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Considerações acerca da nova Lei de Crimes Ambientais

Considerações acerca da nova Lei de Crimes Ambientais

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A nova Lei de Crimes Ambientais não definiu competência para apreciação dos tipos penais que criou.

A clássica teoria geral do crime é insuficiente para determinar a responsabilidade penal da pessoa jurídica.

Criticada por uns, aplaudida por outros, o certo é que a novel legislação representa um marco importante no Direito Penal brasileiro.

ASPECTOS GERAIS

(1)


O grave problema da degradação do meio ambiente não possui fronteiras, excede os limites dos territórios definidos politicamente e afeta de forma inequívoca toda a humanidade.

A preocupação com a questão ambiental pode ser considerada nova quando comparada à própria existência do ser humano como elemento dominador do planeta. Na realidade, apenas nas últimas décadas o homem passou a reconhecer a verdadeira necessidade de conservação do ambiente em que vive.

Procura-se de forma cada vez mais intensa a busca do comprometimento mundial em relação às causas ambientais, neste sentido, a cidade do Rio de Janeiro foi sede da Conferência Mundial do meio ambiente - ECO 92 - oportunidade em que se buscou a uniformização das ações em defesa da natureza.

Na condição de país que detém a maior floresta tropical do mundo e uma incomparável biodiversidade na flora e na fauna, o Brasil sofre grande pressão internacional para que desenvolva atividades compatíveis com a conservação do meio ambiente.

Nações industrializadas, que já esgotaram suas fontes naturais de riquezas, apostam agora nos países subdesenvolvidos com o intuito de garantirem as mínimas condições de sobrevivência no futuro. Questão polêmica que esbarra na própria soberania nacional, aos brasileiros resta a missão do reconhecimento de que conservar os recursos naturais é a garantia de um Brasil indispensável ao cenário internacional.

O texto constitucional de 1988 confirmou a tendência mundial de zelo para com as questões ambientais. A Constituição determina que a todos é garantido o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, de uso comum do povo e fundamental para a existência de uma saudável qualidade de vida. Caberá ao poder público e à coletividade, segundo dispõe o art. 225 da CF, a defesa e a preservação ambiental para as presentes e futuras gerações.

Nesse sentido, o constitucionalista José Afonso da SILVA ponderou a respeito do que está expresso na atual carta magna:

As normas constitucionais assumiram a consciência de que o direito à vida, como matriz de todos os demais direitos fundamentais do homem é que há de orientar toda a forma de atuação no campo da tutela do meio ambiente. Compreendeu que ele é um valor preponderante que há de estar acima de quaisquer considerações como as de desenvolvimento, como as de respeito ao direito de propriedade, como as da iniciativa privada. Também são garantidos no texto constitucional, mas, a toda evidência, não podem primar sobre o direito fundamental à vida que está em jogo quando se discute a tutela da qualidade do meio ambiente, que é instrumental no sentido de que, através desta tutela, o que se protege é um valor maior: a qualidade da vida humana. (1994, p.773).

Com o objetivo de regulamentar o referido art. 225 da CF/88, entrou em vigor, nos seus aspectos penais, a partir de 30/03/1998, a Lei 9.605/98, conhecida como a Lei de Crimes Ambientais.

O citado diploma legal é decorrente da imperativa necessidade de normatização das condutas que afetavam e afetam o meio ambiente nacional. Com patrimônio natural inestimável, buscou-se não somente para o país o controle e punição das ações perniciosas à natureza, mas a própria garantia de que tal patrimônio se perpetue no tempo.

Umas das primeiras vantagens percebidas com a nova lei foi a consolidação em grande parte de diversos textos legais que se encontravam esparsos. Mesmo promovendo uma revogação parcial na maior parte dos ordenamentos relativos ao meio ambiente, merece aplausos qualquer esforço no sentido de reduzir a infinidade de leis já existentes.

Perseguindo uma tendência mundial no trato das questões relativas às normas de punição, a lei de crimes ambientais priorisou a reparação de eventuais danos causados a partir da prática de condutas tipificadas.

Desta forma, às infrações de menor potencial ofensivo são aplicáveis as disposições do art. 76 da Lei 9.099/95, que trata da aplicação imediata da pena. Contudo, o agente terá direito a aplicação de tal dispositivo quando reparado o dano ambiental previamente, de acordo com o art. 27 da lei em estudo, salvo comprovada impossibilidade de fazê-lo.

O que também depende de reparação integral do dano, mediante laudo comprobatório, de acordo com o art. 28, I, da Lei 9.605/98 é a extinção da punibilidade como preceituado no art. 89, § 5º. da já citada lei dos Juizados Especiais Criminais.

Com forte caráter ressocializador e preventivo, a lei de crimes ambientais mostra-se compromissada com a adoção de penas alternativas à privação da liberdade. Assim, a pena de prisão será substituída pela restritiva de direitos, quando, conforme reza o inciso I do art. 7º., "tratar-se de crime culposo ou for aplicado a pena privativa de liberdade inferior a quatro anos", e o inciso II, do mesmo artigo, "a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias do crime indicarem que a substituição seja suficiente para os efeitos de reprovação e prevenção do crime". Portanto, ficou garantida a substituição da pena para todos os delitos culposos, como faz o art. 44, I, do Código Penal mas dilatou-se de um para quatro anos o máximo da aplicação da pena, em relação aos crimes dolosos.

Esta mesma dilatação de prazo em relação às penalidades aplicadas e à concessão de determinado benefício, é também prevista na suspensão condicional da pena. Enquanto o Código Penal vigente prevê tal suspensão para condenações de no máximo dois anos, a lei ambiental fixa três anos (art. 16). Com o mesmo entendimento, Damásio E. de JESUS defende tal medida como sendo de aplicação imediata na busca da renovação do sistema punitivo brasileiro (1996, p. 10).

Ainda merece destaque, entre outros pontos de evidente evolução da lei em comento, a aplicação da suspensão condicional do processo cabível para todas as infrações previstas, salvo a do art. 41, que trata de incêndio em mata e floresta, com pena mínima cominada em dois anos.

Ocorre também um forte traço de consideração SOCIAL na Lei 9.605/98, justamente em seu art. 14, I, que garante a atenuação da pena aos agentes de baixo grau de instrução ou escolaridade. Feliz foi o legislador que com tal dispositivo atinge a certos indivíduos que se valem, de forma inapropriada, de determinadas técnicas de utilização dos recursos ambientais. Tais técnicas decorrem da tradição que é repassada por gerações sucessivas e integram a realidade do nosso meio rural. Os agentes não deixaram de ser punidos, mas contaram com uma atenuante.

Não obstante aos avanços incontestáveis da lei de crimes ambientais, a mesma comete certos exageros quando, por exemplo, pune o indivíduo que, mesmo culposamente, destrói ou danifica plantas de ornamentação de logradouros públicos ou em propriedade privada alheia (art. 49). Além de prever o dano culposo, até então inexistente em nosso direito, estabelece tal conduta como criminosa e com a aplicação de severas penalidades. Miguel REALE JÚNIOR, argumentou com propriedade: "assim, tropeçar e pisar por imprudência na begônia do jardim do vizinho é crime." (1998, p. 3).

Salvo entendimento diverso no que se refere ao dano culposo previsto no art. 38, que em sua íntegra estabelece como crime "destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringências das normas de proteção", e ainda prevê em seu parágrafo único, "se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade" , acreditamos que o legislador procurou evitar condutas realmente danosas ao meio ambiente e que até a edição da lei eram impuníveis por serem oriundas de culpa em sentido estrito. No mesmo sentido, a prática de queimadas que destrói anualmente milhares de quilômetros quadrados de vegetação em nosso país, parece ter sido englobada na previsão culposa do parágrafo único do já citado art. 41.

Portanto, os referidos arts. 38 e 41 contaram com uma visão ampla ao tratarem de ações imprudentes que podem, por vezes, atingir determinada área de preservação permanente, mata ou floresta e que não foram efetivadas com observância do devido cuidado.

Crítica deve ser feita ao que determina o art. 32 que define como crime "praticar ato de abuso, maus tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos". Em primeiro lugar, por tratar-se de tipo aberto caberá uma explicitação acerca do que se entende por "ato de abuso", uma vez que a expressão "maus tratos" já engloba a maior parte das ações agressivas a animais. Pertinente também é a comparação da pena prevista nesse dispositivo e a penalidade cominada para o art. 136 do Código Penal. Enquanto a lei ambiental determina uma detenção de três meses a um ano e multa para o crime de maus tratos contra animais, impõe-se uma penalidade de detenção que varia de dois meses a um ano e multa, quando o sujeito passivo é um ser humano, portanto, maltratar um animal é mais grave que ofender uma pessoa.

No que tange ao art. 37 da Lei 9.605/98, o mesmo não considera como criminosa a conduta de abater um animal quando realizada: "I - em estado de necessidade, para saciar a fome do agente ou de sua família"; "II - para proteger lavouras, pomares e rebanhos da ação predatória ou destruidora de animais, desde que legal e expressamente autorizada pela autoridade competente"; "IV - por ser nocivo o animal, desde que assim caracterizado pelo órgão competente".

O inciso I segue a trilha socializadora da lei de crimes ambientais. Mesmo elencando os beneficiados pelo estado de necessidade, o próprio agente e sua família, ao ser aplicado subsidiariamente o Código Penal (art. 79 Lei 9.605/98), resguarda-se a utilização dessa excludente de ilicitude em relação a terceiros.

Tratando do inciso II, acreditamos que o legislador procurou acabar com excessos cometidos por agricultores e criadores de animais. Em muitas regiões, sob a argumentação de se proteger propriedades, ocorre significativa contribuição ao desequilíbrio ambiental. Contudo, o produtor rural não pode ficar a mercê da burocracia do Estado para autorizar o abate de um animal, principalmente quando presencia a sua produção sendo destruída. Desta vez falhou o legislador.

Por fim, o inciso IV, do mesmo art. 37, causa no mínimo espanto quando interpretado. O que caracterizaria um animal como nocivo ? Até que ponto o instinto animal não contribui para a ocorrência de inesperada nocividade ? Perguntas que somente podem ser feitas aos que debatem a lei, parece que o legislador esqueceu-se que os integrantes da fauna possuem vontade própria e, por vezes, "fogem aos esperados padrões de comportamento animal".

Ainda percorrendo as incertezas geradas pela lei de crimes ambientais, cabe ressaltar o art. 40 e sua expressão "dano indireto". Lembrando as palavras de REALE JÚNIOR, o eminente autor afirma: "cumpre ponderar ser incompreensível a menção a dano indireto, cominando-se pena grave a uma conduta que não se sabe o que seja." (1998, p. 3).

Outros pontos da lei ficarão por conta do entendimento jurisprudencial e doutrinário futuros para a perfeita aplicação e compreensão. Destaca-se nesse sentido, o que vem a ser relevante interesse ambiental, expressão prevista no art. 68 que também dá margem a uma série de entendimentos, podendo levar, mais uma vez, como em outros pontos da lei, à insegurança jurídica.

Mesmo eivada de erros grosseiros, como utilizar a expressão "exportar para o exterior" no caput do art. 30, e outros tantos equívocos, aqui já tratados e que ferem a boa técnica legislativa, a lei de crimes ambientais já regula as atuais relações do homem com o meio ambiente.

Emanada da formalidade legal prevista para a elaboração de qualquer norma, alvo de freqüentes comentários e análises, a Lei 9.605/98 também já se tornou objeto do uso indevido e abusivo das Medidas Provisórias. Instrumento criado pela Constituição Federal de 1988, cabível em caso de relevância e urgência, as Medidas Provisórias tornaram-se mecanismos de "legislação indevida". Apoiado pela inoperância do Legislativo, o Executivo passou a governar o país através de tais medidas. Assim, em 07 de agosto de 1998, foi editada a MP 1710, que permite a realização "termo de compromisso" entre órgãos do SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente) - responsáveis pelo controle e fiscalização das atividades suscetíveis de degradarem a qualidade ambiental - e as pessoas físicas ou jurídicas capazes de, sob qualquer forma, causarem degradação ambiental.

Há aqueles que defendem a pertinência da realização do referido "termo de compromisso", que possui força de título executivo extrajudicial, como forma de amenizar os impactos causados pela vigência abrupta da Lei 9.605/98. Alegam tais defensores da Medida, que a lei de crimes ambientais não permitiu a adequação das atividades realizadas pelas empresas que se encontravam, na data de 30/03/98, contrárias às novas exigências legais.

Neste aspecto, o recente Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97), permitiu entre a edição da lei e sua vigência um considerável espaço de tempo, justamente para que fossem feitas as adequações e divulgações das normas que interfeririam, como de fato ocorreu, na vida de toda população brasileira.

Concordamos que da mesma forma deveria ter sido implantada a lei de crimes ambientais. Entretanto, considerações devem ser feitas acerca do disposto na MP 1710/98, que permitiu a vigência do "termo de compromisso" por um prazo variável entre 90 dias e cinco anos, com possibilidade do mesmo ser prorrogado por igual período, portanto, um prazo de até 10 anos no máximo.

Dez anos como período de adequação das atividades que podem ser poluidoras ou degradantes do meio ambiente, no nosso entendimento, é por demais dilatado. Neste período, provavelmente, fiquem comprometidas em definitivo áreas sujeitas a ação de pessoas físicas e jurídicas que desenvolvam atividades prejudiciais ao ambiente.

Mais uma vez a utilização das Medidas Provisórias mostra-se imprópria. Onde estão a "relevância e urgência" pertinentes a este instrumento constitucional ? Dez anos pode ser considerado um prazo urgente ?

Estamos, na verdade, diante da legalização de atividades perniciosas à natureza, do "compromisso" que garante aos agentes poluidores ou devastadores ampla liberdade de ação.

Difícil entender a contradição entre o elogioso espírito contido na Lei 9.605/98, de forte resguardo do interesse coletivo, e a citada MP 1710/98, que acena com a possibilidade de privilegiar alguns em detrimento de muitos.

Para que os objetivos da lei de crimes ambientais sejam realmente alcançados, torna-se imprescindível a institucionalização dos órgãos responsáveis pela preservação ambiental no país. O desenvolvimento sustentável deve ser uma meta a se cumprir, apoiada na vontade política dos governantes, no cumprimento efetivo de legislações pertinentes e modernas, mas antes de tudo, visando-se o bem coletivo e a preservação do planeta.

A sociedade também deve estar comprometida com esta causa que assegurará a sobrevivência das gerações futuras. A natureza não se defende das agressões sofridas, cabe, portanto, ao próprio homem a responsabilidade de conservar o que nos resta, sob pena de estarmos decretando a própria extinção do planeta.

COMPETÊNCIA (2)


A Lei n.º 9.605/98 não determinou a competência para julgamento de seus crimes. Assim, torna-se necessário um estudo detalhado da matéria, levando-se em conta a particularidade do caso concreto, para que se possa definir a competência da Justiça Federal ou da Justiça Estadual nos delitos praticados contra o meio ambiente.

O art. 26, Parágrafo Único, do anteprojeto da lei em comento, previa a hipótese de delegação de competência, isto é, os crimes ambientais de competência federal seriam processados e julgados pela Justiça Estadual, onde não houvesse vara do juízo federal, com recurso para o Tribunal Regional Federal competente (FREITAS, p.1). Aliás, é no art. 109, § 3º, da Constituição Federal que encontra-se o fundamento para que a lei infraconstitucional possa autorizar a delegação de competência.

Quando de sua tramitação pelo Congresso Nacional, foi inserido um substitutivo que conferia à Justiça Federal a competência para julgamento de todos os crimes previstos na nova lei, ressalvando a hipótese da delegação de competência para a Justiça Estadual, na ausência da Justiça Federal, com recurso para o Tribunal Regional Federal (FREITAS, p. 1).

No entanto, com muita propriedade, o Presidente da República vetou esta nova redação, já que, como é sabido, somente a Carta Magna pode criar competência federal (FREITAS, p. 1) e esta encontra-se bem definida em seu art. 109.

Destarte, pode-se concluir, numa primeira análise, que a competência para julgamento dos crimes contra o meio ambiente mantém-se como antes da promulgação do novo texto legal.

O art. 109 da CF/88 estabelece, entre outras, a competência federal para processar e julgar "... as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas ..." (inciso IV). A contrario sensu, pode-se dizer que os crimes praticados contra os demais bens, serviços ou interesses, não mencionados neste dispositivo legal, são da competência da Justiça Estadual, por exclusão.

Logo, para determinar-se a competência da Lei n.º 9.605/98 basta verificar a natureza dos bens por ela tutelados, ou seja, se bens públicos da União, dos Estados ou dos Municípios.

A seção I, do capítulo V, da nova lei, trata dos crimes praticados contra a fauna. Anteriormente, parte desses delitos encontrava-se regulada pelo Código de Caça (Lei n.º 5.197/67) que, em seu artigo 1º, estabelecia que os espécimes da fauna silvestre pertenciam à União Federal, mesmo os que habitavam propriedades particulares. Dessa forma, a competência para julgamento das ações penais referentes aos crimes previstos no referido Código era da Justiça Federal.

A propósito, o STJ editou a Súmula 91 que definiu como sendo da Justiça Federal a competência para processar e julgar os crimes praticados contra a fauna.

Atualmente, entendemos que, mesmo estando revogado o Código de Caça, prevalece a competência federal para julgamento dos delitos cometidos contra espécimes da fauna silvestre. Ao definir os bens da União, a Constituição Federal, em seu art. 20, I, incluiu "os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos". Obviamente, na data da promulgação da Lei Magna, 05/10/1988, o Código de Caça, datado de 03/01/1967, já estava em vigor e, assim, os referidos espécimes foram recepcionados pela Constituição como integrantes do patrimônio da União. Tal fato, indubitavelmente, atrai a competência para Justiça Federal, em conformidade com o que estatui o art. 109, IV, da CF/88.

Contudo, é oportuno destacar que há jurisprudência, em sentido contrário, que preceitua a possibilidade de repartição da competência para julgamento dos crimes contra a fauna silvestre entre a Justiça Federal e a Estadual: "Desde que não tenham sido praticadas em parques de reservas biológicas nacionais, em detrimento, consequentemente, de bens, serviços ou interesses da União - excluídas as contravenções, art. 109, IV, da CF -, as infrações penais contra o meio ambiente como um todo, aí incluída a fauna silvestre, são de competência da Justiça Estadual..."(BRASIL, 1995, p. 264).

No tocante às infrações cometidas contra a fauna aquática, também reguladas pela Lei n.º 9.605/98, é indispensável identificar o local em que a pesca punível está sendo praticada.

A Constituição Federal, no art. 20, define como bens da União: a) "os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais" (inciso III); b) "as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as áreas referidas no art. 26, II" (inciso IV); c) "o mar territorial" (inciso VI).

Desta forma, com fulcro no art. 109, IV, da Carta Magna, entendemos que a pesca, que seja suscetível de punição pela Lei n.º 9.605/98, praticada em local considerado bem público da União é processada e julgada pela Justiça Federal.

Por sua vez, a pesca punível desenvolvida em bens dos Estados, definidos no art. 26 da Constituição Federal, são da competência da Justiça Estadual, bem como, a pesca realizada em bens particulares.

Sobre esses últimos, o jurista Pinto FERREIRA assim os definiu: "as águas que não sejam navegáveis, nem caudais, as fontes nascentes, águas correntes que não se enquadram no conceito de rios, que atravessam o domínio particular, são bens particulares, salvo se servidões." (1989, p. 475).

Para se verificar a competência para julgamento dos crimes praticados contra a flora, estatuídos na seção II, do capítulo V, da nova lei, deve-se ter em mente o sujeito passivo dos delitos, isto é, "o titular do interesse cuja ofensa constitui a essência do crime." (JESUS, 1995, p. 153). Sendo a União o sujeito passivo, a competência é da Justiça Federal, nos moldes do art. 109, IV, da CF/88. Nos casos remanescentes, a competência é da Justiça Estadual.

A seguir, a Lei n.º 9.605/98 prevê o crime de poluição (art. 54). Para estes, a fixação da competência acompanha a mesma regra. Atingindo "bens, serviços ou interesse da União, de suas autarquias ou de suas empresas públicas" a competência é federal (art. 109, IV, CF/88), caso contrário, a competência é dos Estados.

Para esclarecer o tema, vale destacar os exemplos apresentados por Wladimir Passos de FREITAS e Gilberto Passos de FREITAS que entendem como sendo da competência federal o caso de poluição decorrente de vazamento de usina nuclear, já que a União, com base no art. 21, XXIII, da CF/88, é competente, exclusivamente, para exploração de seus serviços e, portanto, seu interesse é evidente. Por outro lado, é da competência estadual o julgamento do crime praticado por um empregado de uma fazenda que, por não proteger agrotóxicos perigosos, causa o falecimento de uma pessoa (1995, p. 26).

Evitando maiores repetições acerca do assunto, frisamos que, para todos os crimes previstos na lei n.º 9.605/98, a competência dependerá sempre da análise do sujeito passivo. Se os delitos foram praticados contra "bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas" são de competência da Justiça Federal. Os demais da competência estadual.

Ressalte-se, entretanto, que o dispositivo do anteprojeto da lei comentada que previa a possibilidade de delegação de competência (art. 26, Parágrafo Único) deveria ter sido mantido no texto legal em vigor a fim de evitar grandes dificuldades que, certamente, surgirão para o processamento e julgamento das ações penais ambientais de competência federal diante da distância muitas vezes existente entre o local do delito e a vara do juízo federal competente.

RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA

(3)


Até o advento da Constituição Federal de 1988, o ordenamento jurídico brasileiro não admitia a responsabilização penal da pessoa jurídica. Reconhecia-se o princípio societas dellinquere non potest (a sociedade não pode delinqüir).

Damásio de JESUS, apoiado na doutrina penal tradicional, defende: "Fora do homem, não se concebe crime. Só ele possui a faculdade de querer. E, como as pessoas jurídicas só podem praticar atos através de seus representantes, para sustentar sua capacidade penal, dever-se-ia reconhecer consciência e vontade com referência ao representado. E isso é absurdo." (1995, p. 150). Sustenta ainda o insigne penalista que quanto mais se desenvolve o Direito Penal da culpa, mais se mostra insustentável a tese da capacidade penal das pessoas jurídicas, que não podem praticar ações, nem sofrer atribuições de culpa ou imposições de penas.

Com efeito, a doutrina tradicional do Direito penal vive momento de grandes dificuldades diante da moderna política criminal que está sempre a exigir a superação de seus velhos paradigmas dogmáticos.

A necessidade de reprimir e desestimular crimes cometidos contra a ordem econômica e o meio ambiente, fez com que o legislador constitucional possibilitasse a ampliação da esfera de proteção do Direito Penal, permitindo a responsabilização penal das entidades morais que atuam ilicitamente. Abraçou o legislador constitucional, de certa forma, - quanto a delitos contra o meio ambiente e a ordem econômica - a teoria da realidade ou organicista, para qual a pessoa jurídica é tida como um ser real, um verdadeiro organismo, tendo vontade que não é, simplesmente, a soma das vontades dos associados, nem o querer dos administradores. Assim, pode a pessoa jurídica delinqüir. Além disso, apresenta tendência criminológica especial, pelos poderosos meios e recursos que pode mobilizar.

E o potencial ofensivo dos entes morais mostra-se sem dúvida maior quando se refere ao meio ambiente. Conforme assentado na Conferência de Estocolmo de 1972, o "homem é ao mesmo tempo criatura e criador do meio ambiente que lhe dá sustento físico e lhe oferece a oportunidade de desenvolver-se intelectual, moral, social e espiritualmente", exigindo-se por isso um cuidadoso labor normativo, a proteger eficazmente a órbita ambiental. No plano do Direito interno, em decorrência do conteúdo político e da relevância do fenômeno ambiental, as constituições mais modernas, sobretudo a partir da década de 70, passaram a dar-lhe tratamento explícito em seus textos, evidenciando desse modo a necessidade de uma tutela mais adequada.

Inspirada pelo Direito Comparado (a responsabilidade penal das pessoas jurídicas é adotada em vários países, como Estados Unidos, Canadá, Nova Zelândia, Austrália, França, Venezuela, Portugal, Grã-Bretanha , Irlanda do Norte, Holanda e Itália), a Constituição Federal Brasileira dispôs:

Art. 173 - Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em Lei. (omissis) § 5º. A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a a punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.

Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (omissis) § 3º. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Apesar da previsão constitucional de responsabilidade da pessoa jurídica, a doutrina ficou dividida em relação ao tema. O Ministro Luiz Vicente CERNICCHIARO, interpretando os dispositivos constitucionais, considerou que as pessoas morais somente desenvolvem suas personalidades jurídicas por meio de pessoas físicas e o argumento de que o legislador constituinte quisesse resolver a polêmica que envolve a responsabilidade da pessoa jurídica o teria feito, de maneira expressa, no capítulo em que definiu os princípios do Direito Penal, concluindo que "a Constituição brasileira não afirmou a responsabilidade penal da pessoa jurídica, na esteira das congêneres contemporâneas", somente possibilitando a aplicação das demais sanções jurídicas que lhe são compatíveis (CERNICCHIARO, Luiz Vicente, apud ROCHA, 1998, p. 19).

René Ariel DOTTI (1995, p.201), também sustentou a incapacidade penal da pessoa jurídica, embasando sua tese nos seguintes argumentos, em síntese:

1) A dificuldade em investigar e individualizar as condutas nos crimes de autoria coletiva situa-se na esfera processual, não na material;

2) O princípio da isonomia seria violado porque a partir da identificação da pessoa jurídica como autora responsável, os partícipes, ou seja, os instigadores ou cúmplice, poderiam ser beneficiados com o relaxamento dos trabalhos de investigação;

3) O princípio da humanização das sanções seria violado, pois que a Constituição Federal trata da aplicação da pena, refere-se sempre às pessoas, e também quando veda as penas cruéis;

4) O princípio da personalização da pena seria violado porque referir-se-ia à pessoa, à conduta humana de cada pessoa;

5) O tempo do crime - quando o legislador definiu o momento do crime com base em uma ação humana, ou seja, uma atividade final peculiar às pessoas naturais;

6) O lugar do crime - não é possível estabelecer o local da atividade em relação às pessoas jurídicas que tem diretoria e administração em várias partes do território pátrio. Ainda que se pretendesse adotar a teoria da ubiqüidade, lugar do crime é o do dano, haverá ainda intransponível dificuldade em definir onde foram praticados os atos de execução;

7) Ofensa a princípios relativos à teoria do crime.

Sustentando posição contrária, PIERANGELI e FREITAS, entre outros, embora reconheçam a necessidade de se repensar toda a formulação teórica do Direito Penal, admitem que a constituição viabilizou a responsabilidade penal das pessoas jurídicas (apud ROCHA, 1998, p. 19).

A verdade é que a vontade constitucional de estabelecer a responsabilidade criminal das pessoas jurídicas nos casos em que menciona é muito clara. Conforme ensina ROCHA:

Interpretar os dispositivos constitucionais de modo a não admitir a responsabilidade de pessoa moral significa desatender à finalidade protetiva da norma jurídico-constitucional. Outro caminho não resta senão construir um novo edifício dogmático para, paralelamente ao que define os limites da responsabilidade individual, reprimir as atividades desenvolvidas por pessoas jurídicas em prejuízo dos bens e interesses juridicamente tutelados.(1998, p. 20).

Não houve discussão quanto ao fato de que os dispositivos constitucionais deveriam ser detalhados e disciplinados em diplomas legais específicos.

Em termos infraconstitucionais, a Lei 8.213 de 24/07/1991, em seu art. 19, § 2º., dispôs pioneiramente sobre a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, tratando de proteção ao meio ambiente do trabalho (DALCIN, 1991, p. 75). O dispositivo legal diz: "Constitui contravenção penal, punível com multa, deixar a empresa de cumprir as normas de segurança e higiene do trabalho". Segundo DALCIN, Promotor de Justiça do Rio Grande do Sul, :

O conceito de meio ambiente, inserido no citado dispositivo engloba, obviamente, o ambiente de trabalho, qual seja, no ensinamento de José Luiz Dias Campos e Adelina Bitelli Dias Campos, aquele local no qual a grande maioria da população passa no mínimo um terço de sua jornada diária, produzindo riquezas para o país e, no mais das vezes, desgastando sua saúde em ambientes poluídos e extremamente agressivos por falta de cumprimento das normas de saúde, higiene e segurança do trabalho em alguns casos, por absoluto descaso com a preservação de acidentes que poderiam ser evitados. ( 1991, p. 75).

A recente Lei 9.605, de 12/02/1998 - objeto maior de nossas considerações - regulamentou o art. 225, § 3º. da CF/88 e estabeleceu sanções penais para as pessoas jurídicas que cometam crimes em detrimento do patrimônio ambiental brasileiro

De início, a Lei é omissa quanto a que tipo de pessoa jurídica poderá ser punida criminalmente por infrações a seus dispositivos. Desta forma, em tese, até mesmo as pessoas jurídicas de direito público (Municípios, Estados, União, Distrito Federal, Autarquias e Entidades Fundacionais) podem ser responsabilizadas se incorrerem na prática dos delitos elencados na novel legislação.

Também é silente a lei no que diz respeito ao rito processual a ser obedecido no caso de crimes cometidos por pessoas jurídicas. Obviamente, não se poderá interrogar uma pessoa jurídica, por exemplo. Cabe, então, à doutrina e à jurisprudência uma parcela considerável de responsabilidade acerca da boa aplicação do recente diploma legal.

O art. 2º. da lei de crimes ambientais estabeleceu que o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou o mandatário de pessoa jurídica está na posição de garantidor da não ocorrência de resultado lesivo ao patrimônio ambiental, respondendo penalmente por sua omissão, nos casos de crimes dolosos.

Como o dispositivo legal faz expressa menção aos crimes previstos nesta lei, a responsabilidade ali estabelecida não alcança outras hipóteses existentes em diplomas legais diversos (ROCHA, 1998, p. 26).

O art. 3º. da Lei 9.605/98 dispõe que para responsabilizar a pessoa jurídica é necessário que a infração tenha sido cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado. O exame precipitado do dispositivo poderia levar a entender que bastaria a comprovação da ocorrência da decisão para configuração do crime. Mas não é adequada tal compreensão porque em todos os crimes definidos na lei ambiental usou-se da técnica tradicional de redação típica, sendo que a caracterização dos tipos somente se verifica diante da constatação da conduta proibida referida e não somente da atividade lesiva ao meio ambiente. Vale dizer, é necessário verificar relação de causalidade entre a decisão e a violação concreta da norma (ROCHA, 1998, p. 27).

Havendo culpabilidade da pessoa física que praticou a conduta proibida, está responderá pelo delito, como também responderá a pessoa jurídica (art. 3º.).

Certamente que, para a punição da pessoa jurídica, não se poderá trabalhar com as tradicionais noções de culpabilidade, tipicidade e ilicitude, que se referem à conduta individual da pessoa humana. Na nova lei de crimes ambientais, a estrutura tradicional da teoria do delito foi preservada, mas a responsabilidade recebeu ampliação para alcançar a pessoa moral.

A responsabilidade penal dos entes coletivos não pode ser entendida à luz da responsabilidade penal tradicional, baseada na culpa, na responsabilidade individual, subjetiva, mas deve ser entendida à luz de uma responsabilidade social. A pessoa jurídica age e reage através de seus órgãos, cujas ações e omissões são consideradas como da própria pessoa jurídica. Desta forma, não é necessário rebater um por um os argumentos desenvolvidos pelos que entendem não ser possível a sua responsabilização, pois que o ponto de partida é distinto (RIBEIRO, 1998, p. 5).

Sempre que sua personalidade constituir obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente, poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica (art. 4º.). Trata-se de aplicação da teoria conhecida por Disregard of Legal Entity, consistente em afastar a personalidade jurídica de entes coletivos para alcançar a responsabilidade de seus sócios.

As espécies de sanções criadas para as pessoas jurídicas são três: multa, restritivas de direitos e prestação de serviços à comunidade (art. 21). Os artigos que se seguem (22 e 23) explicitam em que elas consistirão.

Nota-se que, a final, as penalidades sempre redundarão - direta ou indiretamente - em perdas pecuniárias impostas às pessoas jurídicas infratoras. Por esta razão, afigura-nos como muito mais prático e eficiente o sistema de responsabilização de pessoas jurídicas adotado na Alemanha, onde existe um pujante Direito Administrativo Penal em que a punição é feita através de multas administrativas, bastando o comportamento antijurídico, não se exigindo a culpa do infrator. A acusação é realizada pela Administração e não pelo Ministério Público, vigorando o princípio da oportunidade e não o da legalidade (RIBEIRO, 1998, p. 8).

LUMMERTZ acredita que outras medidas - compatíveis com o Direito Penal atual - poderiam ser adotadas para coibir o cometimento de crimes por meio de pessoas jurídicas, e sugere como alternativas: 1) criação de um tipo penal específico para a ação de utilização de pessoa jurídica, efetiva ou de fachada, para o cometimento de delito, independentemente do resultado, com pena aplicável em concurso material; 2) erigir a circunstância de haver sido o crime cometido por meio de pessoa jurídica em qualificadora do tipo, ou em agravante, ou em caso de aumento de pena; 3) instituir como efeito da condenação, para os que forem condenados por crime cometidos por meio de pessoa jurídica, a incapacidade para exercer cargos de direção ou administração em pessoas jurídicas (1997, p. 36).

Mas voltemos à apreciação da legislação existente.

Como sanção mais grave, o art. 24 da Lei 9.605/98 dispõe que "a pessoa jurídica constituída ou utilizada, preponderantemente, com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido nesta Lei terá decretada sua liquidação forçada, seu patrimônio será considerado instrumento do crime e como tal perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional" . Trata-se de verdadeira pena de morte da pessoa jurídica e, portanto, de constitucionalidade duvidosa.

Afigura-nos mesmo como inconstitucional a responsabilização penal das pessoas jurídicas no que tange a infração aos tipos penais previstos nos arts. 62 a 65 da Lei sob exame, colocados sob a rubrica Dos Crimes contra o Ordenamento Urbano e o Patrimônio Cultural, constantes da Seção IV. A nosso ver o legislador infraconstitucional foi além do que permite o art. 225, § 3º. da CF quando enxertou tal Seção numa lei destinada a definir condutas lesivas ao meio ambiente.

Parece-nos distintos os conceitos de patrimônio cultural e meio ambiente. O primeiro, segundo a própria CF/88, é constituído pelos bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira (art. 216). Meio ambiente, segundo definição dada pela Lei 6.938/81, art. 3º., é o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas, e recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora.

O núcleo do objeto jurídico de um é a cultura, de outro é a vida, em seus mais diversos aspectos.

Como em nosso ordenamento jurídico a responsabilização penal das pessoas jurídicas constitui uma exceção prevista constitucionalmente, não poderão os entes morais serem responsabilizados por infração a tipos penais que têm como objeto jurídico o ordenamento urbano e o patrimônio cultural, quando, na verdade, só há autorização constitucional para se reprimir penalmente os atos praticados contra a ordem econômica, financeira e economia popular (art. 173, § 5º.) e as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente (art. 225, § 3º.). Entendimento diverso violaria o princípio da reserva legal em âmbito constitucional e seria condescendente com interpretação extensiva em norma penal incriminadora, o que é vedado pelo nosso ordenamento jurídico.

Enfim, a responsabilidade penal da pessoa jurídica é uma realidade no mundo atual, sendo adotada por diversos países ao lado da tradicional responsabilidade individual, bem como das penalidades de caráter civil, tributário e administrativo. Já não pode causar estranheza a aceitação da responsabilidade penal dos entes coletivos, sendo evidente que os parâmetros desta responsabilidade não podem ser os da responsabilidade individual, da culpa, propugnados pela Escola Clássica. Deve ser entendida no âmbito de uma responsabilidade social, a ser delimitada e aperfeiçoada pela doutrina e pela jurisprudência. A nova lei está aí, não podemos ignorá-la ou simplesmente criticá-la. Devemos aceitar os seus desafios e contribuir para o seu aperfeiçoamento.

NOTAS


(1) Sérgio Lopes Loures,

(2) Ana Raquel Cardoso de Oliveira,

(3) Marcos Paulo de Souza Miranda.

BIBLIOGRAFIA


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2. ____. Lei nº. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Diário Oficial da União, Brasília, 13. Fev. 1998, Seção 1, p. 1.

3. ____. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Crime contra a fauna - competência. Apelação no. 22.8245/4. Relator: Desembargador Guido de Andrade. 22 fev. 1995. Advocacia Dinâmica. Boletim de Jurisprudência Semanal, ano 15 n. 17, 1995.

4. DALCIN, Eduardo Roth. A responsabilidade penal da pessoa jurídica e o descumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho. Cadernos de Ciências Criminais, São Paulo, n. 8, p. 75-77, 1991.

5. DOTTI, René Ariel. A incapacidade criminal da pessoa jurídica. Cadernos de Ciências Criminais, São Paulo, n. 11, p. 185-207, 1995.

6. FERRARI, Eduardo Reale. A nova lei ambiental e suas aberrações jurídico-penais. Revista Literária de Direito, São Paulo, p. 28-29, jul./ago. 1998.

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8. FREITAS, Wladimir Passos de. A nova lei penal ambiental. http://www.trf1.gov.br/EnfoqueJuridico/ENFOQUE11Wladimir.htm.

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10. _____. Lei dos juizados especiais criminais anotada. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1996.

11. LUMMERTZ, Henry Gonçalves. A questão da responsabilidade penal da pessoa jurídica. Opinio Jure, Canoas, n. 8, p. 31-39, jul/dez. 1997.

12. REALE JÚNIOR, Miguel. A lei hedionda dos crimes ambientais. Folha de São Paulo, 6 abr. 1998, p. 3.

13. RIBEIRO, Lúcio Ronaldo P. Da responsabilidade penal da pessoa jurídica. http://www.jus.com.br/doutrina/respppj.html.

14. ROCHA, Fernando A. N. Galvão da. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. Teses Mineiras aprovadas no 12º. congresso nacional do Ministério Público - AMMP. Belo Horizonte, p.17-30, 1998.

15. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 10. ed. rev. São Paulo: Malheiros, 1995.


Autores


Informações sobre o texto

Texto produzido sob a orientação do professor Otônio Ribeiro Furtado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOURES, Sérgio Lopes; MIRANDA, Marcos Paulo de Souza et al. Considerações acerca da nova Lei de Crimes Ambientais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 27, 23 dez. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1705. Acesso em: 19 abr. 2024.