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Reforma do Estado ou Reforma da Constituição?

Reforma do Estado ou Reforma da Constituição?

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É necessário devolver ao verdadeiro dono do poder a voz capaz de expressar uma nova forma de organização social e de participação, em uma síntese mais atuante de democracia direta e representativa.

PREFÁCIO

Honrado com nobilitante convite da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ, integrei, sob a presidência do eminente Desembargador Luiz Felipe da Silva Haddad e ao lado do aplaudido Professor Gustavo Sénéchal de Goffredo, a banca que examinou, naquela notável instituição, a monografia acadêmica da Dra. Regina Helena Machado, agora editado com o título de "Reforma do Estado ou Reforma da Constituição?", em acontecimento auspicioso e sumamente erudito.

Guardo do evento a lembrança de instantes de solene e invulgar cultura, propiciada pela forma brilhante com que o trabalho foi exposto e defendido pela sua ilustre autora, o que lhe valeu o alcance da nota máxima, sendo, ademais, recomendada a publicação.

Exsurgindo a lume em ocasião especialmente oportuna, quando os quadros políticos nacionais se empenham em redesenhar, na complexa e formidável tessitura do federalismo, o perfil do Estado, pelo aperfeiçoamento, via de sucessivas emendas, da sua estrutura fundante, a obra em apreço faculta a adequada indagação que lhe serve de pórtico: reforma do Estado ou reforma da Constituição?

Sob o aspecto de sua estrutura morfológica, o livro enfrenta, na ordenação dos vários capítulos, temas verdadeiramente épicos para a compreensão do Estado brasileiro, das suas origens à Nova República, esta no limiar dos quinhentos anos do descobrimento.

Nesse ponto, é fantástica a qualidade da pesquisa articulada pela douta subscritora do título, exibindo profundidade, precisão espacial e conteúdo terminológico de invejáveis atributos.

Ao investigar a Constituição como expressão do Estado, na dicção do texto, percorrendo, ademais, os caminhos que conduzem à afirmação da supremacia que lhe é inerente em relação às demais espécies normativas, de sorte a exalçá-la como estatuto jurídico do fenômeno político, na síntese conceitual de Canotilho, o trabalho é referto de indagações científicas, não deixando de transitar pelos aspectos sociológico, político e jurídico da questão, que marcaram, dentre autores estrangeiros, as lições, respectivamente, de Ferdinand Lassalle, Carl Schmitt e Hans Kelsen.

Há, nesse quadrante da obra, acurado exame da existência do Estado Social que, sucedendo o Liberal, "intensifica a regulamentação dos mercados, planifica a economia, cria empregos, fiscaliza e controla a atividade econômica, tende a redistribuir a riqueza."

Ressalta oportuno destacar a análise percuciente, urdida na parte relativa à vontade da Constituição, no que tange aos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, o Estado desejado e a natureza dirigente da Constituição de 1988, que "optou pela afirmação de grandes linhas programáticas indicadoras dos caminhos a serem utilizados pelo Estado, na criação, aplicação e interpretação das leis."

A discussão alusiva ao poder de reforma constitucional, com todos os ingredientes necessários à sua pronta e exata compreensão, catalogadas as múltiplas posições hospedadas na doutrina, avulta, nessa parte, como importante contribuição, inclusive de cunho metodológico.

A crise do Estado, o neoliberalismo e a globalização, além da reforma administrativa, não deixaram de merecer, igualmente, tratamento escandido e privilegiado.

O tema, enfim, é extremamente forte, atual e sedutor, sobre haver sido arquitetado com a alma de quem lhe emprestou incomensurável talento.

Estou convencido, assim, de que a acolhida do público leitor, representado por um largo contingente de estudiosos e profissionais especializados, concederá à obra o prestigioso crisma do sucesso.

Humberto Peña de Moraes - Defensor Público-RJ, Professor de Direito Constitucional do Centro de Estudos, Pesquisa e Atualização em Direito – CEPAD e da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ


Apresentação

Como membro do Poder Judiciário Fluminense, integrante de sua Alta Corte; como professor-colaborador de sua Escola da Magistratura; como professor da UFRJ; e sobretudo como profissional do Direito em geral e cidadão consciente; sinto-me sumamente gratificado pela incumbência de efetuar a apresentação do livro de Regina Helena Machado, originado de trabalho de estágio na EMERJ, de cunho monográfico, de cuja comissão de avaliação fui honrado com a presidência, honrosamente ladeado pelas ilustres presenças do renomado mestre em Direito Constitucional, Humberto Peña de Moraes e em Direito Público, Gustavo Sénéchal de Goffredo.

Tal obra, sob o significativo título Reforma do Estado ou Reforma da Constituição?, além de suas características grandemente didáticas e disciplinarmente técnicas, sobreleva por seu caráter revolucionário e de denúncia dos fatores históricos e sócio-econômicos em geral que, desde os priscos tempos coloniais, têm entravado o desenvolvimento pleno do Brasil como um todo, daí exsurgindo a terrível defasagem ainda existente entre os denominados "país legal" e "país real". Daí derivando, como aliás em todo o subcontinente latino-americano e caribenho, a endêmica fragilidade do "pacto social" rousseauniano e, em corolário, a impotência dos ordenamentos constitucionais na administração progressista dos conflitos sociais e econômicos, e do próprio estamento governamental e administrativo. Tudo isso a provocar ou facilitar a eclosão de golpes de força e interregnos autoritários de comando castrense ou civil, os quais, qualquer que seja a rotulação, e mesmo quaisquer que sejam as intenções, têm importado sempre em retrocesso da evolução democrática, muito embora não se possa deixar de reconhecer que muitos avanços tenham sido obtidos em tais períodos, como no Brasil de Vargas e na Argentina de Perón, mercê de alianças e ações "progressistas" e "populistas" como reação a fatores conjunturais adversos. O que a Autora aliás bem assinala ao comentar a fase estadonovista que se seguiu aos idos semirevolucionários de 1930 e a fase do autoritarismo conservador pretoriano após a ruptura dita "salvacionista" e na verdade de puro golpismo, ocorrida em abril de 1964.

Quando digo ser a obra em tela "revolucionária", explico-me. Jamais no sentido de pregação de meios violentos, ou congêneres, para mudar o ordenamento ou o sistema pelo mesmo regulado. O que aliás, graças a Deus, deixou de ser elemento de tentação psicológida das forças comprometidas com as mudanças em nossa triste realidade. Mas sim no escopo de se somar a um esforço de reflexão e trabalho, nos encerros da ordem jurídica normada pelo novel Estatuto Maior, em prol da construção paulatina, do Oiapoque ao Chuí, de uma sociedade mais justa e mais fraterna; de um País que, inserindo-se como de rigor no Mundo hoje globalizado, retenha o essencial de sua soberania para deixar de ser, como hoje o é, mero quintal de investimentos especulativos, que não trazem crescimento a não ser da agiotagem e da corrosão dos ganhos laborais, quando não do sinistro desemprego e do sinistro incremento da violência urbana. Esta, não se podendo deixar de frisar, direta conseqüência da sonegação da reforma agrária, prometida há mais de meio século e até hoje timidamente iniciada, se tanto, estando bem longe de afetar o núcleo das distorções fundiárias, micro e macro, fulcradas nos tempos da Colônia e do Império, e toleradas pela República; como a Autora bem explicita.

O trabalho de Regina Helena Machado bem perquire e esclarece em detalhes nossa História Constitucional, as dificuldades com que foi obrada a Carta-Cidadã de 1988, a crise que se seguiu ao vigor do novo ordenamento magno, com as múltiplas emendas editadas em face do predomínio pós 1990 da ideologia neocapitalista de apologia do "livre mercado", aqui e alhures, com o desmoronamento do "socialismo real"; e, em meio a explicações técnico-disciplinares derivadas da profundidade de seus estudos, termina por propor soluções a favor das mudanças tão pretendidas pela Sociedade, em especial por seus estamentos mais sofridos.

Gize-se que certos temas politicamente eivados de acendrada polêmica, como o debate presidencialismo-parlamentarismo, o voto distrital e a estrutura genérica do ideal Estado Brasileiro, são referidos na obra com especial elegância pela Autora: a qual, com a humildade aliada à riqueza de conhecimento, tem o cuidado de delinear proposições sem eivas de impositismo ou dogmatismo. Mas essas proposições, sobretudo a do incremento da participação popular na ação dos poderes públicos, o que aliás consta da Carta Magna mas, na prática, pouco tem se verificado, são colocadas de modo a forçar do leitor atento um pensamento construtivo e eficaz a propósito das mesmas. Até porque, e isso reputa o autor destas linhas, faltou coragem ao constituinte de 88 para proceder a corajosas reformas no estamento político nacional, que muito ajudariam ao proceder de outras na estrutura social e econômica. Adotamos mais uma vez o vetusto sistema da separação rígida de poderes, da Constituição de 1891, de influência da Carta dos Estados Unidos, apesar de provados à abundância suas falhas e desacertos ao longo de cem anos de República. Poderíamos perfeitamente, em observando outrossim a inadequação à nossa realidade do sistema puramente parlamentar, ter edificado um sistema misto, com governos de gabinete responsáveis ao mesmo tempo perante o Parlamento e perante um Presidente diretamente eleito e munido de consideráveis poderes (segundo o modelo da Constituição da Quinta República Francesa). Poderíamos ter também optado por um sistema de voto misto, metade distrital e metade proporcional. Poderíamos ter a fidelidade partidária ao menos em termos relativos, o que poria fim à indecência de deputados, em meio ao mandato, abandonarem o partido de origem e entrarem em outros com fins unicamente pessoais, quando não fisiológicos

De qualquer forma, o livro de Regina Helena Machado apresenta sobretudo um desafio. Que tem por destinatários não só os profissionais e estudiosos do Direito, mas sobretudo todos os brasileiros e brasileiras que tenham um mínimo de consciência da cidadania e do ideal de lutar por mudanças que um dia virão no rumo de uma Nação Democrática no sentido formal e no material; em que o desenvolvimento e o progresso sejam gozados por todos e não por minorias privilegiadas; em que haja liberdade e livre mercado, mas limitada aquela e regulado este em favor do interesse coletivo e do bem estar comum: em que o Povo, enfim, seja sujeito da História, não apenas elegendo seus dirigentes em pleitos isentos de fraudes e influência do poder econômico, mas participando diuturnamente da marcha do Estado, em todas as esferas, inclusive na vigilância e na cobrança de quem exerça autoridade em seu nome.

Utopia? Sim. Mas que vale a pena ser perseguida. E, lendo-se com atenção a obra em berlinda, adquirir-se-ão preciosos elementos instrumentais para o Bom Combate.

LUIZ FELIPE HADDAD


Contracapa

"Às vésperas do 500º aniversário do Descobrimento, corremos o risco de voltarmos, como numa viagem redonda, aos primórdios da colonização, quando não existia nem podia existir sentimento nacional." (Fábio Konder Comparato)

A citação foi transcrita nesta obra que analisa o processo de desmonte do Estado e da Constituição, e que, por seus alto méritos, mereceu a rara e honrosa láurea de aprovação com grau máximo pela Escola da Magistratura do Rio de Janeiro.

A exposição lógica, agradável e sedutora que Regina Helena Machado já exibira em escrito anterior (Medida Provisória ou a Medida do Poder, Rio, 1997), investe, lá como aqui, em tema que domina com facilidade, embora a muitos assuste: nada mais é a Constituição senão instrumento jurídico posto à disposição da Política.

No atual estágio de nossa ainda incipiente democracia, vê-se os detentores ocasionais do Poder (ainda que nele investidos pelo voto popular) viabilizando juridicamente, através de sucessivas emendas constitucionais, as suas ideologias de concepção do Estado a serviço de postulados econômicos eventuais, aparentemente esquecidos de que a Constituição não se resume ao texto.

As emendas constitucionais dedicam-se, quase todas, à reforma do aparato do Poder e pouquíssimas portam instrumentos para a efetivação dos direitos fundamentais, estes, sim, as legítimas causas e fins do Poder do Estado.

A Constituição está muito além do seu texto. Dela são extraídas pelo operador do Direito as normas de conduta dos agentes sociais – governantes ou não – na busca da preservação dos valores da nacionalidade e da cidadania, estes somente ao alcance dos membros da comunidade que podem compreender, ainda que superficialmente, o intrincado jogo do Poder.

Aqui se examina com proficiência a crise do Estado, o neoliberalismo, a globalização, a experiência jurídica de outros países também em transição para um patamar de democracia muito superior a este em que vivemos.

Venha, com Regina Helena Machado, participar desta gloriosa batalha de tentar compreender o que, certamente, não é inextrincável.

NAGIB SLAIBI FILHO


"Poucos países juntaram, como o Brasil, tijolos e cimentos tão díspares em seu processo de constituição; poucos também experimentaram vicissitudes que mostram de forma tão clara os caminhos pelos quais uma nação pode constituir-se não para servir a si mesma, mas para atender a interesses alheios. Efetivamente, o Brasil não nasceu como etnia e se estruturou como nação em conseqüência de um desígnio de seus criadores. Surgiu, ao contrário, como uma espécie de subproduto indesejado de um empreendimento colonial, resultante da Revolução Mercantil, cujo propósito era produzir açúcar, ouro ou café e, sobretudo, gerar lucros exportáveis. Desse empreendimento resultou ocasionalmente um povo e, mais tarde, uma nação."

(RIBEIRO, Darcy. Teoria do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1972. pp. 3-4)


À Memória

de André Lima Machado, meu pai,

de Cosme Alves Ferreira Netto, companheiro de tão importantes anos, a quem devo o melhor e o maior de minha cidadania.

Agradeço

ao professor Gustavo Sénéchal de Goffredo, a orientação segura e a confiança em meus ideais;

a Rachel Braga, amiga, a brilhante e generosa concepção da capa;

a Teresa Cristine Peiter Carpenter Ferreira, a reconfortante e incondicional solidariedade;

aos funcionários do Serviço de Atendimento ao Cidadão da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, o eficiente e pontual apoio às pesquisas realizadas.


SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. CAPÍTULO 1 – O ESTADO BRASILEIRO - da colônia ao final.do.século XX. 1.1 Da colônia ao Estado Novo. 1.2 Da década de 50 aos anos 80. 1.2. 1 As transformações sociais dos anos 50. 1.2.2 O autoritarismo militar. 1.3 A Nova República e a reforma do estado. CAPÍTULO. 2 – A CONSTITUIÇÃO COMO EXPRESSÃO DO ESTADO. 2.1 A supremacia da Constituição. 2.1.1 A força da Constituição. 2.1.2 A mudança social:. Estado de Direito e Estado Social. 2.1.3 O plebiscito e a revisão constitucional. CAPÍTULO 3 – A VONTADE DA CONSTITUIÇÃO. 3.1 A transição. 3.2 A Constituinte: o trabalho das comissões. 3.3 O Estado desejado. 3.4 O poder de reforma. CAPÍTULO 4 – BRASIL ANO 2000: REFORMA DO ESTADO OU REFORMA DA CONSTITUIÇÃO. 4.1 A crise do Estado, o neoliberalismo, a globalização. 4.2 A reforma administrativa: projeto ou processo. 4.3 A reforma do Estado ou a reforma da Constituição. 4.4 As emendas constitucionais: a voz do dono. CONCLUSÃO. ANEXO 1 - Propostas de Emenda à Constituição por Senador, Partido Político e UF. ANEXO 2 - Dispositivos da Constituição de 1988 objeto de Proposta de Emenda Constitucional. BIBLIOGRAFIA.

Sinopse: Evolução do Estado: da colônia à Nova República. Supremacia da Constituição. Estado de Direito e Estado Social. Plebiscito e revisão constitucional. Poder constituinte. Poder de reforma. Assembléia Nacional Constituinte de 1986. Comissões. O Estado desejado na Carta de 1988. Crise do Estado. Neoliberalismo. Globalização. Reforma administrativa. Propostas de emenda e emendas constitucionais. Participação popular e reforma do Estado.


INTRODUÇÃO

O projeto de que resultou o presente trabalho amadureceu no evolver do curso de formação da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro, em que os estagiários são conduzidos não apenas a aprofundar seus conhecimentos de Direito e a desenvolver uma metodologia avançada de estudo e de pesquisa, como sobretudo a compreender (no sentido expresso pelo vocábulo alemão "verstehen", ter diante de si) o país em que vivem e a criticamente refletir, questionar e procurar respostas para os constantes conflitos que permeiam a vida em sociedade e, por conseguinte, a vida institucional desde que o ser humano criou o Estado.

Tornou-se realidade graças à orientação do professor Gustavo Sénéchal de Goffredo que, generosa e criticamente, contribuiu de forma fundamental para seu desenvolvimento. Sensível às inquietações, dúvidas e questionamentos da autora, na lida com um tema inicialmente tão vasto como a Reforma do Estado, esteve sempre disponível, dedicando o tempo necessário - que tantas vezes foi tanto! - à sua dissipação e resposta. Atento à realidade política e social não apenas do Brasil, como da América Latina e do mundo, hoje, especialista em direito internacional público que é, representou um fiel de balança necessário ao equilíbrio entre os diversos pesos e medidas que um tal empreendimento necessária e assustadoramente revela. Graças a ele atingiu-se um resultado nem muito aquém, nem tanto além do que seria de se esperar deste obrar acadêmico.

É fruto de uma persistente busca do Direito enquanto instrumento ético de justiça, fundamental em um país que deve ter como prioridade a reconquista, a reconstrução do sentimento de cidadania - negada nas origens da colonização, reprimida durante quase toda a sua história, vicejante na década que se seguiu ao pós segunda guerra mundial, e confiscada pelos atos institucionais dos anos 60/70, e que ressurge com grande intensidade no processo histórico de "gestação e parto" da Constituição da República de 1988.

Esse sentimento, nascido de um contato mais íntimo com o processo formador da nova ordem constitucional, através de pesquisas diárias nos anais da Assembléia Nacional Constituinte de 1986, foi determinante para a escolha e delimitação do tema.

No fim do milênio, vive-se uma crise mundial - social, política, econômica e institucional -, devida sobretudo ao célere esgotamento das fontes de recursos naturais cada vez menos renováveis. Assiste-se ao desmantelamento de uma ordem construída em ondas de uma História que parece voltar ao ponto de largada. Do homem em estado de natureza de Hobbes ao "bom selvagem" e ao contrato social de Rousseau, após a experiência comunista e a queda emblemática do muro de Berlim, a realidade do novo capitalismo, referenciado pela globalização econômica - aumentando a miséria, aniquilando economias nacionais e inviabilizando projetos de desenvolvimento em todo o planeta - tem ensejado conclusões quanto à necessidade de retorno à participação popular, à volta ao "bom selvagem" e à retomada da solidariedade como fatores capazes de fazer face aos embates do mundo moderno.

Para compreender o Brasil diante do contexto internacional é preciso examiná-lo no âmbito de sua própria formação como Estado, condição para que se possam entender os conflitos que vêm abalando as relações interinstitucionais e cujas soluções poderão representar um largo passo no sentido de sua reestruturação em um novo milênio, pari passu com o processo de amadurecimento e de manifestação de vontade da sociedade.

Para atingir o objetivo proposto, qual seja de examinar o projeto de reforma do Estado brasileiro à luz da Constituição, a legitimidade de sua prática e sua correspondência com o processo social e político por que passa a sociedade brasileira, foi necessário investigar:

Capítulo 1: a formação da sociedade e do Estado brasileiros, da colônia aos dias atuais, procurando identificar os traços de sua soberania e independência como Nação;

Capítulo 2: a Constituição como delineadora dos limites em que devem coexistir e interagir a sociedade e as estruturas de poder criadas para realizar seus anseios, logo, dotada de supremacia, vontade e força normativa próprias, derivadas do poder constituinte originário;

Capítulo 3: a vontade da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, como espelho de uma sociedade distanciada da prática política durante os anos de regime militar, em seus primeiros passos de resgate da cidadania, e como resultado de dois anos de esforço constituinte, permeado em seu dia a dia por pressões políticas e sociais que a transformaram na Carta Brasileira que mais de perto refletiu as forças reais do poder;

Capítulo 4: a reforma do Estado que, inspirada em experiências internacionais, o governo federal vem, através da promulgação de prolíferas emendas constitucionais, empreendendo com o concurso do Congresso Nacional, em uma prática usurpadora da soberania do povo, a quem se deve devolver a medida de reinvenção do Estado.

Como se verá, com o evoluir dos anos 90, o Brasil ficou muito mais próximo de uma reforma técnica do Estado, seguramente mais consciente das dimensões de sua crise, porém mais distanciado da política, na medida em que o sistema de representação vem-se estagnando - como aliás em todo o mundo, diante da violenta e devastadora força do processo globalizado de massificação das economias, em particular nos países periféricos e superperiféricos.

A transnacionalização da atual ordem mundial, pondo em xeque os fundamentos do Estado e da democracia, evidencia que não é mais possível organizar a vida institucional e governar como antes, sobretudo pela falta de base territorial para as tomadas de decisões, hoje condicionadas pelo capital internacional.

Por outro lado, à medida que a sociedade vem se tornando mais tensa e conflitiva, vem-se transformando também a correspondência entre a generalidade, impessoalidade e abstração das leis e as situações que elas regulam, exigindo-se o repensar das relações institucionais entre os poderes, neste final de milênio em que a produção legislativa é marcadamente intensa, e que cada Poder - com ênfase para a hegemônica produção legislativa do Poder Executivo - é chamado cada vez mais a assumir papel legiferante e adjudicante, em função da crescente heterogeneidade do corpo social.

Diante desse quadro, parece quedar evidente - o que se pretenderá demonstrar - a necessidade de se devolver ao verdadeiro dono do poder a voz capaz de expressar uma nova forma de organização social e de participação, em uma síntese mais atuante de democracia direta e representativa, como, aliás, é a vontade da Constituição - ainda cidadã - de 1988, de forma que se empreendam as necessárias e urgentes reformas do Estado a partir das reais necessidades e em razão do interesse coletivo.


CAPÍTULO 1 - o Estado Brasileiro - da colônia ao final do século XX

"Attendendo el-rei a que muitos vassalos, por delictos que commettem andam foragidos, se ausentam para reinos estrangeiros, sendo aliás de grande conveniencia que fiquem antes no reino e senhorios, e sobretudo que passem para as capitanias do Brazil, que se hão de novo povoar, há por bem declaral-as couto e homisio para todos os criminosos que nellas quizerem ir morar, ainda que já condemnados por sentença até em pena de morte [...] e passados 4 annos de residencia na capitania, poderão vir até ao reino e tractar de seus negócios [...] A capitania doada é inalienável, e intransmissível, por herança ao filho varão mais velho do primeiro donatário, e não partilha com os demais herdeiros." [01]

"O governador poderá: prover em officiaes da justiça e fazenda os degradados que prestarem bons serviços nas armadas, ou em terra, exceptuados somente os condenados por furto e falsidade." [02]

Assim começa a história do Brasil. Em seu evoluir, raras vezes corresponderam-se os interesses da sociedade e do Estado, o que tem levado historiadores e cientistas políticos - sem que isso venha servindo de lição, pois se repetem, de forma recorrente, os mesmos erros e vícios [03] -, a questionar a soberania do país, sendo condição de soberania a existência do Estado enquanto sociedade organizada, isto é, uma Nação.

A respeito, ensinava Alberto Torres, em 1912 que

"O espírito humano não aprendeu ainda a aproveitar as licções da Historia. É singular a leveza com que a imaginação e a intelligencia do homem repetem os mesmos erros, as mesmas eternas causas de seus males e soffrimentos, esquecendo e perdendo os ensinamentos que os permittiriam evitar. [...]

Os nossos eternos deficits, as nossas emissões de papel-moeda, as nossas Caixas de Conversão, as nossas valorizações, os nossos emprestimos à lavoura, os nossos proteccionismos, todas as phantasias do inflacionismo e da especulação, as nossas eternas luctas, aereas e estereis, de partidarismo, e não menos frequentes agitações politicas, sem objectivo, por doutrinas que nos passam e ideais sem base real, são experiencias que nos passam pelos espiritos sem deixar a menor impressão educativa". [04]

1.1. Da Colônia ao Estado Novo

A colonização brasileira nasceu do surto mercantilista que, na Europa, marcou-se pelo declínio das velhas instituições, a partir do desenvolvimento das relações de comércio, pela passagem do artesanato à manufatura, pela expansão das fronteiras, pela unificação dos Estados monárquicos e o conseqüente surgimento de Estados soberanos.

No velho mundo, ao feudalismo clássico substituiu-se um novo tipo de vida, mais movimentada, marcada pelo mercantilismo. No Brasil – novo mundo -, edificou-se um projeto de colonização sobre restos do modelo feudal agonizante na Europa.

Em seu processo de unificação, Portugal viu concentraram-se no reino importantes recursos humanos e técnicos e, em conseqüência, capital comercial em grandes proporções. Multiplicando seus empreendimentos mercantis, desenvolveu o rendoso empreendimento de comércio ultramarino, dedicado à troca de bens, em detrimento da produção.

A descoberta do Brasil (terra em que não havia produção para troca, já que o indígena apenas extraía para seu consumo) e a necessidade de preservá-lo da cobiça mundial pela madeira-tinta, pau-brasil, exigiram a solução do problema da produção, em condições particularmente desfavoráveis, em face da distância e extensão, variedade de terras do novo mundo, além da resistência dos habitantes naturais e das adversidades impostas pela própria natureza.

As características do processo de colonização adotado por Portugal condicionaram a formação social brasileira de tal forma, que se encontram indelevelmente arraigadas na estrutura e no corpo do próprio Estado, como se pretende demonstrar ao longo do presente Capítulo. A colonização, aqui, não foi empreendida visando ao desenvolvimento e à unidade de comunidades ligadas por laços de interesses próprios, como no caso americano, porém, à satisfação da cobiça internacional. Valendo-se do emprego de mão-de-obra escrava e de meios de produção predatórios, para atingir o máximo de lucros, a Coroa portuguesa fertilizou o mundo novo para a gestação de uma mentalidade individualista e avessa à solidariedade [05].

Em suas antigas colônias, os portugueses produziam de cana-de-açúcar, bem facilmente transformável em mercadoria sólida, não perecível e suscetível de transporte, além de tradicionalmente aceito pelo mercado consumidor europeu. Por essas razões, aliadas às condições favoráveis do solo brasileiro, projetaram produzi-lo na América em larga escala, a ponto de compensar o vulto e o risco do investimento.

Distribuíram grandes extensões de terra na base de latifúndio, deixando aos produtores liberdade para produzir, área que a metrópole respeitava, reservando-se a circulação dos bens, âmbito em que o produtor não interferia. Delegando poderes administrativo e político, Portugal desligou-se da produção, onde se concentravam os custos, beneficiando-se com a circulação, onde potencialmente se acumulava a renda. Os senhores da terra tornaram-se autoridade pública, investidos inclusive de poder militar [06]. Neste sentido, delegaram-se aos donatários - governadores e capitães -, além dos poderes civis, os ônus da defesa em terra, já que a Coroa respondia pela defesa da costa para o mar alto.

O sistema de distribuição de terras por capitanias, que Portugal já desenvolvera nas antigas colônias [07], transferia seu domínio, mas não a propriedade com todos os seus atributos. Através dos forais, verdadeiros contratos de aforamento, a Coroa lusitana repartiu as terras férteis do litoral, doando capitanias transmissíveis por herança, porém gravadas com cláusula de inalienabilidade e de não-parcelamento - evidência histórica da estratificação do latifúndio no Brasil -, reservando-se o Estado o direito de retomar as terras mediante indenização ou confisco. Quanto às terras interiores, no sentido da colonização do sertão, o foral permitia-lhes doá-las em sesmarias, em nome do rei, sem o direito de retomada posterior.

Com o esgotamento do sistema de monocultura, em particular da cana-de-açúcar, diante da necessidade de garantir a prosperidade da Colônia, iniciou-se o processo de interiorização, com exploração de novas atividades econômicas - da mineração à agricultura, capazes de absorver outro tipo de mão-de-obra não mais escrava, agora de trabalho remunerado, passível de representar um mercado consumidor para os artefatos que a indústria européia, sobretudo a inglesa, em plena revolução industrial, produzia em quantidade cada vez maior.

O desenvolvimento da mineração determinou o surgimento de bens com valor em si, como charque e couros, produzidos para o consumo. Os núcleos mineradores lançaram as bases de um novo mercado - interno -, em que as trocas se faziam com moedas e com ouro em pó. Iniciou-se um novo sistema econômico, capaz de viabilizar a organização do Brasil como sociedade nacional, com interesses distintos dos da metrópole, que se expressavam no despotismo tributário e no monopólio real da extração diamantífera. Apesar de timidamente, o patronato agro-pastoril, também esgotado pelo fisco - e com a vantagem de não depender de uma metrópole européia como agente comercial -, apresentava condições de propor e lutar por sua independência. A eles agregou-se, mais tarde, com a chegada da Corte portuguesa, nas palavras de Darcy Ribeiro, o "patriciado burocrático que exercia o mando político, derivado do desempenho de cargos públicos" [08], o qual terminou por promover a independência - quando esta se tornou inevitável – institucionalizando em seu próprio proveito o projeto de monarquia unitária escravista, que objetivava, entre outros, a repressão dos movimentos autonomistas rebeldes, os levantes das classes médias urbanas e as insurreições populares que aspiravam a uma reordenação social mais profunda. A monarquia foi a maneira encontrada, no Brasil, para não se alterar a estrutura de poder e reprimir as revoltas populares que se sucediam não apenas no Brasil, mas em toda a América Latina. [09]

Em 1808 – conseqüência das pressões continentais, no pós-revolução francesa -, a Corte portuguesa, aliada e dependente da Inglaterra, transferiu-se para o Brasil, iniciando a transição para a construção de um Estado nacional. Em um processo de inversão política, a Colônia transmudou-se em Metrópole, nela instalando-se os principais organismos do aparelho estatal português: Ministérios do Reino, da Guerra e Estrangeiros, da Marinha e Ultramar, da Fazenda; Conselhos de Estado, da Fazenda, Mesas do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens; a Relação do Rio de Janeiro transformou-se em Casa da Suplicação, atuando como tribunal superior. Instalou-se também a Intendência-Geral da Polícia.

Observa-se que, mais uma vez, a organização político-administrativa não resultou de exigência do meio. Ao contrário, foi artificialmente importada, em desequilíbrio com a realidade da época, considerada a população local [10], que à Corte se subordinou. Historicamente, os brasileiros não desenvolveram uma noção abstrata e impessoal de Estado, até porque não contribuíram diretamente para a sua formação. Foram, ao invés, sujeitos passivos e submissos de um Estado imposto.

Alberto Torres discorreu sobre o tema em A Organização Nacional, obra publicada em 1914, enfatizando que

"Os problemas da terra, da sociedade, da produção, da povoação, da viação e da unidade econômica e social ficaram entregues ao acaso; o Estado só os olhava com olhos de fisco; e os homens públicos [...] não eram políticos nem estadistas; bordavam, sobre a realidade de nossa vida, uma teia de discussões abstratas ou retóricas; digladiavam-se em torno de fórmulas constitucionais, francesas ou inglesas; tratavam das eleições, discutiam teses jurídicas, cuidavam do exército, da armada, da instrução, das repartições, das secretarias, das finanças, das relações exteriores, imitando ou transplantando instituições e princípios europeus [...]. O mecanismo constitucional trabalhou sempre, desorientado e sem guia, estranho às necessidades intimas, essenciais do nosso meio físico e social". [11]

Com a vinda da Corte portuguesa, a ação do aparelho coator do Estado fez-se mais forte, eliminando as práticas de direito costumeiro dos primeiros momentos da colonização. Pela Lei da Boa Razão (1769), só eram de admitir-se costumes com "um século de existência", impunham-se os valores das "nações cristãs que habitam a Europa", em detrimento do direito romano, somente aplicável quando fundado na "boa razão".

A instalação do centro das decisões políticas no Rio de Janeiro fortaleceu a hegemonia do sudeste sobre as demais regiões, propiciando integração direta com o restante do mundo, abertura dos portos, suspensão de restrições à entrada de estrangeiros, instalação de corpo diplomático; diminuiu-se o monopólio cultural exercido por Coimbra, instalando-se os primeiros cursos superiores no Rio de Janeiro e na Bahia [12], bem assim como a atividade de impressão, até então reprimida, culminando com a elevação do Brasil à categoria de Reino Unido a Portugal e aos Algarves [13], por interesse europeu.

Com as transformações, o poder político passou a ser exercido pela burguesia comercial e usurária, pela burocracia estatal e pela hierarquia eclesiástica, agentes sociais que representavam, no jogo político, o funcionamento do Estado absolutista português, contra os quais efervesciam antagonismos que caracterizaram todo o período, em que recrudesceram contínuos levantes e conspirações contra a Coroa portuguesa. [14] Esse é o quadro esboçado com aguda nitidez por Raymundo Faoro, litteris:

"O comércio, controlado ou explorado pelo príncipe é, por sua vez, a fonte que alimenta a caixa da Coroa. O modelo de governo, que daí se projeta, não postula o herói feudal, nem o chefe impessoal, atado à lei. [...] O sistema de educação obedece à estrutura, coerentemente: a escola produzirá os funcionários, letrados, militares e navegadores. Mas os funcionários ocupam o lugar da velha nobreza, contraindo sua ética e seu estilo de vida. [...]. A indústria, a agricultura, a produção, a colonização será obra do soberano, por ele orientada, evocada, estimulada, do alto, em benefício nominal da nação. Onde há atividade econômica, lá estará o delegado do rei, o funcionário, para compartilhar de suas rendas, lucros e, mesmo, para incrementá-la. Tudo é tarefa do governo, tutelando os indivíduos, eternamente menores, incapazes ou provocadores de catástrofes, se entregues a si mesmos. O Estado se confunde com o empresário, o empresário que especula, que manobra os cordéis do crédito e do dinheiro [...] [15]" (grifou-se).

As transformações por que passou o Estado brasileiro não contaram com a participação popular, seja na proclamação do Império [16], em 1822, seja na da República em 1889.

O artificialismo que caracterizou a formação do Estado no Brasil foi observado, no início do século XX, de forma surpreendentemente amarga e crítica por Manoel Bomfim, aduzindo que

"[...] os códigos e as Constituições não são simplesmente estatutos gerais: são compilações quase abstratas, indiferentes, estranhas ao meio onde se aplicam [...]. A primeira, do Império, era a Constituição de toda a parte: Constituição de monarquia constitucional, comprada em bazar de roupas feitas - mangas, bolsos, gola, Bentham, equilíbrio dos poderes, regime representativo; vestida ao Brasil teria sido vestida à Espanha, à Itália ou mesmo ao Japão. Na prática, foi a continuação do regime colonial, sem metrópole [...]. Veio a República [...]. Aboliu-se a centralização, adaptou-se o federalismo [...]. Uma constituição para o Brasil não centralizado? Está achada: abre-se a constituição dos Estados Unidos da América do Norte e a constituição da Suíça e algumas páginas da constituição argentina; corta daqui, tira daí, copia dacolá, cosem-se as disposições de uma, de outra e de outra, alteram-se alguns epítetos, pregam-se os nomes próprios, tempera-se o todo com um molho positivisóide e temos uma Constituição para a República do Brasil - federativa e presidencial, Constituição na qual só não entraram a história e as necessidades do Brasil". [17].

O projeto constitucional que desaguou no texto da Carta de 1824 inspirava-se nos discursos liberais da Revolução burguesa ocorrida na França e nas constituições francesa e norueguesa outorgadas após a Restauração. Após dissolver a Assembléia Constituinte [18], devido às intransponíveis divergências entre os interesses brasileiros e lusitano-bragantinos, corporificados no imperador, este tratou de conferir ao texto constitucional alguma legitimidade, submetendo-o à aprovação das Câmaras Municipais, que em nada contribuíram para sua mudança. O texto constitucional conciliava o princípio da continuidade dinástica com uma aparente soberania popular. A rigor, assegurava o centralismo monárquico pela introdução do Poder Moderador - presença de uma forma atenuada das práticas absolutistas européias [19] -, ao qual se submetiam os demais poderes. Esse sistema político legitimou-se sob a forma de monarquia hereditária.

Desenvolveu-se importante resistência ao regime monárquico unitário [20], que favorecia a hegemonia do sudeste. A resistência culminou com vários movimentos de feição separatista, em particular a Confederação do Equador (Nordeste, 1824), Setembrada e Novembrada (Nordeste, 1831), Cabanagem (Pará, 1835-1840), Guerra dos Farrapos (Rio Grande do Sul, 1835-1845) e Rebelião Praieira, (Pernambuco, 1848). Já em 1870, com o nascimento do Partido Republicano, estruturou-se um programa político de oposição à monarquia.

Sem tencionar que a escravidão dela fosse imediata e exclusiva decorrência, a manutenção da forma monárquica representou um suporte para a preservação da estrutura escravista, no âmbito de um sistema de classes mantido para reproduzir essencialmente os interesses dos proprietários dos meios de produção, intercâmbio e fornecimento de créditos, concentrados na região sudeste.

Com a abolição da escravatura [21] e a mudança do sistema político, de Império para República, o capitalismo desenvolveu-se no Brasil, nos centros urbanos de São Paulo, Rio de Janeiro e em certas áreas do Nordeste, através do assalariamento e da automação do processo de trabalho.

Mantiveram-se as oligarquias e a tradição do controle político pelos grandes proprietários (coronéis), cujas normas de controle de poder dificultaram a configuração de programas político-partidários em uma perspectiva nacional [22]. Os partidos políticos, representando as diversas oligarquias locais, limitavam-se à defesa de interesses regionais [23], não obstante compusessem alianças mais amplas, que esses mesmos interesses exigiam. Também a forma de organização da produção voltava-se para a satisfação de necessidades de consumo dos centros capitalistas dominantes (Estados Unidos e Europa ocidental).

A partir da decadência da exploração do trabalho escravo, o poder deixou de ser monopólio dos suportes políticos do Estado monárquico. Com a República, introduziu-se o federalismo e, com este, novas lutas pela mudança da estrutura do poder político.

A Constituição de 1891 legitimou o caráter leigo do Estado liberal brasileiro, adotando o sistema representativo e estabelecendo a autonomia e interdependência dos três Poderes da República. Embora formalmente democrática, a Constituição promulgada não alterou substancialmente a estrutura oligárquica da chamada Primeira República.

Sob o federalismo, o poder dividiu-se entre os governadores dos maiores estados (São Paulo e Minas Gerais), refletindo um desequilíbrio na descentralização econômica e política e dando origem a conflitos entre o setor agrário e grupos urbanos, a que se somou o controle do sistema político pelo Exército [24], sustentáculo da República.

Após o período de consolidação da República (1889-1898), sucederam-se crises econômicas e políticas, impulsionadas por fatores endógenos e exógenos, com objetivo de limitar o poder das oligarquias agrárias. As graves crises internacionais de 1922 e 1929 atingiram o Brasil, tornando mais agudas as contradições e insatisfações quanto à "política dos governadores [25]", de uma certa forma abrindo caminho para o Movimento de 1930, que propiciou mudanças no sistema político republicano, de maneira a favorecer a atuação de novas forças sociais emergentes, em particular a burguesia industrial, a pequena burguesia e o proletariado urbano.

Diante das contestações regionais, o Exército viu valorizar-se seu papel como força nacional, seus quadros passando a integrar o poder executivo federal e encontrando bases de sustentação nos setores urbanos. Em decorrência, a cada sucessão presidencial, as forças oligárquicas regionais levantavam-se, mobilizando as Forças Armadas, "guardiãs da paz pública", sobretudo em face das graves crises do café, que dominaram todo o início do século XX (no impacto do pós I Guerra Mundial, que alterou profundamente as estruturas econômicas mundiais). Crescia a hegemonia norte-americana, cujos investimentos se ampliavam, culminando com o estabelecimento, no país, de firmas subsidiárias de empresas norte-americanas [26].

A internacionalização crescente foi objeto de reações de matriz nacionalista, como o movimento tenentista (alcançando seu ápice em 1922, com o motim do Colégio Militar e a sublevação do Forte de Copacabana, movimentos liderados por uma fatia da pequena burguesia militar urbana, que defendia os ideais liberais do voto secreto, a reforma administrativa, o ensino gratuito, a independência do Judiciário e a moralidade pública), chegando alguns setores a propor a nacionalização das empresas estrangeiras.

Em 1926, sob a presidência da Artur Bernardes, a Constituição recebeu emendas que fortaleceram o poder executivo federal, ampliando o direito de intervenção nos estados, reduzindo-se a concessão de habeas corpus e atribuindo ao presidente da República o poder de veto às leis aprovadas pelo Congresso Nacional.

Proliferavam e tomavam corpo diversos grupos de esquerda, de orientação anarquista e comunista, que se estruturaram pari passu com o processo de industrialização do país. O governo federal alternou medidas repressivas tendentes a restringir os direitos individuais, além da censura à imprensa, com medidas assistenciais, relativamente ao proletariado urbano, visando a neutralizar o potencial contestatório do setor: em 1923, instituíram-se as Caixas de Aposentadoria e Pensões e o Conselho Nacional do Trabalho; em 1925, foi sancionada legislação sobre férias remuneradas [27]. Mais uma vez, medidas que deveriam ser conquistas da sociedade, a ela foram impostas como meio repressor e inibidor de sua própria identidade.

Por outro lado, a crise do café (cujas exportações, no período de 1927-1929 atingiram apenas 2/3 da produção), desacompanhada de uma política de desestímulo à produção, provocou a reforma financeira, visando a garantir os meios de cobrir as despesas causadas pelas lutas internas, propiciando a acumulação de reservas que logo se esvaíram, com a depressão de 1929, fazendo crescer o desemprego e baixar os salários.

Estava preparada a cena para o Movimento de 1930, quando forças integradas por militares, camadas médias da população urbana, dissidentes das oligarquias mineira e gaúcha, mobilizadas em torno da campanha eleitoral, não permitiram a posse do candidato oficial (que na República Velha sempre vencera as eleições). Dominando o Rio Grande do Sul, Minas Gerais e o Nordeste, uma junta militar assumiu o poder e o manteve até transferi-lo a Getúlio Vargas.

A década de 30 iniciou-se por um movimento militar armado, que levou Getúlio Vargas ao poder mediante o compromisso da industrialização do país, com base na reforma do Estado, com o objetivo de submeter as classes trabalhadoras emergentes. A era que se iniciava assistiu a um aumento gradual da intervenção estatal em todos os setores da sociedade, com a participação do Estado na administração de seus segmentos mais importantes. Criaram-se entidades como o Instituto Brasileiro do Café, o Instituto do Açúcar e do Álcool, o Ministério do Trabalho, sindicatos oficiais, organização da previdência e, em 1937, o DASP – Departamento Administrativo do Serviço Público, destinado ao planejamento e gestão do atuar estatal, responsável pela burocracia do Estado, em modelo que vigorou até o início dos anos 90.

Foi também uma época de grandes conflitos. A hipertrofia do Poder Executivo, sob o governo Vargas, está na base da submissão que tem caracterizado o Poder Legislativo, a ponto de ver-se a legalidade brasileira originada em decretos-leis [28], decretos, regulamentos e portarias.

Durante esse período, organizou-se a estrutura sindical brasileira, corporativista e subordinada ao Estado, delineando-se uma política de massas paternalista e populista, iniciando-se uma nova forma de pensar o Estado. Vargas deixou claro o propósito modernizador de seu governo, ao dizer, citado por Marco Aurélio Nogueira [29]: "Cumpria-nos reduzir despesas, coibir abusos, reformar serviços dispendiosos e sem eficiência, equilibrar orçamentos, suprimir déficits e, sobretudo, simplificar, melhorando a antiquada e ronceira máquina administrativa". A preocupação com a administração pública evoluiu a ponto de alcançar a consciência de que o governo ganharia importante base de sustentação pela cooptação de quadros importantes junto à sociedade civil, necessários a um Estado reestruturado para um projeto de modernização. As estruturas idealizadas pelo Estado Novo iniciam a implantação da moderna administração pública brasileira.

A esse respeito, manifesta-se Marco Aurélio Nogueira, enfatizando que

"É exatamente neste aspecto que os anos 30 são emblemáticos na história brasileira. Neles, a industrialização irá ganhar impulso não graças à organização em nível superior da sociedade civil, ou à virulência dos conflitos urbanos, nem à autonomização política de uma classe burguesa industrial, mas sim graças à regulação estatal e ao impacto da nova situação econômica mundial. Será de fato o Estado – alargado, adequadamente aparelhado e imbuído de novas funções – que aproveitará a conjuntura aberta com a crise de 29 para dirigir a modernização e organizar a sociedade civil, bloqueando sua livre manifestação e apropriando-se do que havia de mais dinâmico nela; um Estado não apenas garantidor da ordem capitalista, mas ativo e empreendedor, posto que partícipe direto do próprio sistema de produção e acumulação. O movimento operário, a efervescência cultural e o associativismo – em expansão desde os anos 20 – passarão a receber o condicionamento e a direção de um Estado modernizador mas autoritário, industrializante mas conciliador com os interesses agrários, expressão viva de uma coalizão entre velhas e novas elites". [30]

Em 1932, em São Paulo, eclodia a Revolução Constitucionalista, clamando a instauração de uma ordem constitucional no país. Em resposta, Vargas marcou para o ano seguinte eleições para a Assembléia Constituinte, que elaborou a Constituição promulgada em 1934: de cunho liberal, inspirada na Carta de Weimar (1919), acolheu as agremiações partidárias, reelaborou o processo eleitoral e institucionalizou a intervenção estatal nos domínios social e econômico.

Em reação movimentos sociais de inspiração fascista, representados principalmente pela Ação Integralista Brasileira, organiza-se a Aliança Libertadora, em que se unem setores liberais e socialistas, iniciando intensa campanha de mobilização popular, o que levou Vargas a ordenar seu fechamento e a prisão de alguns de seus membros. Na ilegalidade, a ANL foi responsável pela disseminação de movimentos políticos, como a rebelião comunista de 1935, em Natal, com reflexos no levante do 29º Batalhão de Caçadores e na sublevação do 3º Regimento de Infantaria e da Escola de Aviação, no Rio de Janeiro.

Em 1937, com apoio militar, Vargas promoveu um golpe de Estado, outorgando uma nova Constituição, redigida em 1936 por Francisco Campos, quebrando o princípio de separação dos poderes, extinguindo os partidos políticos e criando um regime corporativo sob autoridade direta do presidente, nitidamente inspirada nos regimes de força europeus, particularmente na Carta da Polônia fascista. Essa Constituição não chegou praticamente a vigorar, tendo Vargas governado, até 1945, por meio de decretos-leis [31], com força constitucional.

Com a derrota do nazi-fascismo, inúmeros setores da sociedade mobilizaram-se em prol da democracia. Receando perder o poder, Vargas antecipou-se a seus opositores, com iniciativas democratizantes: em 1945 marcou eleições gerais, promoveu a anistia e permitiu total liberdade de organização partidária. Vargas apoiava-se em seu prestígio junto às massas para manter-se no poder, enquanto generais que o sustentaram durante o Estado Novo [32] movimentaram-se para derrubá-lo. Temendo que a pressão popular, responsável pelo movimento "queremista" [33], pudesse alterar o processo de seu afastamento, depuseram-no em outubro de 1945.

Vargas retirou-se a São Borja, voltando ao poder em 1951, retomando plataformas populistas, de nacionalismo econômico, favorecendo a implantação de grandes empresas públicas, como a Petrobrás, identificando-se - aos olhos do povo - à luta anti-imperialista. Porém, a permanência de conflitos entre os diversos grupos de poder, na seqüência de um Manifesto à Nação assinado por 27 generais, pressionou-o a ponto de suicidar-se em agosto de 1954.

1.2.Da Década de 50 aos anos 80

O fim da II Guerra Mundial marcou a largada para a industrialização. No caso brasileiro, o processo atendeu a forças e imposições exógenas. Na realidade, na América Latina dos anos 50, o que se implantava eram as bases da dominação do imperialismo norte-americano, a serviço do capital, cuja hegemonia, no Brasil, encontrou campo fértil no latifúndio [34].

"[...] em 1945 jogou-se uma partida destinada a retomar as promessas do grande movimento de 1930 em parte suspensas pelo golpe de 37, tanto quanto na Revolução de 30 havia sido jogada uma partida para recuperar a República prometida em 1889 e bloqueada pelas oligarquias regionais elevadas ao comando político da Nação nas primeiras décadas do século." Marco Aurélio Nogueira [35].

Neste novo jogo, assumem papel expressivo as massas de trabalhadores urbanos, sob o Estado Novo organizados em corporações, mas que, em época de democracia passaram a ter voz mais ativa no cenário nacional, graças, sobretudo, a partidos políticos que falavam em seu nome, em nítido pacto político, como o PTB e o PCB.

A redemocratização iniciada em 1945 realizou-se sem influência partidária expressiva, mantendo-se as antigas dificuldades de se desenvolver uma vivência partidária autenticamente comprometida com a sociedade. Observa Marco Aurélio Nogueira [36] que o pacto político de 1945 amadureceu uma política de massas de resultados que, em sua prática histórica, vem sedimentando: a) importante nível de dependência do Executivo; b) negação da importância estratégica da questão agrária; c) manutenção do padrão de cidadania, que tem na identificação com o Estado o seu eixo constitutivo; d) reprodução de um modelo "perverso" de presidencialismo, plebiscitário, baseado no binômio corporativismo/ carisma; e) conceituação e instrumentalização da administração pública como agente do fazer, distanciando-a de uma profunda e eficaz reorganização.

1.2.1.As transformações sociais dos anos 50

Os anos JK - 1956-1960 - representaram uma época de desenvolvimento [37], em que a produção industrial cresceu 80%, grandes obras, como Furnas, Três Marias e a construção de Brasília modernizaram o país, aprofundando a abertura da economia brasileira ao capital internacional. Criaram-se incentivos especiais às empresas estrangeiras e política de crédito vantajosa ao setor privado nacional. A tal ponto chegaram esses esforços que o Brasil logrou atingir sua auto-suficiência em alguns setores produtivos, como o automobilístico, base do desenvolvimento industrial nacional. Juscelino rompe com o Fundo Monetário Internacional e, apostando no desenvolvimento, cria a SUDENE - Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste. Paralelamente, durante cinco anos, o governo Kubitschek conseguiu manter a estabilidade política e as conquistas democráticas alcançadas até então. Pela primeira vez na história, a sociedade brasileira acreditava no destino que se traçava para o País.

Porém, o desenvolvimentismo que marcou o período determinou níveis muito elevados de concentração de renda e uma situação inflacionária de difícil controle. Ao final de seu governo, reinicia o diálogo com o FMI, obtendo um empréstimo imediato de US$47,7 milhões.

Trabalhadores paulistas deflagram uma greve geral por aumento de salário, em paralisação de mais de dez dias. Insatisfeitos com o caminhar democrático da Nação, que lhes fugia ao controle, militares extremistas da Aeronáutica sublevaram-se em Jacareacanga (1956) e Aragarças (1959), porém sem sucesso.

Em 1960, Jânio Quadros apresentou-se como candidato acima de qualquer partido e desvinculado de grupos de interesses. Confirmando o domínio exercido pelo valor "carisma", característica do presidencialismo brasileiro, elege-se com grandiosa diferença de votos, conseguindo articular em torno de seu nome um amplo espectro social.

Dono de um discurso moralizador, pregando saneamento e redução do gasto público, bem como distribuição igualitária da riqueza nacional, obteve o apoio de amplos segmentos da sociedade, entre os quais, maciçamente, a classe média. Contou, inclusive, com o apoio do operariado. Como medidas anti-inflacionárias, impôs restrições ao crédito e o congelamento de salários, satisfazendo ao FMI, de cujo aval necessitava para a obtenção de empréstimos internacionais.

Em matéria de política externa, entretanto, não se alinhou com os Estados Unidos, apoiando o governo de Cuba, cuja revolução recém triunfara [38]. Em agosto de 1961, Jânio enviou ao Congresso Nacional uma inesperada carta-renúncia, dizendo-se esmagado por "forças terríveis".

O vice-presidente, João Goulart, que se encontrava na China, deveria substituir o presidente, por força do art. 79 da Constituição do Brasil, de 18 de setembro de 1946. Porém, com seu nome ligado a Vargas e ao trabalhismo, sua posse foi imediatamente contestada pelos setores golpistas, tendo os ministros militares pressionado o Congresso para que decretassem vaga a presidência, justificando a convocação de novas eleições. A proposta foi recusada pela representação legislativa, que recomendou se adotasse o sistema parlamentarista de governo, com o objetivo de enfraquecer o cargo de presidente.

Liderada por Leonel Brizola, iniciou-se a "campanha da legalidade", de âmbito nacional, à qual aderiram a opinião pública e o III Exército, sediado no Sul. Jango tomou posse como presidente e governou com um gabinete parlamentarista, chefiado pelo primeiro-ministro Tancredo Neves. A experiência parlamentarista (setembro de 1961 a janeiro de 1963) não logrou contornar os graves problemas políticos, econômicos e sociais do País. Em janeiro de 1963, 80% dos eleitores votantes optaram pela volta ao regime presidencialista, processo do qual João Goulart saiu fortalecido, tendo, porém, de governar em contexto de intensa fermentação social. Aumentavam a cada dia as pressões por reformas de base, em torno de questões profundas e recorrentes na história do país, como as reformas agrária, bancária, do ensino; questões de natureza estrutural, cuja mudança deveria alterar o jogo de forças políticas e o próprio modelo de desenvolvimento nacional.

Nesse sentido, recrudesceu o movimento de massas, as lutas operárias, camponesas e estudantis atingindo alto nível de organização e de atuação que, contrastando com a reação dos setores mais conservadores da sociedade, configuravam o quadro de conflitos de interesses divergentes, que ao governo cabia conciliar. O antagonismo político estava publicamente exposto e o pacto social que o populismo mantivera durante as últimas décadas encontrava-se exaurido.

A partir do comício das reformas [39], realizado em frente à Central do Brasil, no Rio de Janeiro, em 13 de março de 1964, durante o qual João Goulart assinou publicamente os decretos de nacionalização das refinarias privadas de petróleo e de reforma agrária [40], começou a organizar-se uma oposição que, apoiada pelos segmentos da classe média urbana das grandes capitais [41], ao lado de rebeliões nos meios militares, que chegaram ao motim de 1200 marinheiros, levou à tomada do poder pelos militares, através do golpe desferido em 31 de março de 1964.

1.2.2.O autoritarismo militar

"Num tempo, página infeliz da nossa história,

passagem desbotada na memória,

das nossas novas gerações.

Dormia a nossa pátria mãe tão distraída,

sem perceber que era subtraída

em tenebrosas transações.

Seus filhos erravam cegos pelo continente,

levavam pedras feito penitentes,

erguendo estranhas catedrais [...]" 

Chico Buarque. Vai passar.

A partir do golpe de Estado, com a adesão de comandos do Exército, tropas marcharam em direção a Brasília e ao Rio de Janeiro, onde se encontrava João Goulart. Exigida sua renúncia e não contando com apoio armado dos grupos que o sustentavam, Jango seguiu para Porto Alegre, sendo declarada vaga a presidência da República, passando a responder pelo país uma junta militar, com poder supraconstitucional atribuído pelo ato institucional de 09 de abril de 1964 [42].

Em 11 de abril de 1964,o Congresso elegeu o primeiro presidente militar [43], com poderes especiais: pelo ato institucional nº 2, de 23.10.1966, o presidente da República recebeu autorização para "baixar decretos-leis em todas as matérias previstas na Constituição", fundamento dos governos que se sucederam, particularmente a partir da decretação do ato institucional nº 5, em 13.12.1968, determinando o fechamento do Congresso Nacional [44].

Houve um recrudescimento crescente da ação militar em face das manifestações da sociedade civil, levando ao cerceamento de liberdades individuais, como de expressão e de locomoção, no começo dos anos 70 e ao desbaratamento e extermínio, em muitos casos, de grupos oposicionistas; os perseguidos que conseguiram sobreviver tomaram o caminho do exílio, somente podendo retornar ao país após a anistia política de 1979, culminando, na metade dos anos 80, com a implantação do que se chamou "Nova República", nova por representar a volta de um presidente civil através de eleição, mesmo que ainda indireta.

Na contracorrente da repressão, extrapolando a função de base de sustentação política no Brasil, que historicamente sempre tiveram, os militares no poder pretendiam atingir os resultados desenvolvimentistas que os governos antecessores não lograram atingir. Com base no binômio segurança-desenvolvimento [45], que reforçaram com campanhas e ações de apelo nacionalista, características dos governos de força [46], impuseram, sem qualquer debate democrático, um novo modelo de crescimento econômico visando ao incremento do processo de industrialização a partir do financiamento internacional e da participação do próprio Estado como agente econômico.

Empresas multinacionais encontraram condições particularmente favoráveis à sua implantação e expansão, remetendo seus lucros para o exterior, enquanto proliferavam e agigantavam-se as sociedades de economia mista, empresas paraestatais concebidas para permitir ao governo o papel de sujeito ativo do próprio desenvolvimento.

Para atingir resultados planejados, o governo manteve rígido controle da política salarial, limitando os aumentos reais de salário e garantindo a disponibilidade de mão-de-obra potencialmente barata. Sob forte repressão policial-militar, os assalariados não tinham condições de expressar suas reivindicações, aumentando de forma drástica o tradicional desequilíbrio na distribuição da renda nacional.

Do ponto de vista econômico, o chamado "milagre brasileiro" chegou a apresentar resultados expressivos, como o crescimento médio anual do produto interno bruto na ordem de 10%, entre 1968 e 1973. Paralelamente, o Estado comprometia recursos próprios e tomados por empréstimo internacional com a construção de obras grandiosas, como a estrada transamazônica, a ponte Rio-Niterói, usinas hidrelétricas, símbolos da riqueza e do crescimento brasileiros e capazes de espelhar a pujança da administração militar.

Tal crescimento encontrou seus limites a partir de meados da década de 70, com o aumento da dívida externa, contraída para financiar as grandes obras e a remontagem do Estado e a estagnação do consumo interno, dado que os baixos salários permitiam à classe média apenas sobreviver, colocando-a praticamente à margem do mercado de consumo. Somando-se a esses fatores, a crise internacional do petróleo de 1973 afetou de modo particular a balança de pagamentos e o desenvolvimento das indústrias automobilística e química, grandes pilares da economia brasileira. O "milagre brasileiro" chegava ao fim, a partir de dificuldades que afetavam o próprio regime militar, o qual se viu, em decorrência, forçado a promover a abertura política, o que fez de forma gradual. Até meados da década de 80, o Brasil foi cenário de mudanças de ordem política, através de um paulatino processo de redemocratização.

1.3.A Nova República

A eleição de 15.01.1985, não obstante ter sido indireta, teve o condão de mobilizar o povo brasileiro que, após ter vivido quase duas décadas sob regime militar autoritário, acompanhou cada voto pelos meios de comunicação, de certa forma referendando-a. Era o começo de uma nova república, conforme palavras do presidente eleito, Tancredo Neves, em um de seus primeiros discursos.

Os novos ares democráticos fizeram-se acompanhar de uma mais intensa atuação dos meios de comunicação, trazendo à luz denúncias de reiterados casos de abuso e desvio de poder e de corrupção, dentro e fora do governo, contribuindo para a formação e amadurecimento da opinião pública.

Entre 1985-1989 a inflação aumentou vertiginosamente. A variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA) atingiu o patamar recorde de 255,16% (dezembro de 1985), precipitando a decretação do Plano Cruzado (28.02.1986). O governo americano anunciou corte de 32% na importação de produtos brasileiros isentos (álcool, óleo vegetal, motores e couro). Sem conseguir conter a inflação, é anunciado o plano Bresser, visando ao congelamento de preços, salários e aluguéis pelo prazo de 90 dias. O gatilho salarial é substituído pela incorporação mensal aos salários da média de elevação do IPC por trimestre. O cruzado é desvalorizado em 10,5%, relativamente ao dólar, o subsídio ao trigo é eliminado e grandes projetos governamentais, como o pólo petroquímico do Rio de Janeiro, a ferrovia Norte-Sul e o trem-bala Rio-São Paulo são adiados. A economia é indexada pela OTN.

Porém, os enormes montantes da dívida brasileira formavam um quadro de difícil solução: enquanto o presidente anunciava a suspensão do pagamento dos juros da dívida externa (moratória unilateral), o ministro da Fazenda [47] informava a suspensão do pagamento de mais de US$1 bilhão às agências governamentais internacionais integrantes do clube de Paris, relativamente ao principal da dívida contraída até 1983, prestes a vencer. Quanto ao FMI, o Banco Central fechou acordo provisório com os bancos credores privados, comprometendo-se a retornar àquele Fundo a importância "simbólica" de US$500 milhões, contra a garantia de refinanciamento dos juros vencidos e não pagos desde a decretação da moratória, que já somam US$4,5 bilhões. O círculo encontrava-se viciado.

Em 1988, ao mesmo tempo em que o ministério da Fazenda [48] anunciava que seriam pagos, a bancos credores privados, US$350 milhões relativos aos juros vencidos em janeiro, noticiava os pontos básicos do acordo de reescalonamento da dívida externa, definido com o comitê assessor dos bancos credores, incluindo o pagamento de US$700 milhões referentes a parte dos juros vencidos em janeiro e à totalidade daqueles vencidos em fevereiro, em troca de um novo empréstimo de US$5,8 bilhões. Em represália à recusa brasileira em proteger as patentes de produtos químicos e farmacêuticos americanos, que vinham sendo produzidos no país sem o pagamento dos direitos de propriedade intelectual às matrizes, os Estados Unidos impuseram sanções comerciais ao Brasil, majorando em até 100% a tarifa de importação de uma grande lista de produtos, entre os quais se incluíam o papel, papelão, eletrodomésticos, sapatos, armas de fogo, jóias e pesticidas.

Visando a conter o déficit público, anunciou-se, em janeiro de 1988, novo pacote econômico, com expressivas medidas fiscais e corte de despesas com o funcionalismo público, juntamente com a extinção de 40.000 cargos na administração públicos: inicia-se o programa de demissão voluntária ou aposentadoria antecipada e de incentivo às exportações.

Este foi o quadro geral em que se inseriu a regularização da prática democrática brasileira, com a realização, em 15.11.1986, de eleições diretas dos deputados federais e senadores que integrariam a Assembléia Nacional Constituinte, simultaneamente com a dos novos governadores e deputados estaduais e a com a promulgação da Carta de 1988, que se chamou "Cidadã".


CAPÍTULO 2 - A CONSTITUIÇÃO COMO EXPRESSÃO DO ESTADO

"Enquanto o Estado é a própria sociedade organizada, é soberano. Não pode ter limite jurídico: não pode ser limitado pelos direitos públicos subjetivos, nem se pode dizer que ele se autolimite. O direito positivo não pode constituir limite ao Estado porque pode ser modificado pelo Estado, em qualquer momento, em nome de novas exigências sociais etc [...] enquanto existir uma organização jurídica, o Estado se submete a ela; se quiser modificá-la, o fará substituindo-a por outra organização, isto é, o Estado só pode agir no sentido jurídico (mas como tudo que o Estado faz é jurídico, pode-se continuar até ao infinito)." Antonio Gramsci [49]

Configurando a organização fundamental - social, política e jurídica - do Estado, a Constituição delineia os limites em que coexistirão e interagirão a sociedade e as estruturas de poder desenvolvidas para garantir a consecução de projetos viabilizadores dos anseios sociais. Com esse objetivo nasceram os Estados, segundo as mais diversas teorias políticas, do Leviatã de Hobbes, passando pelo contrato social de Rousseau, às teorias globalizantes da atualidade. Apesar de necessariamente apresentarem características que lhes conferem atributos de durabilidade e de permanência, por dever refletir a vontade geral e manifestar as aspirações da sociedade, as Constituições não são imutáveis.

Resultado dos fatores de poder de um país, em que se contrapõem e interagem forças sociais - presidencialistas e parlamentaristas, fisiologistas e idealistas, milionários e miseráveis, burguesia e classe média, operariado, elite intelectual, camponeses e estudantes, a título de exemplo -, a Constituição deve representar um pacto, compromisso dos interesses em jogo, entre os diversos grupos sociais, refletindo determinado estado de tensão social. Conforme ensina José Eduardo Faria, "[...] toda Constituição tem um caráter jurídico, mas encerra também uma natureza social. É a conjugação desses aspectos que revela a vontade política que regulará e reprimirá os conflitos". [50]

Por consubstancializar a estrutura do Estado, a Lei Maior deve necessariamente possuir um grau de estabilidade que garanta sua manutenção. Porém, sua eficácia deriva de sua capacidade de absorver e fixar os valores e as vontades que a sustentam, construindo o futuro a partir do presente. Sendo histórica e politicamente inviável sua perpetuidade, preservam-se os valores essenciais à sua existência enquanto somatório axiológico - e quanto a esses pontos devem ser inflexíveis -, relativizando-se os demais, na medida exata em que configuram as mudanças sociais.

O positivismo legal extremado - "idólatra das leis" [51] -, que compreende o corpo dos códigos como algo completo e acabado, insuscetível de interpretações e modificações [52], historicamente impregnou o entendimento da Constituição como instrumento intangível [53], tutelador de princípios imutáveis. No caso da América Latina, com raras exceções, como no caso da Costa Rica e Uruguai [54], a tendência à intangibilidade tem sido uma constante - como antídoto contra os golpes de Estado que caracterizaram o exercício do poder durante os últimos séculos -, refletindo a experiência de nações submetidas a constantes e sucessivas fases de instabilidade política [55].

Tradicionalmente, do ponto de vista sociológico, a Constituição é considerada o conjunto de forças sociais e políticas que regem um país, espelhando a própria realidade social, que a torna real, que lhe confere status de legitimidade; do contrário, não passará de "um pedaço de papel" (ein Stück Papier), expressão utilizada na célebre conferência sobre a essência da Constituição, proferida por Lassalle em Berlim, em 1862). Do ponto de vista político, é entendida como a decisão essencial que lhe confere unicidade, que a transforma em um todo equivalente ao próprio Estado, explicitando os matizes que expressam suas características próprias, seja liberal, revolucionária, fascista ou conservadora; é o poder que tem o Estado - enquanto sociedade - de decidir a respeito de sua forma de ser, o que poderá sempre fazer, a partir de decisões políticas, conforme ensinou Gramsci [56]. Do ponto de vista jurídico, é a lei fundamental, conjunto de normas básicas articuladas e coordenadas de forma a e atuar tecnicamente, às quais as demais se submetem. [57]

Contrapondo-se às teses tradicionalmente desenvolvidas por Lassalle, Schmitt e Kelsen, entre outros, Konrad Hesse [58], em aula inaugural na Universidade de Freiburg, República Federal da Alemanha em 1959, explicita o entendimento de que a Lei Fundamental não deve sucumbir às forças da realidade e que a concepção de um efeito determinante exclusivo da Constituição real (sein) significa a negação da Constituição jurídica (sollen); a Constituição expressa uma forma motivadora e ordenadora da vida do Estado, sendo ao mesmo tempo um ser e um dever ser, configurando mais que o simples reflexo das condições fáticas de sua vigência, causa e efeito de sua eficácia, o que lhe garante o poder de "impor tarefas", não obstante não poder ela própria "realizar nada" [59].

2.1 A supremacia da Constituição

"[...] a instauração da supremacia da Constituição, ou da sua eficácia peculiar, somente ocorrerá na medida em que os encarregados do seu cumprimento reconheçam e respeitem tal qualidade, o que implica, por um lado, na ampla participação política da população, assim capaz de exercer o controle dos atos normativos de seu interesse e, por outro, numa certa adequação da Constituição formal à realidade material a que se refere." [60]

O Estado de Direito pressupõe a existência de uma Constituição que atue como ordem jurídica fundamental, vinculativa de todos, dotada de supremacia. Na lição de Canotilho [61], do princípio da supremacia da Constituição deduzem-se elementos caracterizadores do Estado de Direito, determinando a vinculação do legislador e de todos os atos do Estado, a existência de uma "reserva de constituição" garantidora da exclusividade de tratamento constitucional de determinadas questões, a força normativa da Constituição, o sistema de direitos fundamentais, a divisão, limitação e responsabilidade dos poderes.

Para Konrad Hesse, os fatos e as normas estão na base conceito de convergência de duas constituições - uma real e outra jurídica -, que se condicionam mutuamente, apesar de não dependerem exclusivamente uma da outra. Ainda que de forma não absoluta, a constituição jurídica tem significado e vontade própria [62], cuja realização lhe imprime força normativa, garantindo-lhe eficácia.

Oportuno lembrar a lição de Pinto Ferreira [63], desenhando a "Constituição total" como um edifício de quatro andares, dos quais o primeiro se estrutura a partir das relações econômicas, o segundo, a partir das instituições e formas de organização social, o terceiro, das normas jurídicas que conformam a Carta política e o quarto, a partir dos princípios de justiça e dos valores que norteiam o sistema constitucional. Do edifício solidamente estruturado de Pinto Ferreira à pirâmide normativa erigida por Kelsen, tem-se a Constituição como a norma superior, fundamento de sua supremacia [64]. Acima dela é de se admitirem apenas valores e princípios integrantes, como um todo unívoco, de determinado ordenamento jurídico, como ensinam as palavras de Otto Bachov, pronunciadas na Alemanha do imediato pós-guerra:

"Pressuposto da obrigatoriedade da ideia de justiça para o direito é, todavia, a existência de um consenso social acerca pelo menos das ideias fundamentais da justiça. [...] creio que deve reconhecer-se um tal consenso: o respeito e a protecção da vida humana e da dignidade do homem, a proibição da degradação do homem num objecto, o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, a exigência da igualdade de tratamento e a proibição do arbítrio são postulados da justiça de evidência imediata.

Um Estado poderá certamente desrespeitar tais princípios, poderá fazer passar também por "direitos" as prescrições e os actos estaduais que os desrespeitem e poderá impor a observância destes pela força. Um tal direito aparente nunca terá, porém, o suporte do consenso da maioria dos seus cidadãos e não pode, por conseguinte, revindicar a obrigatoriedade que o legitimaria" [65].

A esse respeito, escreveu Mestre Afonso Arinos em outras palavras e por todos:

"[...] os juristas observaram que o caráter escrito das Constituições não limita ao texto nela contido toda a matéria constitucional. Em outras palavras, a Constituição chamada escrita [...] é completada, para se executar realmente, por uma quantidade de costumes, que terminam por fazer uma trama inseparável do próprio texto. A vida efetiva da Constituição escrita só se realiza assim, pela circulação incessante que se processa, na realidade, entre o texto primitivo e os costumes incorporados ou justapostos." [66]

A supremacia é característica da Constituição brasileira, escrita e rígida quanto ao processo especial adotado para alteração de suas normas, o que se infere da leitura de vários de seus dispositivos, a saber:

- cláusula pétrea expressa, no tocante a proposta de emenda que tenda a abolir as matérias constantes dos incisos I a IV do art. 60;

- condições e limites específicos ao poder de emenda (art. 60, caput, incisos I a III e §§ 1º, 2º, 3º e 5º);

- hipótese de realização de revisão constitucional uma única vez, após transcorridos cinco anos de sua promulgação (art. 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT);

- compromisso dos presidentes da República e do Supremo Tribunal Federal e dos membros do Congresso Nacional - e, por simetria, governadores, presidentes dos Tribunais de Justiça, das Assembléias Legislativas com a manutenção, defesa e cumprimento da Constituição (art. 1º do ADCT);

- crime de responsabilidade do presidente da República por seu descumprimento (arts. 85, I a VII e 86);

- veto presidencial a projeto de lei considerado inconstitucional (art. 66 § 1º);

- controle direto de inconstitucionalidade de leis e de atos normativos federais ou estaduais (art. 102 I a, 1ª parte);

- procedimento especial, formalização e restrição da legitimação ativa à propositura de ação direta de inconstitucionalidade (art. 103 e §§);

- ação declaratória de constitucionalidade de leis e de atos normativos federais ou estaduais (art. 102, I a, in fine [67]);

- medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade (art. 102, I, p);

- recurso extraordinário (art. 102 III, a a c).

A recorrência de normas consagradoras da supremacia da Constituição, além do elenco, intencionalmente reiterado, dos direitos e garantias individuais e coletivos [68], são indício da preocupação e apreensão do legislador constituinte, com a ânsia de participação de uma sociedade historicamente sempre alijada do processo político, como que prevendo uma possível exacerbação de conflitos de interesses antagônicos, que sempre caracterizaram a vida política brasileira, calcada no fisiologisno e no clientelismo, conforme visto no Capítulo precedente.

2.1.1 A força da Constituição

"Se o Estado moderno é a relação social em que se condensam as contradições de um determinado modo de produção e das lutas sociais que elas suscitam, o direito positivo não é uma instância autônoma e subsistente por si mesma, porém dependente de outras instâncias que o determinam e o condicionam, ao mesmo tempo em que também acabam sendo por ele determinadas e condicionadas. A positivação do direito apresenta-se, ela própria, produto do conflito hegemônico entre grupos e classes que procuram manipular e adaptar os mecanismos de regulação e repressão a seus fins, impondo, mantendo e assegurando um padrão específico de relações sociais". [69]

A Constituição brasileira de 1988 representou o grande marco da restauração do Estado democrático no Brasil. Foi uma Carta Política emblemática, afirmando a redemocratização do país após quase vinte e cinco anos de governo militar autoritário, assinalado pela intolerância e pela violência. Significou, notadamente, a reafirmação dos direitos fundamentais, máxime os de cidadania. Em decorrência, foi e tinha que ser uma Constituição "prolixa", "redundante", "casuística", "extensa", "detalhista", "pormenorizada" e, em muitos momentos, "corporativista" [70]. Explica-se. O Estado que se pretendia estruturar acabava de sair de um regime de força, ao qual se submetera a sociedade que ele refletia, desacostumada ao pluralismo e ao discurso político. Muitos de seus membros dirigentes, por opção, contingência ou oportunismo, dele haviam sido partícipes, como os Senadores ditos "biônicos", não eleitos pelo sufrágio universal [71]. A opção, porém, de não se eleger uma Assembléia Constituinte exclusiva [72], delegando-se poderes específicos aos membros do Congresso Nacional regularmente eleitos, não pressupôs a integração desses senadores, cujo mandato já havia expirado. O Congresso Nacional, com poderes constituintes, era complexo e contraditório, assim como a própria sociedade brasileira que representava.

Nesse sentido, a Constituição Coragem ou Cidadã, cujo texto integral deveria ser divulgado à população (através de escolas, cartórios, sindicatos, quartéis, igrejas e outras instituições representativas da comunidade), por força do art. 64 do ADCT, configurou um rito de passagem do totalitarismo dos anos 60/70 à democracia dos anos 80/90 [73].

Corroborando o que se vem afirmando ao longo deste estudo, vale ressaltar as palavras de Ulysses Guimarães, ao prefaciar a primeira edição preparada pelo Senado Federal (documento que, por não integrar o texto constitucional, foi dele expurgado), citado por Nagib Slaibi Filho [74]:

"A CONSTITUIÇÃO CORAGEM. O homem é o problema da sociedade brasileira: sem salário, analfabeto, sem sáude, sem casa, portanto, sem cidadania.

A Constituição luta contra os bolsões de miséria que envergonham o país.

Diferentemente das sete Constituições anteriores, começa com o homem.

Graficamente testemunha a primazia do homem, que foi escrita para o homem, que o homem é seu fim e sua esperança. É a Constituição-cidadã.

Cidadão é o que ganha, come, sabe, mora, pode se curar.

A Constituição nasce do parto de profunda crise que abala as instituições e convulsiona a sociedade.

Por isso, mobiliza, entre outras, novas forças para o exercício do governo e a administração dos impasses. O Governo será praticado pelo Executivo e o Legislativo.

Eis a inovação da Constituição de 1988: dividir competências para vencer dificuldades, contra a ingovernabilidade concentrada em um, possibilita a governabilidade de muitos.

É a Constituição coragem.

Andou, imaginou, inovou, ousou, ouviu, viu, destroçou tabus, tomou partido dos que só se salvam pela lei.

A Constituição durará com a democracia e só com a democracia sobrevivem para o povo a dignidade, a liberdade e a justiça".

Assume especial relevo a natureza anímica conferida à Constituição, representada como um soldado em guerra, que luta com coragem para vencer a miséria - grande adversário, inviabilizador da cidadania, logo, da dignidade e da justiça. A Constituição configurou o nascimento de um novo Estado, assim como "a geração daquele grande Leviatã, ou antes (para falar em termos mais reverentes) daquele Deus Mortal, ao qual devemos, abaixo do Deus Imortal, nossa paz e defesa" [75], na forma como Hobbes definiu o nascimento do Estado.

Os dados relativos à implantação e desenvolvimento dos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, bem como os esforços envidados para sua votação, conforme se evidenciará no próximo Capítulo, permitem aduzir que a Constituição da República impregnou-se das condicionantes capazes de garantir-lhe força normativa.

A força da Constituição de 1988 é proporcional à amplitude dos debates que nortearam os trabalhos constituintes, em um processo tendente a reunir partes que originaram o projeto final. Oito comissões e vinte e quatro subcomissões temáticas recolheram sugestões, realizaram audiências públicas e formularam estudos parciais. Em 15/07/1987 a Comissão de Sistematização organizou o primeiro anteprojeto, iniciando o processo formal de tramitação: impasses, negociações e confrontos somaram, ao todo, nas várias fases, 65.809 emendas. Entre junho de 1987 (primeiro anteprojeto) e setembro de 1988 (redação final), foram apresentados nove projetos [76].

Apesar de não ter sido eleita para a desempenhar exclusivamente o poder de constituir que lhe foi delegado, a Assembléia Nacional Constituinte, por sua presença assídua em Plenário, por suas constantes declarações à imprensa e pela provocação de discussões e debates a respeito de muitas das posições assumidas, terminou por criar um sistema de confiança pública, motivador de um apoio consensual, de certa forma difuso, da sociedade brasileira. Se ninguém esteve a favor de todas as medidas adotadas, todos, salvo melhor juízo, aceitaram o processo. Mais de 12 milhões de assinaturas e 112 emendas populares asseguraram soberania, dignidade e pluralismo político à Constituição da República Federativa do Brasil - a primeira a estruturar-se a partir de tamanha base participativa. Pode-se afirmar que os Constituintes atuaram como representantes daqueles que os elegeram.

Nas palavras do sempre citado constitucionalista [77], a Carta de 1988

"É um texto moderno, com inovações de relevante importância para o constitucionalismo brasileiro e até mundial. Bem examinada, a Constituição Federal, de 1988, constitui, hoje, um documento de grande importância para o constitucionalismo em geral. [...]

É a Constituição Cidadã, na expressão de Ulysses Guimarães, presidente da Assembléia Nacional Constituinte que a produziu, porque teve ampla participação popular em sua elaboração e especialmente porque se volta decididamente para a plena realização da cidadania."

A simples constatação da força de sua originalidade e da existência de dispositivos formalizadores de sua supremacia não é bastante para garantir-lhe a efetividade. O fato de aqueles a quem a Lei das Leis incumbiu de cumprir seus comandos a poderem violar constante e impunemente, como vem ocorrendo - tema sobre o qual se discorrerá a seguir -, demonstra que sua supremacia, de fato, somente se efetivará através de um político atuar social, pelo exercício do poder de controle e fiscalização imanente à sociedade, como detentora da autoridade constituinte originária, concretizando, assim, a necessária adequação da Lei Maior à realidade material que lhe dá razão de ser.

2.1.2 Mudança social: Estado de Direito e Estado Social

O conceito de Estado de Direito [78] nasceu da necessidade de se garantir certeza e segurança das liberdades individuais, após as revoluções burguesas do final do século XVIII, com o constitucionalismo do início do século XIX, a partir das idéias que embasaram a formação do pensamento liberal. Enquanto o Estado de Direito se caracteriza pelo individualismo e pela propriedade privada, o Estado Social [79] eleva os direitos fundamentais à esfera de direitos mais amplos - econômicos, sociais, culturais. A liberdade de ir e vir transmuda-se na liberdade do atuar social, do controlar e do fiscalizar o poder público, em prol de um interesse maior, da coletividade. Em todo o mundo, o Estado Social intensifica a regulamentação dos mercados, planifica a economia, cria empregos, fiscaliza e controla a atividade econômica, tende a redistribuir a riqueza.

Contra o individualismo neutralista que caracterizou o Estado liberal insurgiram-se os movimentos sociais da segunda metade do século dezenove, buscando eliminar as injustiças e pugnando por um ideal de justiça social, pela consecução do bem estar social geral (Welfare State). Neste sentido, é de se entender que no Estado Social deva inexistir o dualismo entre Estado e Sociedade (que caracteriza o état gendarme), dado que representa o interagir de ambos; porque, dialeticamente, o Estado encontra seu fundamento na legitimação das aspirações sociais, o que será tão mais viável quanto a Constituição referenciar um sistema de valores passível de nortear sua realização. Na virada do milênio, as Constituições passam, em conseqüência, a dedicar capítulos próprios aos direitos econômicos e sociais, no afã de alcançar objetivos considerados fundamentais, como a construção de uma sociedade livre e solidária, o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza, redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem comum [80].

Cabe notar que Afonso Arinos de Melo Franco, vencido na Comissão de Sistematização da Assembléia Constituinte, preferiu a expressão Estado Social de Direito, significando

"uma evolução da antiga idéia liberal (e restritiva da atuação estatal) visando a atuação do Estado em um sentido transcendente do interesse individual, com a prevalência dos interesses coletivos totais exigindo do Poder Público a efetiva prestação de serviços que visem a diminuir as discriminações, como, por exemplo, educação, saúde, previdência, justiça". [81]

É oportuno destacar a manifesta contrariedade de José Afonso da Silva a respeito do tema, ao ponderar que

"Talvez, para caracterizar um Estado não socialista preocupado, no entanto, com a realização dos direitos fundamentais de caráter social, fosse melhor manter a expressão Estado de Direito, que já tem uma conotação democratizante, mas, para retirar dele o sentido liberal burguês individualista, qualificar a palavra Direito com o social, com o que se definiria uma concepção jurídica mais progressista e aberta, e então, em lugar de Estado Social de Direito, diríamos Estado de Direito Social." [82]

Na passagem da ordem constitucional brasileira, o Estado Social não foi excludente do Estado de Direito, conforme demonstrado, o que se evidencia pela convivência do princípio da soberania e dos direitos fundamentais (art. 1º parágrafo único I a III) com o princípio da democracia econômica, social e cultural, enquanto objetivos da democracia política, também expresso nos incisos IV e V do mencionado art. 1º, assim como nos incisos I a IV do art. 3º, amálgama recorrente nos setenta e sete incisos do art. 5º. [83]

Constata-se que com o evoluir da História evoluiu a teoria constitucional. O Estado, que nos últimos dois séculos teve papel privilegiado de ator absoluto na cena política, agente exclusivo da ordem jurídica, prevalente sobre a sociedade civil, foi instado - pela atual ordem constitucional - a assumir novo papel, relativizado pela posição conquistada pela sociedade civil. As liberdades individuais, consagradas pelo liberalismo que caracterizou os últimos séculos do primeiro milênio, substituem-se pelo exercício dos direitos sociais e, no final do milênio, pelos direitos de terceira geração [84], no processo de democratização progressiva por que vem passando o Estado em todo o mundo.

As transformações políticas e relacionais exigem a mudança das Constituições, e a Constituição brasileira, prevendo a possibilidade de sua própria alteração, reconhece que a sociedade vive um processo dinâmico de câmbios que determinam a mudança de feição do Estado. Idealmente, uma reforma social capaz de preencher o imenso vazio que sempre existiu entre o país formal e o país real que convivem dentro de um mesmo Brasil [85]. Resta verificar qual o grau e dimensão dessa reforma, seus fundamentos de validade e eficácia e de que forma deve realizar-se.

2.1.3 O plebiscito e a revisão constitucional

"Estados têm sido admittidos á União, cada qual com a sua Constituição própria, e vintenas de convenções se tem reunido ou para votarem novas constituições, ou para emendarem e alterarem os instrumentos existentes. [...] Algumas vezes é conveniente a revisão constitucional dos Estados existentes, e quando se tornam necessarias mais que simples emendas, é costume convocar convenções para aquelle fim. Algumas constituições estabelecem o modo de convocar as convenções, e outras tratam do modo pelo qual periodicamente se submete ao povo a questão da revisão". [86]

Dadas as diferentes tendências políticas dominantes no Congresso [87] e no seio da sociedade, a Constituição previu a realização de plebiscito [88], visando à definição pelo povo da forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) a vigorar no País. Em conseqüência, dispôs o art. 3º do ADCT a revisão constitucional que se faria necessária, caso vitoriosa forma não republicana e sistema não presidencialista de governo.

Divergem doutrinadores a respeito da revisão constitucional, conforme prevista no ADCT, alinhando-se em três correntes distintas de opinião, na lição de Luís Roberto Barroso [89]:

- Geraldo Ataliba, Seabra Fagundes e Paulo Bonavides entendem que somente teria lugar uma vez, limitada pelo art. 60, após e em função da realização do Plebiscito; com semelhante entendimento, porém, sem limitação de competência, José Afonso da Silva;

- Marco Aurélio Greco entende tratar-se de uma "reserva de Poder Constituinte originário", que por cinco anos se prolongasse intacto [90];

- o terceiro posicionamento doutrinário é desenvolvido por Michel Temer, para quem a revisão pode dar-se a qualquer momento - e não necessariamente até o quinto ano após a promulgação da Constituição, limitada pelas cláusulas pétreas; nessa direção conclui também Luís Roberto Barroso [91], entendendo que os direitos e garantias individuais a que se refere o art. 60, § 4º extrapolam o art. 5º.

É de se entender que a opção do texto constitucional por definir nesse dispositivo, verbis, "A revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados da promulgação da Constituição" [grifou-se], refere-se à exclusiva hipótese de fazer-se tal reforma necessária se vitoriosa no plebiscito de que trata o art. 2º (realizado em 21 de abril de 1993) outra forma e sistema de governo que não a república presidencialista. Ao definir a revisão, não se referiu o texto a qualquer uma, porém a uma revisão definida, in casu, a que se faria imperiosa se se mudasse a forma e o sistema de governo. Não fora assim e a localização do mencionado dispositivo no ADCT, logo abaixo do art. 2º, seria desinfluente, já que não é de se admitir interpretação topicamente isolada de norma constitucional. Na inteligência de Carlos Maximiliano,

"O Direito Constitucional apoia-se no elemento político, essencialmente instável, a esta particularidade atende, com especial e constante cuidado, o exegeta. Naquele departamento da ciência de Papiniano, preponderam os valores jurídico-sociais. Devem as instituições ser entendidas e postas em função de modo que correspondam às necessidades políticas, às tendências gerais da nacionalidade, à coordenação dos anelos elevados e justas aspirações o povo." [92]

Porém, a resposta ao plebiscito exigiria, necessariamente, a revisão técnica do texto constitucional. De outra forma, não seria cabível o menor quorum exigido para a revisão constitucional (maioria absoluta, em sessão unicameral), comparativamente aos três quintos, em sessão bicameral, exigidos para a aprovação de Emenda Constitucional. Nas palavras de Geraldo Ataliba,

"Tal redução de quorum, por absolutamente excepcional quanto à matéria e quanto à ocasião (uma única e exauriente oportunidade), deve - é óbvio, é evidente - ser interpretada estritamente. Só se aplica a esse momento (designado também singularmente de revisão constitucional) e a essa matéria: forma e sistema de governo.

Tudo isso mostra o caráter sistemático da Constituição e a harmonia, recíproca integração e solidariedade de suas partes e unidade fundamental de seu espírito, provendo que a lei é, verdadeiramente, mais sábia que o legislador.

E evidencia que o art. 3º só pode ser interpretado em conjunto com o 2º, ambos operando como exceções à norma perene do art. 60, sem abalar seu rico e forte § 4º.

A revisão irá abranger, na verdade, apenas e tão somente aquilo que for necessário para dar concreção ao que há foi decidido diretamente pelo povo.

[...] Interpretar diversamente, data venia, é afirmar a quase inocuidade da Constituinte de 1987/88. [...] É dizer que tudo nela [a Constituição] é provisório, é precário. Que ela foi inteirinha feita para valer 'só por cinco anos" [93].

É incontroverso que a Constituição previu a revisão de seu texto cinco anos após promulgada. Independentemente da amplidão e intensidade da revisão prevista - e que não ocorreu -, importa destacar que os artigos 2º e 3º do ADCT consagram a soberania popular expressa como princípio fundamental [94]. Ainda os incisos I e II, do art. 14 e XV, do art. 49 dispõem sobre a primazia da participação popular "direta", prevendo e garantindo a realização de plebiscito e referendo.

A respeito da representação popular, é exemplar o ensinamento do grande mestre Afonso Arinos de Melo Franco, lembrando que, historicamente,

"Entre os precursores mais próximos das Revoluções americanas e francesa, vamos encontrar Locke, Montesquieu e, um pouco mais tarde, Sieyès, como partidários do conceito da chamada tese da soberania nacional, que considera o poder político incorporado na nação, entidade abstrata e diversa do simples agregado concreto dos indivíduos que compõem o povo. A soberania nacional tende para a democracia representativa. Do lado dos que defendem a chamada tese da soberania popular, deparamos sobretudo com a influência de Jean-Jacques Rousseau. Este escritor, na sua obra política capital, que é o Contrato Social, depois de elaborar a tese da soberania na vontade geral sempre renovável, refuta energicamente o princípio da representação, como constituindo uma verdadeira burla ao corpo eleitoral. Para Rousseau, os eleitos não são mandatários, mas simples "comissários do povo" (expressão por ele utilizada e que se viu consagrada na terminologia soviética), os quais exercem suas funções sob a possibilidade de destituição a cada momento. A soberania popular tende, assim, para a democracia direta." [95]

A importância e atualidade do tema são aspectos objetivamente tratados por Hans Kelsen, verbis:

"[...] a democracia direta representa, naturalmente, um grau de democracia muito superior à democracia parlamentar ou indireta, que corresponde ao princípio técnico da divisão do trabalho social. [...] procura-se introduzir no sistema representativo que, apesar de tudo, hoje se impõe, certas instituições que o aproximam da democracia direta; em vez de limitar a grande massa dos titulares dos direitos políticos - "o povo"-, que é, segundo a ficção da soberania popular - sustentáculo da ideologia democrática - a verdadeira detentora da força pública, ao simples ato da eleição do Parlamento, pretende-se fazê-la participar mais diretamente na própria legislação. Com esse fim, as Constituições modernas dão um lugar cada vez maior a duas dessas instituições: a iniciativa popular e o referendum" [96].

Se a democracia direta praticada nas ágoras atenienses, pelos gregos, é hoje inviável, em razão das contingências demográfica e urbana, a participação popular é possível - e reiteradamente desejada pela Lei das Leis -, através de institutos como plebiscito, iniciativa legislativa popular, júri, escabinato, participação de entidades da sociedade civil em órgãos colegiados administrativos, atuação de sindicatos e órgãos de representação profissional na defesa de interesses individuais homogêneos e coletivos. Essa participação é almejada como fonte viva de legitimidade e supremacia, conforme se depreende da leitura de inúmeros dispositivos constitucionais [97]:

Não obstante fundar-se em valores liberais, a Constituição de 1988 preconiza um Estado Social. Consagrando a soberania popular, prevê e pressupõe, reiteradamente em dezesseis dispositivos distintos (além de outros, complementares, não considerados no rol da nota 49 acima, como o art. 49, XV, por exemplo), a participação popular como forma de atuar político garantidor de legitimidade. Proporcionalmente aos 247 artigos da Constituição, o elenco supra referido equivale a aproximadamente 6,5% do conjunto dos dispositivos constitucionais. Por óbvio, dos 16 artigos de que se trata, há uma maioria atinente ao Título VIII - Da Ordem Social (artigos. 204 II, 206 VI, 216 § 1º e 231 § 3º). Porém, os 3/4 restantes disseminam-se por quase todo o texto constitucional, excetuando-se, também por óbvio e por sua eminência técnica, os Títulos V - Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, que trata dos Estados de Defesa e de Sítio, das Forças Armadas e da Segurança Pública e VI - Da Tributação e do Orçamento.

Como exemplificação e adotando a mesma técnica reiterativa, cabe ressaltar que a participação popular é prevista no Títulos I - Dos princípios fundamentais; II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais; III - Da Organização do Estado; IV - Da Organização dos Poderes; VII - Da Ordem Econômica e Financeira; VIII - Da Ordem Social; é pressuposto da ação governamental em seis hipóteses (artigos 31 § 3º, 187, 204 II, 206 VI, 216 § 1º e 231 § 3º).

Além da participação popular, são exemplos do que se vem afirmando os Capítulos relativos à Ordem Social, bem como a forma reiterada com que se define um verdadeiro sistema constitucional de valorização e proteção do meio-ambiente, com a previsão de processo de desenvolvimento sustentável (arts. 3º II e III, 5º LXXIII e LXXI, 129 II, 170 VI, 186 II, 23 III e IV, 24 VI, 225). Ainda, destaque é de ser dado à relativização da propriedade em face da função social que esta deve desempenhar (arts. 156 § 1º, 170 III, 182 § 2º, 184, 185 parágrafo único, 186 I a IV, 243).

Quanto à definição e realização de um novo modelo de Estado, que insitamente prevê, a Constituição indica dialeticamente o caminho a seguir: o da participação popular, capaz de garantir e evidenciar o compromisso entre os interesses conflitantes dos diversos e complexos grupos sociais - conforme experimentado pela Constituinte -, assegurando um mínimo de critérios e de valores comuns e legitimando as opções realizadas.


CAPÍTULO 3 - A VONTADE DA CONSTITUIÇÃO

"Ao encerrar um período de contradições e desrespeito à identidade, à liberdade e à justiça devidas ao nosso Povo, a Constituição apaga quaisquer resquícios de passadas lutas, para que o Estado se torne instrumento de união política, dentro da pluralidade social, justa e fraterna". Afonso Arinos de Melo Franco [98].

O momento histórico que levou à convocação da Assembléia Nacional Constituinte de 1987 [99], na seqüência de intensa campanha deslanchada pelos partidos políticos e alimentada por órgãos da sociedade civil organizada, como associações de classe, OAB, igrejas de diversas confissões, entidades estudantis, sindicais, foi etapa do processo de desenvolvimento da maioridade social, política e cultural do Brasil, que buscava forjar as bases de uma sociedade mais estável, cujas instituições se estruturassem com a solidez necessária para o enfrentamento dos desafios do mundo em processo de globalização.

Para melhor se compreender, no mínimo pretendido pelos limites do presente trabalho, o complexo contexto social e político em que se insere, hoje, a questão da reforma do Estado, cabe lembrar o modelo excludente de desenvolvimento imposto ao país a partir do regime militar de 1964, que se caracterizou pela produção voltada para os setores de maior poder aquisitivo, não representando uma resposta às necessidades de consumo da maioria da população brasileira, até hoje situada entre as de menor renda em nível mundial [100]. Modelo de desenvolvimento perseguido e mantido pelos diversos governos civis, até os dias atuais.

3.1 A transição

"[...] o tema da reforma política passou a ocupar lugar de destaque na agenda do processo de estruturação de um regime democrático no Brasil. Reformar a política (o Estado, o sistema político, a cultura política) tornou-se sinônimo de construir o regime democrático de que o País necessitava.

[...] A transição democrática não viabilizara a reforma política e a edificação de um regime novo, embora houvesse eliminado o arcabouço institucional e as práticas do antigo regime autoritário e delineado uma Constituição com claras inclinações democráticas e sociais. [...] A construção da democracia será vivenciada por uma sociedade dilapidada pela crise, composta por tempos históricos diversos, mal articulada politicamente e despreparada para imprimir uma rápida ruptura com o autoritarismo." Marco Aurélio Nogueira [101].

O esgotamento do modelo de governo militar deu-se simultaneamente à fermentação e multiplicação de crises econômicas constantes em todo o mundo, caracterizadas por recessão e inflação permanente. A sociedade brasileira, não obstante sua força mobilizadora em momentos de intensa gravidade política, como no processo de impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, ainda não emergira sob forma de um movimento de massas expressivo e sólido [102]. O Brasil forjava um projeto normativo de democracia social no momento em que se encontrava ainda no início do caminho de seu processo de desenvolvimento [103].

A respeito, ensina Marco Aurélio Nogueira que

"A transição, na verdade, havia começado (ainda nos anos 70, quando do projeto distensionista do governo Geisel) num momento especialmente delicado da vida nacional, quando já reverberavam as conseqüências das opções políticas feitas pelo regime autoritário. Como se sabe, os sucessivos governos militares promoveram um inegável desenvolvimento capitalista no País, mas não foram competentes [104] para diminuir a miséria e a desigualdade social, nem para liberar a economia de seus crônicos problemas e de sua dependência. Ao invés disso, reproduziram os traços mais perversos da história nacional e criaram muitas outras mazelas. Estimularam a fragmentação da sociedade em compartimentos estanques, presos a interesses particularistas e desejosos de um diálogo direto com o Estado, sem a mediação de partidos ou instituições representativas. Ajudaram a desvalorizar a política e a democracia, exacerbando os piores traços da história nacional. Como se não bastasse, houve o impacto da crise recessiva iniciada na própria fase inaugural da abertura, entre 1973 e 1974, e a marcha progressiva da inflação; com isso, o País ingressou numa espécie de guerra de todos contra todos fundada na desvalorização do trabalho e do investimento produtivo em benefício da especulação e da "esperteza". [105]

Nesse contexto, a Constituinte foi chamada para dotar o Brasil de instituições que viabilizassem sua entrada no século XXI como uma sociedade adulta, madura e moderna, de forma contrastante com a realidade de um país insuficientemente desenvolvido e duramente empobrecido por anos de recessão. A nova Constituição deveria evitar erros do passado, representando - mesmo ao preço de uma exaustiva e redundante repetição de muitos de seus dispositivos e normas - necessária imantação contra golpes, abusos, excessos, desvios, violências, imoralidade pública, desmandos, impunidade, distanciamento da cidadania e artificialismo, entre outros, que caracterizaram a História brasileira e, muito recentemente, as quase três décadas de autoritarismo militar.

É de se compreender o fato de grande parte dos Constituintes de 1987 terem levado a cabo essa tarefa, muitas vezes, impulsionados pela paixão. Neste sentido, falou o Dr. Ulysses Guimarães à Assembléia Nacional, em 02.09.1988, às vésperas da promulgação da Constituição da República, por todos:

"Em nome dos Constituintes, seus pais, com amor, ternura e fé, dizemos à recém-nascida:

Seja amparo dos fracos e injustiçados e o castigo dos fortes e prepotentes.

Expulsa a ditadura do Brasil, pela prática do ofício público com honestidade, competência, compromissos sociais e pela autoridade do exemplo, mais do que pelo ruído das palavras.

Seja escola para as crianças analfabetas, igualdade para as mulheres e minorias discriminadas, salário condizente com a distribuição de renda para os trabalhadores, proteção e estímulo para o empresariado, seguridade para todos os brasileiros, inclusive onze milhões de aposentados abandonados.

[...] Não fique somente nas estantes, saia, ande, escute, olhe mais do que escute, mais vale ver uma vez do que ouvir cem vezes.

Saia da Assembléia Nacional Constituinte, seu berço, para o serviço, o progresso e a segurança social e política da pátria" [106]. (Grifaram-se).

O confronto entre a experiência parlamentarista brasileira vivida no Império e o presidencialismo excessivamente concentrador de poderes inaugurado na República, a partir de Deodoro, levou os Constituintes a optarem pelo parlamentarismo, como sistema de governo [107]. Na opinião de Hélio Jaguaribe, "indubitavelmente, do ponto de vista institucional, o Império funcionou muito melhor que a República. Funcionou com outra tranqüilidade, outra continuidade, outra responsabilidade". [108]

Porém, assim como a própria sociedade, que apesar de haver ganho densidade organizacional, enquanto sociedade civil organizada (em associações de base, sindicatos, entidades estudantis, agremiações políticas), mantinha profundas desigualdades e desnivelamentos (analfabetismo, clientelismo, submissão eleitoral e civil etc), assim também as forças políticas que a representavam fizeram do Congresso Nacional um espaço plural e conflitivo de ideologias e interesses [109]: o parlamentarismo não passou, prevalecendo o presidencialismo, com o qual surgiram e se consolidaram as instituições brasileiras e se desenvolveu o concentracionismo político e econômico que caracteriza a República brasileira [110].

Em decorrência desse momento de transição, em que se (re)discutiram as bases da própria Nação, embutiram-se dispositivos que previram, além do plebiscito do art. 2º do ADCT, a revisão da própria Lei Fundamental, sendo assim postergada a conclusão do processo constitucional sem que se concluísse o debate (e se chegasse a um consenso, ao "acordo continuamente renovado" de que cuida Norberto Bobbio [111]) sobre questões fundamentais, como a centralização/ descentralização dos poderes/deveres e o pacto federativo, entre outros. Esses problemas permanecem na ordem do dia da pauta política brasileira [112], por representarem exigências contraditórias: de um lado, a de se dotar o país de instituições sólidas e estáveis e, de outro, a de se viver uma época de mudanças aceleradas.

A Constituinte precisou também responder ao desafio de assegurar solidamente, como jamais até então, um amplo elenco de direitos sociais, visando à proteção da população, à erradicação da miséria e da indigência, quando a realidade econômica informava ser tal projeto inviável, por incompatível com a escassez de recursos econômicos.

O desafio da Constituinte de 1987 continua atual, na medida em que não se compatibilizaram, todavia, os processos de estabilização normativa e de aceleração das mudanças. Desafio que parece maior pelo fato de um só poder - o Executivo, na figura do presidente da República -, de forma cada vez mais exacerbada, incumbir-se dessas responsabilidades, quais sejam, estabilizar as instituições e acelerar a mudança social, agudizando uma contradição de base, dado que o Estado deve ser o reflexo da Sociedade, não o contrário.

3.2 A Constituinte: o trabalho das Comissões

"[...] a Constituição será constituinte e societária. Sua feitura transitará por cinco crivos e cadinhos: vinte e quatro subcomissões, oito comissões temáticas, uma comissão de sistematização, discussão e votação plenária em dois turnos.

Semelhantes e sucessivas instâncias de meditação e reforma são janelas para a sociedade, para receber os ventos, senão a ventania, da oxigenação, das mudanças e da interação". Ulysses Guimarães [113].

A Assembléia Nacional Constituinte compôs-se de 559 Constituintes [114], dos quais 487 Deputados e 72 Senadores, tendo sido eleita por quase 70 milhões de eleitores, com o seguinte perfil:

Partidos [115]

Senadores

Deputados

Totais

01

PMDB

045

260

305

02

PFL

015

117

132

03

PDS

005

032

037

04

PDT

002

024

026

05

PTB

001

017

018

06

PT

----

016

016

07

PL

001

006

007

08

PDC

001

005

006

09

PCB

----

003

003

10

PCdoB

----

005

005

11

PSB

001

001

002

12

PMB

 

001

----

001

13

PSC

----

001

001

Totais

072

487

559

Cabe lembrar, mais uma vez, as palavras do Dr. Ulysses Guimarães, dirigidas ao então presidente da República, José Sarney, em 26.07.1988:

"Quando iniciamos a votação do segundo turno do projeto da futura Constituição, testemunho o trabalho competente e responsável dos constituintes [...]. Trinta e nove mil emendas estudadas e apresentadas documentam esse extraordinário esforço e empenho posto pelos constituintes em contribuir conscienciosamente para a qualidade do texto. Foi longa a travessia de dezoito meses. Cerca de 5,4 milhões de pessoas livremente ingressaram no Congresso Nacional. [...]

O projeto submetido a segundo turno é longo - 321 artigos - versando matéria complexa e tantas vezes controvertida.

Inevitavelmente abriga imperfeições, previamente previstas com a instituição de um segundo turno revisionista e pelo número de emendas e destaques apresentados." [116]

A leitura das Atas da Constituinte informa da seriedade e responsabilidade com que a maioria dos membros das diversas Comissões conduziram os trabalhos. Manifestando seu descontentamento por não poder contar com o prévio esforço da Comissão Provisória de Estudos Constitucionais (o anteprojeto da Comissão Afonso Arinos deveria ser seu texto-base), os Constituintes debateram entre si e com a sociedade civil, de forma muitas vezes exaustiva, como se verá a seguir, os diversos pontos de uma pauta que surgiu da discussão de uma temática regionalmente priorizada e da realização de diversos seminários e audiências com instituições e órgãos especializados. Essa interação é preocupação de parte expressiva dos Constituintes, conforme se denota do pronunciamento a seguir:

"O Brasil de hoje é [...] o da associação de bairros, que busca a participação do Governo nos seus anseios, é o Brasil da comunidade eclesial de base, procurando transferir para o Governo o ônus da miséria, da pobreza, do desnível, da descompensação dos vários brasis que existem no Brasil. Devemos encontrar uma fórmula de transferir isso à Administração." Constituinte Humberto Souto, membro da Comissão da Organização do Estado [117].

É de se ressaltar que a Assembléia Nacional Constituinte de 1987, não obstante o fato de a maioria de seus membros cumprir um primeiro mandato [118], do complexo contexto de relações sociais e institucionais não raro permeadas por interesses de grupos oligárquicos, que historicamente se mantiveram na base do poder, do "lobismo" que sempre caracterizou "barganhas políticas" no Brasil, mais do que qualquer outra, foi representativa do contexto político, social e cultural em que se inseriu, por ter

- abrigado parlamentares de todas as Regiões do País, participando de todas as Comissões temáticas, de cuja contribuição resultou o esboço de um variegado painel dos contextos locais, das necessidades e disponibilidades de cada estado, de cada município;

- promovido a realização interna corporis de painéis e seminários intensivos, em função das temáticas específicas, com a participação de conferencistas expertos de entidades culturais e associativas, órgãos de governo etc;

- absorvido a resposta de constantes consultas dos parlamentares às suas bases locais e regionais, impregnadoras de seu discurso político;

- recebido constantemente, pelo canal institucional que os parlamentares representavam, a contribuição dos diversos Entes Políticos, na pessoa de governadores, prefeitos, presidentes e diretores de órgãos públicos, bem como da iniciativa privada;

- acolhido expressivo número de emendas populares, totalizando mais de 12 milhões de assinaturas, eqüivalendo a cerca de 12% do eleitorado brasileiro à época;

- processado 61.020 emendas parlamentares [119];

- elaborado e discutido vários projetos que, através de debates sucessivos, amadureceram o texto final da Lei Maior.

Na falta do texto-base oficial elaborado pela Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, decidiram seus membros, em Sessão Plenária, servir-se da Constituição de 1946 como início de roteiro, ao qual acrescentariam propostas dos partidos políticos e da sociedade civil, para o que: a) formularam convites a Ministros e a representantes de categorias profissionais e de classes, como a OAB, órgãos sindicais colegiados, para reunirem-se com cada Subcomissão e com as diversas Subcomissões e as respectivas Comissões, conjuntamente; b) definiram calendário de audiências públicas, a serem convocadas tanto por iniciativa das entidades civis como por iniciativa das Comissões; c) estabeleceram cronogramas rígidos de trabalho; d) encaminharam convites a Governadores de Estados e Territórios, às Superintendências Regionais e a jornalistas e profissionais de comunicação. [120]

Esse quadro revela que a Assembléia Constituinte de 1988, por força das injunções e na falta de um texto-base oficial, pela primeira vez na história das Constituintes brasileiras, partiu do específico para o geral, logrando ser, na prática, o que vaticinaram as palavras idealistas do Dr. Ulysses Guimarães, "societária e oxigenada pela ventania das mudanças e da interação":

"[...] diariamente cerca de dez mil postulantes franquearam, livremente, as onze entradas ao enorme complexo arquitetônico do Parlamento, na procura dos gabinetes, comissões, galerias e salões.

Há, portanto, representativo e oxigenado sopro de gente, de rua, de praça, de favela, de fábrica, de trabalhadores, de cozinheiras, de menores carentes, de índios, de posseiros, de empresários, de estudantes, de aposentados, de servidores civis e militares, atestando a contemporaneidade e autenticidade social do texto que ora passa a vigorar." Ulysses Guimarães [121]. pronunciamento na data da promulgação da Constituição.

Foi, no entender de Paulo Bonavides,

"[...] uma praça de interesses, uma feira nacional de serviços, uma bolsa de vantagens, onde tudo se disputou politicamente palmo a palmo, da forma mais direta, crua e objetiva possível, mas sempre por meios pacíficos e consensuais, mediante decisões majoritárias, todas elas numericamente expressivas, nunca inferiores a duzentos e oitenta votos no cômputo dos quinhentos e setenta delegados que compunham o efetivo da Constituinte". [122]

Os dados a seguir oferecem mais ampla visão da composição da Assembléia Nacional Constituinte, expressando a representatividade das Regiões e dos Estados, a partir da bancada de Deputados eleitos [123]:

Nº de Deputados à Assembléia Constituinte, por Região e por UF

Região

UF

Deputados

Região

UF

Deputados

Norte

49 deputados

AC

008

RN

008

AM

008

SE

008

AP

004

Centro-Oeste [124]

41 deputados

DF

008

PA

017

GO

017

RO

008

MT

008

RR

004

MS

008

Nordeste

152 deputados

AL

010

Sudeste

168 deputados

ES

010

BA

039

MG

053

CE

022

RJ

045

MA

018

SP

060

PB

012

Sul - 77

deputados

PR

030

PE

025

RS

031

PI

010

SC

016

Relevo deve ser emprestado ao fato de que, proporcionalmente, as bancadas tiveram, na Assembléia Nacional Constituinte, o peso de sua representatividade regional, considerados os insumos demográficos à época, a saber:

Quadro comparativo das bancadas regionais de deputados à Assembléia Constituinte

Região

População (em milhões de hab.)

% da população nacional

Deputados eleitos

% do total de Deputados

Norte

010

006,9

049

010,06

Nordeste

042

029,0

152

031,21

Centro-Oeste

009

006,4

041

008,41

Sudeste

062

042,6

168

034,5

Sul

022

015,1

077

015,82

Totais

145

100,0

487

100,0

Obs.: Os dados demográficos referem-se ao censo de 1991 - cujos resultados espelham melhor a densidade populacional de 1987 do que os do censo anterior, de 1980 - e expressam-se números arredondados pelo limite menor. (Fonte: Almanaque Abril. São Paulo: Abril, 1993).

A clareza dos números evidencia que o peso das bancadas regionais correspondeu à sua proporção, relativamente à população nacional. É de se observar a maior representatividade comparada das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, em contraponto com a bancada da Região Sudeste, histórica e politicamente dominante, corroborando a assertiva feita acima da expressão regional da Assembléia Nacional Constituinte, relativizada no quadro supra.

Quanto às emendas populares inovou o Regimento Interno, no artigo 24, admitindo apresentação de propostas ao Projeto de Constituição (com direito à palavra a um dos signatários por vinte minutos), à condição de conterem no mínimo trinta mil assinaturas, com a chancela de três entidades associativas, podendo cada eleitor subscrever até três propostas [125]. Tal opção de certa forma confirmou vontade manifesta na Assembléia, no sentido da viva participação da sociedade na construção de sua Carta Política, conforme se pode denotar das palavras do Senador pelo PMDB pelo Paraná, Affonso Camargo, ao apresentar proposta regimental de

"obrigatoriedade regimental de se assegurar a todos os cidadãos brasileiros filiados a partido, mediante o preenchimento de condições mínimas, o direito de subscrever propostas à Constituinte, com qualquer parlamentar detentor de mandato.

Tal idéia ocorreu-me diante da verificação, facílima, de que o pluripartidarismo brasileiro, como sistema, tornou-se tênue e ambíguo. Assim como está, sustentando-se tão mal, num cipoal de tão grandes confusões, já não tem condições de ser um canal de comunicação da sociedade e de compreender esse momento de corte, o evento sociológico que estamos vivendo com as discussões das nossas novas leis e regras de convivência." [126]

Ao todo, foram apresentadas 122 emendas, totalizando 12.277.423 subscritores e 426 entidades apoiantes. O quadro a seguir revela tanto a diversidade temática das propostas (observe-se que abordam reiteradamente questões sociais amplas, mesmo quando defendendo interesses corporativos, como no caso da aposentadoria das donas de casa de Salvador ou de benefícios das empregadas domésticas de São Paulo), como de seus proponentes (desde um cidadão baiano, a entidades corporativas como associação de funcionários, estudantis, representativas de comunidades de base, à SBPC):

Emendas Populares à Assembléia Nacional Constituinte de 1987

Proposta

Proponente

Assinaturas

Direitos da criança

Comissão Nacional da Criança e Constituinte

1.200.000

Aposentadoria das donas de casa, contribuintes da Seguridade Social

Associações de donas de casa de Salvador, Bahia

132.528

Defesa do desarmamento nuclear mundial

Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência

62.318

Questão Indígena (2 propostas)

Conselho Indigenista Missionário e por Instituições de Antropólogos, Geólogos e Cientistas

44.948 e 43.046, respectiv.

Participação dos trabalhadores no lucro real das Empresas

Associação dos Funcionários do Banco do Brasil e outras

42.226

As Forças Armadas não podem intervir na vida política do País, eis que se destinam à defesa da Pátria contra agressão externa [...]

União Nacional dos Estudantes

31.885

A Lei disporá sobre a criação de Delegacias de Defesa dos Direitos do Cidadão

Um cidadão baiano

30.000

Escola comunitária como escola pública alternativa

Movimento de Defesa dos Favelados de Salvador, Bahia

23.042

Benefícios da Previdência Social aos trabalhadores domésticos

Associação de Empregados Domésticos de São Paulo

10.402

Preservação e cultivo de plantas medicinais, assim como a prática e o desenvolvimento da medicina não-alopática ou natural, inclusive com o amparo técnico e financeiro do Estado

Instituto Brasileiro de Medicina Natural, Belo Horizonte, Minas Gerais

3.252

Das 122 emendas populares apresentadas, 34,43% (42 emendas) foram aprovadas, 33,60% (41 emendas) foram rejeitadas, 2,46% (3 emendas) foram prejudicadas e 29,51% (36 emendas) foram inadmitidas por falta de requisitos regulamentares.

Além do mais, ao longo do processo interno de discussão e votação das propostas e projetos, foram apresentadas emendas de parlamentares totalizando 61.020 emendas. A título de ilustração do que se alega, ao segundo Projeto Substitutivo do Relator de setembro de 1987, tão somente, foram apresentadas 14.578 emendas, das quais 10.508 (72,08%) foram rejeitadas, 3.392 (23,27%) foram aprovadas, 666 (4,57%) foram prejudicadas, tendo 12 emendas (0,08%) sido retiradas por seus proponentes.

A Assembléia organizou-se em oito grandes comissões temáticas, segundo critérios que determinariam a estrutura da Constituição [127], composta cada uma por 63 membros titulares e 63 suplentes, nos termos de seu Regimento Interno, subdividas em três subcomissões, a saber:

Comissões e Subcomissões temáticas reunidas na Assembléia Nacional Constituinte de 1987

Comissões

Subcomissões

Comissão de Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher

  1. da nacionalidade, da soberania e das relações internacionais;
  2. dos direitos políticos, coletivos e garantias;
  3. dos direitos e garantias individuais.

Comissão da Organização do Estado

  1. da União, do Distrito Federal e Territórios;
  2. dos Estados;
  3. dos Municípios e Regiões.

Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo

  1. do Poder Legislativo;
  2. do Poder Executivo;
  3. do Poder Judiciário e do Ministério Público.

Comissão da Organização Eleitoral, Partidária e Garantia das Institui-ções

  1. do sistema eleitoral e partidos políticos;
  2. da defesa do estado, da sociedade e de sua segurança;
  3. de garantia da Constituição, reformas e emendas.

Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças

  1. de tributos, participação e distribuição de receitas
  2. de orçamento e fiscalização financeira;
  3. do sistema financeiro.

Comissão da Ordem Econômica

  1. de princípios gerais; intervenção do Estado, regime da propriedade do subsolo e da atividade econômica;
  2. da questão urbana e transporte;
  3. da política agrícola e fundiária e da reforma agrária.

Comissão da Ordem Social

  1. dos direitos dos trabalhadores e servidores públicos;
  2. da saúde, seguridade e do meio ambiente;
  3. dos negros, populações indígenas, pessoas deficientes e minorias.

Comissão da Família, da Educação, Cultura e Esportes, da Ciência e Tecnologia e da Comunicação

  1. da educação, cultura e esportes;
  2. da ciência e tecnologia e da comunicação;
  3. da família, do menor e do idoso.

Visando a confirmar o que se aduziu a respeito da representatividade do contexto político, social e cultural da Constituinte, descreve-se a seguir a sistemática desenvolvida pela Subcomissão dos Municípios e Regiões, da Comissão da Organização do Estado [128], para a elaboração e votações do texto final do anteprojeto apresentado à Constituinte:

- Realizaram-se oito painéis, com duração de quatro horas cada, com palestrantes de vários municípios brasileiros, expertos em administração e gestão municipal (IBAM e entidades congêneres, prefeituras) e participação de membros da sociedade civil organizada. Ao todo, trinta e duas entidades participantes debateram, juntamente com os membros da Subcomissão, o seguinte temário: a) O município e a Constituinte ; b) As regiões metropolitanas; c) O vereador e a Constituinte; d) Disparidades municipais; e) O município a reforma tributária; f) Aglomerados urbano; g) Apoio e articulação regionais; h) Associativismo microrregional de municípios.

- Foram realizadas dezenove reuniões plenárias, em que se apresentaram 220 emendas. Ao todo, 364 sugestões constitucionais foram encaminhadas.

Ao cabo do empreendimento, a Comissão da Organização do Estado, para discutir e aprovar o texto final apresentado à Constituinte, a partir dos anteprojetos apresentados pelas três Subcomissões em que se dividira,

- examinou 556 (quinhentas e sessenta e seis) emendas, das quais 12,94% (72 emendas) foram acolhidas na íntegra, 30,6% (170 emendas) o foram parcialmente, 44,6% (248 emendas) foram rejeitadas e 11,86% (66 emendas) foram prejudicadas;

- publicou em junho de 1987, como Encarte do Jornal da Constituinte, a compatibilização das matérias aprovadas pelas Comissões temáticas;

- apresentou o Projeto Substitutivo do Relator em setembro de 1987;

- apresentou os Projetos da Comissão de Sistematização A em novembro de 1987 e B em julho de 1988, cada qual com substitutivo do Relator, emendas e pareceres sobre as emendas apresentadas.

É oportuno ressaltar que, com o intuito de se fornecer à Constituinte um maior número de sugestões populares, se desenvolveu, no âmbito do Senado Federal, o projeto SAIC - Sistema de Apoio Informático à Constituinte [129], que visou à valorização do papel da sociedade no processo constituinte. O projeto distribuiu quinze milhões de formulários (cerca de 15% do eleitorado nacional), proporcionalmente à população de cada município brasileiro, em três fases, a saber, a partir de 01.02.1986, de 01.06.1986 e entre 01.08.1986 e 05.01.1987 (a quatro semanas da instalação da Constituinte), por intermédio das Prefeituras, Assembléias Legislativas e Agências dos Correios. Ao todo, foram devolvidos ao projeto 72.719 formulários, com dados relativos a sexo, origem urbana ou rural da população, grau de instrução, estado civil, faixa etária, faixa de renda, atividade ocupacional, Estado e Município de domicílio, contendo sugestões discursivamente individualizadas, os quais foram indexados, classificados e cruzados pela equipe do SAIC, permanecendo à disposição da Assembléia Nacional Constituinte já desde antes de sua instalação. Mesmo em se tratando de projeto de autoria institucional, logo, dirigido de alguma forma, criticável pela homogeneidade de sua clientela (tendo como canais de veiculação apenas órgãos públicos, terminou por, de uma certa maneira, concentrar uma população ligada por laços relacionais burocráticos), cujas respostas são valoráveis ponderadamente, se contrapostas às manifestações espontâneas da sociedade civil que permearam todo o processo de trabalho constituinte, o resultado do SAIC é inegavelmente expressivo, menos pelo peso quantitativo da amostra que configurou, do que pela qualificação individualizada da população concernida, distribuída proporcionalmente pelos municípios brasileiros.

3.3. O Estado desejado

"A Constituição de 1988, com suas virtudes e imperfeições, teve o mérito de criar um ambiente propício à superação dessas patologias e à difusão de um sentimento constitucional, apto a inspirar uma atitude de acatamento e afeição, em relação à Lei Maior. [...]

A patologia do autoritarismo, aliada a certas concepções doutrinárias retrógradas, haviam destituído outras constituições de sua força normativa, convertendo-as em um repositório de promessas vagas e exortações ao legislador infraconstitucional, sem aplicabilidade direta e imediata. A Constituição de 1988 teve o mérito elevado de romper com este imobilismo. Embora ainda existam disposições inoperantes, a Constituição em vigor, tanto quanto carta de direitos como instrumento de governo, é uma realidade viva, na prática dos cidadãos e dos Poderes Públicos." Luís Roberto Barroso [130]

Como qualquer Constituição, a Carta de 1988 espelha a sociedade brasileira com todas as suas intranqüilidades, preocupações, instabilidades, deficiências de formação e de prática política. É o resultado das características de cada constituinte somadas aos desdobramentos e mediações das pressões políticas e sociais que atuaram sobre eles durante os quase dois anos de trabalho na elaboração do novo texto constitucional. Nenhuma outra Carta esteve como a de 1988 - produzida pela sociedade e não imposta pelo Estado - tão perto de refletir as forças reais do poder.

Apresentou pontos negativos, resultando em um texto excessivamente detalhista [131], sobretudo nos mais de setenta artigos do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Como reflexo dos intensos e variados lobbies (que, se por um lado lhe imprimiram caráter densamente democrático, paradoxalmente, por outro, fizeram com que se impregnasse de disposições corporativistas), expressou inúmeras e dispersas regras protetivas de interesses de categorias profissionais e econômicas, como advogados, armadores, delegados de polícia, oficiais generais, polícias federal, rodoviária, ferroviária, civil, militar, corpo de bombeiros, cartórios de notas, entre outros. Ainda, revelou-se tímida e impotente quanto a matérias emergenciais, como um pacto federativo mais legítimo e efetivo [132], por exemplo, sobretudo em razão das contradições e dos interesses conflitivos, não raro corporativos, a que grande parte dos integrantes da Assembléia Constituinte eram permeáveis.

Importa ressaltar que, afinal, muitas das vicissitudes atribuídas ao texto constitucional de 1988 se devem à fragilidade de um país (e de suas instituições) marcado por constantes crises políticas e pelo desequilíbrio historicamente constante das relações sociais em seu interior, conforme demonstrado no Capítulo 1.

Não obstante seus defeitos e imperfeições, a Carta de 1988 é plena de conteúdos positivos e

"[...] mudou na sua elaboração, mudou na definição dos poderes, mudou restaurando a federação, mudou quando quer mudar o homem em cidadão e só é cidadão quem ganha justo e suficiente salário, lê e escreve, mora, tem hospital e remédio, lazer quando descansa. [...]

A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança." Ulysses Guimarães [133].

A Carta de 1988 inovou, como nenhuma outra, quanto à recuperação e consolidação das liberdades públicas, inclusive no que tange à inserção de novas garantias constitucionais, como habeas data e o direito de certidão, o mandado de segurança coletivo e a constitucionalização da ação civil pública, ampliando os instrumentos de proteção dos direitos individuais e coletivos, inclusive dos direitos difusos, de terceira geração, que abrigam domínios socialmente cruciais, como a solidariedade, o desenvolvimento, o meio-ambiente, o consumo.

É oportuno observar que, no que pertine aos princípios, direitos e garantias fundamentais (Títulos I e II), entronizou na ordem constitucional brasileira princípios fundamentais como liberdade, solidariedade e justiça social, desenvolvimento nacional e regional, erradicação da pobreza e da marginalização e não-discriminação social, princípios regentes específicos das relações internacionais e integração latino-americana, vedação da tortura, inviolabilidade da vida privada, da honra e da intimidade da pessoa humana, função social da propriedade, devido processo legal, princípios constitucionais processuais civis e penais, entre muitos outros elencados no artigo 5º [134].

Pela repartição das competências federativas, ampliou os mecanismos de distribuição do poder entre os Entes Políticos - União, Estados e Municípios. Até então, o presidente da República detinha uma competência tão extensa que terminava por monopolizar as decisões de maior relevo, restando ao Congresso Nacional um papel secundário (apesar de a eleição do Chefe do Executivo Nacional incumbir ao Colégio Eleitoral [135]), bem como reduzida autonomia política e financeira aos Estados. Quanto aos Municípios, ganharam status de componentes estruturais da Federação [136], com autonomia política, administrativa e financeira [137].

No campo da administração pública, inovou também o texto constitucional, fixando os princípios a que os Entes Políticos e seus órgãos, seja no âmbito da administração direta e indireta, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios devem submeter-se.

Quanto à organização política e social, tencionou reduzir o desequilíbrio entre os Poderes da República, transformando o que foi Governo de um só Poder - característica do regime autoritário anterior - em um Governo dos três Poderes, fortalecendo a autonomia e independência do Poder Judiciário, ampliando as competências do Poder Legislativo, sem prejuízo da capacidade legislativa do Poder Executivo, que preservou, seja pela manutenção da delegação legislativa prevista no inciso IV do art. 59 [138], seja pela instituição das medidas provisórias, sucedâneo dos decretos-leis, com os quais o Estado Novo (de 10.11.1937 a 29.10.1945) e os governos militares (de 27.10.1965 a 05.10.1988) [139] legislaram.

Fortaleceu a autonomia e a independência do Judiciário, acentuando o papel de corte constitucional que destinou ao Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição nos termos do art. 102, criando o Superior Tribunal de Justiça, transformado em guardião do Direito federal comum, ao qual transferiu - entre outras - a atribuição de uniformizar a interpretação do direito infraconstitucional federal e os Tribunais Regionais Federais, especializando a Justiça Federal. Em especial, seguindo sua vocação social, a Constituição de 1988 instituiu a Defensoria Pública como órgão integrante do Poder Público, incumbido da orientação jurídica e da defesa, em todos os graus, dos direitos dos juridicamente necessitados que tutela, no caminho de uma cidadania plena.

Ampliou as competências do Legislativo, devolvendo ao Congresso Nacional e às suas Casas prerrogativas que lhes subtraíra a Constituição revogada. Entre as diversas atribuições expressas ao Congresso Nacional, pela Constituição de 1988, sobressai a exclusiva competência para sustar a eficácia de "atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa", nos termos do art. 49, V, litteris.

A nova Carta, dessa forma, reduziu o desequilíbrio entre os Poderes da República que, durante os anos de regime militar autoritário, determinara um desproporcional aumento do Poder Executivo, em decorrência da retirada de garantias e atribuições dos Poderes Legislativo e Judiciário.

Visando à manutenção de instrumentos agilizadores da decisão legislativa em função do interesse público, o Texto de 1988 manteve a capacidade legislativa do Executivo, através da edição de leis delegadas e de medidas provisórias com força de lei, para atender a situações de "relevância e urgência", nos termos do art. 62.

Porém, o Poder Legislativo não tem logrado êxito na tarefa de examinar essas Medidas:

- de um lado, pela exigüidade do prazo de trinta dias de que dispõe, dada a intensidade com que o Executivo as edita, transformando-as em meio regular e cotidiano de governo [140];

- de outro, pelas relações de dependência e timidez do Poder Legislativo diante de um Executivo historicamente mais autoritário e controlador de fantásticos recursos representados por programas sociais;

- ainda, em razão da falta de representatividade do espectro partidário e o não-enraizamento social dos partidos mais importantes, em sua grande parte ideologicamente descaracterizados e marcados pelo fisiologismo e por práticas cartoriais e clientelistas.

Em decorrência, embora o Legislativo tenha conquistado novas e amplas prerrogativas com a nova Constituição, assumindo a competência de estabelecer os rumos da sociedade, vê-se que suas ações refletem

"[...] antes a expressão e catalisação de impasses e acordos específicos e forjados em tempos e espaços sociais distintos do que a cristalização e formalização do que é consensual no plano do discurso das lideranças partidárias. Trata-se de um jogo complexo a ser jogado de um lado, por parlamentares desprovidos de projetos minimamente articulados para o País e incapazes de explicitar prioridades em termos de uma gestão conseqüente e responsável dos gastos públicos, e, de outro, jogado por grupos com poder de pressão e recusa empenhados em conquistar espaços para intervenções políticas fora dos parâmetros legislativos tradicionais [...]". [141]

Em conseqüência, o que se vê é a reedição quase perene de medidas provisórias, pela omissão do Poder Legislativo, em desrespeito aos pressupostos constitucionais de relevância e urgência, tratando de matérias não relevantes, como a inscrição dos nomes de Tiradentes e Deodoro no Livro dos Heróis da Pátria, e não urgentes, já que não pode ser urgente matéria reeditada durante meses [142].

Ao definir e dividir competências, fortalecer e ampliar poderes, quis a Carta Fundamental vivificar o próprio Estado, enquanto reflexo da Sociedade em um Estado Democrático de Direito, garantindo assim espaço institucional para uma prática democrática mais sólida e perene.

Não obstante as dificuldades, o excesso de atribuições do Supremo Tribunal Federal, máxime em matérias que não dizem respeito diretamente com a guarda da Constituição, como extradição, homologação de sentenças estrangeiras, entre outras, as necessidades de reforma no âmbito do Executivo, Legislativo e Judiciário - e da própria Federação -, das constantes crises institucionais entre os Poderes reorganizados pela Carta de 1988, porém inseridos em uma práxis política que ainda se encontra longe da maturidade, e de ainda depender de um compromisso político firmado por todos os grupos e classes que representam a Sociedade brasileira, a Constituição da República Federativa do Brasil mantém-se atual em sua linha principiológica geral, em sua vocação social e, sobretudo, na afirmação da supremacia dos princípios, direitos e garantias fundamentais

Nitidamente "dirigente", na lição de Canotilho, a Carta de 1988 optou pela afirmação de grandes linhas programáticas indicadoras dos caminhos a serem utilizados pelo Estado, na criação, aplicação e interpretação das leis.

Dessa forma, revelou sua volição de explicitar fins, meios e objetivos para o Estado e a Sociedade, cujos anseios buscou refletir, em particular em áreas como saúde, educação, cultura e meio-ambiente, sob a primazia de valores e princípios como justiça social, igualdade e eqüidade.

Sobretudo, manifestou sua vontade ao consolidar, ao longo do artigo 5º, a maior das proteções, "garantindo as garantias" - ousa-se humildemente afirmar -, ao submeter todas as instituições estatais aos direitos fundamentais que aquele capítulo disciplina, inserindo-o no início do texto constitucional, antes mesmo das regras de organização do Estado e dos Poderes. É dentro desse quadro que se examinará a questão das reformas governamentais, a saber, a partir da legitimidade que necessariamente deve ser a base de qualquer projeto de conformação e de reforma do Estado.

3.4 O poder de reforma

"Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político.

Parágrafo único - Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição". Constituição da República Federativa do Brasil.

Emanado do povo, é dele o poder de criar o Estado, enquanto titular do poder constituinte originário. Esta titularidade é pacificamente reconhecida pela doutrina apesar de, devido à natureza política da matéria, terem-se construído diversas teorias a respeito de sua natureza, entendida ora como poder de direito, ora como poder de fato, em razão da visão de mundo ("weltanschaung") de cada qual [143]. Entretanto, não se controverte acerca das características essenciais que o consagram como poder inicial, autônomo e incondicionado: inicial, por não haver outro superior a ele; autônomo, porque cabe exclusivamente a seu titular explicitar o modelo político que determinará a estrutura jurídica do Estado em dado momento histórico; incondicionado porque soberano.

Em conseqüência, deverá derivar de um consenso [144], fonte de legitimidade do governo estabelecido, variando de acordo com a forma especial de organização da sociedade e seus modos de valorar e de proceder. No ensinamento de Maurice Duverger,

"A noção de legitimidade é assim uma das chaves do problema do poder. Em um dado grupo social, a maior parte dos homens acredita que o poder deve ter uma certa natureza, repousar sobre certos princípios, revestir uma certa forma, fundar-se sobre uma certa origem: é legítimo o poder que corresponde a essa crença dominante. A legitimidade, tal como a entendemos, é uma noção sociológica, essencialmente relativa e contingente. Não existe uma legitimidade, mas várias legitimidades, segundo os grupos sociais, os países, as épocas etc." [145]

Discute-se a natureza do poder constituinte da Assembléia de 1987, se originário delegado (José Afonso da Silva) ou derivado (Manoel Gonçalves Ferreira Filho), na medida em que foi convocada por uma emenda constitucional sob a vigência da Carta de 1969. É de se entender a questão sob o prisma da legitimidade.

Sendo a convocação de uma Assembléia Constituinte um ato sobretudo político, se se considerar que a sociedade exigia a mudança da ordem jurídica (nas palavras de Nagib Slaibi Filho [146], "ânsia por um novo regramento constitucional") e o restabelecimento das competências legislativas usurpadas do Congresso Nacional pelo autoritarismo militar então vigente e que a Emenda Constitucional nº 26/85 [147], ao convocar uma Assembléia "livre e soberana", visava a atender aos reclamos sociais, o poder constituinte instituído teve, pela legitimidade que decorre do consentimento do todo social, competência originária como força organizadora da vida política e social.

Conforme já demonstrado, a Carta de 1988, não obstante o fato de ter sido elaborada por representantes do povo, aos quais este delegou o poder de constituir o Estado, reunidos em uma Assembléia não exclusivamente convocada para tal, encontrou, no conjunto da sociedade brasileira, pelo fato da aceitação da nova ordem criada, o consenso necessário à estabilização do poder, justificando os atributos de "liberdade e soberania", em nome dos quais foi convocada. As palavras do então presidente José Sarney, ao instalar a Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, em 03.09.1985, ilustram o que se afirma:

"O que faz a autenticidade das Constituições não é a forma de convocar-se o Colégio Constituinte: é a submissão do texto fundamental à vontade e à fé dos cidadãos. Essa vontade e essa fé, para que se manifestem, reclamam discussão, como reclamam recolher e codificar a reflexão que ela provoque [...]". [148]

Em conseqüência, limitou o poder de alterar seu texto pelo poder instituído (poder de reforma, emenda e revisão), cuja natureza é tema recorrente no direito comparado e no direito público brasileiro [149].

"[...] uma Constituição revê-se cada dia pela sua própria aplicação; porque as instituições que ela estabeleceu têm por elementos, sem cessar renovados, homens que pensam e que atuam em face de uma realidade mutável. [...] A simetria das formas constitucionais dissimula muitas vezes, mais do que revela, o equilíbrio real das forças políticas; e para conhecer o regime constitucional de um país, não basta ler a sua Constituição. Os textos, com efeito, nunca formam uma rede bastante cerrada, nem bastante firme para impedir os costumes parlamentares e governamentais de fazerem prevalecer tacitamente contra a Constituição regular uma constituição oculta que a excede e pode desnaturá-la: quer dizer que todos os países têm uma Constituição costumária, mesmo aqueles que parecem viver sob o regime de uma Constituição escrita". Jean Cruet, apud Carlos Maximiliano. [150]

Não sendo imutável, por precisar adequar-se à realidade social a que se refere, a Constituição pode - e deve - sofrer mudanças, seja informalmente [151], pelas interpretações jurisprudenciais, por sua vez condicionadas pelos costumes e práticas políticas, entre outros fatores, seja formalmente, pelos mecanismos expressamente circunscritos pelo texto constitucional.

Dentre os processos técnicos de mudança constitucional, situam-se, além da revisão (objeto de análise do item 2.1.3 acima), as emendas constitucionais, sendo de se entender a reforma constitucional como um gênero, do qual aquelas são espécies [152].

O poder de reforma deriva do princípio da supremacia da Constituição. Quando em períodos de regularidade política, é exercido como atribuição especial do Legislativo, o que expressamente autoriza o art. 59, I [153], a fim de adaptá-la a novas exigências do povo - titular da soberania - ou do Estado - criado por ele e do qual não deve dissociar-se. O poder constituinte instituído (ou derivado) exsurge do princípio da superioridade da Constituição, que diferencia - também hierarquicamente - o poder legislativo constituinte do poder legislativo ordinário. De outra forma, não haveria compreender-se a gradação claramente definida no elenco de espécies legislativas agasalhado pelo art. 59 da Carta Política brasileira. Daí entenderem-se a maior complexidade e rigidez que se impõem ao processo de elaboração de emendas constitucionais, comparativamente às demais espécies normativas.

É de se admitir, portanto, que qualquer processo formal de mudança do texto constitucional deva submeter-se aos limites explicitados pelos parágrafos do art. 60 [154], inclusive direitos não elencados no pórtico dos direitos fundamentais da Carta Magna que é o art. 5º, de que são exemplos aqueles expressos nos princípios especiais tributários da anterioridade, da capacidade contributiva e do não confisco, entre outros [155].

Posta genericamente a questão, cabe examiná-la mais detalhadamente, à luz das diversas posições doutrinárias que buscam rigor terminológico, sem estabelecerem, necessariamente, uma correspondência ideológica entre os conceitos e as realidades que os condicionam.

No tocante ao poder de reforma, entendem alguns tratar-se de poder constituinte reformador ou derivado (Celso Ribeiro Bastos), constituído (Paulo Bonavides), de criar e revisar a Constituição (Pinto Ferreira), instituído ou derivado (Manoel Gonçalves Ferreira Filho), de reforma (Afonso Arinos de Melo Franco), derivado (Celso Antônio Bandeira de Mello), reformador (Oliveira Baracho), de segundo grau (José Afonso da Silva), derivado (Hauriou e Nagib Slaibi Filho); para outros, a reforma constitucional não tem natureza constituinte, sendo poder de regulamentação (Marcelo Caetano), função reformadora (Carl Schmitt), poder reformador (Nelson de Sousa Sampaio e Ivo Dantas), competência reformadora (Michel Temer), poder revisor (Raymundo Faoro).

No caso brasileiro, sendo prevista especificamente a revisão (nos termos do art. 3º do ADCT) e a emenda constitucional, tem-se indubitavelmente que o poder originário transferiu ao Legislativo parte de seu poder constituinte, entendendo-se que não lhe concedeu o poder de reforma total, ou de constituição de um novo texto (como ocorre com as Constituições da Venezuela [156], Argentina [157], Cuba [158], por exemplo [159]). Transferiu apenas poderes de emendar normas isoladas, como uma função de conservação e fortalecimento da ordem anteriormente instaurada, dentro das prescrições constitucionais, mantendo-se sua identidade e continuidade. Não o transferindo em sua totalidade, indubitavelmente guardou para si a função criadora, ilimitada, incondicionada e não subordinada a qualquer outra regra, própria do poder constituinte originário, do qual a sociedade - o povo - é titular.

Qualquer que seja a concepção adotada, importa observar que a justificativa para a existência de um poder capaz de alterar a Lei das Leis varia de acordo com os regimes políticos vigentes, no contexto de cada ordenamento, bem como a visão de mundo de cada qual, sendo certo que as sociedades que defendem uma ordem democrática mais sólida vêem como imperiosa a necessidade de adequar as normas supremas aos anseios sociais, através do órgão constituinte que criaram para efetivar a mudança. O modo como as Constituições se estruturam, no sentido de repartir e limitar o poder de mudar - o Estado, logo, a própria Sociedade - é revelador das forças que lhes garantem legitimidade e eficácia.

Assim como demonstrado ao longo deste trabalho, a recorrência de normas consagradoras da supremacia da Constituição brasileira, além do elenco intencionalmente reiterado dos direitos e garantias individuais e coletivos - indício da preocupação e apreensão do legislador constituinte com o momento de transição que vivia o País -, informam que a Constituição, logo o Estado que, pela primeira vez democraticamente, com participação popular, se construía, deveria ser preservada em sua estrutura e em seus contornos programáticos.

Se costumeiramente se entende a manifestação do poder constituinte originário como ínsita a movimentos revolucionários, ruptura de legalidade vigente ou necessidade de construção de um novo ordenamento constitucional, no caso do Brasil a necessidade de manifestação do poder constituinte emerge, como relação de causa e efeito, do próprio processo de desenvolvimento político, dado que - o que não se discute - se vive o engatinhar da formação social da cidadania. Sobretudo quando não se desconhece que

"A história constitucional brasileira mostra com bastante evidência esse fenômeno de subordinação dos objetivos revisionistas a interesses político-partidários revisionistas. A temática revisionista, a partir da primeira constituição republicana, em 1891, começa a ser construída antes mesmo da entrada em vigência dos textos constitucionais. Os temas, por não corresponderem às reais demandas políticas e sociais, acabam, em sua grande maioria, caindo no esquecimento." Vicente Barreto [160]

A Constituição de 1988, referendada pela participação e aceitação populares, expressa uma vontade geral que deverá legitimar qualquer projeto de reforma, no sentido da necessária adaptação de seu texto às mudanças que caracterizam o ainda imaturo processo de construção democrática experimentado pela sociedade brasileira. Somente a maturidade política conferirá a coesão e a racionalidade capazes de garantir a transmissão de poderes mais amplos de reformar, sem elevados custos sociais, o que se terá tornado sólido e estável.

Alçada a fundamento constitucional do Estado, a cidadania representa muito mais do que a mera participação no processo eleitoral. Para a Constituição brasileira, cidadão deixou de ser mero sinônimo de eleitor, para assumir papel de ser participante e controlador da atividade estatal, como reflexo da imagem que se vem historicamente amadurecendo e que, por conseguinte, dele se espera.

O poder de criar o Estado ou de modificá-lo a ponto de desconfigurar seus limites e contornos, é originariamente do povo e só pode ser exercido por ele próprio - através dos instrumentos constitucionais de participação direta - ou por expressa delegação, por aqueles que o representam [161], de acordo com a vontade da Constituição. Do contrário, não haverá Estado Democrático de Direito, nem soberania - princípio fundamental nos termos do inciso I do art. 1º da Lei Maior -, porém usurpação do poder constituinte, conforme ocorrido em época ainda recente da história brasileira [162] pois, como ensinou Raymundo Faoro,

"O que há no Brasil de liberal e democrático vem de suas constituintes e o que há no Brasil de estamental e elitista vem das outorgas, das emendas e dos atos de força. Nunca o Poder Constituinte conseguiu nas suas quatro tentativas vencer o aparelhamento de poder, firmemente ancorado ao patrimonialismo de Estado, mas essas investidas foram as únicas que arvoraram a insígnia da luta, liberando energias parcialmente frustradas. O malogro parcial não presta como argumento contra as constituintes, senão que, ao contrário, convida a revitalizá-las, uma vez que, franqueadas das escoltas estatais autoritárias, encontrarão o rumo da maioria e da sociedade real [...]. O que a imperfeição da obra mostra é, apesar da adversidade, que o rio da democracia não tem outro leito por onde possa correr. O desastre histórico maior seria o salvacionismo das minorias, congeladas em privilégios, dispostas a, para mantê-los, afastar o povo das deliberações políticas." [163] (Grifaram-se)


CAPÍTULO 4 - BRASIL ANO 2000: REFORMA DO ESTADO OU REFORMA DA CONSTITUIÇÃO

"À medida que a proteção aos direitos públicos passava a ser dominante em todo o mundo, foi-se tornando cada vez mais claro que era preciso refundar a república, que a reforma do Estado ganhava nova prioridade, que a democracia e a administração pública burocrática - as duas instituições criadas para proteger o patrimônio público - precisavam mudar: a democracia devia ser aprimorada para se tornar mais participativa ou mais direta, e a administração pública burocrática devia ser substituída por uma administração pública gerencial". Luiz Carlos Bresser Pereira [164].

Essas palavras foram pronunciadas pelo então Ministro da Administração e da Reforma do Estado, ao Seminário sobre Reforma do Estado realizado em Brasília, em 1996, sob os auspícios das Nações Unidas, do Centro Latino-americano de Administração para o Desenvolvimento e, principalmente, do Banco Interamericano de Desenvolvimento. [165]

A noção de Estado, suas dimensões ideais e suas relações com a sociedade têm sido objeto de análises profundas em praticamente todo o mundo. O Estado onipresente e hipertrofiado não encontra espaço no mundo atual, sendo-lhe exigido reduzir seu tamanho e aumentar a eficiência de seus resultados, em uma relação custo-benefício satisfatória.

Porém, esta "refundação" da República somente terá legitimidade se submetida aos verdadeiros interesses da sociedade. É preciso reinventar o Estado, modificar seu relacionamento com o cidadão, privatizar parte de seu corpo, retirar-lhe a onipotência, submetê-lo à obediência do ordenamento jurídico e fazer com que devolva à sociedade numerosas atividades das quais se incumbiu inadequadamente e desempenhe funções sociais historicamente omitidas; em suma, que se submeta mais diretamente à sociedade brasileira, de quem sempre esteve dissociado.

"Temos vivido, como nação, atormentados pelos "males" modernos e pelos "males" do passado, pelo velho e pelo novo, sem termos podido conhecer uma história de rupturas revolucionárias. Não que não tenhamos nos modernizado e chegado ao desenvolvimento. Fizemos isso de modo expressivo, mas não eliminamos relações, estruturas e procedimentos contrários ao espírito do tempo. Nossa modernização tem sido conservadora, aliás, duplamente conservadora. Em primeiro lugar, porque tem se feito com base na preservação de expressivos elementos do passado, que são assimilados, modernizados e tornados funcionais, alcançando tamanha força de reprodução que conseguem condicionar todo o ritmo e a qualidade mesma da mudança: 'como não há ruptura definitiva com o passado, a cada passo este se reapresenta na cena histórica e cobra o seu preço'". Marco Aurélio Nogueira [166]

Mudar significa abandonar o passado em direção ao futuro, renovando a ordem institucional. Mudança é desafio, por exigir que se transponham tradições que, como máscaras, colam nos homens e nas formas da sociedade se exteriorizar. Sobretudo nas crises: como o futuro se apresenta obscuro, a saída parece ser a volta ao passado.

O Brasil não rompeu com o passado. A modernização brasileira tem sido promovida pelo Estado sem participação popular, como sempre antes. Permeável a interesses conservadores, tem sido processo de modernização (por apenas desenvolver e aprimorar seus instrumentais) sem modernidade (por não ajustá-los a uma normatividade capaz de orientar a autodeterminação política) que, optando pelo capital internacional como alavanca para o crescimento econômico, tem-se revelado processo de modernização dependente.

Historicamente, as classes dominantes têm imposto uma ordem social competitiva fechada às necessidades e aspirações das demais classes. Como examinado no Capítulo 1, nos primórdios da História do Brasil, ao rechaçar e dizimar o indígena, o colonizador rejeitava o novo, não sendo por acaso que o processo burocrático de colonização portuguesa tenha dotado a máquina estatal de força capaz de resistir às mudanças.

Dessa forma, a sociedade brasileira constituiu-se através do que Gramsci denominou "revolução passiva" [167], sem participação popular. O resultado foi o surgimento de uma sociedade desigual, fundada na não-inclusão e na qual não se logrou definir uma estrutura de classes. A cooptação pelo Estado de quadros exponenciais de vários grupos e classes sociais, máxime lideranças políticas e intelectuais, obstaculizou o processo de formação da autoconsciência e organização de classes. É de se notar que, no outro extremo, tal prática revelou-se também nociva às classes dominantes, por estancar o processo de desenvolvimento de uma burguesia industrial capaz de disputar espaço com o agrarismo que sempre predominou no País e definir o esboço de um projeto político de inspiração endógena. Em conseqüência, abrindo mão do exercício direto de funções dirigentes, que lhe poderiam caber, a burguesia nacional conformou-se com o protecionismo estatal. O que se tem visto, em geral, é a mudança promovida pelo Estado, sem o impulso de pressões organizadas dos diversos segmentos da sociedade.

4.1 A crise do Estado, o neoliberalismo, a globalização

"Depois de 1964, o Estado brasileiro teve um imenso desenvolvimento exatamente para servir ao tripé empresarial e beneficiar fundamentalmente o sócio maior aqui instalado. A Companhia Siderúrgica Nacional vende seus produtos pela metade do preço do mercado internacional exatamente para a indústria automobilística transnacional instalada no país.

É claro que, de tanto servir dessa forma, o Estado brasileiro acabou se transformando num monstro de corrupção, ineficiência e com um custo que, agora ninguém quer mais pagar. Quem o criou e dele se beneficiou, no entanto, agora aparece como inocente privatista em luta pela liberdade, pela livre iniciativa e a democracia." Herbert de Souza. [168]

Até o início dos anos 90, manteve-se no Brasil o esquema de poder político instituído pela Revolução de 30. As classes dominantes, lideradas pelo empresariado industrial, utilizavam-se do aparelho do Estado para dirigir o mercado segundo seus interesses. Explica-se.

A depressão de 1929 inviabilizou a poupança externa como garantia do processo de industrialização brasileiro. Internamente, as incipientes estruturas capitalistas não permitiam a geração espontânea de uma poupança expressiva. Como saída para a crise, adotou-se a política de substituição das importações e do confisco cambial na exportação de produtos agrícolas.

Através da política de substituição de importações, o Estado garantiu uma importante reserva de mercado no setor industrial, negando-se licença de importação tanto para produtos similares aos nacionais, como também para aqueles considerados passíveis de vir a ser internamente produzidos [169]. Pari passu, autorizava-se a importação para a montagem de fábricas nacionais.

Por seu turno, o confisco cambial na exportação derivava do monopólio estatal de todas as operações cambiais, obrigando o exportador de produtos agrícolas a entregar à instituição financeira oficial as cambiais de exportação, em troca de quantia muito inferior (em moeda nacional) à que receberia se o câmbio fosse referenciado no mercado livre.

Contemporizando com a política oficial, as duas classes firmaram um pacto, conformando-se o setor agrário exportador em manter uma posição secundária no esquema de poder, assumido pelos industriais, desde que não se alterassem a estrutura agrária e as relações de trabalho no campo.

Paralelamente ao processo de industrialização, o primeiro governo Vargas arquitetou e montou um sistema de proteção e controle dos trabalhadores urbanos que compreendia, de um lado, o estímulo à capacidade de consumo com vistas à nova produção industrial, pelo pagamento regular de salários e pela garantia de um mínimo de proteção previdenciária e, de outro, o controle de suas reivindicações, pelo controle e domínio de seus organismos protetivos.

Por sua vez, o capital internacional, no pós II Guerra Mundial, se impunha e se espalhava pelo mundo, na figura das grandes corporações, erigidas como "absolutos" [170] modernos. Na América Latina, os governos militares alijavam a sociedade civil do processo de desenvolvimento do Estado, transformado também em entidade absoluta, na qual se condensaram relações de força e de dominação.

Esse foi o quadro contextualizador da experiência político-econômica brasileira, no contexto latino-americano mais amplo, porém não diverso, da América Latina, cuja História revela repetida situação de Estados nacionais a serviço de interesses transnacionais: seja o golpe militar de 1964 no Brasil, a invasão da República Dominicana em 1965, o golpe no Peru em 1968, o golpe no Chile em 1973, as crises sucessivas na Argentina, entre outros, o processo de transnacionalização desenvolveu-se no Continente, com características semelhantes [171]:

- Estado praticamente reduzido ao Poder Executivo, centralizado e constituído a partir de decisões autoritárias com base nas Forças Armadas, em que desapareceu - ou foi contida - a divisão tradicional dos Poderes;

- movimentos populares e partidos políticos submetidos à lógica das leis de segurança nacional, transformando-se o povo no próprio inimigo;

- processos eleitorais banidos ou controlados de forma a não ameaçar o núcleo central do Poder Executivo;

- Congresso Nacional, quando não fechado, transformado em instância decorativa, chamado a apenas legitimar os atos do Executivo;

- órgãos de formação de opinião submetidos à censura estatal e, de modo geral, transformados em geradores das imagens reveladoras de uma realidade do país e do mundo programada pelos setores dominantes;

- movimentos de oposição real ao regime, tratados segundo os princípios da guerra e não da política.

Este Estado elitista, desnacionalizado, tecnocrático, repressivo revelava uma força que não era sua (enquanto Estado nacional), mas resultado de sua inserção no sistema capitalista mundial. O Estado transnacionalizado se viu, cada vez mais, impotente frente aos centros de decisão econômicos e políticos. Sem condições de determinar que tipos de industrialização e de desenvolvimento convinham às necessidades e às potencialidades do país, sobrou-lhe a condição de promover a transnacionalização e de administrar suas crises. Os sonhos de desenvolvimento nacional foram substituídos pela imponência aparente de grandes projetos internacionais, como o Jari (predatório por excelência), por exemplo, que não pertenciam nem fundamentalmente beneficiavam o país hospedeiro, no caso, o Brasil.

O esquema desenvolvido com a industrialização do país funcionou até o final dos anos 70, durante quase meio século de crescimento econômico ininterrupto, elevando o Brasil à posição de oitava potência industrial do mundo.

Todavia, os dois choques do petróleo ocorridos em 1973 e 1979, alterando o peso do custo da energia e, em conseqüência, deflagrando uma grave crise do sistema financeiro, desorganizando o modelo econômico forjado no pós-guerra, provocando enorme recessão nos países desenvolvidos, obrigando as grandes empresas a reagirem defensivamente à estagnação produtiva e instabilizando o comércio internacional golpearam de morte o Estado industrial brasileiro. No processo de globalização da economia brasileira, os industriais que resistiram à investida das macroempresas estrangeiras vêm sendo substituídos por outra categoria econômica, os banqueiros, que passam a ocupar posição dominantemente hegemônica.

"O apostolado liberal conseguiu no Brasil uma de suas mais retumbantes vitórias. As classes dirigentes brasileiras, que sempre foram avessas a ideologias, acabaram se convertendo rapidamente ao novo credo: fora do mercado, não há salvação. Aceitaram, sem maior raciocínio, a idéia de que a prosperidade geral (para efeitos retóricos) e a sua em particular (a única que realmente lhes interessava) proviria da redução do Estado nacional ao mínimo necessário. Não lhes passou nem um segundo pela cabeça que, ao assim agirem, estavam liquidando o seu principal aliado na luta concorrencial". Fábio Konder Comparato [172]

A respeito, ensina ainda Comparato que "a miragem da privatização, complementada com a exclusão do acesso de pequenas e médias empresas ao crédito bancário, em razão da política de juros astronômicos, encobria de fato a mais profunda desnacionalização que a economia brasileira jamais experimentara" [173].

Assim como aconteceu com o processo de industrialização na primeira metade do século, a desnacionalização das instituições financeiras brasileiras vem ocorrendo de forma acelerada [174]. É de se notar que a globalização não apenas não tem resolvido, como tem dificultado a formação de poupança interna, condição essencial para o desenvolvimento de qualquer país. Concomitantemente à desnacionalização do setor bancário, a capacidade estatal de financiar os investimentos em setores de base vem encolhendo expressivamente. Desde 1995, o BNDES,

"[...] em política frontalmente contrária ao interesse público, passou a financiar largamente, não o investimento em setores industriais ou de base, mas a aquisição, por consórcios internacionais ou empresas estatais estrangeiras, do controle das empresas nacionais privatizadas. Ou seja, o Estado brasileiro, que se declarava sem recursos para financiar o desenvolvimento nacional, emprestou largas somas a empresários estrangeiros, não para investir no País, mas para que comprassem bens nacionais. O preço pago, aliás, não permitiu que o Estado brasileiro amortizasse nem um real ou um dólar da dívida pública. [...] todas as operações de privatização em proveito de grupos estrangeiros soldaram-se pela despedida coletiva de trabalhadores" [175].

Cabe enfatizar que, ao alienar o patrimônio nacional, o governo federal vem fomentando o desemprego da força de trabalho, sem oferecer perspectivas de emprego, na medida em que tem exauridas suas reservas para investimento no setor produtivo. Em paralelo, vê-se a Nação diante de outra adversidade: enquanto os industriais brasileiros nunca viram no Estado seu concorrente (este era a empresa estrangeira), os bancos, são visceralmente ligados ao capital financeiro internacional, provindo sua receita mais da especulação com títulos públicos do que com financiamentos propriamente [176].

Nesse contexto, o processo de desmonte do Estado, ao lado da desnacionalização das empresas brasileiras, vem-se fazendo acompanhar da demolição do sistema de proteção aos trabalhadores, enquanto a capacidade nacional de decisão é transferida para o Fundo Monetário Internacional, para o Banco Mundial, representantes do capital transnacionais. O Estado vem se retraindo em relação às políticas sociais, à educação, à moradia, saúde, à posse da terra, diminuindo seus compromissos, deixando os movimentos sociais entregues ao "deus mercado", cuja resposta sempre dependerá, inevitavelmente, de contraprestação em dinheiro: sem dinheiro e sem Estado para garantir necessidades básicas da sociedade, estas jamais serão atendidas [177].

A globalização não é fato recente [178], aparentemente ensejando que o mundo globalizado seja menor e que os povos se encontrem mais próximos. Porém, seus efeitos se vêem com mais nitidez ao se aproximar o final do milênio, quarenta anos após seu surgimento em terreno europeu e quase dez de impacto sobre as débeis economias dos países em desenvolvimento, sobretudo latino-americanos.

Sendo problemática vivenciada em todo o mundo contemporâneo [179], porém mais drasticamente pelos países periféricos (Brasil, Argentina, México) e superperiféricos (Uganda, Moçambique, Nicarágua, Vietnã), devem-se levar em conta experiências semelhantes, no contexto político da América Latina.

Segundo Carlos E. Delpiazzo [180], no Uruguai, os instrumentos utilizados para a concreção do Estado foram supressões, concessões, transferências, desmonopolizações, fusões, associações, transformações, sendo que entre 1990 e 1990 o País sofreu um processo intenso de mudanças, no sentido da descentralização da Administração, desestatização, desmonopolização e desburocratização.

Após empreender pesquisas nos países mais industrializados da América Latina, mais especificamente Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Peru e Venezuela, o economista Wilson Cano sustentou a inviabilidade do modelo, ao argumento de que "Em cada um dos países analisados, encontramos ciclos de quatro, cinco anos de crescimento forte, misturados a crescimentos lentos e sofríveis. A questão basilar das contas do setor externo e das contas públicas, em função do peso enorme do financiamento da dívida pública, constitui um entrave à possibilidade de um processo de crescimento contínuo e sustentado para os países latino-americanos" [181]. Segundo o economista, o saldo da aplicação do modelo neoliberal na América Latina foi a desestruturação do sistema produtivo, falências e desnacionalizações, representando uma deterioração social que "se aprofunda de maneira sinistra, seja nas taxas crescentes de desocupação, na piora das relações de trabalho, no comportamento dos salários, nos níveis da linha de pobreza e na manifestação da violência em todos os países". Em suas conclusões, apresenta o seguinte quadro, relativamente aos países pesquisados:

ARGENTINA: prendeu-se ao congelamento cambial de forma institucionalizada e luta hoje por um lenitivo que a possa salvar da desvalorização cambial, como a ocorrida no Brasil em janeiro de 1999;

BRASIL: seguiu os passos da Argentina e do México, rumo ao desastre cambial, compensado pela desvalorização abrupta, recessão, renegociação da dívida e novos empréstimos, resultando em quebras financeiras, aumento da dívida externa e interna e agravamento político e social;

CHILE: optou pelo crescimento com base em seus recursos naturais, logrando alcançar bons resultados; porém, muitos dos investimentos chilenos em ativos nacionais de outros países latino-americanos desabaram em razão das manifestações da crise em 1998 e 1999;

COLÔMBIA: apesar de viver uma situação diferenciada, copiou o modelo neoliberal como se fosse qualquer um dos outros países que viviam processos inflacionários agudos e com estrutura de endividamento externo complexo;

MÉXICO: apostou em sua indústria, porém convertendo-se em departamento industrial da economia norte-americana; apresenta especificidades, devido à vinculação com o NAFTA e à fórmula peculiar de encadeamento que mantém com a indústria dos Estados Unidos;

PERU: outro caso crítico; apesar de toda a reestruturação por que passou, ainda mantém 86% de suas exportações à base de produtos primários. Em dois mandatos do presidente Fujimori, a taxa de subemprego na região de Lima chegou a 76% e o salário real caiu 60% em relação a 1980;

VENEZUELA: dada à sua escassa produtividade agrícola e industrial, optou também por investir em seus recursos naturais, no caso o petróleo, sendo de se observar que de 70% a 80% da pauta exportadora e da carga fiscal do país originam-se do petróleo, responsável pelo emprego de 2% apenas da população economicamente ativa.

O fato é que hoje, tanto os críticos, como seus próprios agentes [182], apontam o lado cruel da globalização. Estudo sobre o desenvolvimento humano em 1999, do PNUD - Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, mostra as grandes disparidades decorrentes desse processo entre ricos e pobres, em escala mundial. Segundo o economista-chefe do Banco Mundial (BIRD), Joseph Stiglitz, o crescimento econômico por si próprio não resolverá da população mais pobre do planeta, não existindo uma solução modelar para o complexo problema do desenvolvimento. Em matéria divulgada na imprensa carioca, a jornalista Flavia Sekles assim se expressou:

"Os ricos estão ficando mais ricos muito mais rapidamente do que os pobres estão vendo sua renda crescer, e as diferenças entre ricos e pobres não estão aumentando apenas dentro dos países, mas também entre países. Segundo o relatório [do Banco Mundial], entre 1870 e 1985 a diferença de renda entre os países mais ricos e os mais pobres ficou seis vezes maior, o que demonstra como é 'difícil para os países pobres diminuir a diferença de renda que têm com seus parceiros mais ricos'. No passado mais recente, entre 1970 e 1985, a renda per capita dos países mais pobres caiu de 3,1% da renda dos países mais ricos para apenas 1,9%" [183]

É oportuno dar relevo à expressiva passagem que se transcreve a seguir, extraída das Conclusões apresentadas pelo Grupo I ao Relatório do Seminário Estado e Sociedade na América Latina, promovido em 1994 pelo Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul - PACS:

"Na década de 90, descobrimos que não é necessário uma ditadura militar mas apenas um autoritarismo civil como no caso do Peru com Fujimori, uma excelente demonstração de como, para poder aplicar o ajuste neoliberal, se tem de eliminar o Congresso, reformar a Constituição, praticamente anular o novo Parlamento, fazer desaparecerem os governos regionais. Na Argentina estamos vendo também uma situação de cada vez mais autoritarismo, e aqui no Brasil, Collor era exatamente isso, um crescente autoritarismo." [184]

No caso brasileiro, a estrutura do Estado de Direito sugerida pelo ideal liberal perdera sua força com a promulgação da Constituição de 1988, valorizadora dos direitos sociais da pessoa humana, atribuindo sentido social aos novos direitos e superioridade da sociedade em face do Estado.

Entretanto, com o processo de globalização, acentuou-se o rompimento de uma ordem institucional que mal começava historicamente a amadurecer, em decorrência das conseqüências inevitáveis da queda dos blocos socialistas, que no final da década de 80 transpuseram os limites territoriais europeus, atingindo o Novo Continente: [185]

- a proteção do indivíduo e a integridade territorial modificam-se pelo encerramento da guerra fria;

- a economia sofre um processo acelerado de mundialização, com regime econômico "em nível planetário", inviabilizando a aplicação de políticas econômicas keynesianas;

- os Estados internacionalizam-se, através de participação inevitável em inúmeras organizações internacionais;

- o Direito Internacional valoriza-se, com maior poder de coerção em face de abusos individuais ou patrocinados por Estados soberanos, disponibilizando aos cidadãos foros internacionais para dedução de direitos, como a Corte Européia dos Direitos do Homem, por exemplo.

Quando, no Brasil, os setores industrial e financeiro (economicamente hegemônicos) passam a ser dominados pelo capital estrangeiro, o sistema político nacional permanece essencialmente oligarquizado e o poder de intervenção do Estado vem se reduzindo ao extremo, é de se perguntar sob que influência e em benefício de que sujeitos estão sendo tomadas as grandes decisões político-institucionais, como a sucessão insaciável de propostas apresentadas e de emendas à Constituição promulgadas in crescendo, a partir de 1989 [186].

É preciso que se atente para o fato de que, paralelamente às mudanças na ordem econômica, vem-se transformando a ordem jurídico-institucional, cabendo ressaltar a gradativa transformação do dogma da teoria clássica do Estado, de separação dos poderes da República, levados a assumir funções que não lhe eram tradicionalmente típicas.

À medida que a sociedade vem se tornando mais tensa e conflitiva, em razão da velocidade das transformações econômicas e relacionais, vêm se transformando também a correspondência entre a generalidade, impessoalidade e abstração das leis e as situações que elas regulam, posto que cada vez mais o Executivo legisla o caso concreto. Exemplo do que se afirma é a exacerbada edição de medidas provisórias, com as quais o País vem sendo governado, reeditadas dezenas de vezes, não raro ocorrendo a negação de uma pela que se lhe segue, em decorrência de alteração da realidade factual a que se refere. A produção legislativa é excessivamente intensa e prolífera neste final de milênio, em que cada Poder é chamado cada vez mais a assumir papel legiferante e adjudicante, em função da crescente heterogeneidade do corpo social. Corroborando o que se alega, José Eduardo Faria alerta para o fato de que

"Condicionado assim por dois princípios conflitantes, os da legalidade e do primado da lei (típicos do Estado liberal) e o da eficiência das políticas públicas nos campos social e econômico (típico do Estado-Providência), o Estado contemporâneo passa a agir de modo paradoxal gerando, em nome da estabilização monetária e do crescimento econômico, uma corrosiva inflação jurídica.. Este tipo de inflação se traduz pelo crescimento desenfreado do número de normas, códigos e leis, de tal modo que a excessiva acumulação desses textos legais torna praticamente impossível sua aplicação de modo plenamente lógico e sistematicamente coerente, ocasionando, por conseqüência, a "desvalorização" progressiva do direito positivo e o impedindo de exercer satisfatoriamente suas funções controladoras, disciplinadoras e reguladoras." [187]

Entrando no séc. XXI como todo o mundo, em crise, o País tem diante de si o desafio de acelerar o processo de transformação do Estado e da sociedade, devendo substituir por novos valores a mercantilização da vida e das pessoas (como sujeitos aquisitivos) e a hegemonia neoliberal defensora do livre câmbio e da democracia mínima, reduzida ao mero rito eleitoral.

Contrapondo passado e presente, com vistas ao futuro, faz-se necessário repensar as duas formas do agir político historicamente recorrentes – liberalismo e socialismo –, para vencer a atual fase de transição, na direção de um maior humanismo, de uma nova etapa da civilização, com mais direitos, possibilidades e perspectivas, além da economia, do mercado e do cálculo monetário, através de uma "prática que combata a indiferença e o egoísmo; que reinvente a política como atividade e como cultura, trazendo consigo uma outra idéia de Estado, de desenvolvimento e de sociedade". [188]

Como Barbosa Lima Sobrinho, é preciso acreditar que

"[...] o Brasil está maduro para deixar de lado a utopia e entrar na realidade com pulso firme, direcionando o país para os seus verdadeiros interesses. Desviar-se das globalizações, privatizações e outros engodos e rumar para um destino inteligente. E, como já indicava Emerson em 1837, procurando sempre 'marchar sobre nossos próprios pés, trabalhar com nossas próprias mãos, falar segundo nossas próprias convicções'." [189]

4.2 A reforma administrativa: projeto ou processo

"Aqui sobra gente para o capitalismo que temos, para o liberalismo que não sabe o que fazer da maioria da população e que por isso a teme. Aqui o capitalismo é menor que a sociedade. Sobra sociedade e falta capitalismo e se tenta substituir o capitalismo e conter o excesso da sociedade através do Estado. Por isso, no capitalismo brasileiro, o estado se voltou contra a maioria da sociedade ou a tem como seu problema. Temos mais Estado que espaço para a sociedade.

[...] Aqui, inventar a democracia é também inventar, produzir uma sociedade onde caiba toda a sociedade. E não é fácil". Herbert de Souza [190].

A administração Fernando Henrique Cardoso [191] elegeu como prioritária a tarefa de reformar o Estado, a partir da assertiva de que "[...] para efetivamente ser capaz de atender às demandas crescentes da sociedade, é preciso que o Estado se reorganize e para isso é necessário adotar critérios de gestão capazes de reduzir custos, buscar maior articulação com a sociedade, definir prioridades democraticamente e cobrar resultados." [192] Para substituir estruturas burocráticas de administração por outras mais eficientes, ditas gerenciais, criou uma nova estrutura burocrática, o Ministério da Administração e da Reforma do Estado - MARE, encarregado de pensar e planejar tal projeto, tendo como base a reforma da própria Administração.

Como contraponto para o projeto político-econômico implantado no Brasil, inspirado em experiências social-democratas européias, o modelo de reforma adotado plasmou-se na experiência inglesa, matriz a partir da qual se desenvolveram várias outras, como na Nova Zelândia, na Austrália [193], no Canadá e na Suécia.

Cabe examinar em que consistem as linhas teórico-programáticas propostas pelo MARE, revelando-se oportuno, por se tratar de projeto calcado em modelo exógeno, realçando os possíveis pontos de convergência e de diferenciação, sobretudo em relação às realidades que cada qual reflete (ou deveria refletir). Finalmente, tentar-se-á determinar em que medida essas linhas espelham a idéia expressa pelo Ministro, ao afirmar que "O objetivo é construir um Estado que responda às necessidades de seus cidadãos [...] [194]"

Nas palavras do Ministro gerente do projeto (que se vem incluindo entre as reformas constitucionais tidas como prioritárias pelo governo federal - reforma fiscal, reforma previdenciária e desmonopolização estatal), a reforma administrativa relaciona-se diretamente com a promoção da governabilidade, com o fito de aumentar a "governança", entendendo como capacidade de governar "a capacidade efetiva de que o governo dispõe para transformar suas políticas em realidade". [195]

O projeto se referencia na acepção do Estado enquanto espaço público, no qual a coisa pública (res publica), por ser de todos, deve ser protegida contra a ganância de indivíduos e grupos poderosos, atribuindo a responsabilidade por seu controle e defesa às organizações não-estatais, chamadas de organizações não-governamentais, organizações sociais, públicas como o Estado.

O novo modelo de administração foi concebido para simultaneamente configurar uma estratégia para reduzir o custo e tornar mais eficiente a administração dos serviços que incumbem ao Estado, como modo de enfrentar a crise econômica, rectius, fiscal, e dividir as responsabilidades de um Estado cujo tamanho se pretende reduzir ao mínimo, através da descentralização, da delegação da autoridade à figura do "gestor público". Neste sentido, o próprio governo que privatiza engendra instrumentos de controle das novas criaturas, o que se evidencia da alegação de que "o rígido controle sobre o desempenho, aferido mediante indicadores acordados e definidos por contrato, além de serem modos muito mais eficientes de gerir o Estado, são recursos muito mais efetivos na luta contra as novas modalidades de privatização do Estado." [196][Grifou-se]

Visando a atribuir competências e responsabilidades, dividiu-se o Estado em quatro setores de atividades, entendidos como núcleo estratégico, setor de atividades exclusivas, setor de serviços não-exclusivos e setor de produção de bens e serviços para o mercado [197].

Como setor em que se definem as leis e as políticas, bem como seu cumprimento, o núcleo estratégico é formado pelo Congresso Nacional (Poder Legislativo), pelos Tribunais (Poder Judiciário) e pela Presidência da República, assessorada por seus Ministérios, pelos Governadores e Prefeitos, assessorados por seus Secretários (Poder Executivo). Observação é feita ao fato de que, no que pertine a este núcleo, a eficácia é via de regra mais relevante que a eficiência, justificando assim a permanência no setor de estruturas administrativas burocráticas, enquanto os setores de serviços têm na eficiência seu princípio regente, devendo ser administrado gerencialmente. Entende-se que este setor deva ser ocupado por servidores públicos "altamente competentes, bem treinados e bem pagos".

O setor de atividades exclusivas é responsável pela garantia do cumprimento das leis e pela viabilização das políticas públicas, como as forças armadas, a polícia, os órgãos arrecadadores, de financiamento e de fomento, bem como de controle dos serviços sociais e da seguridade social, atividades que devem ser descentralizadas.

O setor de serviços não-exclusivos (serviços sociais) refere-se aos serviços que o Estado deve prover e que, por não envolverem o exercício do "poder extroverso" do Estado, podem ser oferecidos pelo setor privado e pelo setor público não-governamental, como os serviços de educação, saúde, cultura, pesquisa científica e afins. As atividades deste setor devem ser mais que descentralizadas, entendendo-se que a sociedade civil deverá dividir com o governo as tarefas de controle.

O setor de produção de bens e serviços para o mercado é formado pelas empresas estatais não privatizadas.

Posto o arcabouço do projeto, cabe responder a questões fundamentais, como que tipo de administração, que regime de propriedade e que tipo de instituição deve prevalecer em cada setor, tarefa que incumbe à sociedade, titular exclusiva do poder de determinar que tipo de Estado deseja instituir ou a que reforma se deve proceder, bem como o custo dessa instituição ou dessa reforma.

Importa salientar que, no Reino Unido, a instituição das chamadas quangos, ou organizações quase-não-governamentais, que controlam as universidades e os hospitais que antes sempre estiveram sob controle do Estado, foi possível graças a importante esforço de implantação, acompanhamento e avaliação, entre 1979 e 1986, de políticas, programas e projetos previamente acordados entre o Poder Público e a sociedade civil, envolvendo unidades operacionais específicas:

"A primeira-ministra havia criado uma pequena unidade para dirigir o que era conhecido por "escrutínio". Escrutínio era um processo de revisão e avaliação que examinava uma área específica de uma política, ou programa, no que dizia respeito aos gastos, e fazia algumas perguntas simples sobre as suas operações, do tipo "quanto custou", "quem foi o responsável" e "quais foram os resultados". Os escrutínios eram realizados por um pequeno grupo do ministério responsável, trabalhando com a assessoria da Unidade de Eficiência [198] - o grupo central. Eles produziam um relatório resumido em três meses; as decisões eram tomadas nos três meses seguintes e tudo estava completamente implementado num prazo total de dois anos." [199]

É expressivo notar que os setores a que se refere a experiência inglesa - universidades e hospitais - eram setores bem estruturados e tradicionalmente assumidos pelo Estado quando passaram para o controle público não governamental, e que o êxito da experiência se deveu, conforme acima transcrito, a sete anos de incessante investimento no desenvolvimento e fortalecimento desses novos mecanismos de revisão do labor estatal. Quer-se dizer que a experiência inglesa não foi burocraticamente concebida e imposta de cima para baixo; ao contrário, parece ter surgido do questionamento entre Estado e sociedade quanto às saídas possíveis para a crise econômica mundial a que também a Inglaterra se submetia e do consenso quanto ao preço a pagar por ela. [200]

Ainda, no âmbito das reformas, é de se ressaltar a efetividade da iniciativa inglesa denominada Citizen's Charter (Carta-Compromisso com os Cidadãos), iniciada em 1991 que, abrangendo vários serviços do Estado, representava declarações públicas de metas de serviços específicos que os órgãos públicos deveriam prestar aos cidadãos. Segundo o relato de Kate Jenkins [201],

"Começou, de forma bem pouco convincente, com os serviços-alvo escolhidos pelas organizações e não pelos cidadãos. Mas estimulou a imaginação num nível surpreendente. Há cartas-compromisso agora para muitos serviços e organizações, tanto no setor público, como no privado. Uma declaração de níveis de serviço é agora, vários anos depois, vista como algo a ser exigido e usado, quando a organização não consegue atingir suas metas."

As palavras com que a Consultora do governo britânico relata a experiência afirmam a importância do respeito aos contextos e limites específicos de cada país [202], bem como da necessidade de definição de programas e políticas forjados a partir de e voltados em direção ao interesse público, ao concluir que "as necessidades dos indivíduos não são apenas uma intrusão no bom funcionamento de um sistema administrativo, e sim a própria razão de ser do sistema" [203].

Não é de se admitir que uma reforma administrativa seja empreendida como um fim em si mesma, na medida em que a Administração, rectius, o Estado é apenas instrumento para que os componentes do corpo social possam alcançar plenamente seus fins próprios. De tal forma que se deve pensar em reforma exclusivamente quando o Estado deixar de ser instrumento a serviço da sociedade, clamando por nova ordem constitucional. Jamais o contrário. É de se concluir, com Omar Guerrero, que

"Reducir la administración pública a la administración o a la política deriva en una misma situación: la de engendrar un monstruo mecánico, un leviatán artificial independizado no solo de su raiz social, sino también de su pertenencia estatal. Una concepción como ésta malforma la realidad histórica de la administración pública y deforma su unitario carácter político y administrativo, al situarla al margen de los acontecimientos históricos, fuera de la realidad misma. La administración pública pierde identidad y se evapora como campo substantivo de estudio." [204]

Tampouco deve-se pensar em reformar um Estado como exigência feita por "investidores estrangeiros e pelas agências financeiras multilaterais" [205], nem como resposta a um lenitivo para impasses críticos, conforme parece sugerir o depoimento do Ministro do MARE, porém como manifestação da sociedade quanto ao que deseja para si e a que custo pretende obtê-lo:

"Os recursos econômicos e políticos são por definição escassos, mas é possível superar parcialmente essa limitação com seu uso eficiente pelo Estado, quando não se pode contar com o mercado, isto é, quando a alocação de recursos pelo mercado não é solução factível, dado seu caráter distorcido ou dada sua incompletude. Neste caso, a função de uma administração pública eficiente passa a ter valor estratégico, ao reduzir a lacuna que separa a demanda social e a satisfação dessa demanda.". [206][Grifou-se]

Não há como negar a crise, que existe e precisa ser enfrentada. Tampouco o problema reside na mera diminuição do tamanho do Estado. Ainda, não há um único caminho a seguir, o que comprovam as opções chilena e venezuelana de crescimento com base em recursos naturais, recursos de que o Brasil é excepcionalmente dotado, nem esse caminho deverá ser exclusivamente iluminado por experiências longínquas e tão diferenciadas das problemáticas enfrentadas pelo Brasil.

A questão reside em definir o quanto representa o mínimo de Estado, o que somente será possível pela prática da democracia que, neste contexto, abarca todas as dimensões da vida econômica, social e política e engloba a dimensão nacional e popular do desenvolvimento social. Mínimo de Estado que a sociedade civil, que se reorganiza desvinculada ou em confronto com o Estado, tem o poder de expressar, antes de qualquer Governo por ela eleito. Esta lição deve-se depreender das palavras proferidas pelo Sr. presidente da República, quando da abertura do Seminário Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial:

"O Estado tem que se abrir a certas pressões da sociedade, mas a sociedade também tem que aprender a dialogar com o Estado, de uma maneira que seja adequada aos objetivos da população.[...] Porque numa democracia, em última análise, o poder legítimo é o poder legitimado pelo voto, pela cidadania. Assim, nem a burocracia em si mesma, nem os grupos da sociedade civil que não passaram pelo teste das urnas têm legitimidade para liderar a mudança." [207]

4.3 A Reforma do Estado

"[...] é preciso antes de tudo distinguir o problema do fim do Estado do problema da crise do Estado de que se fala nesses anos, com referência ou ao tema da crescente complexidade e à conseqüente ingovernabilidade das sociedades complexas, ou ao fenômeno do poder difuso, cada vez mais difícil de ser reconduzido à unidade decisional que caracterizou o Estado de seu nascimento a hoje. Por crise do Estado entende-se, da parte de escritores conservadores, crise do Estado democrático, que não consegue mais fazer frente às demandas provenientes da sociedade e por ele mesmo provocadas; da parte de escritores socialistas ou marxistas, crise do Estado capitalista, que não consegue mais dominar o poder dos grandes grupos de interesse em concorrência entre si. Crise do Estado quer portanto dizer, de uma parte e de outra, crise de um determinado tipo de Estado, não fim do Estado.". [208]

Não queda dúvida quanto à necessidade de se reformar o Estado brasileiro. Queda, sim, a pergunta: que Estado se deve reformar? que Estado se deve re/construir visando ao bem comum, suma, ao desenvolvimento social?

Qualquer processo de reforma do Estado que vise ao desenvolvimento social deve resolver o secular passivo de miséria, desequilíbrio e exclusão social, fatores de injustiça social que grassam no Brasil. Tal questão torna-se prioritária quando se percebe que se combina com a complexidade moderna acelerada pelos processos mundiais de globalização econômica, de que nenhum país pode atualmente escapar. Sobretudo quando se evidencia a tendência desses processos à fragmentação e desorganização das estruturas econômicas e sociais [209].

A questão da reforma do Estado no Brasil de hoje é mais de natureza política do que técnica. Conforme demonstrado pelo projeto do Governo Federal, não parece difícil importar tecnologias ou planos gerenciais, que os próprios gestores da globalização disponibilizam aos países periféricos, como vem ocorrendo, in casu.

4.3 A reforma do Estado ou a reforma da Constituição

"Na realidade, o contrato social precisa ser revisto porque, em virtude dele, o que ocorreu foi o fato de tornar-se o Estado dono da sociedade, em vez de ser, como deveria, o conjunto de serviços públicos à disposição da Nação, ou seja, do cidadão. [...] Essa reformulação do Estado se impõe a fim de evitar o seu colapso, que até pode significar o fim de uma civilização e a volta dos bárbaros com a qual alguns cientistas políticos nos ameaçam." Arnoldo Wald [210]

Conforme já visto anteriormente, a estrutura do Estado vem sofrendo importantes transformações, através de processos de desnacionalização e de privatização de setores até então hegemônicos e de alteração do sistema previdenciário, da administração pública, entre outras. Essas mudanças instrumentalizam-se por meio de alterações do texto constitucional, em constantes recuos das conquistas sociais de 1988. Em decorrência, a atual Carta Política vem perdendo suas características normativas, revelando-se a Constituição que mais emendas sofreu em toda a história do Brasil.

Importa lembrar que, na ordem interna brasileira, impõe-se o fundamento da soberania representado pelo poder pertencente ao povo, que o deve exercer diretamente ou por meio de seus representantes. Sob esta ótica, os compromissos que o País assumir, na ordem internacional, devem ir ao encontro dos interesses da sociedade brasileira, reafirmando as garantias constitucionais, os direitos individuais e coletivos, as cláusulas "pétreas", que não podem ser violadas por força da globalização econômica, excludente e concentrada, acolhida e estimulada pelo autoritarismo governamental que se ampara na fragilidade das instituições, transformando em estruturais problemas que poderiam ser sanados em limites conjunturais.

Para se chegar a uma visão realista do processo de "reinvenção" do Estado, na acepção dos administrativistas anglo-saxões, a partir de um suporte metodológico que confira autenticidade aos dados e observações que se oferecerão, optou-se por examinar, em detalhe, a produção legislativa pós 1988, no que concerne especificamente à espécie legislativa sob comento.

A partir dos insumos fornecidos pelo sistema de processamento de dados do Senado Federal, foi possível indexar e cruzar as informações relativas às propostas de emenda constitucional originárias daquela Casa do Congresso Nacional, por ano, por Região, por UF, por partido político e por autor (sendo certo que os dados compreendem propostas oriundas também na Câmara dos Deputados e do Poder Executivo).

4.4 As emendas constitucionais [211]: a voz do dono

Uma leitura atenta do quadro abaixo revela que as vinte e seis emendas constitucionais promulgadas entre março de 1992 e 12 de março de 2000 representam a média de cerca de três emendas por ano [212]. Porém, cabe enfatizar que chegaram a ser editadas em número de seis ao ano em 1994, das quais cinco em apenas um único dia e em 1996; em 1995, alcançaram o total de cinco emendas, sendo quatro em um só dia [213].

Além da proliferação das emendas constitucionais, há alguns dispositivos que se emendaram entre si, como a série EC 17/97 c.c. EC 10/96 c.c. EC 1-rev./92; assim também a EC 20/98, que originou a atual polêmica quanto ao pagamento de contribuição previdenciária pelos inativos e pensionistas do Estado, que o Supremo Tribunal Federal considerou, liminarmente, inconstitucional, vai de encontro a dispositivos alterados por emenda anterior, como a EC 3/93. Ainda, foram modificados dispositivos das EC 1/92 (pela EC 19/98), da EC 1- rev./94 (pela EC 17/); a EC 12/96 (pela EC 21/99), assim como a EC 18/98 (pela 19/98). [214]

Quadro geral das emendas constitucionais promulgadas após 1988


EC

Data Governo

Ementa

1

31.03.1992 Collor

Remuneração dos Deputados Estaduais e Vereadores

2

25.08.1992 Collor

Plebiscito previsto no art. 2º do ADCT

3

17.03.1993 Itamar

Altera arts. 40,42,102,103,150,156,160,167 da CF etc

4

14.09.1993 Itamar

Dá nova redação ao art. 16 da CF

1-rev

01.03.1994 Itamar

Acrescenta arts. 71,72,73 ao ADCT

2-rev

07.06.1994 Itamar

Altera o art. 50 caput e § 2º da CF

3-rev

07.06.1994 Itamar

Altera al. c inc.I, al. b inc.II, o § 1º e o inc.II do §4º da CF

4-rev

07.06.1994 Itamar

Dá nova redação ao §9º do art. 14 da CF

5-rev

07.06.1994 Itamar

Substitui a expressão 5 anos por 4 anos no art. 82 da CF

6-rev

07.06.1994 Itamar

Acrescenta § 4º ao art. 55 da CF

5

15.08.1995 FHC

Altera o § 2º do art. 25 da CF

6

15.08.1995 FHC

Altera o inc.IX do art. 170, o art. 171 e o § 1º do art. 176 da CF

7

15.08.1995 FHC

Altera o art. 178 da CF e dispõe sobre medidas provisórias

8

15.08.1995 FHC

Altera o inc.XI e al. a do inc.XII do art. 21 da CF

9

09.11.1995 FHC

Dá nova redação ao art. 177 da CF, alterando e inserindo §§

10

04.03.1996 FHC

Altera os arts.71 e 72 do ADCT, introduzidos pela EC1- rev/92

11

30.04.1996 FHC

Permite admissão de prof., técnicos e cientistas estrangeiros

12

15.08.1996 FHC

Contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira

13

21.08.1996 FHC

Dá nova redação ao inc. II do art. 192 da CF

14

12.09.1996 FHC

Altera arts. 34,208,211,212 da CF e dá nova redação ao art. 60 do ADCT

15

15.09.1996 FHC

Dá nova redação ao § 4º do art. 18 da CF

16

04.06.1997 FHC

Dá nova redação ao §5º art. 14, caput art.28, inc.II art.29, caput art.77 e art.82 da CF

17

22.11.1997 FHC

Altera os arts. 71 e 72 do ADCT, introduzidos pela EC1- rev/92

18

05.02.1998 FHC

Dispõe sobre o regime constitucional dos militares

19

04.06.1998 FHC

Modifica o regime da Administração pública, servidores e agentes políticos

20

15.11.1998 FHC

Modifica o sistema da previdência social

21

18.03.1999 FHC

Prorroga e altera alíquota da contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira

22

18.03.1999 FHC

Acrescenta par.único ao art. 98 e altera as al. i do inc.I do art. 102 e c do inc. I do art. 105 da CF

23

02.09.1999 FHC

Altera os arts. 12,52,84,91,102 e 105 da CF (criação do Min. da Defesa)

24

09.12.1999 FHC

Altera dispositivos da CF pertinentes à representação classista na Justiça do Trabalho

25

14.02.2000 FHC

Altera o inc.VI do art.29 e acrescenta o art.29-A à CF que dispõem sobre limites de despesas com o Poder Legisl.Municipal

26

14.02.2000 FHC

Altera a redação do art. 6º da CF

Em termos substantivos, as emendas apresentam-se, sobretudo a partir da Administração Fernando Henrique Cardoso, como preparação para o projeto de reforma do governo, tendo ênfase no fator econômico. Exemplifica-se: a EC 6/95, ao revogar o art. 171 da Constituição da República, suprimiu a possibilidade de os Poderes Públicos concederem benefícios especiais em favor de empresas brasileiras de capital nacional (regra protecionista que adotam as maiores economias mundiais, a começar pela norte-americana); no âmbito das propostas de emenda constitucional, há propostas objetivando a revogação da reserva a brasileiros do controle das empresas de imprensa, rádio e televisão, como a PEC 31/96, ou supressão da vedação de participação de empresas e capitais estrangeiros na assistência à saúde, como a PEC 52/95; neste bojo, é de se entender a proposta de supressão da Justiça do Trabalho por motivo de economia orçamentária.

Cabe relembrar que as emendas constitucionais são votadas a partir de propostas que podem ser oferecidas pelo presidente da República, por mais da metade das Assembléias Legislativas das Unidades da Federação, ou por um terço no mínimo dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, manifestando-se cada uma delas pela maioria relativa de seus membros, nos termos do art. 60 da Constituição da República. Informa ainda o § 2º do mencionado dispositivo constitucional [215] que a proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.

É certo, porém, segundo os dados pesquisados, que entre 5 de outubro de 1988 e 12 de março de 2000 tramitaram no Senado Federal propostas de emenda oriundas desta Casa, da Câmara dos Deputados e da Presidência da República. Referenciada na base de dados do Senado Federal, a pesquisa pôde estabelecer o seguinte quantitativo, relativamente à proposição de emendas à Constituição que tramitaram, ou em trâmite, naquela Casa legislativa, em 12.03.2000 [216]:

Propostas de Emenda à Constituição -PECs

Ano

PECs

Ano

PECs

1988

----

1994

08

1989

06

1995

73

1990

04

1996

59

1991

27

1997

43

1992

09

1998

48

1993

07

1999

96

2000

10

Total

390 [217]

Percebe-se que trezentas e noventa propostas tramitaram (ou tramitam ainda) apenas no Senado Federal, integrado por quase sete vezes menos representantes do que a Câmara dos Deputados [218], perfazendo uma média de 33,3 propostas por ano [219]. A produção de propostas acompanha a mesma curva percentual ascendente das emendas, partindo de seis e quatro, em 1989 e 1990, até atingirem os patamares de setenta e três noventa e seis, em 1995 e 1999, respectivamente.

O montante dessa produção (somada à da Câmara dos Deputados e à produção residual [220] da Presidência da República), ao lado das emendas constitucionais efetivamente promulgadas e das medidas provisórias - que já chegaram a ser editadas na proporção de 32,3 por mês, no primeiro ano de governo Fernando Henrique Cardoso, entre 01.01.1995 e 19.04.1996 [221] - confirmam o que se afirmou precedentemente sobre a interpenetração das funções dos Poderes da República, sendo de se enfatizar a função legiferante cada vez mais intensa assumida pelo Poder Executivo.

O esforço legislativo que se demanda ao Congresso Nacional, no sentido da apreciação e votação dessa produção excepcional - medidas provisórias e propostas de emenda constitucional -, afigura-se de tal monta, que se revela capaz de absorver, com exclusividade, o potencial regular de produtividade dos membros de suas casas, sobretudo se se considerar o complexo iter processual das primeiras e a obrigatoriedade de votação em dois turnos em ambas as Casas do Congresso, no caso das segundas.

Ressalta da leitura do quadro a seguir a efetividade da ação do Poder Executivo, principal interessado nas emendas constitucionais, pois as reformas são, para o governo federal, conforme acima se ilustrou, "condição de governança". Das dezessete propostas de emenda originárias da Presidência da República, quinze (99,37%) foram transformadas diretamente em normas jurídicas, sendo que uma foi retirada pelo Autor, e outra, arquivada; das propostas oriundas da Câmara dos Deputados, em número de doze, oito (80%) foram transformadas em norma jurídica, sendo que uma foi rejeitada e outra, arquivada; quanto às trezentas e sessenta e uma propostas originárias do Senado Federal, apenas quatro (1,17%) foram transformadas em norma jurídica, sendo as demais arquivadas [222], prejudicadas, rejeitadas, retiradas pelos/as Autores/as ou ainda se encontram em tramitação [223].

Relação das PECs conforme seu status legislativo(*)

ARQ

PRJD

REJ

TNJR

TRÂM

RET

Totais

1989

Senado

Câmara

Executivo

 

3

 

2

 

1 (EC1/92)

 

06

1990

Senado

Câmara

Executivo

 

1

 

2

 

1 (EC2/92)

 

04

1991 Senado

Câmara

Executivo

 

1

1

 

18

 

3

 

3(EC3,4/93;15/96)

 

1

 

27

1992 Senado

Câmara

Executivo

 

 

7

 

1

 

1

 

09

1993 Senado

Câmara

Executivo

 

7

 

07

1994 Senado

Câmara

Executivo

 

7

 

1 (EC11/96)

 

08

1995 Senado

Câmara

Executivo

 

34

 

8

 

3

 

2(EC12/96;PLSF)-

1(EC13/96)

8(EC5-9/95;10, 14/96; 19/98)

 

12

1

 

4

 

73

1996 Senado

Câmara

Executivo

 

42

1

 

3

 

1

 

1(EC15/96)

2(EC14/96;20/98)

 

8

 

1

 

59

1997 Senado

Câmara

Executivo

 

31

 

4

 

 

1EC16/97)

3(EC17/97;18/98; 22/99)

 

3

 

1

 

43

1998 Senado

Câmara

Executivo

 

40

 

4

 

 

1(EC21/99)

 

2

 

1

 

48

1999 Senado

Câmara

Executivo

 

1

 

 

 

1(EC23/99)

 

92

02

 

96

2000

Senado

Câmara

Executivo

 

09

01

 

10

(*) Legendas: ARQ: arquivada; PRJD: prejudicada; REJ: rejeitada; TNJR = transformada em norma jurídica; TRÂM: em trâmite; RET: retirada pelo autor; PLSF: projeto de lei do Senado Federal.

A pesquisa informou outros dados que, se não diretamente ligados à temática "proliferação", que se enfatiza neste ponto do trabalho, revelam a representatividade política das propostas apresentadas, devendo-se lembrar que os Senadores representam, no Congresso Nacional, as Unidades da Federação, enquanto a Câmara dos Deputados reúne os representantes do povo, nos termos do art. 45 da Constituição da República. Infere-se que em termos percentuais, o Centro-Oeste é a Região que maior peso apresenta no cômputo geral, com 22,22% das propostas, relativamente a cinco Unidades da Federação. Em ordem decrescente, e em razão proporcional, o Nordeste, com nove Estados, apresentou 25,56% das propostas, o Norte, com seis Estados, 21,57%, enquanto o Sul e o Sudeste, cujas bancadas parlamentares têm importante peso político, apresentaram o menor percentual, a saber, respectivamente, 19,93% e 10,47%.

Os dados sugerem - o que, porém, não se comprovou, em razão das dimensões e do escopo da própria pesquisa empreendida - mais de uma leitura das relações entre os Poderes, na medida em que determinadas matérias são predominante e indistintamente apresentadas por representantes de uma mesma Região, ou ainda, são reiteradamente apresentadas por partidos da base governista naquela Casa congressual. Em quadro anexo (Anexo I) é possível verificarem-se as propostas apresentadas pelos senhores Senadores, por Partido Político e por Unidade da Federação, sendo oportuno destacar que, em ordem decrescente, são os seguintes os Partidos com maior número de propostas apresentadas: PMDB: 105 (34,31%) propostas em 21 UFs; PFL: 68 propostas (22,22%), em 16 UFs; PSDB: 67 propostas (21,9%), em 13 UFs; em seguida, o PTB com 18 propostas (5,89%) em 6 UFs, o PDT com 15 Propostas (4,9%) em 6 UFs e o PT com 13 propostas (4,25%) em 6 UFs.

Propostas de Emenda à Constituição apresentada pelos Estados, por Região [224]

Região

UF

PECs

Região

UF

PECs

Norte

71

AC

04

RN

01

AM

12

SE

10

AP

14

Centro-Oeste

70

DF

31

PA

09

GO

TO

08

19

RO

18

MT

11

RR

14

MS

01

Nordeste

84

AL

03

Sudeste

36

ES

07

BA

12

MG

09

CE

19

RJ

08

MA

11

SP

12

PB

19

Sul

63

PR

20

PE

08

RS

30

PI

01

SC

13

Finalmente, porém não por uma menor importância, resta analisar as propostas de emenda à Constituição em seu aspecto material, detalhadas no Anexo II, relativamente aos dispositivos constitucionais objetivados. Ao todo, quatrocentos e quarenta e três dispositivos (entre artigos (cento e quarenta e um), parágrafos, incisos e alíneas, tanto da Carta Maior como do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias-ADCT, foram objeto de proposta de mudança, seja através de alteração do texto constitucional, seja pela supressão ou acréscimo de parágrafos ou incisos, ou pela apresentação de nova redação substitutiva, incluídos os cinco artigos introduzidos na Carta Política por emendas constitucionais.

O quadro deixa de detalhar, porém, noventa e duas propostas genéricas, por referirem-se à inclusão não tópica de artigos, parágrafos, incisos e alíneas, à alteração de dispositivos não especificados, a especificações materiais sem delimitações formais ou ainda a Título, Capítulo e/ou Seção e ao ADCT, genericamente.

É de se ressaltar que, com exceção do art. 1º, todo o Título I, definidor dos princípios fundamentais da ordem constitucional, bem como quase todos os artigos explicitadores dos direitos e garantias fundamentais que integram o Título II (direitos e deveres individuais e coletivos, direitos sociais, nacionalidade, direitos e partidos políticos), foram objeto de proposta de emenda, seja por iniciativa de membros do Congresso Nacional, seja da Presidência da República. Sem que se pretenda discutir terminologicamente o conceito - o que extrapolaria os limites deste trabalho -, trata-se de matérias constitucionalmente consideradas "pétreas", insusceptíveis de reforma pelo processo de emenda, conforme o comando do inciso IV do § 4º do artigo 60 (cujo parágrafo 2º é também objeto de proposta de emenda) da Lei das Leis, que os membros dos Poderes da República juraram respeitar.

Esses dados informam que praticamente toda a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, tem sido objeto da empresa reformadora estimulada e liderada pelo governo federal, não raro com a aquiescência da própria sociedade. Neste ponto, cumpre chamar a atenção para o papel desempenhado pela mídia em geral, que em grande parte vem influenciando a população a respeito das reformas, disseminando notícias de que delas resultarão benefícios para todos, em todos os setores. [225] Não se discute a necessidade de mudanças, que se impõem em muitos setores, não apenas em razão da crise mundial, como da evolução da própria a sociedade, porém o modo como vem sendo conduzido o processo, ao arrepio da própria sociedade que, quando dignamente convocada para participar do processo de reconstrução política e institucional do país, por ocasião da Assembléia Nacional Constituinte de 1986, dignamente compareceu e expressou sua vontade. Neste sentido, é de se destacar, ainda, um grande número de propostas de emenda que não se conformam às determinações das agências internacionais, indicando caminhos para uma mudança, sobretudo as que respeitam à reforma política, como as que instituem o voto facultativo (PECs 6 e 25/96, 39/98, 31 e 44/99), redução do mandato de Senadores (PECs 45/98 e 68/99), instituem a fidelidade partidária e disciplinam a perda de cargos eletivos (PECs 44/98 e 46/99), restringem a divulgação de pesquisas eleitorais (PECs 40/98 e 43/99).

Não se defende a rigidez absoluta da Constituição, que precisa ajustar-se à realidade social, à realidade política. Porém, qualquer processo de reforma deve ater-se à vontade da própria Constituição, conforme demonstrado no Capítulo 2. Neste sentido, cumpre examinar que sentimento da Constituição o discurso oficial, empreendedor das reformas econômicas e constitucionais, revela:

"Os constituintes de 1988, entretanto, não perceberam a crise fiscal, muito menos a crise do aparelho do Estado. Não viram, portanto, que agora era necessário reconstruir o Estado. Que era preciso recuperar a poupança pública. Que era preciso dotar o Estado de novas formas de intervenção mais leves, em que a competição tivesse um papel mais importante. Que era urgente montar uma administração não apenas profissionalizada, mas também eficiente e orientada para o atendimento dos cidadãos". Bresser Pereira [226]

Em 1988 os Constituintes viram o que era de ser visto: a necessidade de estabelecimento de princípios, direitos e garantias protetores e estimuladores da cidadania reprimida por tanto tempo, de esboçar um quadro geral de valores e de limites a partir do qual os brasileiros, finalmente, viessem a exercer de tal forma sua cidadania que, transcorridos mais de dez anos, pudessem dizer, com sua própria voz, que serviços, para que fins desejam sejam prestados pelo Estado, e que preço estão dispostos a pagar por eles.

Quando, a respeito do governo Collor, se afirma que "Na área da administração pública, porém, as tentativas de reforma do governo foram equivocadas. [...] o fracasso se deveu, principalmente, por haver tentado reestruturar o aparelho do Estado sem antes reformar a Constituição" [227], entende-se a Constituição como um instrumento para se atingir a um fim, e não como o próprio fim que a sociedade desejou imprimir - e que limitou - ao Estado. Não é de se aceitar, em nome da soberania popular e do princípio da rigidez constitucional protetiva de princípios e valores fundamentais, que a Carta Política seja meramente um instrumento viabilizador de reformas tão profundas, que se possa rasgar e emendar como uma simples "folha de papel". Afinal, quem está promovendo as reformas e as privatizações nada mais são que governantes transitórios, que devem ater-se ao gerenciamento desses bens e nunca à sua liquidação, sem que para tanto opinem a sociedade, os contribuintes, donos do patrimônio público nacional [228].

Simultaneamente a ajustes de ordem econômica inadiáveis, seria dever de qualquer governo comprometido com o desenvolvimento nacional estimular e incentivar a participação da sociedade na re/construção de seu Estado, através de mecanismos importantes como maximização do potencial dos meios de comunicação, desenvolvimento de experiências de observatório através de controle e fiscalização de políticas públicas (como se faz nos emblemáticos países anglo-saxões), promoção de campanhas de comprometimento público do governo, valorização das organizações da sociedade civil e das práticas de participação popular, campanhas de mobilização de massas em torno de problemas específicos, reconhecimento, valorização e incorporação da intervenção popular direta em atividades econômicas representada pela chamada economia informal. Parece que deve ser esta a base de legitimidade de um governo eleito democraticamente.

O esforço de reforma que o governo federal vem empreendendo, que culminou com a promulgação das Emendas 19 e 20/98, que modificaram, em seus princípios e estrutura a administração pública, a primeira, e a previdência social a segunda, é resposta às exigências monetaristas do capital transnacional, logo das grandes corporações transnacionais, representado pelas agências internacionais - Fundo Monetário Internacional-FMI e Banco Mundial-BIRD, sobre todas as outras.

A rigor, a reforma administrativa, considerada básica para as demais, por envolver a medula do próprio governo-Estado, já tem seus fundamentos lançados. O momento, agora, é de discutir-se a Constituição da República (que vem sendo tão profundamente emendada), sua força normativa, sua vontade, os limites impostos para sua reforma, e as mutações constitucionais que se realizam pari passu com as mutações da própria sociedade.

Chegando ao final do segundo milênio, o Brasil vem se aproximando de uma reforma técnica do Estado, seguramente mais consciente do tamanho de sua crise, porém mais distanciado da política, na medida em que o modelo tradicional do sistema representativo vem se estagnando, diante da violenta e devastadora força do processo globalizado de massificação das economias e do processo de transformação da sociedade.

A transnacionalização da atual ordem mundial, pondo em xeque os fundamentos do Estado e da democracia, evidencia que não é mais possível organizar a vida institucional e governar como antes, sobretudo pela falta de base territorial para as tomadas de decisões, hoje condicionadas pelo capital internacional.

Diante desse quadro parece quedar evidente a necessidade de se devolver ao verdadeiro dono do poder a voz capaz de expressar uma nova forma de organização social e de participação, em uma síntese mais atuante de democracia direta e representativa, como, aliás, é a vontade da Constituição - ainda cidadã - de 1988, de forma que se empreendam as necessárias e urgentes reformas do Estado a partir das reais necessidades e em razão do interesse coletivo.

Em nome da soberania popular, insculpida como princípio fundamental no parágrafo único do art. 1º da Constituição da República, é de se renegar a apropriação do poder de reforma constitucional da maneira como vem sendo feita, pelo Congresso Nacional, sem referendo popular. É de se exigir a realização de plebiscitos, referendos e iniciativas legislativas populares, como determinou a Lei nº 9709/98, atendendo à vontade da Constituição, conforme demonstrado em capítulo anterior. A sociedade deve consolidar e impulsionar seus órgãos de colaboração, controle e intervenção na vida estatal, para assumir a posição que lhe cabe de titular da verdadeira soberania, que pertence à Nação e não ao governo.

Conforme lição de Fábio Konder Comparato,

"Quando as classes dominantes já não mantêm nenhum dever de lealdade ao país, a alternativa é clara: ou o povo assume diretamente o poder político, ou perde em definitivo sua independência.

A necessidade de uma reconstitucionalização completa da sociedade brasileira põe-se, desde logo, como inevitável, e o seu objetivo se delineia com toda clareza em dois sentidos: atribuir diretamente ao povo, de um lado, a competência para tomar as grandes decisões nacionais; reconstruir, de outro lado, o poder de direção do Estado sobre o conjunto das atividades econômicas, em função dos objetivos nacionais aprovados pelo povo. [229]"

Do contrário, como em um círculo vicioso que se repete desde os primórdios da colonização brasileira, estar-se-á negando à sociedade um papel que lhe é próprio, usurpando-lhe a cena política.

"Às vésperas do 500º aniversário do Descobrimento, corremos o sério risco de voltarmos, como numa viagem redonda, aos primórdios da colonização, quando não existia nem podia existir sentimento nacional. O primeiro historiador do Brasil, Frei Vicente do Salvador, retratou fielmente a mentalidade das primeiras gerações de colonizadores, agora reproduzidas nas novas classes dominantes:

'E deste modo se hão os povoadores, os quais, por mais arraigados que na terra estejam e mais ricos que sejam, tudo pretendem levar a Portugal e, se as fazendas e bens que possuem souberam falar, também lhes houveram de ensinar a dizer como os papagaios, aos quais a primeira coisa que ensinam é: papagaio real para Portugal, porque tudo querem para lá.. E isto não têm só os que de lá vieram, mas ainda os que cá nasceram, que uns e outros usam da terra, não como senhores, mas como usufrutuários, só para a desfrutarem e a deixarem destruída'" [230].Fábio Konder Comparato


CONCLUSÃO

"O direito, em suma, privado de moralidade, perde sentido, embora não perca necessariamente império, validade, eficácia. Como, no entanto, é possível às vezes, ao homem e à sociedade, cujo sentido de justiça se perdeu, ainda assim sobreviver com o seu direito, este é um enigma, o enigma da vida humana, que nos desafia permanentemente e que leva muitos a um angustiante ceticismo e até a um despudorado cinismo". Tércio Sampaio Ferraz Jr. [231]

O retrospecto da formação e desenvolvimento da sociedade brasileira sugere, neste final de milênio, um processo circular: da colonização portuguesa, voltada para a extração e exploração mais rentáveis e a menor custo para a Coroa das riquezas do novo mundo, à etapa atual do processo de globalização da economia brasileira, em que o capital transnacional é determinante das tomadas de decisões. Repete-se a História, na medida do comprometimento dos recursos e da remessa de lucros e divisas para o exterior.

O modelo neoliberal atual, em vez de representar uma saída para a crise mundial, tem sido o responsável pela desestruturação do sistema produtivo, por falências e desnacionalizações, redundando em um elevado nível de deterioração social, mensurável pelas taxas de desocupação, na exacerbação das relações de trabalho, no encurtamento do poder aquisitivo dos salários e na escalada da violência, não apenas no Brasil, como em quase todos os países da América Latina, para ficar em um só e mesmo Continente.

Muda o país, muda a História. Devem mudar, ipso facto, a ordem jurídico-institucional e o Estado. Assim também a Constituição, configuradora da ordem social, política e jurídica do Estado, por seu dever de refletir a vontade geral e manifestar as aspirações da sociedade.

No Brasil, vem sendo implantado um projeto de reforma do Estado, cujas bases teóricas apóiam-se em experiências internacionais e cujas bases práticas em emendas à Constituição, fruto de um prolífero processo legislativo.

O presente trabalho partiu da premissa da supremacia da Constituição e da explicitação da vontade da Carta de 1988, legitimada pelo alto grau de interação entre os diversos segmentos que compõem a sociedade brasileira - que se aprendeu a respeitar e a valorizar, como a maioria do povo que, desde então, vem tomando consciência de seus direitos e garantias e do potencial de cidadania que lhe é inerente, e que o Texto Fundamental erigiu como condição de soberania [232], - para investigar e concluir:

- as linhas teórico-programáticas do projeto de reforma do governo federal revelam-se técnica e sistematicamente evoluídas, de acordo com o modelo de experiências análogas desenvolvidas em países como a Inglaterra, a Nova Zelândia, a Austrália, o Canadá, os Estados Unidos e a Suécia;

- não obstante essas características de modernidade, não se reportam a programa/s substantivos de desenvolvimento; contrariamente, nas palavras do Ministro gerente da reforma, têm como escopo a redução de custos, não espelhando a idéia de que o "Estado deve corresponder às reais necessidades de seus cidadãos";

- sua implantação tem dependido do jogo de articulações político-institucionais, viabilizadoras da promulgação "em série" de verdadeiros pacotes de emendas constitucionais;

- os dados referentes ao processo legislativo específico revelam que, entre 1989 e 1999, praticamente todos os artigos (a maioria dos incisos e grande parte das alíneas) da Constituição da República foram objeto de propostas de emenda constitucional, o que configura a prática de um indesmentível projeto de reforma total da Constituição, através da usurpação pelo Congresso Nacional, em nome do Poder Executivo, do poder originário de criar e modificar a estrutura do Estado, cuja titularidade é do povo;

- o processo de desmonte do Estado - e da Constituição - vem sendo empreendido a partir de projetos isolados, sem correspondência com as aspirações da sociedade, de quem o Estado mais uma vez se dissocia.

Emprestando a expressão ao Ministro Bresser Pereira, a "refundação da República" não pode limitar-se a projetos. Sua legitimidade - malgrado a realidade dos votos que, nas eleições de 1998, democraticamente concederam a reeleição à Administração atual - somente advirá da submissão dos projetos governamentais a um autêntico processo de participação popular, em que o dono da voz, o povo, manifeste sua vontade - como vem aprendendo a fazer cada vez melhor, desde 5 de outubro de 1988 - para que a partir dela se remodele, no que for necessário, a vontade da Constituição Brasileira, por cuja força normativa se deve pugnar.


ANEXO 1

Propostas de Emenda à Constituição por Senador, Partido Político e UF

 

Senadores

 

Partido

 

UF

 

PECs

Abdias Nascimento

PDT

RJ

1

Ademir Andrade

PSB

PA

6

Affonso Camargo

PPR/93-94

PTB/91

PR

PR

2

1

Alfredo Campos

s/ part/90-91

PMDB/91

MG

MG

2

3

Alvaro Dias

PSDB

PR

4

Antero Paes de Barros

PSDB

MT

2

Antonio Carlos Magalhães

PFL

BA

3

Antonio Carlos Valadares

PSB

PP/95

SE

SE

3

2

Artur da Távola

PSDB

RJ

3

Bello Parga

PFL

MA

2

Bernardo Cabral

PFL/98

PP/96

AM

AM

2

1

Carlos Bezerra

PMDB

MT

3

Carlos Patrocínio

PFL

TO

12

Carlos Wilson

PSDB

PE

1

Casildo Maldaner

PMDB

SC

1

Cesar Dias

PMDB

RR

1

Cid Sabóia de Carvalho

PMDB

CE

2

Coutinho Jorge

PSDB/97

PMDB/91

PA

PA

1

3

Darcy Ribeiro

PDT

RJ

1

Edison Lobão

PFL

MA

3

Eduardo Siqueira Campos

PFL

TO

1

Eduardo Suplicy

PT

SP

2

Elcio Alvares

PFL

ES

1

Elói Portela

PFL

PI

1

Emília Fernandes

PDT

RS

2

Senadores

 

Partido

 

UF

 

PECs

Epitácio Cafeteira

PPB/96

PPR/93;95

PDC/92

MA

MA

MA

1

2

1

Ernandes Amorim

PPB/98

PMDB/96

PDT/95

RO

RO

RO

1

1

1

Esperidião Amin

PPB/96-98

PPR/95

SC

SC

4

1

Francisco Escorcio

PFL

MA

2

Francisco Rollemberg

PFL

SE

2

Garibaldi Alves Filho

PMDB

RN

1

Geraldo Althoff

PFL

SC

4

Geraldo Candido

PT

RJ

1

Geraldo Melo

PSDB

RN

3

Gerson Camata

PMDB

ES

1

Gilberto Miranda

PMDB

AM

3

Gilvam Borges

PMDB/96

PMDB/95-96

AM

AP

1

4

Guilherme Palmeira

PFL

AL

1

Heloísa Helena

PT

AL

1

Humberto Lucena

PMDB

PB

2

Iram Saraiva

PMDB

GO

1

Iris Rezende

PMDB

GO

2

Jader Barbalho

PMDB

PA

2

Jefferson Peres

PDT/99

PSDB/96

AM

AM

2

2

João Alberto Souza

PMDB

MA

1

João França

PP/95

PDS/92

RR

RR

3

1

João Mendes

PFL

PA

1

João Rocha

PFL

TO

2

Jonas Pinheiro

PTB

AP

2

José Alencar

PMDB

MG

1

José Alves

PFL

SE

1

José Bonifácio

PPB

TO

1

José Eduardo Dutra

PT

SE

5

José Eduardo Vieira

PTB

PR

1

José Ignacio Ferreira

PSDB/96-98

PMDB/95

ES

ES

9

6

José Richa

PSDB

PR

1

 

Senadores

 

Partido

 

UF

 

PECs

José Roberto Arruda

PSDB

DF

7

José Sarney

PMDB

AP

2

José Serra

PSDB

SP

6

Julio Campos

PFL

MT

6

Jutahy Magalhães

PSDB

BA

2

Lauro Campos

PT

DF

2

Leomar Quitanilha

PPB

TO

2

Leonel Paiva

PTB/97

PFL/98

DF

DF

1

1

Leopoldo Peres

PMDB

AM

1

Lucio Alcantara

PSDB

CE

6

Luiz Alberto

PTB

PR

1

Luiz Otávio

PPB

PA

1

Luzia Toledo

PSDB

ES

2

Maguito Vilela

PMDB

GO

3

Mansueto de Lavor

PMDB

PE

1

Marcio Lacerda

PMDB

MT

1

Marco Maciel

PFL

PE

4

Marcos Mendonça

PSDB

SP

1

Marina Silva

PT

AC

2

Marluce Pinto

PTB

RR

2

Mata Machado

PSDB

MG

1

Maurício Correa

PDT

DF

2

Mauro Miranda

PMDB

GO

2

Mozarildo Cavalcanti

PFL

RR

5

Nabor Jr.

PMDB

AC

1

Nelson Carneiro

PP/94

PMDB/89

RJ

RJ

1

1

Ney Maranhão

PRN

PE

1

Ney Suassuna

PMDB

PB

11

Odacir Soares

PTB/98-99

PFL/92-96

RO

RO

6

9

Olavo Pires

PTB

RO

1

Osmar Dias

PSDB

PR

2

Paulo Hartung

PSDB

ES

4

Paulo Souto

PFL

BA

3

Pedro Simon

PMDB

RS

28

Pedro Teixeira

PDT

DF

1

Ramez Tebet

PMDB

MS

1

 

Senadores

 

Partido

 

UF

 

PECs

Regina Assumpção

PTB

MG

1

Renan Calheiros

PMDB

AL

1

Roberto Freire

PPS

PE

1

Roberto Requião

PMDB

PR

8

Romero Juca

PSDB/99

PFL/97

RR

RR

3

2

Romeu Tuma

PFL/98

PSL/96

SP

SP

3

1

Ronaldo Cunha Lima

PMDB

PB

6

Ronan Tito

PMDB

MG

1

Ruy Bacelar

PMDB

BA

1

Sebastião Rocha

PDT

AP

6

Sergio Machado

PSDB

CE

11

Tião Viana

PT

AC

1

Toto Cavalcanti

PPB

TO

1

Valmir Campelo

PTB

DF

2

Vilson Kleinubing

PFL

SC

2

Waldeck Ornelas

PFL

BA

3

ANEXO 2

Dispositivos da Constituição de 1988 objeto de Proposta de Emenda Constitucional

Art.

Par.

Inciso alínea

ADCT

Proposta

Emenda efetiva

2

S

PSDB-SP,PR

EC2/92

3

S

PSDB-PR, PTB-RR,DF

4

3

S

PTB-RO, PPB-TO

5

S

PMDB-AM, PPB-TO

5

XXXVIII

PMDB-PB

5

XLVII

PMDB-PB

5

LIX

PMDB-CE

5

LXXV

PMDB-RS

5

LXXVI

PMDB-RS

6

PSDB-CE, PMDB-GO

6

S

PODER EXECUTIVO

EC14/96

7

IV

PMDB-PB

7

XXIX

PSDB-PR

7

PMDB-AM

8

PT-SE

8

II

PT-SE

8

S

PPB-TO

Art.

Par.

Inciso alínea

ADCT

Proposta

Emenda efetiva

9

1

PPR-PR

10

I

S

PSDB-PR

12

3

VII

PODER EXECUTIVO

EC23/99

12

5

PFL-TO

12

I, c

PSDB-CE

14

7

PFL-CE, PTB-RO

14

6

PFL-PA

14

3

PSDB-ES

14

2

S

PMDB-RR, PSDB-ES

14

1

PFL-TO, PSDB-ES

14

V

PTB-DF

14

PFL-MA,TO, PMDB-RS, AP, PR, PDT-RO, PPB-TO, PSDB-SP,CE

14

1

PFL-TO

14

5

PRN-PE, PFL-PA, PPB-RO, PT-SE

EC16/97

14

6

PPB-RO, PFL-PI

14

7

PPB-TO, PPB-SC, PFL-SC

16

PMDB-BA, PA

17

PFL-RO, PSDB-SP,CE

17

1

PSB-PA

18

4

PP-AM, PFL-MA, PFL-MA

EC15/96

18

PMDB-RS, PFL-SC

19

PPB-TO

19

S

PSDB-RN

20

PP-RR, PMDB-ES

20

VII

PMDB-ES, PSDB-ES

21

XI

PODER EXECUTIVO

EC8/95

21

XII, a

PODER EXECUTIVO

EC8/95

22

PMDB-AP

22

S

PSDB-ES

Art.

Par.

Inciso alínea

ADCT

Proposta

Emenda efetiva

24

PDT-AP, PMDB-AP

24

XV

PMDB-AP

24

XVI

PDT-AP

25

2

PODER EXECUTIVO

EC5/95

26

PMDB-ES

27

PFL-MA.SC

27

1

PSDB-CE

28

II

PFL-PE,SC

28

PFL-MA,MT,PA,TO;PSDB PSDB-CE

EC16/97

29

2

PFL-PE,SC

29

PMDB-BA,MA, PSB-PA

29

II

PFL-MT,PA, PSDB-CE,PFL-TO

EC16/97

29

III

PSDB-DFCE

29

IV

PSDB-PR

29

VII

PPB-SC

30

PMDB-RS

32

PFL-PE

34

2

III, d

PMDB-PA

34

PODER EXECUTIVO

EC14/96

35

CÂMARA DEPUTADOS

37

IV

PFL-TO, PSDB-DF

37

III

PSDB-DF

37

PMDB-MT, PT-AC, PFL-RO

38

PODER EXECUTIVO

EC19/98

39

PODER EXECUTIVO

EC19/98

39

§§

PODER EXECUTIVO

EC19/98

40

PFL-TO

40

II

PMDB-RS, PFL-SE,PE

40

1

III, b

PMDB-MS

40

5

PSDB-AM

Art.

Par.

Inciso alínea

ADCT

Proposta

Emenda efetiva

40

6

PSDB-ES

41

PODER EXECUTIVO

EC19/98

41

§§

PODER EXECUTIVO

EC19/98

42

S

PMDB-GO,MT

44

S

PT-SE

45

PSDB-SP,CE

45

1

PSDB-PR

46

PFL-RR

46

1,2

PSDB-CE

46

3

PT-DF

47

PSDB-BA

48

PODER EXECUTIVO

EC19/98

48

XV

PODER EXECUTIVO

EC19/98

49

XVI

PDS-RR

49

PP-RR, PDT-RJ, PSDB-CE

49

3

S

PMDB-MA, PSDB-ES

50 [233]

EC02rev/94

50

2

E02rev/94C

51

PSDB-CE

51

IV

PODER EXECUTIVO

EC19/98

52

PFL-RR, PSDB-RN

52

I

PODER EXECUTIVO

EC23/99

52

II

PMDB-GO

52

III, d

PFL-RR,TO, PSDB-RR

52

XI

PFL-RR

52

S

PSDB-SP

53

PFL-RO,AM, PMDB-RS, PSDB-SP

53

1

PTB-RO

54

PT-AC, PFL-RO

Art.

Par.

Inciso alínea

ADCT

Proposta

Emenda efetiva

55

PMDB-RS, PSDB-CE,PE,PFL-AM

55

4

PT-AC

55

2,3

PFL-AM

56

PSDB-CE, PT-SP

57

PSDB-AM,CE, PFL-RR

57

4,6,8

PMDB-PA

57

3

PSDB-SP,MG, PDT-AP

57

2

PMDB-PB,SC, PSDB-CE

58

3

PTB-RR, PDT-AM

58

2

V

PSDB-ES, PFL-RO

60

2

PMDB-PB, PSDB-CE

61

4

II, c, f

PODER EXECUTIVO

EC18/98

62

PSDB-MG, PPR-SC, PMDB-PB, PMDB-PR, PPR-MA, PTB-RO

62

2

PTB-AP

64

PSDB-MG, PFL-BA,AL

66

PSDB-CE

66

4

PSDB-SP, PMDB-MG,

66

5

PSDB-BA

66

6

PMDB-RS

67

PSDB-CE

68

3

PSDB-SP, PMDB-MG

70

único

PODER EXECUTIVO

EC19/98

71

S

PODER EXECUTIVO

EC10/96

71

S

PT-DF, PODER EXECUTIVO

EC17/97

71

VI

PFL-TO

71

VII

PTB-RO, PFL-TO

72

S

PODER EXECUTIVO

EC10/96

72

S

PODER EXECUTIVO

EC17/97

72

2

PMDB-RS

Art.

Par.

Inciso alínea

ADCT

Proposta

Emenda efetiva

73

3

PODER EXECUTIVO

EC20/98

74

S

PMDB-PB,PDT-AP, PFL-ES

75

PT-DF

76

S

PODER EXECUTIVO

77

PFL-PA

EC16/97

77

2,3,4

PSDB-CE

82

PTB-DF, PFL-PA,TO, PSDB-DF

EC16/97

84

XI

PT-SP

84

XIII

PODER EXECUTIVO

EC23/99

84

XIV

PFL-RR, PSDB-RR

91

V

PODER EXECUTIVO

EC23/99

92

PDT-RJ

93

PSDB-ES,CE

94

PMDB-ES, PSDB-ES

95

III

PODER EXECUTIVO

EC19/98

96

I

PFL-RR

98

PMDB-RS, PODER EXECUTIVO

EC22/99

99

1

PT-AL

100

PFL-BA

101

PSDB-PA, PSB-PA

101

1

PSDB-PA

102

I, c

PODER EXECUTIVO

EC23/99

102

2

PMDB-PB

102

I, l

PODER EXECUTIVO

EC22/99

103

4

PMDB-PR

EC03/93

104

PT-AC

105

I, b,c

PODER EXECUTIVO

EC23/99 EC22/99

109

PMDB-PR

114

PDT-AM

Art.

Par.

Inciso alínea

ADCT

Proposta

Emenda efetiva

119

PMDB-GO

120

PMDB-GO

121

PMDB-GO

127

2

PODER EXECUTIVO

EC19/98

128

2

PMDB-GP

128

5

II, e

PMDB-CE, PFL-RO

129

PDT-RJ

129

VII

PMDB-RS

132

PMDB-GO,RS

142

PMDB-RS

143

PMDB-RS

143

1,2

PFL-BA

144

8

PSL-SP, PFL-SP

145

3

PFL-BA

150

III, c

PDC-MA

150

VI,d

PDT-AP

153

PMDB-AP, PFL-MA, PPB-MA

155

PFL-MA

155

2

III

PTB-PR

155

2

X, b

PMDB-RN, MG

155

2

IX

PSDB-RN

155

3

PFL-BA

156

PMDB-AP

158

PSDB-ES

158

único

I,II

PSDB-ES

158

IV

PSDB-ES

159

PFL-PE,MA, PDT-DF, PP-RJ, PMDB-PA

159

I, b

PMDB-PA

159

I, c

PPB-PA

160

S

PODER EXECUTIVO

EC14/96

Art.

Par.

Inciso alínea

ADCT

Proposta

Emenda efetiva

161

I

PFL-PE

161

II

PFL-PE

163

V

PSDB-SP

165

PMDB-RS,GO

165

9

PMDB-PB,RS

165

1

PMDB-MT

166

1,2

PSDB-SP, PMDB-MG

166

3

II,b

PSB-PA

166

5

PDT-AP

166

PFL-MT, PMDB-RS,PSDB-CE

167

PFL-MA, PMDB-RS

167

IV

PMDB-GO

167

VI

PMDB-GO

168

PT-AL, PFL-SC

169

5

PSDB-RR

170

IX

PODER EXECUTIVO

EC6/95

170

PMDB-PR

171

PODER EXECUTIVO

EC6/95

173

1

I a V

PODER EXECUTIVO

EC19/98

176

PDT-RJ

176

1

PODER EXECUTIVO

EC6/95

176

3

PT-SE

177

1

PODER EXECUTIVO

EC9/95

178

PODER EXECUTIVO

EC7/95

184

PDT-RJ, PFL-BA

192

PSDB-RR

192

II

PPR-SP

EC13/96

192

3

PSDB-CE

192

PFL-RR, PSDB-SP

193

PMDB-GO

Art.

Par.

Inciso alínea

ADCT

Proposta

Emenda efetiva

194

único

V

PFL-DF

195

PSDB-ES

198

CAMARA DEPUTADOS

199

PFL-MT

201

PODER EXECUTIVO

EC20/98

201

I a V

PODER EXECUTIVO

EC20/98

201

§§

PODER EXECUTIVO

EC20/98

202

PODER EXECUTIVO

EC20/98

202

§§

PODER EXECUTIVO

EC20/98

206

III

PFL-TO

207

PMDB-PR

208

PFL-TO

211

1 a 4

PODER EXECUTIVO

EC14/96

212

PSDB-ES

218

PFL-MT

220

PSDB-ES

220

3

PSDB-CE, PTB-RO

222

3

PSB-SE

223

2,3

PDT-AP

225

PFL-RR,BA

228

PPR-MA, PMDB-CE,PB, PFL-RR PSDB-RR,DF,RJ, PTB-RO

230

3

PDMB-AP

231

PDS-RR, PP-RR, PFL-RR

233

PSDB-PR

235

IX

PMDB-AP

235

III

PTB-RR

239

1

PFL-BA

241

PODER EXECUTIVO

EC19/98

243

PT-SE, PSB-PA

246 [234]

PODER EXECUTIVO

EC06/95

247

único

PODER EXECUTIVO

EC19/98

248

PODER EXECUTIVO

EC20/98

249

PODER EXECUTIVO

EC20/98

250

PODER EXECUTIVO

EC20/98


BIBLIOGRAFIA

Livros:

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Notas

  1. Specimen das Cartas de Doações e Foraes de Capitanias. In: MARTINS JUNIOR, J. Izidro. História do Direito nacional. RJ: Tipografia da Empresa Democrática Editora, 1895. p. 266.
  2. Regimento ao Primeiro Governador Geral do Brazil (Regimento de Thomé de Souza). In: MARTINS JUNIOR, J. Izidro. op. cit. p. 279.
  3. O que confirmam as lições de Manoel Bomfim, Alberto Torres, Oliveira Vianna, entre outros, que já entre 1910-1930 evidenciavam o fato de códigos e constituições pátrios serem compilações abstratas, estranhas ao meio brasileiro, a ponto de importar-se um federalismo calcado no modelo implantado nos EUA, nação que, diferentemente do Brasil, se formou do pacto entre estados preexistentes, resguardadas suas diferenças, base de sua soberania. Enquanto o federalismo norte-americano nasceu de necessidades internas, no Brasil formalizou-se a fragmentação de interesses políticos e a prevalência das oligarquias.
  4. TORRES apud LYNCH, Christian Edward Cyrill et al. Cadernos - Pensamento Social Brasileiro. Rio de Janeiro: Departamento de Direito - PUC Rio, ano IV, n. 4, 1998. p. 70.
  5. A sociedade brasileira é historicamente avessa à solidariedade. Conforme observa Oliveira Vianna (In: LYNCH, Christian Edward Cyrill et al. op. cit.), ao comparar os processos de desenvolvimento dos núcleos surgidos na Inglaterra e nos Estados Unidos com o brasileiro, o sentido de solidariedade se deveu, no primeiro caso, à necessidade de os homens unirem-se para vencer as dificuldades inerentes à falta de espaço, à alta densidade demográfica e à escassez de recursos de subsistência. No caso do Brasil, a situação foi inversa: o excesso de espaço, a baixa densidade demográfica e a fertilidade do solo impediram que germinassem as condições que levaram os povos europeus - e posteriormente norte-americano, em decorrência da colonização inglesa - a desenvolverem uma necessária noção de solidariedade e o desenvolvimento mecanismos de solução de conflitos locais.
  6. Poder militar que se encontra exaustivamente disposto nos Forais e Cartas de Doação: "Para a segurança e defesa das povoações e fortalezas do Brazil, os capitães e os senhores de engenho, nos quais haverá sempre torres ou casas fortes, serão obrigados a ter, a saber: cada capitão em sua capitania, pelo menos dous falções, seis berços, seis meios berços, vinte arcabuzes, a polvora necessaria, vinte béstas, vinte lanças, quarenta espadas, e quarenta corpos d'armas de algodão, dos que se uzam no Brazil; e os senhorios dos engenhos, ao menos quatro berços, dez espingardas, a polvora precisa, dez béstas, dez lanças, vinte espadas e vinte corpos d'armas de algodão. E todo morador que tiver, no Brazil, casas, terras, aguas ou navio, terá pelo menos bésta, espingarda, lança e espada. Serão todos notificados para se proverem dessas armas dentro de um anno e findo esse prazo pagarão em dobro a valia das que faltarem". Regimento ao Primeiro Governador Geral do Brazil (Regimento de Thomé de Souza). In: MARTINS JUNIOR, J. Izidro. op. cit. p. 281
  7. Ilhas da Madeira, Açores, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe e, após o descobrimento do Brasil, Angola.
  8. Op. cit. p. 73.
  9. Enquanto a independência na América hispânica foi conquistada após muita resistência e luta (Argentina, Chile, México, Venezuela, entre 1810 e 1811; Peru, em 1824), no Brasil, a consciência separatista foi sufocada pela presença da Corte e pela confiança em dias melhores. Conforme leciona José Ribeiro Júnior, a unidade territorial brasileira foi mantida a fim de se evitar a multiplicação das rebeliões políticas que ensangüentaram e subdividiram a América espanhola. In: MOTA, Carlos Guilherme (Org.). Brasil em perspectiva. 4. ed. São Paulo: DIFEL, 1973. p. 150-151.
  10. É de se observar que a população do Rio de Janeiro, em 1808, era estimada em cerca de 72.000 habitantes e que a Corte trouxe consigo uma famulagem de aproximadamente 15.000 pessoas.
  11. Citado por LYNCH, Christian Edward Cyrill et al. op. cit. p. 11-12.
  12. Centro de Cultura Superior, que posteriormente se transformou na Academia Militar das Agulhas Negras, Faculdade de Ciências, Academia dos Guardas-Marinha e Academia de Belas Artes, no Rio de Janeiro, Escolas Médicas, no Rio de Janeiro e na Bahia, que posteriormente se transformaram nas Faculdades de Medicina e Cirurgia (cf. Enciclopédia Barsa. São Paulo: Melhoramentos, 1995. vol. IV, Parte Brasil). É de se observar que se proveram exclusivamente cursos técnicos e de formação militar, além do curso de belas artes. Os cursos de Direito, de formação política, somente surgiriam na segunda década do século, após a independência.
  13. Chamavam-se os reis portugueses, então, de reis de Portugal e dos Algarves, daquém e dalém mar em África, senhores da Guiné e da conquista, navegação, comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e da Índia etc.
  14. No Maranhão, a revolta de Beckman (1684-85), em Minas Gerais, a guerra dos Emboabas (1707-09), em Pernambuco, a guerra dos Mascates (1710-14), em Minas Gerais, a revolta de Vila-Rica (1720), as conspirações Mineira (1789), Baiana ou revolta dos Alfaiates (1798), Pernambucana (1817).
  15. FAORO, Raymundo. Os donos do Poder. 5. ed. Porto Alegre: Globo, 1979. Vol. I, p. 84-85.
  16. A respeito da "proclamação do Império", ver ALBUQUERQUE, Manoel Maurício. Pequena história da formação social brasileira. Rio de Janeiro: Graal, 1981.
  17. BOMFIM, Manoel. América Latina - males de origem, citado por LYNCH, Christian Edward Cyrill et al. op. cit., p. 9.
  18. A Assembléia Constituinte de 1823 (para um total de menos de 100 deputados, havia 48 juristas, 19 clérigos e 7 militares) foi a primeira expressão da soberania brasileira, apesar de não ter uma composição ideal, até porque no Brasil-colônia não havia escolas de democracia, nem meios de expressão cultural: clérigos e juristas formados em Coimbra eram a intelligentsia que se oferecia para conduzir o país. Cf. BOMFIM, Manoel. Op. cit. p. 68 e ss.
  19. Através do Poder Moderador, o imperador nomeava os senadores (previamente eleitos em lista tríplice), convocava a Assembléia Geral, cujas decisões sancionava, aprovava ou não as medidas sugeridas pelos Conselhos provinciais, prorrogava e adiava o exercício da Assembléia Geral, dissolvia a Câmara, marcava eleições, suspendia e nomeava magistrados, perdoava e moderava penas e concedia anistias.
  20. Cabe notar que em 12 de novembro de 1823, quando da dissolução da Assembléia Constituinte, o imperador levou as tropas às ruas.
  21. A escravidão só cairia, em 1888, por obsoleta, décadas depois de abolida na América em geral (Argentina: 1813; Colômbia: 1821; México: 1829; EUA: 1865; Cuba: 1870), quando as populações européias, a um custo menor que os escravos, viram-se obrigadas a imigrar e aos ingleses passara a desinteressar a escravidão, entre outros motivos, pelo interesse na criação de novos mercados, além mar, capazes de absorver sua produção industrial crescente. Partes de uma mesma estrutura, caem juntos escravidão e monarquia. Porém, mantêm-se os membros desta no comando da nova organização, os antigos barões da terra tornando-se senadores e os filhos dos fazendeiros, bacharéis eleitos deputados, compondo governos teoricamente republicanos, nos quais os coronéis-fazendeiros eram os quase os únicos eleitores, tendo seus votos multiplicados pelo número de filhos-famílias. Cf. Constituição de 25 de março de 1824, art. 90-97, particularmente os art. 92 e incisos do art. 94 e 95, quanto às pessoas excluídas de votar: para eleições primárias - os menores de 25 anos (exceto os casados e oficiais militares maiores de 21 anos, bacharéis e clérigos); filhos-famílias, na companhia de seus pais (salvo se tiverem ofício público); criados de servir (exceto guarda-livros e primeiros caixeiros de casas comerciais); criados da casa imperial que não forem de galão branco; administradores das fazendas rurais e fábricas; religiosos e quaisquer que vivam em clausura; os que não tiverem 100$ de bem de raiz, indústria, comércio ou emprego como renda líquida anual; para eleições de deputados, senadores e membros dos Conselhos de Províncias - todas as exclusões anteriores e ainda: os que não tiverem 200$ por bens de raiz, indústria, comércio ou emprego como renda líquida anual; os libertos; os criminosos pronunciados em querela ou devassa;. para nomear-se deputado: todas as exclusões anteriores e ainda: os que não tiverem 400$ de renda líquida na forma acima; os estrangeiros naturalizados, os que não professarem a religião do estado. Desta forma, os controladores da força de trabalho tinham o comando efetivo das estruturas de poder.
  22. Como parece ocorrer até os dias atuais.
  23. .De que é exemplo o Partido Republicano. Nas palavras do Manifesto de 1870, "A autonomia das províncias é, pois, para nós mais do que um interesse imposto pela solidariedade dos direitos e das relações provinciais, é um princípio cardeal e solene que inscrevemos na nossa bandeira. O regime da federação baseado, portanto, na independência recíproca das províncias, elevando-as à categoria de Estados próprios, unicamente ligados pelo vínculo da mesma nacionalidade e da solidariedade dos grandes interesses da representação e da defesa exterior, é aquele que adotamos no nosso programa, como sendo o único capaz de manter a comunhão da família brasileira." Não se organizando em âmbito nacional, eram, na realidade, várias agremiações políticas regionais - Partido Republicano Paulista e Partido Republicano Mineiro (1873), Partido Republicano Riograndense (1882), que em seus primórdios atuou em âmbito regional, através do Partido Republicano Paulista (1873), do Partido Republicano Mineiro e do Partido Republicano Riograndense. Cf. SOARES, Carlos Dalmiro da Silva. Evolução histórico-sociológica dos partidos políticos do Brasil imperial. Monografia apresentada ao programa de doutorado em Ciências Sociais da Universidad del Museo Social Argentino. Internet, 11 de mai. 1999. http://www.jus.com.br/doutrina.
  24. A respeito do tema, ver SODRÉ, Nelson Werneck. História militar do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.
  25. In casu, tratava-se da hegemonia dos governadores dos estados de São Paulo e Minas Gerais.
  26. Nas palavras de Manoel Bomfim, ao cuidar da formação da república no Brasil: "E aí estão as arquipotentes, como arqui-sugadoras, empresas estrangeiras, a quem foram deixados os mais importantes e rendosos serviços públicos municipais dos principais centros urbanos do país, inclusive as grandes capitais - Rio e São Paulo. De fato, Bond and Chair, Light and Power, são senhoras incontrastáveis da parte mais povoada, mais rica do Brasil. A receita das duas é mais forte que a do Estado - União. Força, luz, transporte, gás, águas... tudo está nas suas gavetas."" Op. cit., p. 536.
  27. "O Brasil foi um dos pioneiros na instituição das férias anuais remuneradas. De fato, já no ano de 1925 foi sancionada a Lei nº 4982, que concedia 15 dias de férias a várias categorias, quando se sabe que somente em 1936 a Conferência Internacional do Trabalho discutiu o assunto, passando daí a integrar a legislação de vários povos, entre eles o francês." Apud MARANHÃO, Délio; CARVALHO, Luiz Inácio B. Direito do trabalho. 17ª ed. Rio de Janeiro: FGV, 1993, p. 121.
  28. Decretos-leis que, a partir de outubro de 1988, com a promulgação da Constituição da República, transformaram-se em medidas provisórias.
  29. Op. cit., p. 46.
  30. Op. cit., p. 35-36.
  31. Introduzidos no ordenamento brasileiro pela Constituição de 37, cujo uso abusivo é evidenciado por Afonso Arinos de Melo Franco: "E Getúlio Vargas governou, de 1937 a 1945, com esses poderes excepcionais, sem nenhum racionalismo, doutrina ou orientação jurídica" (citado por RAMOS, Carlos Roberto. Da Medida Provisória. Belo Horizonte: Del Rey, 1994. P. 24).
  32. Entre os quais os generais Góes Monteiro e Eurico Gaspar Dutra.
  33. De "Queremos Getúlio".
  34. "[...] Dutra e Gomes, que se haviam unido para a deposição de Vargas, uniram-se para governar. Os dois partidos, PSD e UDN, fizeram um acordo, repartindo o governo, e trataram adequadamente o inimigo comum, o trabalhismo, os que acompanhavam Vargas. Era preciso extirpar da vida nacional qualquer possibilidade de avanço de qualquer manifestação popular, ainda no nível do trabalhismo que se originara no ventre do Estado Novo. Tratava-se, agora, de realizar, com fachada democrática, a política do imperialismo e do latifúndio, sem meias medidas. [...] A primeira necessidade estava, desde logo, em restabelecer as condições que permitiram ao imperialismo exercer a espoliação através da simples troca de mercadorias. No nosso caso, consistia em liquidar as reservas de divisas que a guerra nos havia proporcionado e que um governo medianamente interessado no desenvolvimento do país aproveitaria para impulsionar o reequipamento de seu parque industrial e na implantação de indústrias básicas". SODRÉ, op. cit. p. 290.
  35. Op. cit. p. 72.
  36. Op. cit. p. 78-80.
  37. Cujo slogan era "50 anos em 5", expressando a pressa em recuperar o tempo perdido e de tentar atingir níveis de desenvolvimento compatíveis com a modernidade que impulsionava o mundo externo, suma, adequar-se às exigências do capital internacional.
  38. Condecorou Ernesto "Che" Guevara com a mais alta comenda brasileira.
  39. Oportuno transcrever alguns trechos do discurso: REFORMAS: "[...] desses reclamos que, de norte a sul, de leste a oeste, levantam o seu grande clamor pelas reformas de base e de estrutura, sobretudo pela reforma agrária, que será o complemento da abolição do cativeiro para dezenas de milhões de brasileiros que vegetam no interior, em revoltantes condições de miséria". REVISÃO DA CONSTITUIÇÃO: "[...] não atende mais aos anseios do povo e aos anseios do desenvolvimento desta nação. A Constituição atual, trabalhadores, é uma Constituição antiquada, porque legaliza uma estrutura sócio-econômica já superada; uma estrutura injusta e desumana. O povo quer que se amplie a democracia, quer que se ponha fim aos privilégios de uma minoria [...]" PATRIMÔNIO NACIONAL: "A partir de hoje, trabalhadores brasileiros, a partir deste instante, as refinarias de Capuava, Ipiranga, Manguinhos, Amazonas e Destilaria Rio-Grandense passam a pertencer ao povo, passam a pertencer ao patrimônio nacional [...] Ao anunciar, à frente do povo reunido em praça pública, o decreto de encampação de todas as refinarias de petróleo particulares, desejo prestar homenagem de respeito àquele que sempre esteve presente nos sentimentos do nosso povo, o grande e imortal presidente Getúlio Vargas". OUTRAS PROVIDÊNCIAS: "Dentro de poucas horas, outro decreto será dado ao conhecimento da Nação. É o que vai regulamentar o preço extorsivo dos apartamentos e residências desocupados, preços que chegam a afrontar o povo e o Brasil, oferecidos até mediante o pagamento em dólares." ÚLTIMAS PALAVRAS: "Hoje, com o alto testemunho da nação e com a solidariedade do povo, reunido na praça que só ao povo pertence, o governo, que é também o povo e que também só ao povo pertence, reafirma os seus propósitos inabaláveis de lutar com todas as suas forças pela reforma da sociedade brasileira. Não apenas pela reforma agrária, mas pela reforma tributária, pela reforma eleitoral ampla, pelo voto do analfabeto, pela elegibilidade de todos os brasileiros, pela pureza da vida democrática, pela emancipação econômica, pela justiça social e pelo progresso do Brasil". Citado por SILVA, Hélio. 1964: golpe ou contragolpe?. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975. P. 457/466.
  40. Projeto que propiciava a desapropriação de terras nas margens das rodovias, estradas de ferro ou de terras beneficiadas por obras da União, desenvolvido pela SUPRA - Superintendência de Reforma Agrária, órgão criado por Jango em outubro de 1962 e antecessor do atual INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.
  41. Que se expressaram na Marcha da Família com Deus pela Liberdade, organizada pela União Cívica Feminina, que em São Paulo, em 19 de março de 1964, mobilizou cerca de 500 mil pessoas.
  42. Que posteriormente, com a edição do segundo Ato Institucional, passou a receber o nº 1.
  43. Na seqüência histórica, foram os seguintes os governos militares: 1. Castello Branco, de 11.04.64 a 15.03.1967 (extinção do pluripartidarismo e instituição do bipartidarismo (Arena e MDB), suspensão das eleições diretas e instituição de eleições indiretas, pelo Congresso, em outubro de 1965, pelo ato institucional nº 2; instituição das eleições indiretas para governadores pelas assembléias estaduais, pelo ato institucional nº 3; "votação" da Constituição, em 19.10.1966, sob protesto do MDB); 2. Costa e Silva, governou 15.03.1967 a 31.08.1969 (aumento dos poderes discricionários do Executivo, autorizado a censurar os meios de comunicação e a fechar as casas legislativas, pelo ato institucional nº5); 3. Garrastazu Médici, de 30.10.1969 a 15.03.1974 (endurecimento do regime militar, com cassação de mandato dos parlamentares mais combativos, intensificação dos órgãos de repressão política, censura absoluta aos meios de comunicação e à expressão parlamentar, sindicatos, movimentos estudantis, manifestações culturais, artísticas e religiosas, recurso da repressão através de prisão, tortura, banimento, aposentadoria forçada, conseqüente entrada na clandestinidade e, posteriormente exílio político, de grupos políticos oposicionistas, ações armadas sob forma de guerrilhas urbana e rural); 4. Ernesto Geisel, de 15.03.1974 a 15.03.1979 (em face da crise mundial do petróleo, aumento da inflação e recessão, esboça projeto de abertura política, suspensão da censura; diante da vitória da oposição nas eleições para a Câmara e o Senado de 1974, fechou o Congresso Nacional, em março de 1977, decretando a seguir medidas que alteravam as regras eleitorais para as eleições de 1978, garantindo ao partido situacionista - Arena - bancada majoritária, independentemente do resultado das eleições, além de ampliar o mandato presidencial de 4 para 6 anos, estabelecendo o exercício do cargo por nomeação; suspensão do ato institucional nº 5, modificação da lei de segurança nacional e revogação de atos de banimento de cidadãos brasileiros); 5. João Figueiredo, de 15.03.1979 a 15.03.1985 (projeto de anistia política em 1979, aprovação da lei orgânica dos partidos políticos e conseqüente restabelecimento do pluripartidarismo; eleição indireta, em janeiro de 1985, pelo colégio eleitoral, de Tancredo Neves, primeiro civil a ocupar a presidência desde abril de 1964).
  44. O qual seria reaberto dez meses mais tarde, em 22.10.1969.
  45. A respeito da reforma do estado, LOURENÇO, Marta Skinner de. O estado na economia. Apostila apresentada no curso de Economia II, Faculdades Integradas Candido Mendes-Ipanema, 03.09.1993.
  46. Caracterizado no radicalismo do slogan -"Brasil, ame-o ou deixe-o" - que, ao lado de outros como "Ninguém segura este país", na seqüência de grandes obras públicas de interiorização, como a Transamazônica e sobretudo do ufanismo nacional pela conquista do tricampeonato mundial de futebol, logrou provocar intensa mobilização popular.
  47. Em 1987, Luís Carlos Bresser Pereira.
  48. Em 1988, o ministro era Maílson da Nóbrega.
  49. GRAMSCI, Antonio. Maquiavel - a política e o Estado moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. P. 143.
  50. FARIA, José Eduardo. Crise constitucional e a restauração da legitimidade. Porto Alegre: Sérgio Fabris Ed., 1985.p. 8.
  51. MACHADO NETO, A. L. Compêndio de introdução à ciência do Direito. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 23.
  52. Tem-se notícia de que Justiniano e Hamurabi proibiam comentários às suas codificações e que Napoleão exclamara estar seu código acabado, quando começou a ser interpretado.
  53. As Cartas do século XVIII continham normas que dificultavam sobremaneira a alteração constitucional. Como exemplo, a Constituição francesa de 1791 só após dezoito anos da data de instalação de uma Assembléia revisora, cujo processo era lento e demorado, admitia o início de procedimento de revisão constitucional. O texto outorgado pelo império brasileiro em 1824, apesar de em seu art. 178 definir rigidamente o que fosse matéria constitucional ("é só constitucional o que diz respeito aos limites e atribuições respectivas dos poderes políticos, e aos direitos políticos e individuais dos cidadãos; tudo o que não é constitucional pode ser alterado, sem as formalidades referidas, pelas legislaturas ordinárias"), adotou o diferimento do processo de sua reforma, a saber quatro anos "depois de jurada a Constituição do Brasil" (art. 174).
  54. A esse respeito, ver LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Poder constituinte reformador - limites e possibilidades da revisão constitucional brasileira. São Paulo: RT, 1993. 287 p.
  55. As Constituições do México, de 1917 (art. 136), da Venezuela, de 1961 (art. 250) e do Peru, de 1979 (art. 307), "em normas de conteúdo comum, afirmam a permanência da Constituição, apesar de sua derrogação por ato de força ou outro procedimento nela não previsto, o julgamento dos responsáveis pelo ato de força, tão logo seja restabelecido o império da Constituição e o seqüestro dos bens dos responsáveis para ressarcimento da República". HORTA, Raul Machado. Permanência e mudança na Constituição. Revista Brasileira de Estudos Políticos. Belo Horizonte, n. 74/75. p. 236.
  56. GRAMSCI, Antonio. Op. cit. p. 141-144.
  57. O sentido sociológico da Constituição foi sustentado por Ferdinand Lassalle para quem a Constituição "folha de papel" somente tem eficácia se houver pontos de coincidência entre ela e os poderes que a geram. O sentido político da Constituição foi desenvolvido por Carl Schmitt, que distingue o que é matéria propriamente constitucional (o que respeita à forma de Estado, de governo, aos órgãos do poder e à declaração dos direitos individuais) do que é matéria de lei constitucional (tudo o mais que, embora situado na Constituição, não seja matéria constitucional). O sentido jurídico-normativo da Constituição foi desenvolvido por Hans Kelsen que, sistematizando o Direito enquanto ciência "pura", desprezou-o como meio de realização de justiça (ius), transformando-o em fim, isolando seus objeto (norma jurídica) e método (deontologia - o dever ser, o sollen), pensando a nova ciência como conhecimento próprio e autônomo, determinado pelas variantes do questionamento científico. A respeito, por todos, TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1993, p. 19-21.
  58. HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1991. passim.
  59. Hesse. ibidem, p. 19.
  60. GEORGAKILAS, Ritinha Alzira Stevenson, A Constituição e sua supremacia. In: FERRAZ JR., Tercio Sampaio; DINIZ, Maria Helena; GEORGAKILAS, Ritinha A. Stevenson. Constituição de 1988 - legitimidade, vigência e eficácia, supremacia. São Paulo: Atlas, 1989. p 123.
  61. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999. P. 239 e ss.
  62. "[...] pode-se afirmar que a Constituição converter-se-á em força ativa se fizerem-se presentes, na consciência geral - particularmente na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional -, não só a vontade de poder (Wille zur Macht), mas também a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung). HESSE. Idem, p. 19.
  63. FERREIRA, Pinto. Princípios gerais do direito constitucional moderno. 5. ed. São Paulo: RT, 1971. v. 1, p. 69.
  64. Da qual decorrem os princípios inarredáveis da unidade (as normas inferiores devem adequar-se às normas constitucionais), do controle da constitucionalidade (compatibilidade das normas inferiores relativamente à Constituição), da razoabilidade (as normas inferiores devem ser meios adequados ao atendimento dos princípios constitucionais), da rigidez (procedimento específico para sua modificação), da garantia do Estado de Direito (limitação dos órgãos públicos às determinações legais, ao passo que estas se conformam aos princípios, direitos e garantias fundamentais).
  65. BACHOF, Otto. Normas constitucionais inconstitucionais? Coimbra: Almedina, 1994, p. 1-2.
  66. FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Curso de direito constitucional brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1968. v. I, n. 86, p. 51.
  67. A Ação Declaratória de Constitucionalidade foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro através da Emenda Constitucional nº 03 de 17 de mar. 1992. A pretexto de solucionar crescentes controvérsias ensejadoras de um grande número de demandas, evitando-se prejuízo às partes e à segurança jurídica do país, passou a integrar o complexo sistema de controle da constitucionalidade, que o texto constitucional originalmente assegurou, pela via concentrada, às ações direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e de inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, ao lado do controle difuso, de origem norte-americana, consagrador do sistema misto de controle da constitucionalidade, no âmbito do Estado Democrático de Direito que o legislador constituinte intentava estruturar. É de se questionar até que ponto o efeito vinculante das decisões definitivas de mérito, proferidas pelo STF, nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário, violenta ou não o controle difuso da constitucionalidade e o poder geral de cautela inerente à atividade do Juiz natural, garantia fundamental do cidadão, inscrita em cláusula pétrea. A esse respeito, ver SLAIBI FILHO, Nagib. Ação declaratória de constitucionalidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense. 1995.
  68. Além das garantias já consagradas em Cartas anteriores (habeas corpus, mandado de segurança, ação popular), o texto de 1988 inovou ao garantir aos cidadãos os mandados de injunção e de segurança coletivo, além do habeas data, historicamente justificado pela existência de importantes cadastros e bancos de dados pessoais, montados e utilizados pelo Estado autoritário durante os anos de exceção.
  69. FARIA, José Eduardo. Op. cit., p. 15.
  70. Para citar apenas alguns dos adjetivos com que muitos costumam qualificá-la. De fato, ela é um pouco de cada conceito. O que se pretende discutir não é cada uma dessas afirmações - que não se negam -, mas a imperiosa necessidade de se compreender o texto constitucional - como documento político que é - como obra relativizável em sua inserção conjuntural em determinado momento da História do Brasil. Neste sentido, é possível entender-se mesmo a norma contida no § 2º do art. 242 e seu porquê.
  71. O § 2º do art. 41 da Constituição de 1969, modificado pela Emenda Constitucional 8/77, determinava que 1/3 das vagas do Senado Federal seriam preenchidas por meio de eleição indireta.
  72. A convocação da Assembléia Constituinte foi realizada através da edição de Emenda Constitucional, sem consulta popular, por iniciativa do presidente da República, à época, José Sarney, sendo certo de que, a partir dessa decisão, teve início um processo de divulgação e de informação a respeito da importância da redemocratização do país, cujos efeitos se fizeram ver na expressiva massa de contribuições que a sociedade - através de manifestações isoladas e, máxime, organizada em associações, sociedades civis, sindicatos e outros - aportou aos trabalhos da Constituinte, conforme se verá a seguir.
  73. Nos primeiros meses de 1984 eclodira a campanha das "Diretas Já", movimento suprapartidário pelo restabelecimento de eleições diretas para a Presidência da República, que levou às ruas das principais cidades brasileiras centenas de milhares de pessoas: São Paulo, 1 milhão e 700 mil (em 16/04) e 200.00 (em 25/01); Rio de Janeiro, 1 milhão em 10/04, 300.000 em 21/03 e 40.000 em 16/02; Goiânia, 300.000 em 12/04; Belo Horizonte, 250.000 em 14/02; Porto Alegre, 150.000 em 13/04; Vitória, 80.000 em 18/04; Recife, 60.000 em 05/04; Londrina, 40.000 em 02/04; Curitiba, Pelotas e Petrolina, 30.000 em 12/01; 14/04 e 08/04, respectivamente. Em 15/01/1985, o Colégio Eleitoral elege Tancredo Neves que, morrendo abruptamente em 21 de abril, foi substituído por José Sarney, seu vice-presidente. Este convocou, através da Emenda Constitucional 26, de 27/11/1985 a Assembléia Nacional Constituinte. Eleita em 15 de novembro de 1986, iniciou seus trabalhos em 01 de fevereiro de 1987. Composta por 487 deputados federais e 72 senadores, tinha o seguinte perfil: por filiação partidária - PMDB, 54,92%; PFL, 23,44%; PDS, 6,62%; PDT, 4,65%; PTB, 3,22%; PT, 2,86%; demais partidos, juntos - PL, PDC, PCdoB, PCB, PSB, PSC -, 4,29%; por caracterização profissional - advogados, 30,59%; empresários, 14,31%; médicos, 8,59; engenheiros, 8,41%; empresários rurais, 7,15%; economistas, 4,30%; jornalistas, 4,11%; professores, 2,68%; administradores, 1,96%; radialistas, 1,61%; agrônomos, 1,43%; servidores públicos, sindicalistas e pastores evangélicos e sociólogos, 1,07%.
  74. SLAIBI FILHO, Nagib. Anotações à Constituição de 1988 - aspectos fundamentais. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p. 55.
  75. MALMESBURY, Thomas Hobbes. Leviatã - ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. São Paulo: Nova Cultural, 1988. p. 109-110.
  76. A respeito dos trabalhos das Comissões, cf. Capítulo 3.
  77. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1994. p. 82.
  78. Também estado-polícia, état gendarme, porque garantidor dos direitos individuais, da ordem e da segurança.
  79. Apesar de todo Estado democrático dever ser, essencialmente, de Direito (logo o Estado Social também é Estado de Direito), optou-se, no texto, pela denominação "Estado Social", contraposto ao "Estado de Direito" liberal, no que pesem as críticas, justificadas, quanto à ambigüidade do termo "social", já que quase todas as ideologias podem acolher uma concepção de Estado Social, cf. Paulo Bonavides, Do Estado liberal ao Estado social. São Paulo: Saraiva, 1961.
  80. A Constituição de Weimar, em 1919, pela primeira vez subordinou a economia a normas de direito público, inserindo o controle estatal da economia privada no quadro de uma Lei Fundamental. A esse respeito, ver COTRIM NETO, A. B. A intervenção do Estado na economia. Brasília, Revista de Informação Legislativa, n. 96, p. 151.
  81. Apud SLAIBI FILHO. op. cit. p. 114.
  82. Ibidem. p. 106.
  83. É oportuno relembrar os princípios garantidores da cidadania, que integram a Carta de 1988, refletindo o padrão liberal clássico de organização jurídica, política e administrativa do Estado moderno: igualdade perante a lei; autonomia da vontade; liberdade contratual; hierarquia normativa; controle da legalidade e da constitucionalidade; garantias processuais; tripartição dos Poderes; individualização dos conflitos.
  84. Enquanto os direitos individuais, chamados de primeira geração, dominam o século XIX, os direitos sociais, surgidos com o Welfare State (direitos econômicos e coletivos, proclamados nas constituições socialistas e social-democratas) chamados de segunda geração, dominam o século XX. Os direitos difusos, chamados de terceira geração, dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade e nascidos da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio-ambiente, às comunicações e ao patrimônio comum da humanidade, dominam o último terço do século XX.
  85. De que cuida a tese inaugurada por Jacques Lambert, para quem no Brasil convivem e contrastam duas nações - dois Brasis -, que dialeticamente convivem e se afrontam. Cf. LAMBERT, Jacques. Os dois Brasis. Rio de Janeiro: INEP, 1959.
  86. COOLEY, Thomas. Princípios gerais de Direito Constitucional dos Estados Unidos da América do Norte. 2ª ed. (reprodução fac-similar parcial da edição de 1909). São Paulo: RT, 1902. p. 205. Grifo da autora.
  87. É historicamente notória a impregnação do posicionamento do Constituinte brasileiro de 1987 pró parlamentarismo (aliás, sistema de governo já proposto pela Comissão dos Notáveis), fato que por si só justifica a previsão de revisão do art. 3º do ADCT. Exemplo eloqüente do que se afirma encontra-se em discurso do Constituinte Nelson Carneiro, à Assembléia reunida em 01.05.1987, por todos: "Não há partidos fortes exatamente porque estamos no presidencialismo. No dia em que tivermos um parlamentarismo, o partido é que vai ao poder e, para isso, é preciso que haja o voto distrital [...] e a fidelidade partidária. Não é possível que no Parlamentarismo um partido suba e haja adversão, para ocorrer como no Império, onde um liberal parecia muito com um conservador". Atas da Assembléia Nacional Constituinte mai.1987, p. 89.
  88. Realizado em 21/04/1993, não obstante prevista a data de 07/09/1993, nos termos do art. 2º do ADCT, modificado pela Emenda Constitucional nº 02/92.
  89. SEMINÁRIO REVISÃO CONSTITUCIONAL, 1993, São Paulo. Revisão constitucional. São Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo - PGESP, 1993. p. 70.
  90. A exemplo da tese que fundamentou o Ato Institucional nº 1, que passou a desdobrar-se em uma série de outros, ou seja, de que a junta militar detinha, no tempo, o poder constituinte originário advindo do golpe de Estado de 1964. ibid., p. 37.
  91. Ibid., p. 36.
  92. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. verbete nº 361, p. 305.
  93. ATALIBA, Geraldo. Revisão Constitucional. Revista de Informação Legislativa. Brasília, n. 110, abr./jun.1991. p. 90.
  94. A respeito do tema, veja-se: democracia semi-participativa, SILVA. op. cit.; democracia semi-direta, BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A cidadania ativa - referendo, plebiscito e iniciativa popular. São Paulo: Ática, 1991; plena, MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo. Direito de participação política. Rio de Janeiro: Renovar, 1992.
  95. Op. cit. n. 179, p. 102.
  96. KELSEN, Hans. Teoria geral do Estado (tradução de Fernando de Miranda). São Paulo: Saraiva, 1938. P. 152.
  97. Constituição de 1988 - "Art. 1º, par. único- Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente [...]. Art. 5º, LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania; Art. 5º, LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio-ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência. Art. 7º, XI - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais [...] : participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei. Art. 10 - É assegurada a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos [...] Art. 11 - Nas empresas com mais de duzentos empregados, é assegurada a eleição de um representante destes com a finalidade exclusiva de promover-lhes o entendimento direto com os empregadores. Art. 29, XIII - iniciativa popular de projetos de lei de interesse específico do Município, da cidade ou de bairros [...] Art. 31, § 3º - As contas dos Municípios ficarão, durante sessenta dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade [...] Art. 61, § 2º - A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação [...] de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles. Art. 74, § 2º - Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União. Art. 187 - A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais [...] Art. 194, par. único - Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:. VII - caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação da comunidade, em especial de trabalhadores, empresários e aposentados. Art. 204, II - As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas [...] com base nas seguintes diretrizes: participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis. Art. 206, VI - O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: gestão democrática do ensino público, na forma da lei. Art. 216, § 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro [...] Art. 231, § 3º - O aproveitamento dos recursos hídricos [...], a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei." (Grifaram-se)
  98. BRASIL. Assembléia Nacional Constituinte. Anteprojeto Constitucional, 1986, p. XIII.
  99. Pela Emenda Constitucional nº 26, de 27.11.1985, cujo art. 1º proclamava, litteris: "Os membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal reunir-se-ão, unicameralmente, em Assembléia Nacional Constituinte, livre e soberana, no dia 1º de fevereiro de 1987, na sede do Congresso Nacional". Nas eleições de 15 de novembro de 1986, cerca de 70 milhões de eleitores elegeram os membros da Câmara dos Deputados e 2/3 dos membros do Senado Federal (posto que 1/3 cumpriria ainda metade de mandato de 8 anos), tendo os parlamentares a dupla função de atuar como constituintes, unicameralmente, na elaboração de uma nova Carta Política, "livre e soberanamente" e de exercer as funções legislativas, bicameralmente, neste mister submetidos à Constituição vigente, de 1969.
  100. Sobre o tema, ver SOUZA, Herbert de. A Nova República e as políticas sociais. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro, v. 21, n. 4, p. 24-30, ou./dez. 1987.
  101. NOGUEIRA. op. cit. p. 157-158.
  102. A esse respeito, observando-se a relatividade dos dados, em razão do evoluir da história brasileira nos últimos oito anos, inclusive o impeachment do presidente Collor, cabe relembrar as palavras do Dr. Ulysses Guimarães, em 1991: "Em cento e dois anos de Presidencialismo, eis a estatística do desastre: doze estados de sítio, dezessete atos institucionais, seis dissoluções do Congresso, dezenove rebeliões militares, três Presidentes depostos, sete Constituições diferentes, dois longos períodos ditatoriais, nove governos autoritários, cassassões, banimentos, prisões, torturas, assassinatos, exílios, intervenções nos Sindicatos e Universidades, censura à Imprensa, analfabetismo, doença, indignidade salarial, desemprego e desabrigo. Dois anos e sete meses foram a média de duração dos mandatos Presidenciais e de seis a doze meses a dos Ministros. [...] Nos últimos sessenta e dois anos, somente um Presidente civil terminou o mandato: Juscelino Kubitschek". BARRETTO, Vicente (Org.). O liberalismo e a Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991. p. 16.
  103. Cabe observar que, apud Emir Sader (SADER, Emir. Nós, o povo brasileiro. Internet, 11 de mar. 1999: http://members.tripod.com), cf. dados fornecidos pelo Tribunal Superior Eleitoral, para uma população de cento e seis milhões de eleitores, os brasileiros são "majoritariamente analfabetos ou semi-alfabetizados: oito milhões de analfabetos, vinte e cinco milhões de pessoas que apenas sabem ler e escrever seu nome, nove milhões com primeiro grau incompleto. Um total de quase oitenta milhões de pessoas que [...] não conseguem ler um texto, compreendê-lo e reproduzi-lo por escrito" e que 50% da população mais pobre tem acesso a apenas 13% da renda nacional, enquanto o topo da pirâmide social, representada por 1% da população, tem acesso a iguais 13% (apud Hélio Jaguaribe, in MACHADO, Mario Brockmann (Org.) e TORRES JR.; Ivan Vernon Gomes (Org.). Reforma constitucional. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1997, p. 56).
  104. A considerar, objetivamente, o pleno atingimento de metas propostas pelos sucessivos governos militares, no que tange ao desenvolvimento capitalista, à internacionalização da economia, a um processo acelerado de industrialização, ao cerceamento das liberdades políticas, individuais e coletivas, entre tantas outras, é de se perquirir se a não diminuição da miséria e das desigualdades sociais derivaram de incompetência do regime ou integravam seu peculiar projeto de "desenvolvimento".
  105. NOGUEIRA. op. cit. p. 109-110.
  106. Apud BARROSO, Magdaleno Girão. O Brasil constituinte e a Constituição de 1988. Brasília, 1992. p. 486-7. É de se ressaltar a animização da Constituição, que nasce, ganha vida e age, como parte integrante e fisicamente atuante da própria sociedade, da Nação.
  107. Opção, aliás, já assumida pela Comissão Provisória de Estudos Constitucionais - também conhecida como Comissão Afonso Arinos ou Comissão dos Notáveis, instituída pelo Decreto nº 91.450, de 18.07.1985. Composta de 50 membros (entre políticos, juristas e intelectuais), foi convocada para, nas palavras do então presidente José Sarney, na sessão de instalação de 03.09.1985, "reunir-se para ouvir a Nação, discutir com o Povo as suas aspirações, estimular a participação da cidadania no processo de discussão da natureza e fins do Estado e estimulá-lo a escolher bem os Delegados Constituintes [...]." Porém, o anteprojeto por ela apresentado sem ouvir a Nação, por optar abertamente pelo parlamentarismo como sistema de governo, não foi encaminhado ao Congresso Nacional para embasamento dos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, conforme informou o próprio Afonso Arinos ao Jornal do Brasil, em 27.11.1987: "O Presidente José Sarney não mandou porque o nosso anteprojeto previa o Parlamentarismo", apud BARROSO, Magdaleno Girão. idem, p. 219.
  108. MACHADO. op. cit. p. 58.
  109. Vale lembrar as palavras de José Eduardo Faria: "Eis aí, pois, a característica maior da nova ordem constitucional: se a democracia é, como diz Bobbio, partindo de uma "concepção procedimental e não substancial" e de um "significado restrito mas não por isso pobre", apenas "o conjunto das regras do jogo", a imposição de uma nova norma fundamental capaz de estabelecer entre nós as regras jurídicas do jogo político é, ela própria, resultante desse mesmo jogo - o que implica assim um direito sempre renovável em suas normas e procedimentos, fruto tanto dos novos enfrentamentos que se vão sucedendo quanto das próprias continuidades negociadas a cada etapa do processo histórico". FARIA, José Eduardo. A nova Constituição e a reorganização jurídico-institucional do País. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. São Paulo, n. 32, dez. 1989, p. 63.
  110. É de se notar que a vitória do parlamentarismo demandaria um gigantesco esforço de demolição institucional, já que não haveria como edificar uma cultura parlamentarista sem se destruir as estruturas políticas sedimentadas desde o nascimento da República, o que representou, seguramente, evidência da não oportunidade de mudança, na medida em que adiaria ainda mais a imprescindível e urgente reforma política anunciada com o fim do regime autoritário, em meados da década de 80.
  111. A respeito, ver BOBBIO, Norberto. Estado Governo Sociedade - para uma teoria geral da política. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1997, passim. O autor sintetiza a matéria aduzindo que "O Estado pode ser corretamente representado como o lugar onde se desenvolvem e se compõem, para novamente decompor-se e recompor-se, estes conflitos, através do instrumento jurídico de um acordo continuamente renovado, representação moderna da tradicional figura do contrato social". (p. 27. Grifou-se)
  112. A esse respeito vejam-se Pacto federativo - um desafio brasileiro. Suplemento especial do Jornal do Brasil, 29.07.1999; BONAVIDES, Paulo. A Constituição aberta. 2. ed. São Paulo:.Malheiros, 1996, 337-350; CLÈVE, Clémerson Merlin; PEIXOTO, Marcela Moraes. O Estado brasileiro: algumas linhas sobre a divisão de poderes na federação brasileira à luz da Constituição de 1988. Revista de Informação Legislativa. Brasília, n. 104, p. 21-42, out./dez. 1989.
  113. BRASIL. Assembléia Nacional Constituinte. Regimento interno. Brasília: Câmara dos Deputados, 1987. p. 7.
  114. Nas palavras do então presidente da Constituinte, Dr. Ulysses Guimarães, em pronunciamento na sessão nº 38, de 24.03.1987, renovou-se 69,95% do colegiado legislativo, sendo que dos 72 senadores, 23 foram incorporados da eleição de 1982, com mandato de oito anos, a saber: Albano Franco, PDMB, SE; Antonio Mendes Canale, PMDB, MS; Carlos Alberto de Souza, PTB, RN; Carlos Chiarelli, PFL, RS; Francisco Leite Chaves, PMDB, PR; Guilherme Palmeira, PFL, AL; Itamar Franco, PL, MG; Ivan Bonato, PFL, SC; Jamil Haddad, PSB, RJ; João Calisto Lobo, PFL, PI; João Castelo Ribeiro Gonçalves, PDS, MA; João Paiva Menezes, PFL, PA; José Inácio Ferreira, PMDB, ES; Leopoldo Peres Sobrinho, PMDB, AM; Luiz Viana Filho, PMDB, BA; Marco Maciel, PFL, PE; Marcondes Gadelha, PFL, PB; Mário Maia, PDT, AC; Mauro Borges Teixeira, PDC, GO; Odacir Soares Rodrigues, PFL, RO; Roberto de Oliveira Campos, PDS, MT; Severo Gomes, PMDB, SP; Virgílio Távora, PDS, CE. Dos 559 membros da Assembléia Nacional Constituinte de 1987, 26 eram mulheres.
  115. Na ordem, 01) PMDB-Partido do Movimento Democrático Brasileiro; 02) PFL-Partido da Frente Liberal; 03) PDS-Partido Democrático Social; 04) PDT-Partido Democrático Trabalhista; 05) PTB-Partido Trabalhista Brasileiro; 06) PT-Partido dos Trabalhadores; 07) PL-Partido Liberal; 08) PDC-Partido Democrata Cristão; 09) PCB-Partido Comunista Brasileiro; 10) PCdoB-Partido Comunista do Brasil; 11) PSB-Partido Socialista Brasileiro; 12) PMB-Partido Municipalista Brasileiro; 13) PSC-Partido Socialista Cristão.
  116. Cabe salientar que das agremiações políticas que integraram a Assembléia Nacional Constituinte de 1987, nove ainda são atuantes (PMDB, PFL, PDT, PTB, PT, PL, PCB, PCdoB, PSB), duas deixaram de existir (PMB e PSC). O PDS e o PDC fundiram-se, dando origem, em 1993, ao PPR-Partido Progressista Renovador que, em 1994, também por meio de fusão com o PP-Partido Progressista, originou o atual PPB-Partido Progressista Brasileiro.

  117. BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1989. p. 916.
  118. Brasil. Assembléia Nacional Constituinte. Atas das comissões. Brasília, ano I, suplemento n. 53, 01 mai. 1987, Comissão da Organização do Estado, p. 89-90.
  119. Apud BRASIL. Assembléia Nacional Constituinte 1987. Regimento Interno. Brasília: Câmara dos Deputados, p. 5, que 69,65% do colegiado legislativo foi renovado, sendo os 559 constituintes escolhidos por 69.003.963 eleitores.
  120. Apud BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1989. p.470 e 922. As sugestões dos constituintes durante a ANC (SGCO) podem ser acessadas, na Internet, pelo endereço http://www.senado.gov.br/sicon.
  121. À guisa de exemplo, algumas das entidades convidadas pela Comissão da Organização do Estado, entre dezenas de outras, que efetivamente contribuíram para com os trabalhos de Subcomissões e da própria Comissão: Associação de Prefeitos da Região Tocantina, Associação Comercial e Industrial de Imperatriz, Maranhão, Comitê de Apoio Pró-Criação do Estado do Maranhão do Sul.
  122. Apud BONAVIDES, Paulo. A Constituição aberta. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 922.
  123. BONAVIDES. ibidem, p. 157,
  124. Optou-se por ilustrar a hipótese com a bancada de Deputados, desprezando-se os Senadores, a uma por sua expressão numérica (487 Deputados e 72 Senadores, dos quais cerca de 32% eram senadores biônicos, de 1982) e a duas por terem sido todos eleitos em novembro de 1986. É oportuno lembrar que 59,70% dos Constituintes cumpriam seu primeiro mandato, enquanto 35,26% tinham sido reeleitos e 5,04% retornaram ao Congresso Nacional após um ano sem mandato). Cf. BARROSO, Magdaleno Girão. op. cit. p. 23-24.
  125. O Estado de Tocantins foi criado por determinação da Assembléia Nacional Constituinte, formado a partir do desmembramento do Estado de Goiás.
  126. Contrariamente, à facilidade admitida para a elaboração da Lei Maior correspondeu maior rigidez quanto ao seu controle, sabendo-se que o § 2º do art. 61 exige a subscrição de no mínimo 1% do eleitorado nacional (quase 1,5 milhões de eleitores), distribuídos em pelo menos cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles (cerca de 300 mil eleitores). Esta limitação deveu-se a ofensiva do chamado "Centrão", abreviação superlativa de dissidência do centro democrático, cuja motivação eram os avanços democráticos aprovados pelas Subcomissões e Comissões da Constituinte, que se expressavam em inovações no campo social e econômico. O "Centrão", que tinha como meta inicial reunir 280 Constituintes (de um total de 559), cresceu a ponto de atingir mais de trezentos, obstaculizando, assim, a aprovação de muitas das conquistas populares.
  127. Tarefa de Constituinte. O Globo, 15.02.1987, 1º caderno, p. 4.
  128. A Constituição da República de 1988 dividiu-se nos seguintes títulos: I. Dos Princípios Fundamentais. II. Dos Direitos e Garantias Fundamentais. III. Da Organização do Estado. IV. Da Organização dos Poderes. V. Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas. VI. Da Tributação e do Orçamento. VII. Da Ordem Econômica e Financeira. VIII. Da Ordem Social. IX. Das Disposições Constitucionais Gerais.
  129. Utilizou-se, como exemplo, a prática dessa Subcomissão por representar contexto em que se desenvolve a presente monografia, quer seja a Reforma do Estado e por não ser escopo deste estudo exaurir os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte de 1987.
  130. No dizer do Coordenador do Projeto, Stéphane Monclaire, "banco de dados único no mundo", comparável apenas aos Cahiers de doléances da Revolução francesa de 1789 e às reivindicações dos soviets em 1917, sendo que, nestes, as sugestões resultaram do discurso de grupos de pressão ou de poder. O SAIC pode ser acessado, na Internet, pelo endereço: http://www.senado.gov.br/sicon, onde os formulários respondidos podem ser examinados na íntegra.
  131. BARROSO. Luís Roberto. Constituição de 1988 - uma análise histórica e contemporânea. Direito em Revista. Rio de Janeiro, ano 2, n. 7, set./out. 1998, p. 33.
  132. É de se observar, juntamente com Luís Roberto Barroso (BARROSO. op. cit., passim), que a opção do constituinte brasileiro por um texto constitucional analítico igualmente caracterizou as Constituições de Portugal (1976) e da Espanha (1978), países que também saíam de longos governos autoritários, de Salazar e Franco, respectivamente.
  133. Ver, a respeito, BONAVIDES, op. cit., Cap. 34, que aduz: "Chegamos [...] à constitucionalização administrativa das Regiões, mas recuamos diante do que seria o passo formal decisivo, ou seja, a outorga constitucional das autonomias regionais. A Federação construída no Brasil, reiteramos, é falsa, e já se deve buscar desesperadamente outro modelo federativo, pois o que aí se concretizou configura uma contradição profunda com as velhas aspirações descentralizadoras, propagadas pelo sentimento nacional e que estão na alma de nosso povo, na memória de nossas origens, na remissão ao nosso passado e, sobretudo na lembrança dos acontecimentos que marcaram o século da Monarquia, sem cessarem com a Primeira República, vítima da truculência das intervenções federais nos Estados-Membros da União.", p. 339.
  134. Discurso do Dr. Ulysses Guimarães, na data da promulgação da Constituição da República, em 05.10.1988, in BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. op. cit., p. 921/925.
  135. É oportuno observar que, no que tange aos princípios, direitos e garantias fundamentais (Títulos I e II), as normas contidas nos seguintes dispositivos são inovação da Constituição de 1988: art. 3º; art. 4º I a VI, VIII a X e parágrafo único; art. 5º III, X, XXI, XXIII, XXVIII, XXX, XXXII, XLI, XLIII, XLIV, XLIX, L, LIV, LVI a LX, LXIII, LXX a LXXII, LXXV a LXXVII §§ 1º e 2º; art. 6º; art. 7º V a VIII, X,XVI, XX, XXI, XXIII, XXV, XXIX, XXXIV e parágrafo único; incisos I a III, V a VIII e parágrafo único do art. 8º; art. 10; art. 11; 2ª parte do caput e incisos I a III, itens b e c do inciso II, § 1º, §§ 10 e 11 do art. 14; inciso V do art. 15; art. 16; incisos III e IV e § 3º do art. 17.
  136. Nos termos do art. 74 da Constituição da República Federativa do Brasil de 17 de outubro de 1969, verbis: "O Presidente será eleito, entre os brasileiros maiores de trinta e cinco anos e no exercício dos direitos políticos, pelo sufrágio de um colégio eleitoral, em sessão pública e mediante votação nominal. § 1º O colégio eleitoral será composto dos membros do Congresso Nacional e de delegados das Assembléias Legislativas dos Estados. § 2º Cada Assembléia indicará três delegados, dentre seus membros, e mais de um por quinhentos mil eleitores inscritos no Estado, não podendo nenhuma representação ter menos de quatro delegados."
  137. Nos termos dos artigos 1º e 18 da Carta de 1988: "Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito [...]"
  138. "Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição".

  139. Cabe lembrar, neste passo, que a Constituição de 1969 previu a declaração de determinados municípios como áreas de segurança nacional, com regime político próprio: "Art. 89. Ao Conselho de Segurança Nacional compete: [...] III - indicar as áreas indispensáveis à segurança nacional e os municípios considerados de seu interesse; § único. A lei indicará os municípios de interesse da segurança nacional e as áreas a esta indispensáveis[...]. Art. 15 § 1º. Serão nomeados pelo Governador, com prévia aprovação: [...] b) do Presidente da República, os Prefeitos dos Municípios declarados de interesse da segurança nacional por lei de iniciativa do Poder Executivo. Art. 81. Compete privativamente ao Presidente da República: [...] VII - aprovar a nomeação dos prefeitos dos municípios declarados de interesse da segurança nacional;".
  140. Não obstante o douto entendimento de Luís Roberto Barroso de que essa espécie legislativa foi expressamente vedada pelas Cartas de 1934, 1946, 1967, 1969 (BARROSO, Luís Roberto. O Direito constitucional e a efetividade de suas normas. 3. ed. atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p.414, nota 3), é de entender-se, com Anna Cândida da Cunha Ferraz, que a lei delegada foi adotada pela primeira vez pelo parágrafo único do art. 22 da Emenda Constitucional nº 4/61, que introduziu o parlamentarismo no sistema republicano brasileiro; revogada essa Emenda, tal espécie normativa foi reintroduzida pela Carta de 1967, art. 49, VI.
  141. 10.11.1937, data de outorga da Carta Constitucional; 29.10.1945 - data de deposição de Getúlio Vargas pelos militares, marcando o fim do Estado Novo. 27.10.1965, data de decretação do Ato Institucional nº 2, que restaurou esse instituto no ordenamento jurídico brasileiro e 05.10.1988, data de promulgação da Constituição da República vigente. Cf. MACHADO, Regina Helena. Medida Provisória ou A Medida do Poder. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1997, p. 9 e 12.
  142. "A título de ilustração, apenas nos dias 12 e 13.03 e 12.04.96 foram editadas 102 MPvs, sendo 34 por dia". MACHADO, op. cit. p. 36, nota 21.
  143. FARIA, José Eduardo. A nova Constituição e a reorganização jurídico-institucional do País. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. São Paulo, n. 32, dez. 1989, p. 54.
  144. MACHADO. op. cit. passim.
  145. Na lição do Abade de Sieyès, quem primeiro teorizou a matéria após a revolução burguesa de 1789, é poder de direito ligado à idéia de preservação e garantia dos direitos individuais em face do absolutismo reinante (nobreza e clero, expressão dos Dois Estados detentores do Poder), de que a burguesia (o Terceiro Estado) passou a ser titular, não encontrando limites no direito positivo anterior. Cf. SIEYÈS, Emmanuel. A Constituinte burguesa - Que é o Terceiro Estado? Rio de Janeiro: Liber Juris, 1986, passim.
  146. A esse respeito, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, op. cit. passim. Consenso que será tanto mais necessário quanto mais complexos e diversificados forem os grupos de pressão social atuantes em determinada realidade, sob o impulso de partidos políticos, categorias profissionais, servidores públicos, organizações econômicas, privadas e públicas, entidades de classes liberais, militares, militantes de defesa do meio-ambiente, organizações não-governamentais, enfim, patronos de interesses que atuam fortemente em favor de teses e reivindicações específicas, como ocorre no Brasil.
  147. Apud BULOS, Uadi Lamêgo. Da reforma à mutação constitucional. Revista de Informação Legislativa. Brasília, v. 33, n. 129, jan./mar. 1996. p. 84.
  148. SLAIBI FILHO.op. cit. p. 48.
  149. Cujo teor era o seguinte, litteris: "Art. 1º - Os Membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal reunir-se-ão, unicameralmente, em Assembléia Nacional Constituinte, livre e soberana, no dia 1º de fevereiro de 1987, na sede do Congresso Nacional. Art. 2º - O Presidente do Supremo Tribunal Federal instalará a Assembléia Nacional Constituinte e dirigirá a sessão de eleição de seu Presidente. Art. 3º - A Constituição será promulgada, depois de aprovação de seu texto, em dois turnos de discussão e votação, pela maioria absoluta dos membros da Assembléia Nacional Constituinte."
  150. BRASIL. Constituição. Anteprojeto da Comissão Afonso Arinos. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 5.
  151. "Pontes de Miranda, nos "Comentários à Constituição Federal de 1934", texto que inovou substancialmente a técnica da reforma constitucional brasileira, frisou o caráter limitado do "poder emendador e revisor". Pinto Ferreira sempre insistiu na barreira oposta à atividade de reforma constitucional. Nelson de Souza Sampaio recordando a múltipla designação do Poder de Reforma, aprofunda o estudo das limitações materiais explícitas e as limitações materiais inerentes à reforma constitucional. José Afonso da Silva sustenta que o poder de reforma "é inquestionavelmente um poder limitado, porque regrado por normas da própria Constituição". José de Oliveira Baracho, em sua "Teoria Geral do Poder Constituinte", recorda a distinção entre o "Poder Constituinte Originário e o Poder Constituinte derivado, constituído, instituído ou de segundo grau, que é limitado". Manoel Gonçalves Ferreira Filho e Celso Ribeiro Bastos, em valiosas análises dedicadas ao tema, acentuam a natureza limitada do poder de reforma constitucional. Ivo Dantas tece oportunas considerações sobre o alcance da emenda e da revisão no texto da Constituição Federal de 1988, considerando a emenda de âmbito restrito, enquanto a revisão tende a ser ampla e abrangente, não obstante a comum localização da emenda e da revisão no domínio limitado do Poder Constituído ou Poder Reformador." HORTA, Raul Machado. Op. cit. p. 252-253.
  152. MAXIMILIANO, op. cit. verbete nº 344, p. 278-279.
  153. Não existe terminologia uniforme relativamente ao fenômeno das mudanças informais nas Constituições, denominado diversamente como "vicissitude constitucional tácita" (Jorge Miranda); "mudança material" (Pinto Ferreira); "processos indiretos, não formais ou informais de mudanças constitucionais: mutações constitucionais" (Anna Candida da Cunha Ferraz). Canotilho entende-o como fenômeno de "transição constitucional", enquanto "revisão informal do compromisso político formalmente plasmado na Constituição sem alteração do texto constitucional. Em termos incisivos: muda o sentido sem mudar o texto", que distingue da alteração constitucional, "que consiste na revisão formal do compromisso político, acompanhada da alteração do próprio texto constitucional". op. cit. p. 1153.
  154. É o pensamento explicitado por Pinto Ferreira, op. cit. p. 164-170, para quem a reforma é qualquer alteração do texto constitucional; a emenda, modificação de certos pontos, cuja estabilidade não foi rigidamente estabelecida pelo poder originário; a revisão, é modificação "anexável", mais ampla e de maior dificuldade que a emenda. Este entendimento - que se adota no presente trabalho - não admite a possibilidade da revisão prevista pelo art. 3º do ADCT como ampla reforma constitucional, eis que submetido o procedimento a limites e condições menos rigorosos do que os estabelecidos para a emenda constitucional.
  155. Verbis: "Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de: I - emendas à Constituição".
  156. Litteris: "Art. 60. [...] § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais".
  157. Pensamento manifesto por BARROSO, op. cit., p. 35, a partir de uma interpretação sistemática e teleológica da Constituição da República, com a qual se concorda.
  158. "Art. 246 - 1. A iniciativa deverá partir de 1/3 dos membros do Congresso ou da maioria absoluta dos membros das Assembléias Legislativas dos Estados, mediante acordos tomados em não menos de duas votações pela maioria absoluta dos membros de cada Assembléia; [...] 4. O projeto aprovado será submetido a referendum na oportunidade que fixarem as Câmaras em sessão conjunta, para que o povo se pronuncie a favor ou contra a reforma".
  159. "Art. 30 - A Constituição pode ser reformada no todo ou em qualquer de suas partes. A necessidade de reforma deve ser declarada pelo Congresso com o voto de dois terços, ao menos, de seus membros; mas não se efetuará senão por uma Convenção convocada para esse fim".
  160. "Art. 141 - Esta Constituição somente pode ser reformada, total ou parcialmente, pela Assembléia Nacional do Poder Popular mediante acordo adotado, em votação nominal, por uma maioria não inferior a duas terças partes do número total de seus integrantes. Se a reforma é total ou se refere a faculdades da Assembléia Nacional do Poder Popular ou de seu Conselho de Estado ou a direitos e deveres consagrados na Constituição, requer, ademais, a ratificação pelo voto favorável da maioria dos cidadãos com direito eleitoral, em referendum convocado para esse fim".
  161. É de se observar que em todos os exemplos acima, inclusive no caso de Cuba, quando a Constituição não exige a participação popular direta sob qualquer forma, exige, para a reforma constitucional de qualquer amplitude, a convocação de uma Assembléia (ou Convenção) com poderes específicos.
  162. BARRETO, Vicente. Imediatismo, marca registrada das revisões. Monitor Público. Rio de Janeiro, v. 2, n. 4, p. 17-22, dez./fev. 1995. p. 17.
  163. Não será excessivo lembrar, com José Afonso da Silva, ao referir-se aos trabalhos da Assembléia Constituinte de 1987, que "Até a votação no Plenário, anteprojetos e projetos admitiam, expressa e especificamente, a iniciativa e o referendo populares em matéria de emenda constitucional. No Plenário, contudo, os conservadores derrubaram essa possibilidade clara que constava do § 2º do art. 74 do Projeto aprovado na Comissão de Sistematização." op. cit., p. 58.
  164. Quando do golpe militar que instalou o governo autoritário no país, do que é testemunho o Manifesto do "Comando Supremo da Revolução" (sic) à Nação, em 9 de abril de 1964, litteris: "A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte. [...] Assim, a revolução vitoriosa, como o Poder Constituinte, se legitima por si mesma. Ela destituiu o governo anterior e tem a capacidade de constituir o novo governo. Nela se contém a força normativa, inerente ao Poder Constituinte. Ela edita normas jurídicas sem que nisto seja limitada pela normatividade anterior à sua vitória. Os Chefes da revolução vitoriosa, graças à ação das Forças Armadas e ao apoio inequívoco da Nação, representam o Povo e em seu nome exercem o Poder Constituinte, de que o Povo é o único titular".
  165. Apud BARROSO, Luis Roberto. Dez anos da Constituição de 1988 (Foi bom pra você também?). Internet, 06 de jun. 1999. http://www.truenetm.com.br/jurisnet.
  166. PEREIRA, Luiz Carlos; SPINK, Peter. Reforma do Estado e administração pública gerencial. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998, p. 25.
  167. Este Seminário contou com a participação de administradores, sociólogos, economistas, técnicos em administração, relatando e discutindo as experiências e tendências que se desenvolvem no mundo: Adam Przeworski,, da Universidade de Nova Iorque, Donald F. Kettl, da Universidade de Wisconsin e da Brooking Institution, William Glade, da Universidade do Texas, Kate Jenkins, consultora do governo britânico, Ruth Richardson, Ministra das Finanças da Nova Zelândia (1990/93), Joan Prats i Catalá, diretor do Barcelona Governance Project da Universidade das Nações Unidas; apresentando a experiência brasileira, o presidente da República Fernando Henrique Cardoso, Luis Carlos Bresser Pereira, Peter Spink, da Escola de Administração de Empresas de São Paulo e Fernando Luiz Abrucio, cientista político professor da Fundação Getúlio Vargas e da PUC de São Paulo.
  168. NOGUEIRA. op. cit. p. 266/267.
  169. NOGUEIRA. op. cit., p. 270.
  170. Escritos indignados – Democracia e neoliberalismo no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Análise Social e Econômica, 1993, p. 36/36.
  171. Através de departamento autônomo do Banco do Brasil, originalmente CEXIM - Carteira de Exportação e importação, posteriormente CACEX - Carteira de Comércio Exterior.
  172. Conceito empregado por Herbert de Souza em O capital transnacional e o Estado na América Latina. Encontros com a Civilização Brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, n. 27, 1980, p.88.
  173. O tema encontra-se desenvolvido em SOUZA, idem, p. 93/94.
  174. COMPARATO, Fábio Konder. A desnacionalização da economia brasileira e suas conseqüências. Internet, 22 mai. 1999. http://www. ibipinet.com.br/iab
  175. COMPARATO. Idem, informando ainda que o setor industrial perdeu significativamente sua importância relativa na formação do PIB, havendo o produto industrial brasileiro decrescido, pela primeira vez desde 1930, 5,3% entre 1989 e 1998.
  176. Apenas em dois anos, entre 1995-1997, o controle estrangeiro sobre os ativos totais do sistema bancário passou de 21% para 30%. COMPARATO, idem.
  177. COMPARATO, idem.
  178. Em 1994, as operações de crédito totalizavam 11,9% da receita dos bancos estrangeiros e a especulação com títulos públicos apenas 3,9%. No último trimestre de 1998, 43% de sua receita originou-se de lucros especulativos, contra 17% provenientes de financiamentos. COMPARATO, idem.
  179. Não é por acaso que um dos mais impactantes e inovadores diplomas legais brasileiros atuais, o Código de Defesa do Consumidor, tutela a proteção daqueles incluídos economicamente, daqueles capazes de consumir e não a pessoa humana, o indivíduo que precisa se alimentar e cuidar de sua saúde, sem dinheiro para adquirir os produtos necessários a preço de mercado.
  180. Desenvolveu-se, na Europa (com objetivos econômicos de eliminar barreiras alfandegárias e equalizar economias regionais, a partir da formação de blocos comunitários, mediante a livre circulação de pessoas, serviços e capitais), com a BENELUX (União Econômica Belgo-Luxemburguesa), evoluindo em importância para a CEE (Comunidade Econômica Européia), em 1957 e, entre outros, o NAFTA (North American Free Trade Agreement), acordo assinado entre os Estados Unidos, Canadá e México em 1992. Na América Latina, o Mercado Comum do Sul (Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai) surgiu em 1991, com a assinatura do Tratado de Assunção.
  181. O quadro que expõe a Europa indo à Guerra dos Balcãs, de certa forma receando novas ondas de refugiados; o ex-chanceler alemão Helmul Kohl afirmando que a Alemanha "é guardiã da pureza ocidental", em defesa de decreto imperial do começo do século que afirma que só é alemão quem tem sangue alemão, visando a bloquear o país aos errantes miseráveis de todo o mundo; na França, Jospin anunciando a "medida salvadora" de 35 horas de trabalho semanais; nos EUA, a evidência de que 1% da população detém 60% da renda nacional e o Wall Street Journal considerando "escandaloso o fato de os ganhos desse 1% terem crescido de 74% nos anos 80" (CARLOS, Newton. Dissenso de Washington. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Primeiro caderno, Opinião, p. 9), não revela a realidade de que o mundo todo, hoje, sofre os efeitos da globalização da economia?
  182. DELPIAZZO, Carlos E. Instrumentos usados para a reforma do Estado no Uruguai. Revista de Direito do Mercosul, ano 1, n. 2, p. 67-77, set. 1997.
  183. NEOLIBERALISMO É CRITICADO. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 12.09.1999, Economia, p. 4.
  184. A respeito, cabe citar Gilberto Dupas, Coordenador da área de assuntos internacionais do Instituto de Estudos Avançados da USP, a propósito das declarações de Michel Camdessus, há treze anos dirigente do FMI, sobre o compromisso com a pobreza nos países periféricos: "[as declarações] deixaram muito mal os governantes que, por exigência do próprio Fundo, têm corrido o complicado risco de restringir até verbas sociais para tentar manter equilibrados os orçamentos públicos."
  185. SEKLES, Flavia. O lado cruel da globalização. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 16.09.1999, Economia, p. 11.
  186. SEMINÁRIO ESTADO E SOCIEDADE NA AMÉRICA LATINA, Rio de Janeiro, 1994. Relatório. Rio de Janeiro: Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul, 1994, p. 63.
  187. NALIN, Paulo R. Ribeiro. A Constituição e a reinvenção do território: algumas implicações jurídicas em face da globalização. Revista de Informação Legislativa. Brasília, n. 135, jul./set. 1997, p. 39.
  188. O tema será especificamente desenvolvido a seguir.
  189. FARIA, José Eduardo. Globalização econômica e reforma constitucional. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 86, n. 736, fev. 1997, p. 15.
  190. A respeito dos conceitos de modernização e modernidade adotados pelo texto, bem como da temática "permanência e mudança"), ver NOGUEIRA, Marco Aurélio. Op. cit., cap. 6 - 'Permanência e mudança. Para a reinvenção da política como prática e projeto'.
  191. LIMA SOBRINHO, Barbosa. O fim da utopia global. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 03.10.1999, Primeiro caderno, Opinião, p. 9.
  192. SOUZA, Herbert. Op. cit, p. 49.
  193. Eleito em 1994 e mantido no poder em 1998, por força de emenda à Constituição (primeira reeleição na história republicana brasileira).
  194. PEREIRA. Op. cit., p. 16.
  195. A respeito do tema, ver JENKINS, Kate. 'A reforma do serviço público no Reino Unido' e RICHARDSON, Ruth, 'As reformas no setor público da Nova Zelândia', in PEREIRA. Op. cit. Vale observar que a Austrália e a Nova Zelândia viveram processos de colonização inglesa, havendo coerência na correlação entre os projetos de reforma empreendidos por esses países e a matriz, na medida em que os modelos civilizatórios se assemelham.
  196. PEREIRA, op. cit., p. 36.
  197. PEREIRA, op. cit., p. 23.
  198. PEREIRA, op. cit., p. 29.
  199. PEREIRA, op. cit., p. 33 e ss.
  200. Que o projeto do MARE entende adotar nominalmente, no caso brasileiro.
  201. JENKINS, Kate. A reforma do serviço público no Reino Unido. In: PEREIRA, op. cit., p. 204.
  202. Não é excessivo observar que também a experiência com a terceirização de serviços não foi particularmente exitosa no Reino Unido, conforme depoimento de Kate Jenkins: "A administração central estava engatinhando no tocante a terceirizações, mas o governo local e o Serviço de Saúde já terceirizavam muitos de seus serviços por força de uma lei aprovada em 1988 e, por isso, já tinham bem mais experiência no assunto. O processo conhecido como CCT (Compulsory Competitive Tendering) exigia que os servidores da jurisdição local competissem com o setor privado para prestar serviços segundo um contrato definido, a custo menor. Essa mudança foi bastante popular e vista como de cunho político, mas levou os serviços ineficientes à ação. Em um hospital de South Wales, os funcionários, que tinham elaborado as especificações dos contratos, reuniram-se novamente e chegaram à conclusão de que eles mesmos, que trabalhavam no hospital, poderiam prestar os serviços que seriam terceirizados, com maior qualidade e por dois terços do custo." PEREIRA, op. cit., p. 206.
  203. PEREIRA, op. cit., p. 207.
  204. Outra iniciativa também tida como exitosa tem sido empreendida nos Estados Unidos a partir de 1970 - Reinventing government (reinventando o governo), a partir de experiências locais em municípios e condados norte-americanos, em que se institucionalizou a dispensa de aplicação de normas administrativas rígidas em razão de casos concretos. A esse respeito, ver PEREIRA, Luis Carlos Bresser. A reforma do aparelho de Estado. Internet, 11 de mar. 1999, http:// www.mare. gov.br/Historico/Papers, p. 2-3..
  205. PEREIRA, Luiz Carlos Bresser (Org.); SPINK, Peter (Org.). Reforma do Estado e administração pública gerencial. 2. ed. Rio de Janeiro: FGV, 1998, p. 212.
  206. GUERRERO, Omar. La administración pública del Estado capitalista. Barcelona: Editorial Fontamara, 1981, p. 246.
  207. PEREIRA, op. cit., p. 22.
  208. PEREIRA, op. cit., p. 24.
  209. CARDOSO, Fernando Henrique. Reforma do Estado. In: PEREIRA, op. cit., p. 17.
  210. BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade - Para uma teoria geral da política. São Paulo: Paz e Terra, 1997, p. 126.
  211. Cabe remeter às palavras de Balandier, citado por NOGUEIRA, Marco Aurélio. As possibilidades da política - Idéias para a reforma democrática do Estado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998, p. 187: "A complexidade moderna [...] produz uma inédita ‘banalização cultural, isto é, a formação de culturas sempre mais homogêneas, mais similares e portanto empobrecidas pelo ofuscamento progressivo das diferenças mais significativas’".
  212. WALD, Arnoldo. A sociedade e o Estado: o sentido da reforma constitucional e legislativa. Revista de Informação Legislativa. Brasília, n. 128, out./dez. 1995, p. 80.
  213. O presente exame das emendas constitucionais considerou, além das emendas efetivamente promulgadas, as propostas de emenda constitucional - PECs - apresentadas a partir de 1988 até a data de finalização desta monografia, 31 de outubro de 1999, com atualização em 12 de março de 2000. Não sendo as emendas constitucionais o objeto específico do presente trabalho, a disponibilidade de dados sistematizados pelo Senado Federal - PRODASEN (os dados referentes às propostas oriundas da Câmara dos Deputados encontram-se disseminados por toda atividade legislativa, demandando esforço de coleta e classificação desproporcional ao objetivos que se pretende atingir) e o fato de todos os projetos, para sua aprovação, deverem ser votadas em dois turnos por cada Casa do Congresso Nacional, a amostra objeto deste estudo ateve-se às PECs oriundas das três fontes legislativas já tramitadas ou em trâmite no Senado Federal. Cabe ressaltar sua expressão quantitativa, se se considerar a representação proporcional dos membros do Senado Federal, comparativamente à Câmara dos Deputados.
  214. É de se observar que em fevereiro de 2000 foram promulgadas as emendas constitucionais 25 e 26.
  215. Foram os seguintes os períodos dos governos mencionados: Fernando Collor de Mello - de 15.03.1990 a 30.09.1992; Itamar Franco - de 08.10.1992 a 31.12.1994; Fernando Henrique Cardoso - a partir de 01.01.1995. Cabe lembrar que em 1994 foi promovido o Plano Real, sendo Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso.
  216. Sem particularmente pretender adentrar a matéria, a profusão de emendas constitucionais de que se ocupa assemelha-se à profusão de medidas provisórias que o governo federal vem intensamente editando, e que se emendam entre si. A respeito, ver MACHADO, Regina Helena. Op. cit., em especial o Capítulo V.
  217. Objeto de proposta de emenda, cf. PEC 91/999, apresentada pelo Sem. Sérgio Machado, PSDB-CE em 14.12.1999.
  218. De 31.10.1999, data em que se encerrou a pesquisa, até 13.03.2000, data de início da produção deste livro, vinte e quatro novas propostas de emenda constitucional (PECs nºs 84 a 93/1999 e 1 a 10/2000) iniciaram sua tramitação no Senado Federal, objetivando a mudança dos arts. 7º, 12, 14, 24, 29, 34, 35, 49, 57, 58, 59, 60, 66,. 67, 100, 102, 104, 144, 150, 156, 160, 165, 166, 167, 198, 228, 230 da Constituição Federal, bem como acrescendo dispositivos que dispõem sobre garantia de recursos para a área de saúde, no ADCT, idade mínima do menor para o trabalho, competência da União para instituir imposto sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira.
  219. Cabe observar que, dentre as 390 propostas que tramitaram ou em trâmite no Senado Federal, no período, 30 originaram-se da Câmara dos Deputados - CD - e do Poder Executivo - PE, a saber: 1990: 01 da CD; 1991: 04 da CD; 94: 01 da CD; 1995: 01 da CD e 09 do PE; 1996: 02 da CD e 03 do PE; 1997: 01 da CD e 04 do PE; 1999: 02 da CD e: 01 do PE; 2000: 01 do PE. Ressalte-se o mais elevado número de PECs propostas pelo Executivo em 1995, transformadas em norma jurídica, como se verá adiante, sendo de se notar que sua menor expressão nos anos subseqüentes deve ser levada à conta da morosidade do processo legislativo.
  220. O Senado Federal tem 80 membros, enquanto a Câmara dos Deputados 513.
  221. As médias referem-se ao período da pesquisa, confirmada pela produção legislativa ulterior, eis que no primeiro trimestre de 2000, excetuado o recesso parlamentar, foram apresentadas dez propostas de emenda constitucional.
  222. Diz-se residual porque, tendencialmente, como se verá a seguir, as propostas do Poder Executivo são, em sua quase totalidade, transformadas em norma jurídica.
  223. Ver MACHADO. op. cit., p. 48-49.
  224. Nos termos dos arts. 332 e 333 do Regimento Interno daquela Casa, verbis: "Art. 332 - No final da legislatura serão arquivadas todas as proposições em tramitação no Senado, exceto as originárias da Câmara ou por ela revisadas e as com parecer favorável das Comissões. Art. 333 - Serão ainda automaticamente arquivadas as proposições que se encontrem em tramitação há duas legislaturas. Parágrafo único - A proposição arquivada nos termos deste artigo e do anterior não poderão ser desarquivadas". Regimento Interno do Senado Federal. Internet, http://www. senado. gov.br
  225. Atente-se para o fato de que os dados acima não podem ser examinados em ternos absolutos, a uma porque refletem a totalidade de propostas do Senado Federal, contra uma parcialidade daqueles originários da Câmara dos Deputados, a duas porque a quase totalidade das propostas apresentadas por Senadores em 1999/2000 encontram-se em fase de tramitação. De qualquer forma, e indubitavelmente, em termos relativos, informam do peso das propostas do governo federal junto ao Congresso Nacional.
  226. Totalizando 324 propostas, ou 83,08% do total de propostas já tramitadas ou em tramitação no Senado Federal. A diferença corresponde às vinte e nove propostas originárias da Câmara dos Deputados e da Presidência da República, como já visto, e a trinta e sete propostas inicialmente apresentadas por Comissão Especial (ou pela Constituição de Constituição e Justiça), posteriormente reapresentadas por Senadores.
  227. Isto vem ocorrendo sobretudo quando se fala das privatizações e dos recursos que aportariam aos setores da saúde e da educação, além da expectativa de melhoria dos serviços privatizados. Porém, a situação começa a mudar quando se constata que o preço pago pelo patrimônio nacional não vem representando melhoria alguma e que tampouco os serviços privatizados vêm sofrendo melhora. A esse respeito, ver: SEKLES, Flavia. O lado cruel da globalização. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 16.09.1999, Economia, p. 11; NEOLIBERALISMO É CRITICADO. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 12.09.1999, Economia, p. 4; PIRES, Marcos Cordeiro. Globalização: mitos e duras verdades. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 14.03.1999, Primeiro caderno, Opinião, p. 11; ESPECIAL GLOBALIZAÇÃO. Idéias. Livros. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 27.03.1999, entre outras.
  228. PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A reforma do aparelho de Estado. Internet, 11 de mar. 1999: http://www: mare.gov.br/Historico/Papers, p. 4.
  229. PEREIRA. Op. cit., p. 5.
  230. A esse respeito, ver LIMA SOBRINHO, Barbosa. O dono do patrimônio público. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 30.05.1999, Primeiro caderno, Opinião, p. 9.
  231. COMPARATO, idem.
  232. COMPARATO, idem.
  233. FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito. São Paulo: Atlas, 1994. p. 329.
  234. Conforme demonstrado no Capítulo 2.
  235. A pesquisa localizou a fonte do projeto: Poder Legislativo, sem identificação da Casa e do Partido.
  236. Os artigos 246 a 250, em destaque no quadro, foram acrescentados através de emendas constitucionais.

Autor

  • Regina Helena Machado

    Regina Helena Machado

    Jurista. Bacharel em Direito (Faculdades Integradas Candido Mendes, Ipanema, 1992/1996). Especialização (Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, 1997/1999). Gestora em Direitos Humanos (Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Presidência da República, 2005). Autora de livros: "Medida provisória ou a medida do poder (Rio de Janeiro: Liber Juris, 1997); "Reforma do Estado ou Reforma da Constituição?" (Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001) e de vários artigos.

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Informações sobre o texto

Obra originalmente publicada como livro "Reforma do Estado ou Reforma da Constituição?" (Lumen Juris, 2000).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, Regina Helena. Reforma do Estado ou Reforma da Constituição?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2604, 18 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17116. Acesso em: 25 abr. 2024.