situação surge num caso emergencial
de perigo para a sobrevivência do Estado e a única coisa que a
constituição pode fazer é indicar quem deve agir. Esta pessoa é quem
deverá tomar as decisões e não estará sujeita a nenhum outro controle.
"Ela se situa externamente à ordem legal vigente, mas mesmo assim
pertence a ela, pois é competente para discutir sobre a suspensão total da
Constituição" [46]. Ao se identificar quem exerce esse poder último de
decisão acha-se o soberano. No Estado de exceção o direito é afastado em virtude da
proteção do Estado e a decisão não é limitada pela lei. O soberano
decide, sem qualquer controle sobre ele, o que é ou não melhor para o
Estado, e suas decisão podem ter qualquer conteúdo. Dentro desse contexto, Carl Schmitt afirma que as normas
só podem ser aplicas dentro de um contexto social normal, mantida e vivida a
estabilidade social ("Não existe norma aplicável no caos"). O
soberano é o responsável, portanto, pela manutenção dessa normalidade ou
pelo seu restabelecimento. Decide, então, em última instância sobre essa
condição de normalidade do Estado [47]. "Soberano é aquele que decide sobre o Estado de
exceção" [48]. Esse, portanto, o conceito que resume o debate sobre
soberania na teoria do Estado Contemporâneo na teoria de Carl Schmitt.
II) Sobre o Poder Constituinte.
II.a) Breve Introdução Histórica.
Poder constituinte é, de forma genérica, o poder do qual
deriva a confecção da constituição que regulará o ordenamento jurídico
de um determinado Estado. É o poder que dá ao Estado a sua constituição,
sua norma mais importante. Conquanto se possa entender constituição como o conjunto
de regras que determina como serão organizadas e ditadas as normas jurídicas
de um determinado Estado (constituição no sentido formal para Kelsen) –
sendo, portanto, poder constituinte aquele que tem o poder de ditar aquele
conjunto de regras –, a noção de poder constituinte e os estudos
jurídicos e políticos realizados a seu respeito têm sua origem histórica
nos movimentos constitucionalistas derivados das revoluções liberais dos
fins do século XVIII. Por isso a advertência de Paulo Bonavides que
diferencia poder constituinte da sua teoria. Segundo este constitucionalista
brasileiro, o poder constituinte sempre se faz presente no momento em que uma
sociedade estatui os fundamentos de sua organização jurídico-estatal. No
entanto, a tentativa de teorizar esse poder só surgiu no período das
revoluções da época do Iluminismo [49]. Ainda segundo ele: A teoria do poder constituinte é basicamente uma teoria da
legitimidade do poder. Surge quando uma nova forma de poder, contida nos
conceitos de soberania nacional e soberania popular, faz sua aparição
histórica e revolucionária em fins do século XVIII [50]. Assim, o poder constituinte é teorizado no momento de
mudança da legitimação do poder: da vontade pessoal do monarca para a
vontade impessoal da nação ou do povo [51]. As principais revoluções são a Independência dos
Estados Unidos (formalizada pelo tratado de Versalhes no ano de 1.783, sendo a
Constituição promulgada em 1.787) e a Revolução Francesa (ocorrida em
1.789 e constituição aprovada em 1.791). Ambas as revoluções declaravam o povo como detentor
legítimo do poder constituinte. Mas as diferenças sociológicas e políticas
das duas sociedades deram origem a percepções diversas no que diz respeito
ao reconhecimento desse poder popular. Na França, entendeu-se que a
assembléia constituinte formada detinha poder soberano pois era representante
do povo, não necessitando de nenhuma consulta a este (justamente por ser o
seu representante direto e, portanto, sua vontade era a mesma do povo). Já os
americanos instituíram as Convenções, assembléias que deveriam elaborar a
constituição mas com poderes limitados e, por isso, deveriam submeter a
constituição à aprovação popular (como legítimo detentor do poder
constituinte soberano. No entanto, a doutrina americana foi logo acolhida na
França e a Convenção nacional francesa de 1.792 (da qual resultou a
constituição de 1.793) determinou que a constituição deveria ser
confirmada pelo povo. Há aqui, assim como na doutrina americana, a
diferenciação entre detentor legítimo do poder constituinte e órgão que o
representa na elaboração do documento constitucional [52]. II.b) Aspectos Gerais do Poder Constituinte. Identificado o poder constituinte com o poder de ditar
normas constitucionais, o grande problema que surge é identificá-lo na sua
manifestação para que se possa realizar um estudo acerca das suas
características e sua importância tanto para a idéia de constituição
quanto para a idéia de soberania. Primeiramente, deve-se ressaltar que é possível falar-se
em poder constituinte derivado (de grande importância para o estudo jurídico
do direito constitucional) e em poder constituinte originário (fenômeno
importantíssimo no estudo sociológico e político de um determinado Estado
mas de grande dificuldade de ser estudado no âmbito puramente jurídico, pois
trata-se da manifestação de um poder que transcende em muito os limites
estritos de um ordenamento jurídico). O primeiro (que não faz parte do objeto de estudo do
presente trabalho) diz respeito ao poder que um órgão legislativo tem de
alterar as normas da constituição. Mas é limitado, pois não pode alterar a
substância da constituição, já que não pode modificar os fundamentos do
ordenamento jurídico, alterando aquilo que foi determinado pela vontade do
detentor do poder constituinte originário (legítimo portador do poder de
determinar as bases da constituição do Estado). Se o fizer, passa a ser
poder originário. Já o poder constituinte originário é aquele que dita as
bases da constituição, os valores básicos do ordenamento que irão balizar
o convívio social. É aquele poder que determina a primeira constituição
histórica (para utilizar a famosa expressão kelseniana).Nesse
sentido, também, a orientação de Canotilho: ... no fundo, o poder constituinte se revela sempre
como uma questão de ‘poder’, de ‘força’ ou de autoridade política
que está em condições de, numa determinada situação concreta, criar,
garantir ou eliminar uma constituição entendida como lei fundamental da
comunidade política [53]. Seguindo essa linha de idéias, há, segundo Jorge Miranda,
um poder constituinte material e um formal. O primeiro é aquele que conforma
qual é a idéia de direito, que dá o conjunto de valores que irá prevalecer
na constituição dirigindo o conteúdo material das normas a serem
elaboradas. O segundo é o poder que normatiza essa idéia de direito, que
sistematiza e formaliza a constituição, objetivando aqueles valores que
devem prevalecer [54]. O poder constituinte material, portanto, precede
logicamente o formal, pois é ele que dá o substrato que deverá ser a base
da constituição. E precede-o historicamente, porque (sem considerar, mesmo,
a Constituição institucional de antes do constitucionalismo) há sempre dois
tempos no processo constituinte, o do triunfo de certa idéia de Direito ou do
nascimento de certo regime e o da formalização dessa idéia ou desse regime;
e o que se diz da construção de um regime político, vale também para a
transformação de um Estado. [55] "O nascimento do Estado coincide com a sua primeira
Constituição, porque na Constituição vão exteriorizar-se as
representações particulares do conceito de Estado" [56].
Formado o Estado, ele pode transformar-se ou restaurar-se após deixar de
existir. Nesses momentos cruciais é que se faz identificável o poder
constituinte material, pois é o causador das mudanças profundas o suficiente
para derrubar a ordem constitucional vigente e traz a necessidade de uma nova
constituição para a consubstanciação do Estado. O poder constituinte se faz presente, portanto, nos
momentos de formação ou de transição do Estado [57]; é o poder
que causa a instabilidade na ordem social a fim de criar uma nova forma de
convivência, impõe novos valores a serem seguidos e determina a necessidade
de uma nova ordem jurídica a fim de objetivar esse novo modo de relação
social. Assim, Jorge Miranda mostra como é estreita a relação
entre poder constituinte e revolução. A revolução é um elemento formador
do direito que tem como resultado a substituição da ordem jurídica vigente
(e, portanto, da sua Constituição) e afirma os novos valores que se deseja
implementar. Tais valores podem não ser suficientemente valiosos no
plano do Direito natural, e a legitimidade que inspiram pode revelar-se
precária; no entanto, são eles, e só eles, que justificam a viragem
política institucional e que imprimem um cunho próprio à Constituição a
redigir de seguida. (...) Sob este ângulo, configura-se indiferente que o
autor da revolução seja um governante em funções, um titular de um órgão
do poder constituído usurpando o poder constituinte – é o que se chama golpe
de Estado; ou que seja um grupo ou movimento vindo de fora dos poderes
constituídos – insurreição ou revolução stricto sensu
[58]. Daí a afirmação de Paulo Bonavides referindo-se às
revoluções do final do século XVII: "A teoria do poder constituinte
teve para a concepção revolucionária a mesma forma que a doutrina da
soberania para a implantação das realezas absolutas" [59].
Pois o detentor do poder constituinte é quem decide sobre a organização do
Estado e seus valores, sem subordinar-se a nada. Outra questão que surge é saber se o poder constituinte
sofre algum tipo de limitação. Em se tratando de poder constituinte formal,
a limitação existe tanto pela elaboração documentos prévios (que não
possuem caráter vinculador nas constituições ocidentais, mas possuíam esse
caráter nos Estados de tendência marxista) [60] quanto da idéia
de direito proveniente do poder constituinte material [61]. Assim, Jorge Miranda identifica três limites materiais ao
poder constituinte: a) transcendente – dirigi-se ao poder constituinte
material ("provém de imperativos de Direito natural, de valores éticos
superiores, de uma consciência jurídica coletiva (conforme se
entender)"); b) imanente – dirigi-se ao poder constituinte
formal ("são os limites ligados à configuração do Estado à luz do
poder constituinte material ou à própria identidade do Estado de que cada
Constituição representa apenas um momento da marcha histórica"); c) heterônomo – pode limitar tanto o poder
constituinte material quanto o formal ("Limite heterônomo de Direito
internacional não são senão os que correspondem a limitações do
conteúdo da Constituição por virtude de deveres assumidos pelo Estado para
com outro ou outros Estados ou para com a comunidade internacional no seu
conjunto. (...) Quanto aos limites heterônomos do Direito interno são
tipicamente os limites recíprocos, em união federativa, entre poder
constituinte federal e poderes constituintes dos Estados Federados")
[62]. Assim como no caso da soberania, para Carl Schmitt o poder
constituinte é um poder de fato e, por isso, identificável. Nesse sentido,
adota a mesma linha argumentativa que já foi exposta, afirmado que o poder
constituinte é aquele que determina as bases da constituição. Mas amplia
essa idéia e aduz que, como o poder de dispor sobre a constituição pertence
ao detentor do poder constituinte, as questões constitucionais cruciais que
podem alterar a essência da Constituição vigente devem ser decididas pelo
titular desse poder de determinação das bases do ordenamento. Por isso,
segundo ele, uma vez editada a constituição, o poder constituinte não
desaparece. Ele permanece ativo para resolver esses conflitos [63]. Coerente com a sua preocupação de identificar
empiricamente aquele que exerce um poder, extraindo desse fato todos os
aspectos relevantes para o estudo do direito constitucional, Schmitt admite
que o poder constituinte é exercido por aquele que tem o poder para
determinar uma nova constituição para o Estado. Assim, o poder constituinte
pertence ao rei numa monarquia (ou, mais especificamente, à dinastia), o que
dá à constituição uma legitimidade dinástica, caso a autoridade e a
força que permitem essa decisão sejam reconhecidas. Já na democracia o
poder constituinte pertence ao povo e a constituição possui uma legitimidade
democrática. No entanto, nada impede que, numa revolução ou num golpe de
Estado esse poder seja subtraído. Eis, então, o que Carl Schmitt compreende por poder
constituinte: Poder constituinte é a vontade política cuja força ou
autoridade é capaz de adotar a concreta decisão de conjunto sobre modo e
forma da própria existência política, determinando assim a existência
da unidade política como um todo. Das decisões dessa vontade deriva a
validez de toda ulterior regulação legal-constitucional. As decisões. ..
são qualitativamente distintas das normatizações legais-constitucionais
estabelecidas sobre sua base. (...) O poder constituinte é vontade política:
Ser político concreto [64]. De acordo com o critério de formalização do direito de
modo a permitir a criação de um objeto próprio da ciência jurídica,
Kelsen ignora os fatores políticos, sociológicos e ideológicos que dão o
conteúdo material da norma jurídica. Uma norma não é válida porque seu
conteúdo é algo bom em si mesmo. A validade da norma decorre do fato de ela
ser criada de acordo com o que determina uma norma superior. Em outras
palavras, a validade de uma norma é dada por uma outra norma hierarquicamente
superior. O ordenamento jurídico é composto por conjunto de normas
escalonado hierarquicamente, de modo que uma norma é válida se não
contraria o disposto na norma superior. Porém, uma busca pelo fundamento de validade de uma
determinada norma pode levar a alguns problemas. A norma que está no topo da
cadeia hierárquica e que, portanto, dá o fundamento de validade de todas as
demais normas do ordenamento, é a constituição. Mas, se a constituição
também é uma norma, fica a questão de se saber qual é o seu fundamento de
validade. Segundo Kelsen, o fundamento de validade da constituição é a
constituição que a precede historicamente e assim sucessivamente até que se
chegue à primeira constituição histórica. Essa primeira constituição
histórica é aquela que foi elaborada num momento de ruptura institucional;
é realmente a primeira constituição que dá forma ao Estado ou é a
constituição que não possui qualquer vínculo jurídico com a anterior.
Contudo, também a primeira constituição histórica é uma norma que
necessita de um fundamento de validade. Nesse momento, o jurista austríaco se
depara com duas possibilidades que levariam à incoerência do seu
raciocínio: a) continuar imaginando normas que dêem o fundamento de
validade umas das outras a partir da primeira constituição histórica (isso
levaria a um regresso ao infinito, o que, por argumento ao absurdo,
demonstraria a inexistência de um fundamento de validade da ordem jurídica); b) admitir que o direito provém de um ato de decisão
daquele que detém o poder para impor os fundamentos da ordem jurídica (teria
de reconhecer o poder constituinte originário e, para explicar o fundamento
de validade da primeira constituição histórica, teria de colocar esse poder
como objeto da ciência jurídica, contrariando seu critério de pureza
metodológica). Kelsen elabora uma terceira saída. Cria, como fundamento
de validade último do ordenamento jurídico, uma norma que deve ser
pressuposta, sem qualquer conteúdo material e que não faz parte do
ordenamento, mas que apenas diz que a ordem jurídica deve ser regulada de
acordo com o que é determinado pela primeira constituição histórica. É a
chamada norma fundamental, que permite o corte epistemológico para o
conhecimento puro do direito. A passagem seguinte, apesar de longa, mostra com
nitidez o raciocínio kelseniano: Se por Constituição de uma comunidade se entende a
norma ou as normas que determinam como, isto é, por que órgãos e através
de que processos – através de uma criação consciente do Direito,
especialmente o processo legislativo ou através do costume – devem ser
produzidas as normas gerais da ordem jurídica que constitui a comunidade, a
norma fundamental é aquela norma pressuposta quando o costume, através do
qual a Constituição surgiu, ou quando o ato constituinte (produtor da
Constituição) posto conscientemente por determinados indivíduos são
objetivamente interpretados como fatos produtores de normas; quando – no
último caso – o indivíduo ou assembléia de indivíduos que instituíram
a Constituição sobre a qual a ordem jurídica assenta são considerados
como autoridade legislativa. (...) Ela própria (a norma fundamental)
não é uma norma posta, posta pelo costume ou pelo ato de um órgão
jurídico, não é uma norma positiva, mas uma norma pressuposta, na medida
em que a instância constituinte é considerada como a mais elevada
autoridade e por isso não pode ser havida como recebendo o poder
constituinte através de uma outra norma, posta por uma autoridade superior
[65]. Fica claro que Kelsen reconhece a existência de um poder
constituinte que não está subordinado a qualquer norma jurídica e que é o
responsável pela criação da constituição de ruptura, que dá as bases do
ordenamento jurídico, mas que, por se tratar de um fator real de poder, não
pode ser objeto de estudo de uma ciência jurídica no seu sentido mais
estrito. II.e) Rápida visão sobre a problemática da Constituição Européia. O processo de integração dos Estados que compõem a
União Européia traz questões intrigantes para a discussão presente, pois
põe em xeque tanto a noção de soberania quanto a idéia de poder
constituinte. Se, por um lado, o processo de integração aproxima cada
vez mais os Estados-membros de forma a criar uma situação de fato que torne
cada vez mais difícil (até mesmo quase impossível) a dissociação da
comunidade européia ou mesmo uma saída isolada de algum membro (em que pese
algumas ameaças recentes advindas dos processos eletivos da França e da
Áustria – claramente relacionadas a discursos políticos de extrema direta)
e cria uma independência ao ponto de o Tribunal de Justiça das Comunidades
Européias afirmar um direito constitucional europeu impondo o princípio da
prevalência do direito comunitário sobre o direito interno [66], por outro,
a União Européia é fruto de tratados que determinam competências de
atuação da União, mais não transfere a totalidade dos poderes de decisão
e afirma o princípio da identidade constitucional dos Estados-membros, que
não pode ser vulnerada [67]. Esta questão é que tem causado perplexidade à
teoria da constituição vigente. Daí a precisa colocação de Francisco Lucas Pires: O Estado continua, de resto, a manter, porém, uma
disciplina de condições estritas sob qualquer ato de transferência de
soberania, a saber
: o objeto de transferência é o exercício, não a
titularidade do poder soberano; a transferência tem apenas um objetivo
limitado e determinado de maneira expressa, para lá da qual não pode ser
exercida; é suposto que pode ser revogada.
A verdade, porém, é que estas condições, mesmo quando formalmente respeitadas, são largamente ilusórias, chocam-se com a dinâmica de crescimento dos ‘poderes implícitos’ e de formas de apropriação da competência (art. 235° do TUE, por exemplo) por parte das organizações supranacionais. Tanto a competência específica uma vez delegada como aquelas outras criadas em nome de necessidades funcionais da própria organização em causa, acabam por escapar, por exemplo, ao controlo de qualquer autoridade ou Tribunal Constitucional nacional. Daí a sensação de impotência e incompletude [68].
Segundo o mesmo autor, essa situação de fato da imposição do direito comunitário sobre as ordens jurídicas nacionais (ainda que respeitado o princípio da identidade nacional) deve-se mais ao medo de que a Comunidade Européia desintegre-se do que à certeza de uma tratamento igualitário na imposição desse direito comunitário sobre os Estados ou a uma possibilidade de interpretação textual dos tratados referentes à integração [69].
Essa atitude de integração e de afirmação do direito comunitário europeu por parte do Tribunal de Justiça das Comunidades Européias, bem como a existência de normas de caráter intrinsecamente constitucional (normas relativas a direitos fundamentais e organização do aparato burocrático da União Européia, além de garantir uma certa divisão de poderes) permite que os constitucionalistas europeus falem de existência de uma constituição européia ou, ao menos, pugnem por uma.
Não só a idéia de direitos fundamentais está presente no Tratado da União Européia, mas também exigência de que só Estados democráticos possam participar desse processo de integração, além de exaltar os valores da paz e do desenvolvimento [70].
No entanto, essa identificação de uma constituição européia a partir da existência de normas de conteúdo constitucional material e da sua afirmação jurisprudencial gera o que a doutrina tem chamado de "défice democrático da União Européia" [71]. O principal órgão da União continua sendo o Conselho (apesar das crescentes atribuições e competências do Parlamento Europeu, até mesmo como um meio de amenizar esse défice democrático), que é composto por membros indicados pelos Estados e, apesar de ser um órgão tipicamente executivo, concentra competências legislativas importantes. Essa situação faz com que as decisões mais importantes no que diz respeito à União Européia não sofra o controle direto das populações dos Estados (ou dos "povos europeus"). Apesar disso, o próprio Tratado da União Européia fala de uma "cidadania européia", o que deveria implicar numa possibilidade maior de controle e exercício das decisões tomadas e de uma participação efetiva e mais direta na produção normativa.
Principalmente no que tange à construção do direito constitucional europeu, não há uma participação próxima efetiva das populações dos Estados, não há, por assim dizer, a identificação de um poder constituinte, o que gera a impressão de uma União Européia tecnocrática.
Abstração feita de as Constituições também poderem ser estabelecidas por Tratados bilaterais ou multilaterais e haver exemplos históricos disso mesmo, onde essa debilidade da ‘construção’ comunitária apareceria em toda a sua nudez seria quando se lembra que os Tratados fundadores continuam a ser, para lá de todas as construções doutrinárias ou jurisprudenciais, meras convenções de direito internacional público. No lugar do sumo poder que é o poder constituinte, temos convenções retalhadas como um puzzle pelo requerimento da unanimidade [72].
A partir da identificação desse défice democrático é que a doutrina, para legitimar a constituição européia, busca argumentar a existência de um povo europeu e de valores fundamentais compartilhados por todos os povos da Europa (o próprio Tratado da União Européia faz alusão às "tradições constitucionais comuns").
Sobre o compartilhamento de valores e tradições constitucionais comuns é bastante ilustrativa a seguinte passagem de Peter Häberle:
Resumindo: legisladores, jurisprudência constitucional e ciência jurídica (constitucional) constituem na Europa um substrato jurídico comum indissociável que contém elementos do tipo ‘Estado constitucional’, quer dizer, antes de tudo respeito à dignidade humana, democracia pluralista, direitos humanos e liberdades fundamentais, Estado de Direito (império da lei), justiça social, autogestão administrativa em nível municipal, subsidiariedade, tolerância e proteção de minorias,, regionalismo e federalismo. Quanto maiores sejam as variantes das formas particulares e maior o grau de diferenciação e abstração ou, no caso, de concreção dos princípios, tanto mais variadas serão as formas as quais se ponha em evidência a remição ao ‘legado comum’ e aos valores ‘ético-espirituais’, passando pelos princípios gerais de Direito contidos em cada uma das Constituições até alcançar os standards europeus, a homogeneidade conceitual e a categoria de ‘Estado europeu constitucional’ [73].
Já a busca de um povo europeu estaria centrada em verificar uma existência de identidade dentro da diversidade cultural, lingüística e histórica dos povos que compõem a Europa.
Nesse sentido, de grande importância a posição de Peter Häberle buscando um identidade do povo europeu no reconhecimento de uma cultura (abrangendo manifestações culturais universalizáveis tais como a arte e a ciência, bem como um direito comum, principalmente no que tange ao direito civil e ao direito constitucional) construída em conjunto e compartilhada por toda a Europa [74].
Frise-se, no entanto, que, apesar do reconhecimento da necessidade de se identificar um povo europeu (de forma que os diversos povos se identifiquem como um povo: o europeu), Francisco Lucas Pires não só nega a necessidade de um poder constituinte para uma constituição européia como afirma ser esse um défice benéfico:
Ao contrário da condenação do déficite democrático, os de estadualidade e poder constituinte como que poderiam ser ‘santificados’, ou, pelo menos, ‘beatificados’. Se falta ainda enlaçar mais completamente o Direito Comunitário e a Democracia, também é verdade que quanto mais ambos prescindissem do poder da estadualidade e o seu acúmem de ‘poder’ constituinte mais caminhariam pelo seu próprio pé [75].
Conclusão: Identidade Entre Soberania e Poder Constituinte.
De acordo com tudo o que foi colocado, fica fácil identificar as duas formas de manifestação de poder que foram discutidas: o poder soberano e o poder constituinte. Ambos são poderes que determinam como se organizará o Estado, que decidem acerca da substância do ordenamento jurídico. Não é por outro motivo que os constitucionalistas atribuem caráter soberano ao poder constituinte originário.
Tanto em Hobbes como em Bodin, soberano é aquele que decide sobre a organização do Estado, o que implica decidir sobre a ordem jurídica. O poder de decidir sobre a ordem jurídica não pode, portanto, estar submetido às leis que cria. Se assim não fosse não poderia o soberano dispor livremente sobre o ordenamento. Estaria submetido a um outro poder. Assim, o poder constituinte é aquele que tem o poder de ditar os valores e as formas fundamentais da composição de um Estado. E, portanto, não está submetido a qualquer outro poder, nem a prescrições jurídicas prévias.
Surge a questão de se saber de quem é o poder constituinte, quem o exerce de modo soberano. Pode-se dizer que poder constituinte é um conceito jurídico-político que se refere ao titular de um poder de fato, daquele que determina o ordenamento, ao menos em suas bases mais fundamentais. Assim, só é identificável após a formação da constituição, quando terminado o momento de ruptura institucional. Desse modo, o poder constituinte pertence àquele que é capaz de recuperar a ordem, impondo o conjunto de valores que vai fundamentar a ordem jurídica estatal. Recuperada a ordem, o poder constituinte fica apenas latente, possível de ser recuperado com toda a sua força nos momentos de crise. Aquele que detém esse poder é, portanto, o soberano, pois não há nada que possa restringir seu poder de decisão acerca dos rumos a serem tomados pela comunidade.
Não há como se afirmar, portanto, que o único portador desse poder constituinte soberano é o povo, pois qualquer indivíduo ou grupo que seja capaz de determinar os fundamentos da constituição é detentor do poder constituinte. E é soberano enquanto puder manter essa ordem jurídica (independentemente de qualquer critério de legitimidade). Assim, o poder soberano, sob a ótica do poder constituinte, não é intransferível, pois pode mudar de detentor de acordo com a forma que o Estado vem a tomar (um mesmo Estado pode ser pautado pelo princípio democrático, pela forma monárquica ou pela ditadura e se essa escolha pertencer ao povo, ou ao rei, ou ao ditador, estes serão os detentores do poder soberano, porque são os detentores do poder constituinte; da mesma forma, um Estado pode ser pautado em valores teológicos, liberais, marxistas, etc. e soberano será aquele capaz de ditar e manter esses valores numa situação de normalidade, dando o fundamento material que determina a ordem jurídica estatal). Não faz sentido dizer que sempre que há um ato de ruptura política que altera o fundamento da constituição forma-se um novo Estado. O Estado permanecerá o mesmo sempre que a idéia de identidade nacional estiver presente (sempre que, por exemplo, um brasileiro continuar sentindo-se brasileiro).
Nesse sentido, o poder constituinte, encarado como problema de teoria da constituição, é um poder ilimitado, pertence a quem o exerce de fato e com força suficiente para determinar a estrutura e os valores a serem seguidos; é, portanto, soberano.
No que tange à questão da soberania e poder constituinte no direito comunitário constitucional europeu, em que pese a visão de Francisco Lucas Pires, não é bem esse o quadro que se desenha. Além da necessidade de diminuição do défice democrático não só pela participação nas decisões da União Européia mas, também pela participação na própria criação desse novo direito constitucional que se desenha (aliás, necessidades essas admitidas pelo próprio autor português), a própria tentativa de identificação de um "povo europeu" parece direcionar para a identificação também de um poder constituinte originário e, conseqüentemente, para o exercício de uma soberania popular, como poder último a quem os órgãos da União Européia devem sempre se referir e submeterem-se ao controle, além de dar a legitimação desse processo de formação da constituição européia.
Por outro lado, o próprio Francisco Lucas Pires admite que:
De resto, os Estados e os Governos só aceitam o desenvolvimento integrativo por acharem que seu próprio poder cresce com ele. Podem estar enganados, mas de acordo com o que são os tropismos do poder, ninguém aceitaria entrar num processo de ‘capitis diminutio’ [76].
Ora, assim sendo, a conclusão a que se chega é que a legitimidade da constituição européia advém do reconhecimento (ainda que formal ou meramente no imaginário) da sua legitimidade por parte de cada Estado (o que já exclui os povos europeus sem uma unidade territorial, tais como os bascos, os ciganos e os curdos), idéia essa que por si só nega uma possível unidade do povo europeu como participante do processo da integração européia.
No que se refere à desnecessidade de um poder soberano, há que se trazer à tona a afirmação de Nicola Matteucci:
Porém, onde não existe o monopólio da força numa única instância, onde não há ‘mando’ que mantenha unido o corpo social, ou existe o consenso acerca dos valores últimos e das regras do jogo que criam a fidelidade e estabelecem a obrigação política, ou se retorna ao Estado natural, que é o Estado da força, e explode assim a luta pela Soberania.
(...) Estando este supremo poder de direito em via de extinção, faz-se necessário agora, mediante uma leitura atenta dos fenômenos políticos que estão ocorrendo, proceder a uma nova síntese político-jurídica capaz de racionalizar e disciplinar juridicamente as novas formas de poder, as novas ‘autoridades’ que estão surgindo [77].
Como não há ainda um consenso sobre as instituições políticas que estão em formação, nem sobre a existência de um povo europeu ou da dicotomia entre direitos sociais garantidos pelo Estado (Estado Social) e liberdade de mercado e autonomia do indivíduo (Estado liberal) no âmbito interno das relações na Comunidade Européia, fica a questão de se identificar essas "novas formas de poder". Se elas são exercidas com base na noção de "povo europeu" (entendido como uma unidade), este é soberano, não havendo de se mudar a idéia de soberania popular (até mesmo como forma de proteção do princípio democrático). Caso não sejam exercidas pelo povo europeu, há que se identificar quem são os portadores desse poder de fato. Contudo, não seria demasiado dizer que esses portadores dos "novos poderes" são os atuais detentores do poder constituinte e, na medida que não há outro poder apto a com eles concorrer, são soberanos.
Resta a questão da soberania perante o direito internacional. Nesse ponto a soberania só pode ser entendida como um princípio jurídico que determina a igualdade jurídica entre os Estados que compõem a comunidade internacional. E, como princípio jurídico, a soberania só faz sentido num contexto de normalidade institucional interna do Estado, o que permite a afirmação de Kelsen de que soberano é o ordenamento jurídico que não reconhece nenhum outro como superior. Contudo, essa "normalidade" deve ser encarada não como convivência social harmônica, mas como sendo possível a identificação da estrutura burocrática que regula a vivência jurídica do Estado, de modo que seja possível identificar quem exerce os poderes constituídos e quem a eles se opõem. O que importa aqui é que a sociedade continue a se relacionar de acordo com a forma de vida característica do Estado moderno, sempre que seja possível a identificação da permanência de formas de instituições político-administrativas modernas.
O direito de intervenção [78] entra em debate no momento em que se discute se esse princípio pode ou não ser afastado em virtude da necessidade de aplicação de outros princípios. O caso concreto é que vai determinar qual princípio deve prevalecer no caso de conflito (por exemplo, soberania ou dignidade de pessoa humana). E, como princípio, a idéia de soberania pertence a um determinado ordenamento: ao ordenamento jurídico internacional. Assim, pode-se dizer que soberano é o Estado política e administrativamente organizado (dentro dos moldes de organização moderna do Estado), com ordenamento jurídico próprio e reconhecido pela comunidade internacional.
A idéia de soberania, nesse sentido, perde a sua força histórica e passa a significar o mesmo que igualdade jurídica entre os Estados. Significa, portanto, que todo Estado deve ser tratado do mesmo modo que os demais pela comunidade internacional e que tem um âmbito de atuação que deve sofrer o mínimo possível de ingerências da ordem internacional (em analogia das relações privadas de direito interno).
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Notas
- BODIN, Jean. On Sovereignty: four chapters from ‘The Six Books of the Commonwealth’. edição de trad. para inglês de Julian H. Franklin, Cambridge University Press, 1999, p. 1 (trad. livre do inglês para o português). "Sovereignty is the absolute and perpetual power of a commonwealth".
- BODIN, Jean. op. cit., p. 6. "What shall we say then of someone who has absolute power from the people for as long as he shall live? Here one must distinguish. If the absolute power is given to him pure and simple without the style of a magistrate or a commissioner, and not in the form of a grant on sufferance (précaire), then he surely is, and has a right to call himself, a sovereign monarch. For the people has here dispossessed and strped itself of its sovereign power in order to put him in possession of it and to vest it in him. It has transferred all of its power, authority, prerogatives, and sovereign rights to him and [placed them] in him, in the same way as someone who has given up his possession of, and property in, something that belonged to him. (...) But if the people concedes its power to smeone for so long as he shall live in the capacity of a officer, or lieutenant, or only to relieve itself of the exercise of its power, then his is not a sovereign, but simple officer, lieutenent, regent, governor, or guardin and trustee of anothers power".
- Cf. MATTEUCCI, Nicola. verbete Soberania. in: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola, PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. 11. ed, trad. Carmen C. Varriale et al., Brasília, Editora UnB, 1998, p. 1179-1188.
- BODIN, Jean. op. cit., p. 23. "We thus see that the main point of sovereign majesty and absolute power consists of given the law to subjects in general without their consent".
- Cf. BODIN, Jean. op. cit., p. 39-42.
- BODIN, Jean. op. cit., p. 34-36.
- BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no Pensamento de Emanuel Kant. Trad. Alfredo Fait, 4. ed., Brasília: editora Universidade de Brasília, 1997, p. 72 (grifos no original).
- HOBBES, Thomas. Leviatã. trad. Alex Martins, São Paulo, Martin Claret, 2002, p. 130.
- HOBBES, Thomas. op. cit., p. 131.
- Cf. HOBBES, Thomas. op. cit., p. 133: "... posto que o direito de representar a pessoa de todos é conferido ao que é tornado soberano mediante um pacto celebrado apenas entre os súditos e não entre o soberano e cada um dos outros, não pode haver quebra do pacto da parte do soberano, portanto nenhum dos súditos pode se libertar da sujeição, sob qualquer pretexto de infração". Mas isso só vale para um Estado dessa forma instituído.
- ALVES, Marcelo. Leviatã: O Demiurgo das Paixões – uma introdução ao contrato hobbesiano. Florianópolis: Unicen Publicações e Livraria e Editora Obra Jurídica Ltda., 2001, p. 65.
- Conferir, entre outras passagens, HOBBES, Thomas. op. cit., p. 135: "Pela instituição de um Estado, cada indivíduo é autor de tudo quanto o soberano fizer. Conseqüentemente, aquele que se queixar de uma injúria feita por seu soberano estar-se-ia queixando daquilo que ele próprio é autor. Não deve, pois, acusar ninguém a não ser a si próprio. Não pode acusar a si próprio de injúria, pois causar injúria a si próprio é impossível. É verdade que os detentores do poder soberano podem cometer iniqüidades, mas não podem cometer injustiça nem injúria em sentido próprio".
- HOBBES, Thomas. op. cit., p. 164.
- HOBBES, Thomas. op. cit., p. 244.
- HOBBES, Thomas. op. cit., p. 252. Sobre o assunto, conferir também ALVES, Marcelo. op. cit., p. 85.
- Veja-se MATEUCCI, Nicola. op. cit., p. 1182. Eis como Bobbio resume a teoria de Hobbes: "A melhor e mais coerente expressão do Estado absoluto encontra-se no pensamento político de Thomas Hobbes, cujas teorias políticas adquirem um valor de paradigma. Nas obras de Hobbes encontra-se de fato: 1) a teoria segundo a qual a única fonte de direito é a vontade do soberano, por isso ele luta contra a supremacia que, na Inglaterra, era conferida ao direito consuetudinário (common law). .. ; 2) a teoria longamente documentada nas duas obras políticas principais (De Cive e Leviathan), segundo a qual a Igreja não constitui um ordenamento superior ao ordenamento estatal porque, como o ordenamento jurídico, identifica-se com o estatal; a afirmação de que, nas relações dos Estados entre si (direito internacional), não existe nenhum poder superior aos estados singulares, e que portanto vale entre eles o estado de natureza, quer dizer, o estado segundo o qual não existe outro direito a não ser o do mais forte; a tese de que os ordenamentos jurídicos inferiores ao Estado adquirem relevância jurídica somente através do reconhecimento conferido a eles pelo soberano, motivo pelo qual não podem ser considerados ordenamentos originários nem autônomos". Cf. BOBBIO, Norberto. op. cit. p. 13.
- Esses novos valores, unindo-se às necessidades de uma economia baseada no comércio, são alguns dos fatores apontados por Argemiro Cardoso Moreira Martins que impulsionaram o recebimento do direito romano a partir dos séculos XIV e XV, que propiciou noções como um direito universal, direito de propriedade absoluta, e possibilidade de um processo com um meio racional de valoração das provas. Contudo, por ser a sociedade romana uma sociedade baseada na produção agrária com mão de obra escrava, não havia uma legislação rica sobre atividades marítimas e comércio. Assim, esse novo direito que surgia era uma criação própria da Idade Média, muito aperfeiçoada posteriormente durante o auge do liberalismo. Nesse sentido, sob a base e a necessidade dos valores que informariam toda a produção liberal, o direito romano é retomado muito mais no seu conteúdo formal que no material. Cf. MARTINS, Argemiro Cardoso Moreira. O Direito Romano e Seu Ressurgimento no Final da Idade Média. In: WOLKMER, Antonio Carlos (org.). Fundamentos de História do Direito, 2. ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 181-216.
- Ver nota anterior.
- Cf. LOCKE, John, Segundo Tratado Sobre o Governo. In "Os Pensadores: Locke", trad. Anoar Aiex e E. Jacy Monteiro. 2. ed., São Paulo: Abril Cultural, 1978. Sobre a tentativa liberal de limitação do poder, ver BOBBIO, Norberto. op. cit., p. 15 – 16 (grifos no original).
- MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. In "Os Pensadores: Montesquieu". trad. Fernando Henrique Cardoso e Leôncio Martins Rodrigues, 2. ed., São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 149.
- O pacto social se reduz aos seguintes termos: "Cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo o seu poder sob a suprema direção da vontade geral; e recebemos, coletivamente, cada membro como parte indivisível do todo". ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social. trad. Antonio de Pádua Danesi, 3. ed., São Paulo: Martins fontes, 1996, p. 22 (grifos no original).
- As cláusulas do contrato social se reduzem a uma só: "Bem compreendidas, essas cláusulas se reduzem todas a uma só, a saber, a alienação total de cada associado, com todos os seus direitos, a toda a comunidade. Pois, em primeiro lugar, cada qual dando-se por inteiro, a condição é igual para todos, e, sendo a condição igual para todos, ninguém tem interesse em torná-la onerosa para os demais". ROUSSEAU, Jean-Jacques. op. cit., p. 21.
- ROUSSEAU, Jean-Jacques. op. cit., p. 22.
- ROUSSEAU, Jean-Jacques. op. cit., p. 30.
- "Aliás, em qualquer situação, o povo é sempre senhor de mudar suas leis, mesmo as melhores, pois, se lhe agrada fazer mal a si mesmo, quem terá o direito de impedi-lo?". ROUSSEAU, Jean-Jacques. op. cit., p. 65.
- ROUSSEAU, Jean-Jacques. op. cit., p. 37.
- ROUSSEAU, Jean-Jacques. op. cit., p. 39.
- "Mas o corpo político ou soberano, tirando seu ser unicamente da santidade do contrato, jamais pode obrigar-se, mesmo em relação a outrem, a nada que derrogue esse ato primitivo, como alienar uma parte de si mesmo ou submeter-se a outro soberano. Violar o ato pelo qual ele existe seria aniquilar-se, e o que nada é nada produz. (...) Digo, pois, que a soberania, sendo apenas o exercício da vontade geral, nunca pode alienar-se, e que o soberano, não passando de um ser coletivo, só pode ser representado por si mesmo; pode transmitir-se o poder – não, porém, a vontade". ROUSSEAU, Jean-Jacques. op. cit., p. 24 e 33.
- Cf. ROUSSEAU, Jean-Jacques. op. cit., p. 36.
- MATTEUCCI, Nicola. op. cit. p. 1183.
- KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. 2. ed. (1ª reimpressão), trad. Luís Carlos Borges, São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 249 e 250.
- Cf. KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado, op. cit., p. 371. "A afirmação de que a soberania é uma qualidade essencial do Estado significa que o Estado é uma autoridade suprema. A ‘autoridade’ costuma ser definida como o direito ou poder de emitir comandos obrigatórios". Mas, para que se exerça esse poder, alguém tem de ter recebido o direito de emitir esses comandos obrigatórios. Porém, esse direito só pode ser conferido por uma ordem jurídica. "Desse modo, a autoridade, originalmente é característica de uma ordem normativa. Apenas uma ordem normativa pode ser ‘soberana’, ou seja, uma autoridade suprema, o fundamento último de validade das normas que um indivíduo está autorizado a emitir como ‘comandos’ e que outros são obrigados a obedecer".
- KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado, op. cit., p. 277.
- Cf. KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. op. cit., p. 341: "Na verdade, é pelo Direito internacional que são determinadas as esferas de validade territorial e pessoal, assim como a temporal, das ordens jurídicas nacionais".
- KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado, op. cit., p. 341. A partir dessa passagem Kelsen conceitua juridicamente o Estado: "A ordem jurídica nacional, isto é, uma ordem que constitui um Estado, pode, desse modo, ser definida como uma ordem coercitiva relativamente centralizada cujas esferas de validade territorial, pessoal e temporal são determinadas pelo Direito internacional e cuja esfera de validade material é limitada apenas pelo Direito internacional. Trata-se de uma definição jurídica de Estado" (p. 342).
- Cf. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado, 6. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 35-65.
- KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado, op. cit., p. 318.
- Cf. KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado, op. cit., p. 317. "Ou seja, que a ordem jurídica efetivamente válida venha a ser transformada, por meio da centralização, numa ordem jurídica nacional cuja esfera territorial de validade coincida com o Direito internacional efetivamente válido".
- KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. op. cit., p. 372.
- KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. op. cit., p. 373.
- Cf. SCHMITT, Carl. Teologia Política. In: SCHMITT, Carl. A Crise da Democracia Parlamentar. trad. Inês Lohbauer, São Paulo: Scritta, 1996, p. 116-117.
- SCHMITT, Carl. Teologia Política, op. cit., p. 118. A legitimidade da monarquia é transferia para a legitimidade democrática, com base na idéia de poder constituinte (cf. p. 119).
- "Ela (a lei) não pode efetuar qualquer norma jurídica e efetuá-la a qualquer um. A norma jurídica como norma decisória só afirma como devem ser decididas as coisas, mas não quem deve decidi-las". SCHMITT, Carl. Teologia Política, op. cit., p. 106 (grifo no original).
- SCHMITT, Carl. Teologia Política, op. cit., p. 90.
- SCHMITT, Carl. Teologia Política, op. cit., p. 88. E Schmitt acrescenta: "Uma definição como esta ("a soberania é o poder máximo, juridicamente independente, não derivado) pode ser aplicada aos mais diversos complexos político-sociológicos e servir aos mais diversos interesses políticos. Ela não é a expressão adequada de uma realidade, mas uma fórmula, uma marca, um sinal. Ela possui uma quantidade infinita de significados e, por isso, na prática, conforme a situação, pode ser excepcionalmente útil ou totalmente sem valor: usa o superlativo ‘poder máximo’ como sinal de uma grandeza real, apesar de não se poder imaginar tal superlativo, nem se poder extrair um fato único de uma realidade regida pela lei da causalidade. (...) A relação entre poder máximo factual e jurídico é o problema básico do conceito de soberania. É aqui que se situam todas as dificuldades. Trata-se de encontrar uma definição que integre esse conceito básico da jurisprudência, não com predicados tautológicos genéricos, mas por meio da especificação do juridicamente essencial" (p. 96).
- SCHMITT, Carl. Teologia Política, op. cit., p. 88.
- Cf. SCHMITT, Carl. Teologia Política, op. cit., p. 92.
- SCHMITT, Carl. Teologia Política, op. cit., p. 87.
- BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 8. ed., São Paulo: Malheiros, 1999, p. 121.
- BONAVIDES, Paulo. op. cit., p. 120.
- BONAVIDES, Paulo. op. cit., p. 122.
- Sobre a noção histórica de poder constituinte e a diferença de concepção na França e nos Estados Unidos, veja-se BONAVIDES, Paulo. op. cit., p. 131-135 e SCHMITT, Carl. Teoría de la Constitución. trad. para espanhol de Francisco Ayala, 1.ed (segunda reimpresión), Salamanca: Alianza Universidad Textos, 1996, p. 95-97.
- CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed., Coimbra: Livraria Almedina, 1998, p. 59 (grifos no original).
- Cf. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 3. ed., Tomo II, Coimbra: Coimbra Editora, 1991, p. 75.
- MIRANDA, Jorge. op. cit., p. 74.
- MIRANDA, Jorge. op. cit., p. 77.
- MIRANDA, Jorge. op. cit., p. 88. "Em última análise, uma transição constitucional produz-se porque a velha legitimidade se encontra em crise e justifica-se porque emerge uma nova legitimidade. E é a nova legitimidade ou idéia de direito que obsta à arguição de qualquer vício no processo e que, doravante, vai não só impor-se como fundamento de legalidade mas ainda obter efetividade" (grifos no original).
- MIRANDA, Jorge. op. cit., p. 82 e 83 (grifos no original).
- BONAVIDES, Paulo. op. cit., p. 121.
- Cf. HORTA, Raul Machado. Estudos de Direito Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p. 32-42. Destaque-se que esse autor identifica assembléia constituinte (responsável pela elaboração da constituição como documento jurídico formal e representante do detentor do poder constituinte originário: o povo) e poder constituinte originário. Daí atribuir caráter soberano à assembléia.
- MIRANDA, Jorge. op. cit., p. 103. "O que terá de haver sempre – salvo ruptura ou revolução – será o ajustamento dessas regras e das formas de agir do órgão constituinte à idéia de Direito em que se firma e em face da qual deve conceber-se como órgão constituinte. E, a esta luz, a doutrina do poder constituinte acaba por se reconduzir a uma doutrina de limitação do poder".
- MIRANDA, Jorge. op. cit., p. 107-109 (grifos no original).
- Cf. SCHMITT, Carl. Teoría de la Constitución. op. cit., p. 94.
- SCHMITT, Carl. Teoría de la Constitución. op. cit., p. 93 e 94 (trad. livre do espanhol para o português – grifos no original). "Poder constituyente es la voluntad política cuya fuerza o autoridad es capaz de adoptar la concreta decisión de conjunto sobre modo y forma de la propria existencia política, determinando así la existencia de la unidad política como un todo. De las decisiones de esta voluntad se deriva la validez de toda ulterior regulación legal-constitucional. Las decisiones. .. son qualitativamente distintas de las normaciones legales-constitucionales establecidas sobre su base. (...) El poder constituyente es voluntad política: Ser político concreto".
- KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. op. cit., p. 221.
- Cf. PIRES, Francisco Lucas. Introdução ao Direito Constitucional Europeu. Coimbra, Livraria Almedina, 1997.
- "Não existe na Comunidade Europeia qualquer poder para legitimar a sua existência como ordem jurídica e para alterar ou alargar o seu âmbito de competências. É nisto que consiste a competência da competência. Compreende-se, por isso, que a ‘comunidade jurídica dos povos dos Estados integrados da União Europeia’ não possa dispor quer da estatalidade quer da ordem constitucional dos estados-membros". CANOTILHO, J. J. Gomes. op. cit., p. 1223 (grifos no original).
- PIRES, Francisco Lucas. op. cit., p. 14 (grifos no original).
- PIRES, Francisco Lucas. op. cit., p. 27.
- Cf. PIRES, Francisco Lucas. op. cit., p. 33: "Enquanto as últimas (convenções internacionais comuns) se limitam a subentender interesses mútuos dos respectivos subscritores, os Tratados Constitutivos da União Europeia fundam suas raízes mais longe e mais fundo, em valores como o da paz, da democracia, da liberdade e do desenvolvimento. Ressalvando o paradoxo da expressão, poder-se-ia dizer que têm como que um direito natural ‘próprio’, em todo caso, uma ‘ordem de valores’, do mesmo tipo da que autores como Maunz e Bachoff consideram caracterizadora da própria idéia de Constituição".
- Cf. CANOTILHO, J. J. Gomes. op. cit., p.p. 1221-1222 e PIRES, Francisco Lucas. op. cit., p. 38, bem como o capítulo 13.
- PIRES, Francisco Lucas. op. cit., p. 45.
- HÄBERLE, Peter. Derecho Constitucional Común Europeo. trad. Emilio Mikunda Franco. in: LUÑO, Antonio-Enrique Pérez. Derechos Humanos y Constitucionalismo Ante el Tercer Milenio. Madrid, Marciamons, Ediciones Jurídicas y Sociales, 1996, p. 201 trad, livre do espanhol para o português). "Resumiendo: legisladores, jurisprudencia constitucional y ciencia juridica (constitucional) constituyen en Europa un sustrato jurídico común indisociable que contiene elementos del tipo ‘Estado constitucional’, es decir, ante todo respeto a la dignidad humana, democracia pluralista, derechos humanos y libertades fundamentales, Estado de Derecho (imperio de la ley), justicia social, autogestión administrativa a nivel municipal, subsidiariedad, tolerancia y protección de minorías, regionalismo y federalismo. Quanto mayores sean las variantes de las formas particulares y mayor asimismo el grado de difenrenciación y abstracción, o, en su caso, de concreción de los principios, tanto más variadas serám las formas en las que se ponga en evidencia la remisión al ‘legado común’ y a los valores ‘ético-espiritual’, pasando por lo principios generales del Derecho contenidos en cada uno de las Constituciones hasta alcanzar los standards europeos, la homogeneidad conceptual y la categoría de ‘Estado europeo constitucional’".
- Cf. HÄBERLE, Peter. cp. cit., p. 187-191.
- PIRES, Francisco Lucas. op. cit., p. 75. Este autor afirma que "o poder constituinte ficou para trás", de forma o direito constitucional europeu é cada vez mais fruto de um trabalho consensual no qual o poder se manifesta de forma cada vez mais débil, de modo a ficar clara a efetivação de um dos principais objetivos do constitucionalismo: a contenção do poder. Cf. p. 76-77.
- PIRES, Francisco Lucas. op. cit., p. 90.
- MATTEUCCI, Nicola. op. cit., p. 1186 e 1187.
Como o estudo do poder constituinte derivado não apresenta relevância para os propósitos deste ensaio, daqui em diante o termo poder constituinte referir-se-á apenas a poder constituinte originário.
78.O direito de um Estado (ou organização internacional) de intervir nos assuntos internos de outro Estado em defesa dos direitos humanos ou de direitos derivados do princípio da dignidade humana.
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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)
SIMON, Henrique Smidt. Soberania como problema de Teoria da Constituição. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2567, 12 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/16966. Acesso em: 25 abr. 2024.