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A subordinação e as atuais relações entre capital e trabalho

A subordinação e as atuais relações entre capital e trabalho

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O conceito de subordinação necessita de constante adaptação para que atenda às novas situações vivenciadas no mercado de trabalho.

Sumário:1. Introdução; 2. O cerne da percepção da subordinação como elemento determinante na relação de emprego; 3. Idéias iniciais e contextualização do tema; 3.1. O conceito clássico de subordinação na relação de emprego; 4. A modificação do sistema produtivo; 4.1. A terceirização; 4.2. O trabalho autônomo; 4.3. A parassubordinação e a "pejotização"; 5. A subordinação estrutural; 6. Um novo conceito de subordinação; 6.1. A dependência econômica; 6.2. A alteridade e a assunção do risco da atividade econômica; 6.3. O exercício de atividade essencial incorporada ao processo produtivo; 7. Conclusão.


O conceito do fenômeno jurídico da subordinação necessita de constante adaptação para que atenda às novas situações vivenciadas no mercado de trabalho. Tal adaptação pode ser enquadrada como uma espécie de evolução protetiva do conceito, que busca conferir melhor aplicabilidade da ordem jurídica vigente ao contexto de inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de serviços e no direcionamento objetivo do trabalho prestado.


1. Introdução

Para a configuração da relação de emprego é necessária a verificação de elementos perceptíveis no mundo dos fatos. Hodiernamente, a doutrina após interpretação contida nos artigos 2° e 3° do texto celetista identifica cinco elementos caracterizadores do liame empregatício, quais sejam: (i) prestação do trabalho por pessoa física; (ii) efetuada com pessoalidade pelo trabalhador; (iii) tal prestação também deverá ser habitual ou não-eventual; (iv) verificada sempre sob subordinação ao tomador de serviços; (v) sendo que este, em razão da onerosidade, se vê obrigado a remunerar o trabalho contratado.

Os elementos acima identificados, por tratarem de situações fáticas fundamentais para a própria configuração do vínculo jurídico empregatício detêm especial relevância sociojurídica sendo, por esta razão, objeto de atenção do Direito.

Não obstante seja considerável que todos os requisitos da relação empregatícia apresentam vasta temática de abordagem doutrinária e jurisprudencial, o foco do presente estudo se prende a uma análise da subordinação, que deve ser classificada como fenômeno jurídico indissociável para a configuração da relação empregatícia.

Ocorre que a subordinação, por ser a síntese de diversos outros elementos sócio-econômicos, deve ser avaliada em um contexto amplo, não preso à simples constatação do acato de ordens, determinações e submissão à fiscalização do tomador de serviços.

Portanto, o que se propõe através do presente estudo não é uma reformulação do conceito de subordinação consolidado através de inúmeros manuais sobre direito material do trabalho, mas sim a adaptação de tal conceito às novas situações vivenciadas no mercado de trabalho.

As linhas do presente artigo buscarão sempre alcançar uma resposta jurídica à nova forma de organização produtiva, que sob o argumento de estar respaldada sob a suposta égide da terceirização, distorce a categoria central do Direito do Trabalho pátrio, a subordinação, para assim, desestruturar as relações jurídicas laborais.

Trata-se, desta maneira, de estudo não com o intuito de propor alterações legislativas utópicas, profiláticas ou emergenciais, mas sim dar o necessário enfoque a mais recente doutrina e jurisprudência atentas à distorção hodiernamente verificada no conceito de subordinação.


2. O cerne da percepção da subordinação como elemento determinante na relação de emprego

Antes de se expor qualquer consideração relevante acerca do tema que se pretende abordar, há que se fazer uma introdução histórica, com o intuito de ao menos situar o estudioso no momento evolutivo que marcou o início da percepção da subordinação como elemento intrínseco e fundamental da relação empregatícia.

Contudo, para que se possa aferir com presteza a oportunidade da verificação da subordinação jurídica atinente à própria relação de emprego, há que se analisar o contexto do surgimento da relação empregatícia, uma vez que se tratam de elementos intrinsecamente inter-relacionados, necessariamente verificados em conjunto.

A enriquecedora doutrina de Mauricio Godinho Delgado aponta que a existência do trabalho livre marca a oportunidade histórica do cerne da relação empregatícia (por conseguinte, surgimento do trabalho subordinado). Segundo o Eminente Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, em sua consagrada obra Curso de Direito do Trabalho, a existência do trabalho juridicamente livre é pressuposto histórico-material do surgimento do trabalho subordinado e conseqüentemente da relação de emprego. De acordo com suas considerações, não ocorre, de modo relevante na história, trabalho subordinado enquanto não assentada uma larga oferta de trabalho livre no universo econômico-social. Ademais, conclui o ilustre jurista que o elemento subordinação não se constrói de modo distintivo senão em relações em que o prestador não esteja submetido de modo pessoal e absoluto ao tomador dos serviços (1).

A partir das conclusões acima mencionadas pergunta-se: Quando se verificou na história, uma larga oferta de trabalho livre? Quando se deixou de verificar a submissão / sujeição pessoal e absoluta do trabalhador ao tomador de serviços?

De fato, não há que se considerar o contexto histórico predominantemente escravocrata como momento relevante para o estudo em debate, mormente porque o escravo (há época tido como um objeto), não era sequer considerado sujeito de direito. Da mesma forma, enquanto se aferia a relação servil de trabalho (também com sujeição pessoal do trabalhador) em que os servos entregavam parte de sua produção aos senhores feudais em troca do uso da terra e proteção, também não era possível apurar-se a aludida liberdade laboral.

Apenas a partir do final da Idade Média e início da Idade Moderna é possível observar um consistente processo de reconfiguração social com conseguinte expulsão e desvinculação do servo da gleba, o que fez enfraquecer significativamente a utilização servil do trabalho humano. Tal contexto histórico marcaria o começo da inserção da mão-de-obra juridicamente desvinculada dos meios de produção e do proprietário desses meios.

Há que se salientar que a vinculação desta mão-de-obra livre (após a expulsão dos servos das glebas) ao sistema produtivo emergente capaz de garantir a combinação da liberdade com subordinação se deu durante no período da Revolução Industrial.

Portanto, foi durante a Revolução Industrial do século XVII (atravessando o século XVIII) que houve a obrigação do empregado, através da sua livre manifestação de vontade, em acolher a direção do empregador a respeito do modus operandi da prestação de serviços. A partir deste momento e sob a ótica objetiva da submissão, diversa da interpretação atinente à sujeição pessoal atuante sob a própria pessoa do trabalhador, é que se considera formada a relação empregatícia com conseguinte presença irrefutável da subordinação jurídica.

A presença da liberdade e sua projeção na relação concreta consubstanciada pela vontade (só verificada após o rompimento com o antigo panorama de sujeição do prestador de serviços) é, a propósito, o elemento nuclear a separar o trabalho empregatício dos trabalhos servis e escravos, que lhe precederam na história das relações de produção ocidentais e apresenta-se como elemento essencial à configuração da relação de emprego. Ao considerar-se a liberdade como elemento fundamental a distinguir a relação de emprego das relações servis e escravocratas, surge a vontade como seu elemento constitutivo basilar. Vale ressaltar contudo, que a vontade à baila, não é aquela dirigida à definição do conteúdo do vínculo contratado, mas sim referente à definição acerca da efetiva pactuação do referido liame fomentador da relação jurídica de emprego.


3. Idéias iniciais e contextualização do tema;

Devidamente realizada a identificação temporal e a relevância do elemento "vontade" na pactuação da prestação de serviços, passamos a fazer uma análise de como o exercício deste livre arbítrio de se vincular a um trabalho (um liame em que se direciona a força da mão-de-obra aos ditames estabelecidos pelo tomador do serviço) refletiu no conceito clássico amplamente disseminado de subordinação.

3.1. O conceito clássico de subordinação na relação de emprego

Ao buscar no dicionário a palavra "subordinação" encontraremos, dentre outras, as seguintes definições:

1 - ordem estabelecida entre as pessoas e segundo a qual umas dependem das outras, das quais recebem ordens ou incumbências; dependência de uma(s) pessoa(s) em relação a outra(s) Ex.: s. aos pais, aos superiores.

2 - (1650) ato ou efeito de obedecer; obediência, disciplina Ex.: s. militar.

3 - ato ou efeito de colocar(-se) em condição inferior; submissão Ex.: s. do material ao espiritual (2).

1 - Ato ou efeito de subordinar ou subordinar-se.

2 - Ordem estabelecida entre pessoas dependentes entre si, tendo umas o direito de mandar, e as outras a obrigação de obedecer, mas dentro da lei e da moral.

3 - Dependência acompanhada do reconhecimento da superioridade de uns em relação aos outros.

[...]

7 – Sociol.l: Processo de integração pelo qual pessoas ou grupos se ajustam a uma situação social considerada inferior com relação a outros grupos ou pessoas(3).

As definições acima demonstram grande utilidade para apresentar o "norte" da compreensão do fenômeno jurídico ora enfocado, contudo, são insuficientes se aplicáveis ao universo justrabalhista, conjuntura de maior relevância ao momento.

Nesta feita, socorremo-nos aos ensinamentos da doutrina sedimentada na seara trabalhista.

Primeiramente, destacamos o conceito de subordinação formulado por Mauricio Godinho Delgado:

A subordinação corresponde ao pólo antitético e combinado do poder de direção existente no contexto da relação de emprego. Consiste, assim, na situação jurídica derivada do contrato de trabalho, pela qual o empregado comprometer-se-ia a acolher o poder de direção empresarial no modo de realização de sua prestação de serviços (4).

Tratando da subordinação jurídica, Otávio Calvet assevera que a mesma decorre da manifestação de vontades que cria a relação de emprego, e como seu objeto a disponibilização por parte do empregado de energia de trabalho para que o empregador a utilize como um dos fatores da sua produção, assumindo o empregador todos os riscos inerentes a sua atividade, motivo pelo qual pode o mesmo manejar essa energia adquirida por meio do contrato de trabalho (5).

Por sua vez, Renato Saraiva entende relevante destacar que em função do contrato de emprego celebrado passa o obreiro a ser subordinado juridicamente ao patrão, devendo o trabalhador acatar as ordens e determinações emanadas, nascendo para o empregador, inclusive, a possibilidade de aplicar penalidades ao empregado (advertência, suspensão disciplinar e dispensa por justa causa), em caso de cometimento de falta ou descumprimento das ordens emitidas (6).

Fazendo uma abordagem ao conceito clássico de subordinação, não poderíamos nos furtar de mencionar a celebrada doutrina de Amauri Mascaro Nascimento, segundo a qual a subordinação jurídica exprime-se "na situação em que se encontra o trabalhador, decorrente da limitação contratual da autonomia de sua vontade, para o fim de transferir ao empregador o poder de direção sobre a atividade que desempenhará" (7).

A partir da observação de todo o acima declinado, poderíamos concluir que a subordinação é fenômeno jurídico derivado do contrato de emprego que atua sobre o modo de realização da prestação, ou seja, sobre o direcionamento objetivo do trabalho prestado. Expressando voluntariamente a intenção de manter a prestação de serviços, o trabalhador fortalece a conjuntura de condicionamento de atuação no aguardo ou execução de ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem.

Chamamos atenção ao momento acerca do aspecto objetivo da subordinação. O termo ora enfocado, obviamente traduz-se em disposição contrária à figura da subordinação subjetiva, sendo que é quase consenso entre os operadores do direito que a subordinação da relação de emprego não atua sobre a pessoa do trabalhador criando um estado de sujeição em desfavor deste diante do tomador de serviços, traduzindo-se, na verdade, sobre a atividade exercida, daí o enfoque objetivo da questão.

Contudo, o termo "subordinação subjetiva" ainda é, mesmo que por poucas vezes, analisado a partir do exercício pelo tomador dos serviços do poder diretivo, de fiscalização e de punição dos empregados. Concordamos que se pode extrair validade de tal percepção, uma vez que o poder empregatício (expoente do poder de dirigir, regulamentar, fiscalizar e disciplinar no contexto laborativo) manifesta-se como prerrogativa do tomador de serviços relacionada ao cumprimento da obrigação estatuída no contrato de emprego. Todavia, destacamos incisivamente que o aproveitamento do conceito no sentido ora enfocado restringe-se à limitação da autonomia da vontade do trabalhador no modo da prestação do serviço, jamais se confundindo com a dominação da pessoa do trabalhador.

Quando a este aspecto destacamos a doutrina de Maria do Rosário Palma Ramalho, jurista portuguesa que enxerga na subordinação um estado de dependência pessoal em que se encontra o trabalhador perante o empregador no contrato de trabalho, e que se manifesta essencialmente em dois deveres do trabalhador: o dever de obediência, com o conteúdo amplo que lhe atribuímos e que corresponde, na titularidade do empregador, ao poder de direção (através do qual este fixa o conteúdo concreto da atividade laboral a desenvolver) e ao poder disciplinar na sua face prescritiva (pelo qual são estabelecidos deveres atinentes à disciplina e organização da empresa); e o dever de acatamento das sanções disciplinares, que lhe sejam regularmente aplicadas pelo empregador ao abrigo do poder disciplinar sancionatório (8).

Assim como o termo "subordinação subjetiva" a expressão "subordinação objetiva" evoluiu e também apresenta outra relevante concepção, demonstrando a integração do trabalhador na organização empresarial, sendo muito utilizado como fundamento teórico para a conceituação do trabalhador subordinado. O termo "subordinação objetiva" apresenta-se, outrossim, assemelhado (ou evolucionado) ao conceito de "subordinação estrutural", que interpreta a inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de serviços como elemento central da relação empregatícia, afastando-se assim da sedimentada idéia de imperiosa observação da simples imposição do modus faciendi (modus agendi ou modus operandi) pelo tomador ao prestador de serviços na realização do trabalho.


4. A modificação do sistema produtivo;

As atuais políticas econômicas e sociais pressionam o Estado interventor e regulador. Sua fragilização decorre principalmente da neoliberalização do Estado e do processo de intensificação das relações sociais em escala mundial (a globalização), o que de certa forma retira as estruturas governamentais estatais o poder de ingerência e domínio total e definitivo sobre os acontecimentos sociais, econômicos e políticos.

As empresas transnacionais reestruturaram o capital, sendo este hoje observado em seu caráter mundial, não mais meramente local ou regional. Essas empresas são capazes de desestruturar o cenário normativo de determinado país, estabelecendo alterações econômicas e sociais aptas a tornar o próprio Estado e o seu Direito ineficazes em face da nova realidade, o que a longo prazo, pode significar efetivo alijamento econômico do Estado afastado da nova ordem econômico-produtiva.

Tal conjectura é perfeitamente exposta pro Rodrigo de Lacerda Carelli:

Os Estados Nacionais passam a exercer a "Concorrência pelo Direito", "Concorrência pelo Trabalho", "Concorrência Internacional de Trabalhadores" ou Dumping Social, ou seja, "desvalorização competitiva social" por meio de concessões fiscais ou jurídicas realizadas por estes Estados, em busca dos postos de trabalho a serem oferecidos pelas empresas transnacionais, as quais, pelo desencaixe espaço-tempo, estão possibilitadas de produzirem de qualquer parte do mundo objetivando qualquer outro mercado consumidor, situado em qualquer outro continente. Desta forma, logicamente, estes empreendimentos transnacionais escolherão os locais ou países que melhores condições econômicas lhe oferecem, causando com isso uma pressão negativa nos direitos sociais dos Estados que se interessarem em acomodar essas empresas, ou até mesmo, naqueles que desejam manter essas empresas em seu território, pois a volatilidade das empresas também se apresenta na nova configuração mundial, e as instalações e desinstalações de empresas se fazem em questão de dias.

Declinam, outrossim, a força e a coesão dos trabalhadores na luta pelos direitos relativos ao trabalho, minada pela pressão esmagadora das forças ditas neoliberais, que provocam a "modernização conservadora" que pressionam os governos a efetuar a desregulamentação do trabalho e o retorno de seu regramento para a legislação civil. Nesta "modernização conservadora" insere-se o processo de "flexibilização do Direito do Trabalho", cujas tentativas são, nada mais, nada menos, do que aproximar o trabalho da regência pelas leis liberais do mercado (9).

Ocorre que tal processo mundial, por muitas vezes (na verdade, corroborando a regra do procedimento) é acompanhado do enfraquecimento das garantias sociais, principalmente as trabalhistas, chegando a assemelhar o trabalho à singela figura de mercadoria.

O marcante regime de acumulação de capital (a partir das idéias de Henry Ford e Friedrich Taylor) que marcou o surgimento do conceito clássico de subordinação foi superado.

No regime fordista ou taylorista, a produção se concentrava e organizava numa grande unidade fabril apta a produzir o produto final (todas as atividades de desenvolvimento do produto sob sua responsabilidade). A atividade laboral era organizada em linha de produção submetida a um único estatuto, sendo apenas diferenciada por uma estrutura hierarquizada apta a organizar os trabalhadores sob sua dependência e comando direto.

A crise do capitalismo das décadas de 60 e 70 instigou o crescimento de estratégias neoliberais baseadas em um novo paradigma econômico, intensivo em capital, tecnologia, informações e conhecimento.

Surgiu o sistema toyotista, idealizado por Taiichi Ohno (conhecido também por sistema ohnista), que implementou novas técnicas de administração como o salário individualizado por produção, a diminuição com controle do estoque e a produção em tempo real, tudo para eliminar o excesso de equipamentos, a área útil empenhada nas atividades e o número de empregados necessários para a mesma produção, objetivando manter apenas os trabalhadores multifuncionais, qualificados e adaptáveis às mudanças. A experiência toyotista propõe a utilização do trabalho à distância, em razão de basear-se na diminuição do âmbito produtivo da empresa, com delegação de funções a terceiros, como a produção de componentes ou serviços integrantes do processo produtivo fora do ambiente clássico da empresa.

Relevante aspecto deste sistema é intensificação de deslocamento de unidades produtivas, de país em país, em busca de força de trabalho mais barata (o que invariavelmente está atrelado a um patamar civilizatório deficitário e caráter normativo insignificante) e debilitada pela ausência de organização laboral coletiva.

Portanto, a partir da crise do capitalismo foi idealizado e implantado um novo regime de acumulação de capital marcado por evidente caráter flexível. Surgiu uma reestruturação produtiva, passando o processo produtivo a se organizar de forma horizontal, em rede (e não mais vertical como no modelo anterior), de modo a possibilitar que as empresas concentrem seus recursos e organização produtiva especificamente no desenvolvimento da atividade econômica principal, relegando o desenvolvimento das atividades periféricas (porém, que não deixam de ser necessárias à consecução final do produto) a outras empresas dedicadas a tais atividades.

Obviamente, tal fenômeno também pôde ser verificado em escalas regionais, ocorrendo a distribuição de atividades periféricas para outras empresas, fenômeno conhecido como subcontratação ou externalização, muito conhecido no Brasil como terceirização.

4.1. A terceirização;

Entre diversas conceituações que podemos encontrar na doutrina, mencionamos a contribuição de Ciro Pereira da Silva, que conceitua tal fenômeno como a transferência de atividades para fornecedores especializados, detentores de tecnologia própria e moderna, que tenham esta atividade terceirizada como atividade-fim, liberando a tomadora para concentrar seus esforços gerenciais em seu negócio principal, preservando e evoluindo em qualidade e produtividade, reduzindo custos e gerando competitividade (10).

Em suma, a terceirização é a atribuição, a terceiros, de atividades não conectadas ao objeto social da empresa.

O fenômeno tem natureza jurídica contratual comercial entre empresas (não sendo contrato civil de fornecimento de trabalho ou de mão-de-obra, mas sim contrato de atividade que será realizada autonomamente por empresa especializada) pertencente à área do Direito Comercial e Civil, com inequívoca abrangência temática no campo justrabalhista.

A terceirização cria um modelo trilateral de relação socioeconômica composta: pelo trabalhador que presta seus serviços junto à empresa tomadora de serviços; a empresa terceirizante que firma contrato empregatício com este trabalhador; e a empresa tomadora de serviços, que por sua vez, contrata com a empresa terceirizante e recebe a prestação de labor dos funcionários desta interveniente, não assumindo a posição clássica de empregadora do trabalhador que desempenha atividades em seu proveito.

Tal modelo contratual tem se desenvolvido no panorama socioeconômico com extrema velocidade, não sendo devidamente acompanhado por consequente esforço normativo, o que fez com que o fenômeno evoluísse em campo afastado do Direito do Trabalho (justamente por estar significativamente à margem da legislação).

A título de fortalecimento do exposto no parágrafo anterior, poderíamos mencionar que o texto celetista, no que se pode chamar de referências incipientes ao modelo próximo de terceirização, previu em seu art. 455 duas figuras delimitadas de subcontratação de mão-de-obra, a empreitada e a subempreitada.

Somente nos idos da década de 60 e 70 surgiram referências normativas mais claras ao fenômeno. Neste ínterim, podemos mencionar o Decreto-Lei 200/67 (art. 10) e a Lei 5.645/70 (terceirização no segmento estatal), Lei 6.019/74 (lei do trabalho temporário) e Lei 7.102/83 (terceirização permanente no setor de vigilância bancária).

Ocorre que o segmento privado abraçou com grande evidência este modelo de contratação fazendo surgir inúmeras situações específicas criando exceções ao modelo trabalhista clássico (bilateral), sem a existência de texto legal autorizativo.

Sendo inegável a relevância do debate jurídico sobre o tema (mormente em razão do esfacelamento da proteção do empregado e da novel compreensão dos elementos fático-jurídicos que a terceirização invoca) o Tribunal Superior do Trabalho editou em 1986 a súmula 256 posteriormente revisada pela súmula 331 de 1993 que hoje, inobstante a ausência de caráter normativo, sedimenta entendimento sobre a matéria.

Nº 331 CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003

I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993).

Mesmo sabendo que o teor do presente estudo não repousa especificamente na abordagem integral da terceirização, apenas a título de competente abrangência do tema, urge destacar que atualmente, a terceirização lícita somente é verificada nas hipóteses legalmente autorizadas para a contratação de trabalho temporário (hipóteses expressamente tipificadas na Lei 6.019/74), nas atividades de vigilância (abrangidas pela lei 7.102/83), nas atividades de conservação e limpeza, e nos serviços especializados ligados à atividade-meio da empresa, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

Como dissemos, embora a integralidade do fenômeno não seja, ao momento, objeto de análise específica (o que decerto, por si só apresenta campo temático deveras amplo para abordagem de artigo especialmente dedicada para tal fim), é de grande relevância para o estudo a aferição da hipótese de terceirização concernente ao desempenho de atividade-meio da empresa.

As atividades-fim podem ser conceituadas como as funções e tarefas empresariais e laborais que se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador de serviços, compondo a essência dessa dinâmica e contribuindo inclusive para a definição de seu posicionamento e classificação no contexto empresarial e econômico. São, portanto, atividades nucleares e definitórias da essência da dinâmica empresarial do tomador de serviços. De maneira dispare, atividades-meio são aquelas funções e tarefas empresariais e laborais que não se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, nem compõem a essência dessa dinâmica ou contribuem para a definição de seu posicionamento no contexto empresarial e econômico mais amplo. São aquelas atividades periféricas à essência da dinâmica empresarial do tomador dos serviços (11).

Já foi mencionado que a terceirização de atividade-meio é considerada lícita, contudo, na prática cotidiana, muitas empresas "terceirizam" suas atividades-fim, isentando-se do cumprimento da legislação trabalhista com o claro intuito de encobrir a relação empregatícia existente. Tal prática leva ao reconhecimento do vínculo empregatício com a empresa tomadora. Vejamos alguns julgados sobre o tema:

TERCEIRIZAÇÃO. TOMADOR DE SERVIÇO. FRAUDE. RELAÇÃO DE EMPREGO.

TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. FUNÇÃO DESENVOLVIDA PELO EMPREGADO QUE SE INSERE NA ATIVIDADE-FIM DA TOMADORA. RELAÇÃO DE EMPREGO QUANTO A ESTA. Constando do estatuto social da acionada ser um de seus objetivos sociais a prestação de serviços de crediário, o recebimento e recuperação de títulos, carnês e afins, e sendo esta última expressão, "recuperação de títulos, carnês e afins", mero eufemismo quanto à atividade de cobrança de clientes inadimplentes, já do estatuto social da empresa extrai-se que a função incontroversamente exercida pelo autor, de operador de cobrança inseria-se em sua atividade-fim, hipótese que não admite terceirização, a qual foi efetivada com o claro intuito de fraudar a aplicação da legislação trabalhista, o que não pode ser admitido. Logo, diante do que dispõe o art. 9° da CLT, há de se ter por nulas as contratações do autor por interposta pessoa, declarando-se que o vínculo de emprego formou-se, em verdade, diretamente com o tomador.

(TRIBUNAL: 1ª Região; 3ª Turma; Processo: 01315-2004-073-01-00; Julg.: em 26/06/2006; Relator: Des. José Maria de Melo Porto)

TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA - VÍNCULO DE EMPREGO DIRETAMENTE COM O TOMADOR DOS SERVIÇOS. Conforme entendimento consubstanciado na Súmula 331 do TST, a terceirização encontra respaldo apenas nos casos de trabalho temporário (Lei 6.019/74), serviços de vigilância (Lei n° 7.102, de 1983), de conservação e limpeza, e de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistam a pessoalidade e a subordinação direta. Assim, a contratação terceirizada, por si só, não viola a legislação trabalhista, que admite o repasse das atividades periféricas e/ou extraordinárias à atuação empresarial central, promovendo com isto um incremento na oferta de postos de trabalho os quais, se a princípio são precários, podem vir a se tornar efetivos. Entretanto, quando se verifica que os serviços terceirizados estão intrinsecamente ligados à atividade-fim da tomadora dos serviços, desvirtua-se o instituto, que não pode, nem deve servir de instrumento para alijar o empregado das garantias creditórias ofertadas por estas empresas que, geralmente, ostentam maior solidez econômico-financeira em relação às empresas prestadoras de mão-de-obra.

(TRIBUNAL: 3ª Região; 6ª Turma; Processo: 00965-2007-006-03-00-9; Julg. em 07/07/2009; Relator: Des. Fernando Antônio Viegas Peixoto)

Se através da terceirização o trabalhador é inserido no processo produtivo do tomador de serviços haverá a ilicitude da figura pois não serão estendidos ao obreiro os laços trabalhistas uma vez que o liame empregatício mantém-se com a empresa interveniente, daí a ilegalidade do fenômeno sanada pelo provimento Judicial de declaração de vínculo com a própria empresa tomadora.

Regularmente instituída a terceirização, somente a empresa terceirizante responde pela direção dos serviços efetuados por seu trabalhador no estabelecimento da empresa tomadora.

Nesta altura do raciocínio duas perguntas naturalmente surgem com relevante pertinência, quais sejam: Nos casos de terceirizações em que se verifica que a atividade terceirizada faz parte da atividade-fim da tomadora, para que possa haver a declaração de irregularidade da modalidade de contratação com esta entidade há necessidade de aferição da subordinação jurídica do trabalhador ao tomador dos serviços? Há possibilidade de declaração do vínculo empregatício direto com o tomador dos serviços caso não se afira a clássica figura da subordinação nestes casos de terceirização ilícita em razão da intermediação de mão-de-obra direcionada à atividade-fim da tomadora?

Respondendo a primeira pergunta, entendemos que a simples aferição do desempenho de funções por trabalhadores terceirizados de atividades-fim do tomador já é requisito suficiente para que seja declarada a ilicitude da terceirização, até mesmo sem se verificar a figura da subordinação jurídica (pelo menos em seu conceito clássico já indicado neste trabalho).

Tal entendimento já vem sendo corroborado por alguns Tribunais no que tange à procedência de autuações realizadas por auditores fiscais do trabalho, senão vejamos:

TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. AUTUAÇÃO. ART. 41 DA CLT. As hipóteses lícitas de terceirização configuram exceção na ordem jus trabalhista e estão representadas pelas situações em que as atividades empresariais autorizam contratação de trabalho temporário (Lei nº 6019/74); atividades de vigilância (Lei nº 7.102/83); atividades de conservação e limpeza e, por fim, os serviços ligados as atividades-meio do tomador (entendendo-se atividade-meio como aquela que se dissocia da dinâmica essencial do empreendimento e confere suporte à execução do objetivo principal. Por exemplo, aquelas atividades citadas na Lei nº 5.645/70: transporte, conservação, custódia, operação de elevadores, limpeza e outras assemelhadas. Não obstante estas considerações, a dinâmica do Direito do Trabalho, enquanto ciência eminentemente social permite ponderar que é factível que uma atividade não inserida nas exceções descritas seja considerada meio, em cotejo com o objeto social do tomador de serviços. A 'conditio sine qua non' para aferição da licitude da terceirização reside no cotejo da natureza da atividade empresarial, em contrapartida ao tipo de mão-de-obra envolvida na execução. Na hipótese em que a atividade empresarial, como no caso dos autos, é a prestação de serviços de consultoria em informática, os trabalhadores que executam as tarefas ligadas à informática devem ser, obrigatoriamente, empregados, já que não estão inseridos no rol de exceções descritas e estão diretamente envolvidos no núcleo da atividade empresarial (atividade-fim), sendo, inclusive, despicienda a produção probatória acerca da existência de subordinação e pessoalidade, no particular.

(TRIBUNAL: 2ª Região; 3ª Turma; Processo: 02877-2005-025-02-00-3; Julg. em 09/12/2008; Relator: Des. Paulo Augusto Câmara).

No que pertine ao segundo questionamento, também pensamos ser possível a declaração de vínculo empregatício com o tomador, mesmo sem a percepção da subordinação direta deste diante do tomador. Todavia, o termo "subordinação" ora em destaque (utilizado para responder à segunda inquirição) deve ser adaptado ao cotejo dessas situações típicas de terceirizações ilícitas, abrangendo um conceito reformulado daquele já identificado no presente estudo (conceito clássico), não levando em consideração a intensidade de ordens fundada no poder diretivo e dependência hierárquica quanto ao modo de prestar o serviço.

Sendo assim, a verificação da natureza da atividade econômica desenvolvida pelo tomador de serviços e o tipo de mão-de-obra (tarefas desenvolvidas) utilizado em tal mister são elementos fundamentais para a observação da (i)licitude da terceirização.

A terceirização de atividade-fim rompe o equilíbrio sócio-econômico entre trabalhador e empregador, pois evidencia a discriminação remuneratória e retirada de direitos e benefícios conquistados pelos empregados através de negociações coletivas, bem como aqueles oriundos da legislação assistencial.

Inserido artificialmente no processo produtivo da empresa tomadora, assume o trabalhador terceirizado os riscos do empreendimento, gerando, por conseguinte, sonegação das contribuições previdenciárias, o que acaba por evidenciar, outrossim, prejuízo à autarquia previdenciária que tem sua fonte de custeio diminuída.

Complementando a resposta formulada ao segundo questionamento, destacamos que a subordinação não deixará de ser enfoque para a caracterização do liame empregatício declarado após a aferição de terceirização ilícita. O que pretendemos defender é que a subordinação em enfoque nessas situações excepcionais situadas à margem do ordenamento justrabalhista (intermediação de mão-de-obra) não pode mais ser encarado através de seu conceito clássico, devendo outros elementos ganhar importância na observação do fenômeno como a alteridade, a dependência econômica, a assunção do risco da atividade econômica pela empresa e o exercício de atividade econômica essencial.

A união destes elementos (que serão abordados em momento oportuno) abrange um moderno conceito de subordinação mais adequado ao atual conjunto de condições socioeconômicas.

Feitas essas considerações acerca da terceirização e dado o respectivo enfoque ao tema no que concerne à afetação ao conceito de subordinação (com a conseguinte necessidade de modernização da tipificação daquele elemento fático-jurídico), também entendemos que o mesmo olhar crítico ora enfocado deve ser direcionado à figura do trabalho autônomo, objeto do tópico seguinte.

4.2. O trabalho autônomo

Sergio Pinto Martins, em seu consagrado manual de direito do trabalho define trabalhador autônomo como a pessoa física que presta serviços habitualmente por conta própria a uma ou mais de uma pessoa, assumindo os riscos de sua atividade econômica. Assevera ainda que o trabalhador autônomo não é subordinado como o empregado, não estando sujeito ao poder de direção do empregador, podendo exercer livremente sua atividade, no momento que o desejar, de acordo com sua conveniência (12).

Diferenciando o empregado celetista do trabalhador autônomo, o renomado jurista infere que

O empregado e o trabalhador autônomo prestam serviços com continuidade, com habitualidade ao tomador de serviços. A diferença fundamental entre os referidos trabalhadores é a existência do elemento subordinação, o recebimento de ordens por parte do empregador, a direção por parte do último. O empregado trabalha por conta alheia, enquanto o autônomo presta serviços por conta própria (13).

Portanto, o elemento central para a verificação da figura do trabalho autônomo é a percepção da subordinação na prestação dos serviços ao tomador, do grau de liberdade e independência funcional que tem o prestador de serviços diante de seu destinatário.

Apesar de ser teoricamente simples a diferenciação acima exposta, o operador do direito sabe que distante de seus momentos de estudo, aperfeiçoamento técnico e atualização jurídica, na prática, a observação da figura não é tão clara quanto se imagina.

Diante da casuística, diversos "métodos" já foram propostos para o alcance de um padrão capaz de responder com rapidez e facilidade as questões envolvendo o debate entre trabalho autônomo e aquele caracterizado pelo liame empregatício.

Já foi proposto que autônomo seria aquele trabalhador possuidor das ferramentas de trabalho, contudo, tal critério não ganhou força, pois aparentemente não há impedimento de o obreiro ser o proprietário do instrumento utilizado na labuta, nem há proibição de um autônomo usar eventualmente, ou mesmo de forma habitual as ferramentas da empresa tomadora de seus serviços. Tal posição perde relevância também diante das infinitas relações laborais existentes, restando absolutamente insuficiente para sanar a questão.

Também já foi defendido que autônomo é o trabalhador que não se prende, que não tem exclusividade com o tomador de seus serviços. Ocorre que tal método não resolve a celeuma haja vista que o contrato de emprego não tem como requisito a exclusividade, pelo contrário. Não existe proibição legal do trabalhador manter simultaneamente mais de um contrato de emprego desde que consiga compatibilizar os horários obrigacionais.

Da mesma forma que os métodos acima destacados, a obrigação de prestação de contas ou situação equiparável à necessidade de apresentação regular de relatórios também não é artifício recomendável para a solução do debate. Pensamos que a prestação de contas ou a realização de relatórios (apesar de ser forte indício de fiscalização e controle da atividade) é procedimento operacional que pode ser enxergado como próprio de uma pessoa proba, diligente e compromissada com a transparência de suas atuações profissionais, jamais podendo ser vista em seu aspecto singular como evidência determinante de desconsideração da autonomia laboral.

Feitas as observações acima, percebe-se ainda com maior ênfase que a aferição da subordinação tem realmente papel fundamental na identificação do trabalho autônomo, o que acaba por levar ao jurista ao sinuoso caminho da verificação fática (desvendando o acerto do consagrado termo "contrato-realidade" e da importância do princípio da primazia da realidade pertinente à ciência justrabalhista).

Neste momento, invocamos a mesma questão proposta no item precedente ao finalizarmos o debate acerca da terceirização: Quais são as características da subordinação que se fazem necessárias para melhor atender o atual contexto socioeconômico de esfacelamento das garantias trabalhistas e modificação da estrutura dos meios de produção? A exaustiva tarefa de verificação de direção, fiscalização do labor, determinação de horário, necessidade de comparecimento, imposição de produtividade mínima, etc, hoje se apresenta como critério razoável e seguro para o operador jurídico identificar uma relação tipicamente empregatícia?

Hodiernamente o melhor entendimento do termo subordinação advém do esforço interpretativo que passa por uma análise menos exaustiva do que aquela característica da determinação do modus operandi e o reflexo do poder diretivo e fiscalizatório do tomador de serviços. Assim como mencionado no último parágrafo do tópico 4.1, reafirma-se que o novo modelo de subordinação objeto do presente trabalho será tratado em tópico específico.

4.3. A parassubordinação e a "pejotização";

Ainda em abordagem ao trabalho autônomo, entendemos ser de grande valia fazer ao menos um breve estudo sobre a figura da parassubordinação, fenômeno intimamente ligado à desvirtuação do tradicional trabalho autônomo e atualmente bem evidente nas relações de trabalho.

José Affonso Dallegrave Neto conceitua parassubordinação como neologismo utilizado para "traduzir a subordinação mitigada, própria de empregados altamente qualificados ou controlados à distância ou, ainda, das figuras contratuais resididas na zona fronteiriça entre o trabalho autônomo e a relação de emprego" (14).

Pelos argumentos de Pinho Pedreira, o trabalho parassubordinado é visto como "prestações continuadas de caráter pessoal, sujeitas a coordenação espaço-temporal" (15). Por sua vez, Otávio Pinto e Silva infere que "são relações de trabalho de natureza contínua, nas quais os trabalhadores desenvolvem atividades que se enquadram nas necessidades organizacionais dos tomadores de seus serviços" (16).

O mestre Amauri Mascaro Nascimento define os trabalhadores parassubordinados como

uma categoria intermediária entre o autônomo e o subordinado, abrangendo tipos de trabalho que não se enquadram exatamente em uma das duas modalidades tradicionais, entre as quais se situam, como a representação comercial, o trabalho dos profissionais liberais e outras atividades atípicas, nas quais o trabalho é prestado com pessoalidade, continuidade e coordenação. Seria a hipótese, se cabível, do trabalho autônomo com características assemelháveis ao trabalho subordinado (17).

No Brasil não há dispositivo legal que preveja a figura da parassubordinação, sendo tal fenômeno pouco visto na doutrina e jurisprudência.

Conforme podemos extrair dos conceitos acima transcritos, a parassubordinação é elemento presente entre a subordinação do empregado e a colaboração do trabalhador autônomo designando o estado de sujeição daquele prestador de serviços que não mantém relação empregatícia com o tomador dos serviços, podendo ser, por exemplo, o trabalhador autônomo ou até mesmo o terceirizado.

Tal figura advém da evolução do conceito reformulado de gestão da atividade econômica (fruto do toyotismo e a ideologia neoliberal voltada para o segmento de serviços) que propugna a colaboração de esforços entre tomadores de serviços e aqueles trabalhadores que se comprometem a desempenhar uma atividade mediante a coordenação, da empresa tomadora.

A coordenação da prestação é entendida como a sujeição do trabalhador às diretrizes do contratante acerca da modalidade da prestação, sem que haja, neste contexto subordinação no sentido clássico e já analisado do termo. É atividade empresarial de coordenar o trabalho sem subordinar o trabalhador. É, ainda, a conexão funcional entre a atividade do prestador do trabalho e a organização do contratante, sendo que aquele se insere no contexto organizativo deste – no estabelecimento ou na dinâmica empresarial – sem ser empregado (18).

Otávio Pinto e Silva citando o jurista italiano Giuseppe Santoro-Passarelli afirma que a idéia de coordenação indica justamente uma coligação funcional entre a prestação laboral e a atividade desenvolvida pelo destinatário deste trabalho. Ocorre que, diferentemente do trabalho subordinado, o trabalho coordenado não exclui as possibilidades de o prestador dos serviços determinar autonomamente ou de acordo com o tomador não apenas as modalidades, mas também o lugar e o tempo de adimplemento da prestação laboral (19).

Todavia, a externalização de mão-de-obra para além dos muros da empresa (até mesmo intra-muros, só que aquém do clássico modelo diretivo da prestação do serviços), sob a titulação de "coordenação de trabalho" faz nascer em desfavor destes prestadores a modalidade de trabalho por conta própria, sendo mitigado o poder diretivo e vista com especial relevância a obrigação do resultado.

A relevância do estudo sobre a parassubordinação surgiu com grande entusiasmo na Itália no início da década de 70 a partir do Código de Processo Civil daquele país. Aquele diploma legal alienígena, conferiu competência à Justiça do Trabalho para julgar as demandas que tratavam dos contratos de colaboração, representação comercial, agência, desde que cumpridos de habitualmente, de forma coordenada e não caracterizados pela subordinação.

Na França o tema também tem bastante ênfase, mormente se considerarmos a disposição do art. 781-1, §2° do Código do Trabalho daquele país, que confere a proteção da legislação trabalhista independentemente da verificação de subordinação clássica bastando a aferição da dependência econômica àqueles obreiros que desempenham funções de recolhimento de encomendas, serviços de manutenção ou transporte, fabricação de objetos, prestação de serviços, colocação de produtos no mercado por conta de uma empresa, em estabelecimento fornecido por ela (ou agregado).

De forma semelhante, a Alemanha confere proteção trabalhista semelhante aos empregados típicos e aqueles autônomos economicamente dependentes cuja maior parte do seu trabalho ou de seus ganhos advém de uma só pessoa, entidade ou instituição. Outras manifestações no mesmo sentido também foram disseminadas na Holanda, Inglaterra e Portugal.

A jurisprudência nacional pouco abordou o tema ora em destaque, não obstante, é de extrema validade a transcrição da ementa do TRT da 3ª Região em julgamento de Relatoria do hoje Exmo. Sr. Desembargador Luiz Otávio Renault em avaliação do trabalho de profissional jornalista correspondente:

EMENTA - PARASSUBORDINAÇÃO - JORNALISTA CORRESPONDENTE - NATUREZA JURÍDICA DO CONTRATO RELACIONADO COM A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - Encontra-se sob o manto da legislação trabalhista, porquanto presentes os pressupostos do art. 3º., da CLT, a pessoa física que prestou pessoalmente os serviços de correspondente jornalístico, onerosamente. Ao exercer a atividade relacionada com a busca de notícias, bem como com a respectiva redação de informações e comentários sobre o fato jornalístico, o profissional inseriu-se no eixo em torno do qual gravita a atividade empresarial, de modo que, simultaneamente, como que se forças cinéticas, a não eventualidade e a subordinação, esta última ainda que de maneira mais tênue, se atritaram e legitimaram a caracterização da relação empregatícia. As novas e modernas formas de prestação de serviços avançam sobre o determinismo do art. 3º., da CLT, e alargam o conceito da subordinação jurídica, que, a par de possuir diversos matizes, já admite a variação periférica da parassubordinação, isto é, do trabalho coordenado, cooperativo, prestado extramuros, distante da sua original concepção clássica de subsunção direta do tomador de serviços. Com a crescente e contínua horizontalização da empresa, que se movimenta para fora de diversas maneiras, inclusive via terceirização, via parassubordinação, via micro ateliers satélites, adveio o denominado fenômeno da desverticalização da subordinação, que continua a ser o mesmo instituto, mas com traços modernos, com roupagem diferente, caracterizada por um sistema de coordenação, de amarração da prestação de serviços ao empreendimento por fios menos visíveis, por cordões menos densos. Contudo, os profissionais, principalmente os dotados de formação intelectual, transitam ao lado e se interpenetram na subordinação, para cujo centro são atraídos, não se inserindo na esfera contratual do trabalho autônomo, que, a cada dia, disputa mais espaço com o trabalho subordinado. Neste contexto social moderno, é preciso muito cuidado para que os valores jurídicos do trabalho não se curvem indistintamente aos fatores econômicos, devendo ambos serem avaliados à luz da formação histórica e dos princípios informadores do Direito do Trabalho, de onde nasce e para onde volta todo o sistema justrabalhista. O veio da integração objetiva do trabalhador num sistema de trocas coordenadas de necessidades, cria a figura da parassubordinação e não da para-autonomia. Se a região é de densa nebulosidade, isto é, de verdadeiro fog jurídico, a atração da relação jurídica realiza-se para dentro da CLT e não para dentro do Código Civil, que pouco valoriza e dignifica o trabalho do homem, que é muito livre para contratar, mas muito pouco livre para ajustar de maneira justa as cláusulas deste contrato. DECISÃO: A Turma, à unanimidade, conheceu do recurso; no mérito, sem divergência, negou-lhe provimento.

(TRT/MG - Proc 00073.2005.103.03.00.5 - Rel. Designado: Juiz Luiz Otávio Renault. DJ/MG 1 de outubro de 2005).

Portanto, entendemos que na parassubordinação, os elementos da continuidade, pessoalidade, coordenação (ou seu eufemismo: colaboração) e dependência econômica revelam, assim como a terceirização ilícita e a desvirtuação do trabalho autônomo, a necessidade da reformulação ou adequação do conceito clássico de subordinação com especial atenção à impositiva obrigação de atingir resultados sucessivos e ao status de sujeição e correlação da prestação contínua do trabalho para a sobrevivência do prestador de serviços que diretamente se enquadra nas necessidades organizacionais dos tomadores de seus serviços, contribuindo para atingir o objeto social do empreendimento.

Some-se às figuras acima indicadas a contemporânea (corriqueira e odiosa) prática da "pejotização". Tal fenômeno apresenta inequívoca importância no presente estudo, ao passo que também evidencia a fragilidade do atual conceito de subordinação em face das mais recentes realidades funcionais verificadas no atual cenário econômico-produtivo.

Em argumentos sumários, a "pejotização" consiste, na intenção da empresa em tentar camuflar ou desconfigurar típica relação empregatícia com a celebração de contrato de prestação de serviço com uma pessoa jurídica. A prática acaba por demonstrar verdadeira imposição (condicionamento como garantia da manutenção ou obtenção do emprego) feita pelos tomadores de serviço para que os trabalhadores constituam pessoa jurídica com o objetivo de burlar a relação de emprego.

A prática comumente instituída acabou sendo viabilizada pelo art. 129 da Lei 11.196/2005 que assim dispõe:

Art. 129. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil.

Tal disposição legal acabou por revigorar a antiga discussão que parecia estar sendo totalmente aniquilada acerca da possibilidade ou não do trabalhador poder renunciar à proteção justrabalhista. Portanto, o debate sobre o despojamento de direitos celetistas recuperou forças (a título de viabilidade e legalidade do "pejotismo") ganhando destaque duas correntes contraditórias, (i) uma sustentando de um lado que a proteção trabalhista decorre da hipossuficiência do trabalhador, não sendo relevante o debate sobre suas condições econômicas ou prestígio frente ao poderio econômico do empregador (com incisiva ênfase do caráter cogente da legislação laborativa e a inexistência de diferença entre o trabalho intelectual, técnico ou manual pelo que dispõe o art. 7°, inciso XXXII da CF); (ii) e outra defendendo que serviço intelectual seria capaz de eliminar a hipossuficiência do trabalhador, sendo relevante apenas o seu próprio critério no que tange à escolha da lei que regerá a prestação de seus serviços, sendo certo que os incentivos fiscais e previdenciários compensariam os benefícios trabalhistas.

A altercação é de grande importância, porém, quedamo-nos satisfeitos ao momento em apenas informar o leitor acerca do que a matéria compreende e do reflexo da recente figura na deturpação dos elementos fático-jurídicos próprios da relação empregatícia. Ademais, valemo-nos da oportunidade para esclarecer que estamos inclinados em favor da primeira corrente, contra a possibilidade de renúncia da proteção justrabalhista.

O fenômeno do "pejotismo" já foi ventilado no TST através de abordagem em Agravo de Instrumento interposto com o intuito de destrancar Recurso de Revista denegado pelo TRT da 1ª Região (tratou-se de célebre caso envolvendo uma reconhecida jornalista e a Rede Globo de Televisão). O Exmo. Sr. Ministro Horácio Senna Pires referendou os argumentos do Tribunal Regional para não dar provimento à manobra recursal sob os seguintes argumentos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. CONSTITUIÇÃO DE PESSOA JURÍDICA COM O INTUITO DE DISSIMULAR O CONTRATO DE TRABALHO. DISCREPÂNCIA ENTRE O ASPECTO FORMAL E A REALIDADE. O acórdão recorrido contém todas as premissas que autorizam o exame do enquadramento jurídico dado pelo TRT aos fatos registrados. Nesse contexto, verifica-se que se tratava de típica fraude ao contrato de trabalho, consubstanciada na imposição feita pelo empregador para que o empregado constituísse pessoa jurídica com o objetivo de burlar a relação de emprego havida entre as partes. Não se constata violação dos artigos 110 e 111 do Código Civil, uma vez que demonstrada a ocorrência de fraude, revelada na discrepância entre o aspecto formal (contratos celebrados) e a realidade. Agravo de instrumento improvido.

(TST; 6ª Turma; Processo AIRR: 1313/2001-051-01-40; Julg. em 22/10/2008; Relator: Ministro Horácio Senna Pires.)

Da forma como objetivamos expor no presente capítulo intitulado "A Modificação do Sistema Produtivo", as ideologias capitalista ultraliberais e desregulamentadoras (ou seu eufemismo: flexibilização) acabaram por criar e viabilizar posturas precarizantes das relações de trabalho sob o argumento de necessidade de adequação à nova realidade sócio-economica.

Neste ínterim, o que exsurge é um novo debate acerca do conceito de subordinação com especial importância ao critério da dependência econômica e da inserção do trabalhador na dinâmica empresarial/produtiva do tomador de serviços com ênfase a revitalizar a assunção de riscos pelo tomador (o que aparentemente busca se esfacelar) e uma especial análise da alteridade presente na relação de trabalho.


5. A subordinação estrutural;

Atento ao que o moderno sistema de gestão de mão-de-obra (terceirização ilícita, trabalho autônomo desvirtuado, desenvolvimento da parassubordinação e corriqueira prática do "pejotismo") pode impactar negativamente no sistema justrabalhista sedimentado e classicamente interpretado, Mauricio Godinho Delgado propugna uma concepção estruturalista da subordinação, com o objetivo de incluir no conceito de empregado todo o trabalhador inserido na dinâmica do tomador de seus serviços.

Ao buscar a integração daqueles que passaram a estar desprotegidos no sistema de acumulação flexível (20), enquadra como típico empregado aquele prestador de serviços (ou pessoa jurídica dissimulada) arraigado no âmbito de repercussão das decisões de empresa principal sob a rubrica de "colaboradores indiretos" ou "meros coordenados".

A subordinação estrutural supera as dificuldades de enquadramento de situações fáticas que a visão clássica não alcança, ganhando, justamente por este aspecto, relevância no atual contexto sócio-econômico.

Embora pudéssemos expor em nossas palavras as idéias que sustentam tal teoria, certamente é mais válida a observação dos exatos termos utilizados pelo renomado aplicador do direito ora em destaque, razão pela qual preferimos transcrever o trecho abaixo para que a essência original da tese eventualmente não se perca:

Como se sabe, o conceito de subordinação hoje dominante é o que a compreende como situação jurídica, derivada do contrato de emprego, em decorrência da qual o trabalhador acata a direção laborativa proveniente do empregador. É uma situação jurídica que se expressa por meio de certa intensidade de ordens oriundas do poder diretivo empresarial, dirigidas ao empregado. Em paralelo a esta conceituação hegemônica, construiu o Direito do Trabalho noção ampliativa deste elemento integrante da relação de emprego, denominando-a de subordinação objetiva.

A subordinação objetiva, ao invés de se manifestar pela intensidade de comandos empresariais sobre o trabalhador (conceito clássico), despontaria da simples integração da atividade laborativa obreira nos fins da empresa. Com isso reduzia-se a relevância da intensidade de ordens, substituindo o critério pela idéia de integração aos objetivos empresariais.

Embora válido o intento da construção teórica da subordinação objetiva, ela não se consolidou, inteiramente na área jurídica, por ser fórmula desproporcional às metas almejadas. Tal noção, de fato, mostrava-se incapaz de diferenciar, em distintas situações práticas, entre o real trabalho autônomo e o labor subordinado, principalmente quando a prestação de serviços realizava-se fora da planta empresarial, mesmo que relevante para a dinâmica e fins da empresa. Noutras palavras, a desproporção da fórmula elaborada, tendente a enquadrar como subordinadas situações fático-jurídicas eminentemente autônomas, contribuiu para o seu desprestígio.

A readequação conceitual da subordinação – sem perda de consistência das noções já sedimentadas, é claro – de modo a melhor adaptar este tipo jurídico às características contemporâneas do mercado de trabalho, atenua o enfoque sobre o comando empresarial direto, acentuando, como ponto de destaque, a inserção estrutural do obreiro na dinâmica do tomador de seus serviços.

Estrutural é, pois, a subordinação que se manifesta pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento.

A idéia de subordinação estrutural supera as dificuldades de enquadramento de situações fáticas que o conceito clássico de subordinação tem demonstrado, dificuldades que exacerbam em face, especialmente, do fenômeno contemporâneo da terceirização trabalhista. Nesta medida ela viabiliza não apenas alargar o campo de incidência do Direito do Trabalho, como também conferir resposta normativa eficaz a alguns de seus mais recentes instrumentos desestabilizadores - em especial, a terceirização (21).

Como se pode observar pela leitura acima, a teoria lançada pelo Exmo. Sr. Ministro do Tribunal Superior do Trabalho indica vertiginoso distanciamento do conceito clássico de subordinação, sendo absolutamente irrelevante o fato do prestador de serviços receber ou não ordens diretas do tomador de serviços.

Segundo os argumentos acima transcritos, a característica fundamental do elemento fático-jurídico "subordinação" reside na inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços.

Entende-se, portanto, que não é possível dissociar o processo produtivo a ponto de compreender as várias etapas da produção como compartimentos estanques, independentes, autônomos. A dinâmica empresarial é única, e todas as etapas interdependentes formam um todo, a essência da atividade econômica.

Estando inserido nesta cadeia produtiva de bens ou de desenvolvimento de serviços, o trabalhador atende o requisito fático-jurídico da subordinação no modelo estrutural ora em evidência, independentemente de estar sujeito ao controle, fiscalização ou objetivamente submisso quanto ao modo de exercer sua função.

O desenvolvimento da teoria da subordinação estrutural está intimamente vinculado ao processo produtivo contemporâneo que a título de "flexibilização" e "horizontalização" busca o esfacelamento da garantia justrabalhista e surge como dura resposta ao faceto argumento de que a legislação em vigor está engessada e inapta a regular o novo modelo de aplicação do capital produtivo.

De fato a tese à baila soluciona diversas questões específicas que habitam a casuística jurídica, inclusive já aparecendo em diversos julgados tanto em Tribunais Regionais do Trabalho quanto no próprio Tribunal Superior do Trabalho.

A título de enriquecimento do estudo, valemo-nos de dois acórdãos do TST sobre o tema:

EMPRESA DE TELECOMUNICAÇÃO. TERCEIRIZAÇÃO DE ATIVIDADE-FIM - IMPOSSIBILIDADE. TERCEIRIZAÇÃO DE ATIVIDADE-MEIO - PRESSUPOSTOS CARACTERIZADORES DA RELAÇÃO DE EMPREGO, ESPECIALMENTE A PESSOALIDADE E A SUBORDINAÇÃO DIRETA. 3.1. - Serviço de telecomunicações é o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicações-, por intermédio de -transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza- (art. 60, -caput- e § 1º, da Lei nº 9.472/97). 3.2. Os serviços de telecomunicações vinculados à implantação e manutenção de redes de acesso, equipamentos e sistemas de telecomunicações estão inseridos nas atividades essenciais das empresas concessionárias dos serviços de telecomunicações, circunstância que desautoriza a prática da terceirização. 3.3. O § 1º do art. 25 da Lei nº 8.987/95, bem como o inciso II do art. 94 da Lei nº 9.472/97 autorizam as empresas de telecomunicações a terceirizar as atividades-meio, não se enquadrando em tal categoria os instaladores de redes e os atendentes do sistema -call center- (estes, quando postos sob direta subordinação), eis que aproveitados em atividade essencial para o funcionamento das empresas. 3.4. Rememore-se que o conceito de subordinação deve ser examinado à luz da inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de serviços, configurando a denominada subordinação estrutural, teoria que se adianta como solução para os casos em que o conceito clássico de subordinação se apresenta inócuo. Recurso de revista conhecido e desprovido.

(Processo: RR - 329/2005-002-03-00.0 Data de Julgamento: 23/09/2009, Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª Turma);

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. BANCÁRIO. ENQUADRAMENTO. GRUPO ECONÔMICO. TRATAMENTO ISONÔMICO ENTRE EMPREGADOS DO BANCO BANESPA E DA BANESPA S.A - CORRETORA DE CÂMBIOS E TÍTULOS. JORNADA DE TRABALHO ESPECIAL DE SEIS HORAS. ART. 224, CAPUT, DA CLT. SUBORDINAÇÃO ESTRUTURAL. CARACTERIZAÇÃO. Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, deve ser admitido o apelo para melhor análise da argüição de violação do art. 224, caput, da CLT. Agravo de instrumento provido. RECURSO DE REVISTA. BANCÁRIO. ENQUADRAMENTO. GRUPO ECONÔMICO. TRATAMENTO ISONÔMICO ENTRE EMPREGADOS DO BANCO BANESPA E DA BANESPA S.A - CORRETORA DE CÂMBIOS E TÍTULOS. JORNADA DE TRABALHO ESPECIAL DE SEIS HORAS. ART. 224, CAPUT, DA CLT. SUBORDINAÇÃO ESTRUTURAL. CARACTERIZAÇÃO. Demonstrado, diante das circunstâncias narradas e delineadas no acórdão regional, que a Reclamante prestava serviços específicos de bancário, porquanto as tarefas executadas se inseriam na atividade-fim do Reclamado e a ele eram revertidas, pois essenciais ao funcionamento do próprio Banco, bem como que a obreira se encontrava integrada à estrutura e dinâmica organizativa e operacional do tomador de serviços (Banco Banespa), realizando atividades comuns àquelas desempenhadas pelos bancários, ao se submeter à cultura corporativa dominante, a conclusão que se demonstra mais fiel às circunstâncias registradas no acórdão, e em consonância com o princípio da isonomia, é a de que o enquadramento da obreira deve ser feito com observância ao disposto no art. 224, caput, da CLT, devendo ser reconhecida a jornada especial de seis horas diárias, nos limites estabelecidos em sede de recurso de revista, sob pena de configurar-se discriminação e aviltamento do valor da força de trabalho, mormente quando reconhecida a existência de grupo econômico entre os Reclamados. Recurso de revista conhecido e provido.

(Processo: TST-RR-1767/2001-044-15-42.8; Data de Julgamento: 28/10/2009, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, 6ª Turma)

Também é válida a indicação de alguns arestos do Tribunal Regional da 2ª Região, senão vejamos:

TERCEIRIZAÇÃO DE ATIVIDADE-FIM. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO. A contratação de prestação de serviços, para realização de atividade que se insere na atividade-fim da empresa, torna ilícita a terceirização, ensejando o reconhecimento de vínculo com a empresa tomadora, nos termos da Súmula 331, I e III do C. TST. A inserção do trabalhador na atividade produtiva do tomador, nessa hipótese, caracteriza subordinação estrutural.

(TRT da 2ª Região; 4ª Turma; Proc.: 02058-2005-004-02-00-5; - Relatora: Ivani Contini Bramante; Publ. em 14/08/2009)

VÍNCULO EMPREGATÍCIO. RELAÇÕES DE TRABALHO DE AMBIGUIDADE OBJETIVA. No novo contexto mundial, com as transformações no cenário econômico e social, a subordinação ganhou novos contornos, a caracterizar a figura de trabalho "autônomo-dependente". É aquela situação em que o trabalhador supostamente autônomo, mas habitualmente inserido na atividade produtiva alheia, a despeito de ter controle relativo sobre o próprio trabalho, não detém nenhum controle sobre a atividade econômica. E se há semelhança entre o trabalho dito "autônomo-dependente" e o empregado clássico, manda a boa regra de hermenêutica não reduzir o potencial expansivo e protetivo do direito do trabalho. Trata-se do reconhecimento do conceito de subordinação estrutural e reticular, pois se a prestação desse trabalho ingressa na empresa através de um contrato de prestação de trabalho autônomo, mas adere às atividades dessa empresa, a disposição do trabalho subsiste pelo tomador de serviços, já que a impessoalidade da disposição do trabalho não afasta a circunstância de ter sido contratado para desenvolver atividade e não resultado. Recurso da ré a que se nega provimento.

(TRT da 2ª Região; 11ª Turma; Proc.: 02461-2007-005-02-00-2; Relator: Eduardo de Azevedo Silva; Publ. em: 16/06/2009)

Há que ser observado que os acórdãos colacionados acima (tanto do TST quanto do TRT da 2ª Região) são bastante recentes e apresentam-se de forma não-concentrada em determinada Turma ou sedimentada em voz única de Desembargadores e Ministros, a tese hoje se apresenta consideravelmente difundida na jurisprudência.

No vasto universo de julgados sobre o tema, chamam a atenção os acórdãos do TRT da 3ª Região nos quais figurou como relator convocado o MM. Juiz José Eduardo de Resende Chaves. Em seus votos, podemos sempre perceber a ênfase dada ao panorama produtivo atual (alcançado após prévia abordagem histórica) e uma efusiva abordagem sobre a relação do poder nos casos de integração do trabalhador na dinâmica empresarial:

EMENTA: 'SUBORDINAÇÃO RETICULAR' - TERCEIRIZAÇÃO - EXTERNALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES ESSENCIAIS - VÍNCULO DE EMPREGO COM A TOMADORA DOS SERVIÇOS - 1. O conjunto probatório produzido pelas partes revela que a reclamante foi contratada por interposta empresa, integrante do mesmo grupo econômico da tomadora dos serviços, para execução de serviços essencialmente inseridos nas atividades empresariais da companhia telefônica contratante, jungidos à subordinação estrutural ou integrativa. E uma vez inserido nesse contexto essencial da atividade produtiva da empresa pós-industrial e flexível, não há mais necessidade de ordem direta do empregador, que passa a ordenar apenas a produção. Nesse ambiente pós-grande indústria, cabe ao trabalhador ali inserido habitualmente apenas "colaborar". A nova organização do trabalho, pelo sistema da acumulação flexível, imprime uma espécie de cooperação competitiva entre os trabalhadores que prescinde do sistema de hierarquia clássica. Em certa medida, desloca-se a concorrência do campo do capital, para introjetá-la no seio da esfera do trabalho, pois a própria equipe de trabalhadores se encarrega de cobrar, uns dos outros, o aumento da produtividade do grupo; processa-se uma espécie de sub-rogação horizontal do comando empregatício. A subordinação jurídica tradicional foi desenhada para a realidade da produção fordista e taylorista, fortemente hierarquizada e segmentada. Nela prevalecia o binômio ordem-subordinação. Já no sistema ohnista, de gestão flexível, prevalece o binômio colaboração-dependência, mais compatível com uma concepção estruturalista da subordinação. Nessa ordem de idéias, é irrelevante a discussão acerca da ilicitude ou não da terceirização, como também, a respeito do disposto nos artigos 60 e 94, II da Lei 9.472/97, pois no contexto fático em que se examina o presente caso, ressume da prova a subordinação da autora ao empreendimento de telecomunicação, que tem como beneficiário final do excedente do trabalho humano a companhia telefônica tomadora dos serviços (Telemar). Vale lembrar que na feliz e contemporânea conceituação da CLT - artigo 2º, caput - o empregador típico é a empresa e não um ente determinado dotado de personalidade jurídica. A relação de emprego exsurge da realidade econômica da empresa e do empreendimento, mas se aperfeiçoa em função da entidade final beneficiária das atividades empresariais. 2. Assim, o poder de organização dos fatores da produção é, sobretudo, poder, e inclusive poder empregatício de ordenação do fator-trabalho. E a todo poder corresponde uma antítese necessária de subordinação, já que não existe poder, enquanto tal, sem uma contrapartida de sujeição. Daí que é decorrência lógica concluir que o poder empregatício do empreendimento empresarial subsiste, ainda que aparentemente obstado pela interposição de empresa prestadora de serviço. O primado da realidade produtiva contemporânea impõe reconhecer a latência e o diferimento da subordinação direta.

(TRT da 3ª Região; 4ª Turma; Proc.: 00199-2008-001-03-00-1; Relator Convocado: José Eduardo de Resende Chaves Júnior; Publ. em 25/10/2008)

Apesar de significativamente irradiada na jurisprudência, encontramos alguns julgados que aparentemente utilizam parcialmente a teoria, guardando ênfase à antiga proposição da subordinação subjetiva (obviamente não considerada como sujeição pessoal, mas como evidência do poder empregatício quanto ao modus operandi, a fiscalização, etc).

A integração do trabalhador na organização empresarial, a que alguns doutrinadores denominam de subordinação-integração ou estrutural, enquanto outros preferem manter-se aliados à vertente da mera subordinação objetiva, constitui dado relevante para a aferição da existência do vínculo empregatício, mas não se erige em elemento único. Necessário verificar, no caso concreto, se outros elementos que venham a denotar a existência também da subordinação subjetiva se encontram presentes, ao lado dos demais requisitos que se fazem necessários para o reconhecimento do vínculo empregatício.

(TRIBUNAL: 3ª Região; Turma Recursal de Juiz de Fora; Proc.: 01077-2007-052-03-00-4; Relator: Heriberto de Castro; Publ. em: 10/06/2009)

Outros arestos, em consonância com os já mencionados alhures, demonstram inequívoca avocação da tese:

SUBORDINAÇÃO ESTRUTURAL - SUBORDINAÇÃO ORDINÁRIA: O Direito do Trabalho contemporâneo evoluiu o conceito da subordinação objetiva para o conceito de subordinação estrutural como caracterizador do elemento previsto no art. 3o. da CLT. A subordinação estrutural é aquela que se manifesta pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, pouco importando se receba ou não suas ordens diretas, mas se a empresa o acolhe, estruturalmente, em sua dinâmica de organização e funcionamento. Vínculo que se reconhece.

(TRT da 3ª Região; 3ª Turma; Proc.: 01352-2006-060-03-00-3; Relator: Bolívar Viégas Peixoto; Publ. em 25/08/2007)

Embora louvável e inequivocamente valiosa para a composição jurídico-interpretativa atual, a tese da subordinação estrutural não está livre de criticas.

Ao se dispensar a observação da submissão das ordens diretas do empregador (agora entendido como comandante do liame de coordenação e colaboração de todo o processo produtivo), afasta-se do entendimento até então pacificado na jurisprudência acerca da terceirização lícita, consubstanciado na Súmula nº 331, III, do TST, segundo o qual não se forma vínculo de emprego direto com o tomador de serviços em atividade-meio nem em caso de trabalho temporário.

Na doutrina também encontramos apontamentos indicativos de diversas dúvidas que pairam sobre a aplicação da teoria: i) a não-caracterização de litisconsórcio passivo necessário em relação à empresa interposta (com a qual ordinariamente se examina o pedido de declaração de nulidade do vínculo para, somente em seguida, declarar o vínculo com a tomadora), com conseqüente coexistência de dois vínculos de emprego simultâneos relativos ao mesmo desforço obreiro; ii) a viabilidade de equiparação salarial irrestrita no emprego privado (tanto em relação à empresa interposta quanto, alternativamente, à escolha do empregado, com a tomadora – dependendo do pedido); iii) incerteza quanto ao enquadramento sindical; iv) a antinomia de normas regulamentares (novamente entre aquelas da empresa interposta e as da tomadora); v) a duplicidade de obrigação ao recolhimento da contribuição previdenciária, e direito a benefícios, diversificados (variando em razão da atividade de uma e de outra empregadora) (22).

Por fim, aproveitando o oportuno momento em que se levantam dúvidas sobre a aplicação da teoria, devemos ressaltar que também existem diversos julgados apresentando posição diametralmente oposta à tese da subordinação estrutural, ganhando especial importância o voto do MM. Juiz João Bosco Pinto Lara do TRT da 3ª Região:

EMENTA: RELAÇÃO DE EMPREGO - ELEMENTOS CONSTITUTIVOS - INDISPENSABILIDADE DA PRESENÇA DO CLÁSSICO ELEMENTO DA SUBORDINAÇÃO JURÍDICA. Em se tratando da relação jurídica de emprego, é imprescindível a conjugação dos fatos: pessoalidade do prestador de serviços; trabalho não eventual; onerosidade da prestação; e subordinação jurídica. Portanto, apenas o somatório destes requisitos é que representará o fato constitutivo complexo do vínculo de emprego, que deve ser provado por quem invoca o direito. A adotar-se o difuso e etéreo conceito de "subordinação estrutural" será possível o reconhecimento de vínculo de emprego em qualquer situação fática submetida a esta Justiça, simplesmente porque não há, no mundo real das relações econômicas, qualquer atividade humana que não se entrelace ou se encadeie com o objetivo final de qualquer empreendimento, seja ele produtivo ou não. Para fins de aferir a existência de relação de emprego, ainda prevalece a clássica noção de subordinação, na sua tríplice vertente: jurídica, técnica e econômica. Ao largo dessa clássica subordinação, nada mais existe a não ser puro diletantismo ou devaneio acadêmico, máxime na realidade contemporânea onde a tendência irrefreável da história é a consagração do trabalho livre e competitivo.

(TRT da 3ª Região; 9ª Turma; Proc.: 00824-2008-070-03-00-0; - Relator Convocado: João Bosco Pinto Lara; Publ. em 06/05/2009)


6. Um novo conceito de subordinação;

Conforme exaustivamente expomos nos tópicos acima, o novel quadro de acumulação flexível da produção, alheio à disciplina produtiva disseminada pelos modelos fordista e taylorista, fomentou o surgimento de modernas relações contratuais para a direção do trabalho alheio.

A direção do trabalho transmudou-se em cooperação, colaboração ou coordenação laborativa configurando uma coligação de atividades produtivas (seja de bens ou de serviços) direcionados a um fim comum, geralmente traçado por aquele detentor de grande capital e com o poder de gestão sobre todo o processo envolvido na consecução do objetivo final.

Esta configuração do sistema produtivo, obviamente, também necessita de ter as suas relações laborais perfeitamente identificadas, surgindo daí a necessidade de interpretar o ordenamento jurídico vigente de modo a regular seus conflitos sociais diante deste recente contexto econômico.

Desta forma, é manifesta a importância de reconhecermos a figura da subordinação neste recente sistema produtivo inundado por "terceirizações", "autônomos-dependentes", "parassubordinados" e "pejotismos", para que possamos, a partir da aparente destituição do conceito deste elemento fático-jurídico, reenquadrá-lo de forma apta a estender a todos os trabalhadores a melhor proteção jurídica possível visando sempre a valorização do trabalho e o respeito à dignidade humana.

Conforme observou Amauri César Alves

se a matriz originária do Direito do Trabalho – fundada na subordinação jurídica clássica como elemento apto a determinar o ente a ser protegido por este ramo especial – não mais consegue sustentar uma série de relações de trabalho dependentes de tutela, é necessário repensá-la, sob pena de perda do sentido teleológico desta estrutura jurídica. [...] É necessário que ele continue a proteger a parte hipossuficiente da relação, ainda que não haja subordinação clássica (23).

Portanto, com base sedimentada no que já foi objeto de análise de José Affonso Dallegrave Neto, para quem a subordinação jurídica é "toda a prestação de serviço realizada por conta e risco alheios, sob dependência hierárquica ou forte dependência econômica, sendo presumida (a subordinação jurídica) no caso do empregado prestar serviço essencial à atividade da empresa" (24), passemos a analisar o que julgamos como necessário para a justificação deste conceito, restando certo que a dependência hierárquica já foi objeto de análise ao longo do estudo sob a rubrica de "subordinação em seu conceito clássico".

6.1. A dependência econômica;

O caput do art. 3° do texto celetista informa que "Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário".

Como se pode perceber, a figura da subordinação não está prevista na definição de empregado proposta pela própria CLT, sendo, por outro lado, enfatizada a prestação de trabalho sob dependência, que se enquadrada no atual modelo produtivo apresentado no presente estudo como dependência econômica.

Contudo, destacamos que a dependência econômica não se apresenta como elemento único determinante a configurar o cerne da relação de emprego, trata-se na verdade de mais uma proposição com o intuito estender a proteção jurídica às modernas figuras atípicas de trabalho. Sendo assim, valemo-nos do presente momento, no início do raciocínio, para enfatizar que a dependência econômica, segundo a proposta do estudo, pode sim ser vista como elemento caracterizador do liame empregatício, mas jamais poderá sê-lo absolutamente desacompanhada de outros elementos fático-jurídicos, nem mesmo servir de critério negativo para a configuração do vínculo de emprego quando não puder ser verificada.

Destarte, entendemos válidas as críticas doutrinariamente feitas em desfavor da aferição do critério da "dependência econômica" como único e determinante pressuposto para a verificação da relação empregatícia. Oportunamente, são citadas a seguir algumas valiosas lições sobre o tema em referência:

No primeiro caso (dependência econômica), a concepção fundava-se na hierarquia rígida e simétrica que tanto marca a estrutura socioeconômica de qualquer organização empresarial, colocando no vértice da pirâmide econômica o empregador e seus representantes. A relação empregatícia, em particular, seria uma projeção enfática dessa assimetria econômica que separa empregador e empregado.

Há problemas, entretanto, nessa formulação teórica. Inegavelmente, o critério que ela incorpora origina-se de uma reflexão acerca do padrão genérico típico à relação trabalhador/empregador na moderna sociedade industrial.

Contudo, ainda que o critério econômico acima consignado tenha irrefutável validade sociológica, ele atua na relação jurídica específica como elemento externo, incapaz, portanto, de explicar, satisfatoriamente, o nexo preciso da assimetria poder de direção/subordinação. De par com isso, a assincronia econômico-social maior ou menor entre os dois sujeitos da relação de emprego não necessariamente altera, em igual proporção, o feixe jurídico de prerrogativas e deveres inerente ao poder empregatício (com sua dimensão de direção e subordinação) (25).

A dependência destacada no artigo acima mencionado não é necessariamente econômica, embora ela se faça presente na maioria dos contratos laborais. Deixa de ser um elemento caracterizador da condição de empregado porque tal dependência econômica só existe em alguns, mas não em todos os casos. Sabe-se que há empregados cujo patrimônio é maior do que o de seu empregador. Na hipótese, se a dependência econômica fosse considerada como elemento indispensável à prova da relação de emprego, esta seria de difícil demonstração (26).

O econômico, porém, representa um interesse não captado pelo Direito e isso porque a posição econômica do indivíduo no tráfico social só ganha equacionamento jurídico se esse indivíduo vem a participar concretamente de uma relação jurídica a que a lei, diante de princípios de tutela, concede direitos tais que o fazem supor economicamente fraco (consumidor, inquilino, empregado, etc.).

Tanto isso é certo que um indivíduo de nível econômico superior pode ocupar um desses pólos da relação jurídica e estar em posição de vantagem econômica diante do pólo contrário (inquilino abastado, proprietário remediado, empregado-diretor ou alto empregado que socorre sua firma com numerário, em caso de emergência etc.) (27).

A dependência econômica, ora enfocada sob seu aspecto de relação necessária, revela-se por alguns traços fundamentais e estreitamente associados. O fato de quem realiza a prestação de serviços de modo exclusivo e continuo para determinado tomador encontra na retribuição o seu único ou principal meio de subsistência (há assim uma dependência da economia do trabalhador perante a economia do tomador dos seus serviços, sendo o sucesso de um intimamente ligado ao do outro).

Além deste traço marcante há também a figura da inserção do trabalhador num processo produtivo dominado por outrem, seu tomador de serviços, verificando-se, pois, dependência técnica sob o ponto de vista da estrutura do processo no qual o trabalhador está inserido (processo produtivo mais amplo, promovido e dominado pela atividade econômica do beneficiário do trabalho).

O autônomo dissimulado sob o manto de uma pessoa jurídica, o terceirizado ilicitamente (e a sua empresa intermediadora de mão-de-obra) e o trabalhador efetivamente autônomo, quando sozinhos, não puderem completar todo o processo produtivo (que, por sinal, se difere de processo de produção, sendo mais abrangente como se verá posteriormente) e sejam impreterivelmente necessários à consecução econômica final das atividades do tomador, por estarem inseridos na dinâmica produtiva não podem trabalhar de acordo com suas preferências, com suas inclinações, em suma, com suas vontades, devendo obedecer ao sutil sistema de colaboração e coordenação imposto, o que marcadamente evidencia os dois aspectos da dependência invocados nos parágrafos anteriores, seja sob o aspecto econômico ou seja pelo aspecto técnico.

As empresas enxugam os curso, dissimulam as relações de trabalho para externalizar os seus serviços para supostos autônomos ou pessoas jurídicas dissimuladas resguardadas no enganoso discurso permissivo de um trabalho aparentemente mais suave, mais tranqüilo, menos intenso e desgastante.  

Ocorre que na verdade, nestas situações hoje constantemente vivenciadas, o trabalhador não possui uma organização laborativa própria, uma vez que conforme dito, em razão da sua grande inserção na dinâmica produtiva da empresa tomadora de seus serviços, vê sua autonomia sendo podada pelo regime de colaboração ao qual está submisso, sendo depende do êxito econômico da atividade que participa sob regime de coordenação

A verdade é que o modelo ora enfatizado de dependência econômica está fatalmente agregado à concepção estruturalista de subordinação, razão pela qual somente foi abordada ao momento, após a análise do propugnado por Mauricio Godinho Delgado.

Feitas as abordagens necessárias, passemos a mencionar alguns julgados do Exmo. Sr. Desembargador Luiz Otávio Linhares Renault que tratam o tema com respeitável maestria:

EMENTA: CONTRATO DE EMPREGO - PRESSUPOSTOS - A CLT E A SUA SEMÂNTICA - INTERPRETAÇÃO - CONCEITUALISMO E REALISMO - DEPENDÊNCIA E SUBORDINAÇÃO - O QUE TÊM DE COMUM INDEFINIDAMENTE E ALÉM TEMPO - PROCESSO PANÓPTICO DE HETERODIREÇÃO E DE CONTROLE DO TRABALHADOR NA SOCIEDADE PÓS-MODERNA - IDENTIFICAÇÃO DO TIPO CONTRATUAL JUSTRABALHISTA - SÍMBOLO E RELAÇÃO SIMBOLIZADA-

Quanto mais se estuda e se pesquisa; quanto mais, em sua profunda raiz social, se volve e se revolve a terra e a essência da CLT, tanto mais fértil e atual ela se revela, em permanente mutação, fruto que foi da sabedoria dos seus autores (Professores Rego Monteiro, Oscar Saraiva, Dorval Lacerda, Segadas Viana e Arnaldo Süssekind), que a conceberam e a consolidaram para além do seu tempo, com os olhos postos no futuro, imprimindo-lhe, em determinados temas centrais, o sopro da modernidade a perder de vista, bem distante da época em que viviam, desprendidos que foram do conceitualismo, em prol do realismo social.

Talvez e novamente com muita sabedoria, eles tenham antevisto que, com o passar dos anos e das décadas, persistiria a mesma dificuldade em torno de uma legislação social, destinada à proteção dos trabalhadores, em geral, humildes e iletrados, sem a necessária força política para embates legislativos em face do poder e da força econômica das empresas que, por disposição da lei, caput do art. 2o., constituem as empregadoras, isto é, as pessoas físicas ou jurídicas que integram o prestador de serviços em benefício da consecução de seus objetivos de produzir bens e serviços para o mercado, cada vez mais globalizado e competitivo do que nunca.

Bom exemplo da modernidade legislativa de 1942/43, vindo das mãos de eminentes juristas, que, contrariando o pessimismo de Drummond, segundo o qual "os lírios não brotam das leis" (poema, Nosso Tempo), transformaram a realidade das relações trabalhistas em lírios, encontra-se no art. 3o. da CLT, que enverga os pressupostos da relação de emprego, aos quais devem se somar os requisitos de validade do respectivo contrato, obtidos pela via subsidiária do art. 104 do Código Civil " capacidade, objeto lícito e forma, esta exigível apenas quando expressamente prevista em lei.

No que tange à subordinação, o legislador, sem conceituá-la, a denominou, com sucesso perene, de dependência, também sem qualificá-la, o que permite a sua constante adaptação e transformação à realidade pelos intérpretes.

A discussão em torno da natureza da dependência perde-se no tempo, vem do século passado e várias foram as suas acepções científicas, tendo em vista a influência histórico-doutrinária e jurisprudencial de cada país " França, Alemanha, Itália e Espanha, principalmente. No Brasil, o legislador não qualificou a dependência " não disse se ela seria técnica, econômica ou social. Fez bem.

Aqui, a discussão não se revelou muito acirrada, porque, com o fluir do tempo, a dependência foi relacionada, isto é, foi identificada com a subordinação, que passou a ser jurídica: nasce e é inerente ao conceito de empresa e se instrumentaliza com o contrato, nas próprias veias da relação jurídica, pelas quais flui o comando integrativo e estrutural do trabalho alheio, heterodirigido nos limites da lei. Ocorre que esta acomodação científica relativamente tranqüila se deveu essencialmente ao sistema fordista da produção, hegemônico durante cerca de cinqüenta anos. Com a passagem da sociedade industrial para a sociedade informacional, baseada na internet de banda larga, no sistema hight tech de produção e de consumo em massa, sem precedentes na história humana, alteraram-se os paradigmas, agora próprios da pós-modernidade, em que as pessoas, a produção, os bens e serviços são muito diferentes se comparados com as décadas passadas.

As empresas enxugaram custos e trabalhadores, reduziram os seus espaços físicos, terceirizaram e externalizaram grande parte e fases da produção. Assim, um novo modelo surgiu: no passado, a luz artificial mudou os ponteiros dos relógios das fábricas, impondo ao trabalhador novos usos e costumes; no presente, a internet eliminou o relógio de corda ou digital, assim como o relógio biológico, impondo intensos ritmos de trabalho, de forma atemporal, embora os prestadores de serviços, aparentemente, sejam mais livres, sejam aparentemente autônomos. Fernanda Nigri Faria, baseada em Foucault, sustenta que "na era contemporânea o sistema panóptico foi adaptado e continua sendo plenamente utilizado para controlar os atos mínimos, com as mesmas finalidades de disciplina, individualização, manutenção da ordem, maior produtividade, eliminação de tempos inúteis e constante sensação de vigilância, apenas com nova estrutura, com novos métodos". Por conseguinte, a subordinação continua sendo a sujeição, a dependência, de alguém que se encontra frente a outrem, só que por outros métodos, não tão intensos e visíveis, porque não mais tanto sobre a pessoa, porém sobre o resultado do trabalho. Estar sob dependência ou estar sob subordinação, é dizer que o prestador de serviços se encontra sob as ordens, que podem ser explícitas ou implícitas, rígidas ou maleáveis, constantes ou esporádicas, em ato ou em potência. Na sociedade pós-moderna, vale dizer na sociedade info-info (Chiarelli), a subordinação passou para a esfera objetiva, objetivada e derramada sobre a atividade econômica da empresa, alterando-se o eixo de imputação jurídica: do trabalhador para a empresa. Subordinação objetiva (Romita), estrutural (Godinho), ou integrativa (Lorena Porto), diluída e fluida no lugar da subordinação corpo a corpo ou boca a ouvido. Nessa perspectiva prospectiva, a dependência-subordinação aproxima-se muito da não eventualidade e da sujeição econômica, por duas razões básicas: a) inserção/integração objetiva do trabalhador no eixo, na estrutura, na dinâmica da atividade econômica; b) dependência econômica, que, embora não seja uma característica uniforme, alcança, cada vez mais, maior número de trabalhadores, pelo que pode ser, pelo menos, um forte sintoma do tipo jurídico. Em casos limites, quando as fronteiras são zigue-zagueantes (Catharino), a subordinação vem deixando mais e mais de configurar-se pela ação. Restos de um modelo que se despedaçou, cujos gomos e fragmentos se repartem e se modificam, mas que são encontrados no determinismo atual do art. 3º. da CLT, considerando-se a aglutinação produtiva das diversas células da atividade econômica. Nesse contexto sócio-econômico, tempos de busca, de inclusão e de justiça social, uma nova faceta da subordinação se descortina: sub(sob)ord(ordem)inação(sem ação), tendo em vista não mais os comandos e as fórmulas clássicas, porém a integração objetiva do trabalhador na estrutura, no eixo, na dinâmica da atividade empresarial.  

(TRT da 3ª Região; 4ª Turma; Proc.: 00393-2007-016-03-00-5; Relator: Luiz Otávio Linhares Renault; Publ. em 31/05/2008)

EMENTA: MÉDICA CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS AUTÔNOMOS OU CONTRATO DE EMPREGO? - TRAÇO DISTINTIVO - SUBORDINAÇÃO OBJETIVA E OBJETIVADA, COM POUCOS TRAÇOS SUBJETIVOS - MÉDICAS E OUTRAS PROFISSIONAIS DE NÍVEL SUPERIOR OU DE ALTA QUALIFICAÇÃO - SUBORDINAÇÃO SEM AÇÃO E SEM ROSTO - RESTOS DE UM MODELO QUE SE DESPEDAÇOU E CUJOS FRAGMENTOS SE REDIRECIONAM PARA AS CÉLULAS DE TRABALHO COM OUTRA CONFORMAÇÃO - APROXIMAÇÃO DE CONCEITOS: NÃO EVENTUALIDADE E SUBORDINAÇÃO - TIPO DO SERVIÇO PRESTADO E NÚCLEO MATRICIAL DA ATIVIDADE EMPRESARIAL- IMPUTAÇÃO JURÍDICA QUE SE FAZ NECESSÁRIA SOB PENA DE DESPOVOAMENTO DA EMPRESA E DA SUA FUNÇÃO SOCIAL - Subordinação é, simultaneamente, um estado e uma relação. Subordinação é a sujeição, é a dependência que alguém se encontra frente a outrem. Estar subordinado é dizer que uma pessoa física se encontra sob ordens, que podem ser explícitas ou implícitas, rígidas ou maleáveis, constantes ou esporádicas, em ato ou em potência. Na sociedade pós-moderna, vale dizer, na sociedade info-info (expressão do grande Chiarelli), baseada na informação e na informática, a subordinação não é mais a mesma de tempos atrás. Do plano subjetivo - corpo a corpo ou boca/ouvido- típica do taylorismo/fordismo, ela passou para a esfera objetiva, projetada e derramada sobre o núcleo empresarial, ainda que se trate de Clínica Médica. A empresa moderna livrou-se da sua represa; nem tanto das suas presas. Mudaram-se os métodos, não a sujeição, que trespassa o próprio trabalho, nem tanto no seu modo de fazer, mas no seu resultado. O controle deixou de ser realizado diretamente por ela ou por prepostos. Passou a ser exercido pelas suas sombras; pelas suas sobras em células de produção. Empregada é aquela que não faz o que quer e, sob essa ótica, não se pode negar que haja uma transferência de parte do seu livre arbítrio em troca da contraprestação ajustada. Empregada é quem faz o que lhe é determinado por quem comanda a prestação de serviços. Autônomo, ao revés, e aquele que dita as suas próprias normas. Tem a liberdade de trabalhar, pouco ou muito, e até de não trabalhar. Faz o que quer, como quer e quando quer, respeitando, obviamente, os contratos que livremente celebra. Diz-se que a subordinação é jurídica: nasce e morre para e no contrato de emprego, dela se servindo a empregadora, dentro da lei, para atingir os seus objetivos. Liricamente, haveria um sistema de freios e contrapesos, porque todo direito (principalmente de pessoa para pessoa, de subordinante para subordinado) tem de ser exercido com parcimônia, sem abuso. Cruamente, sabe-se que não é bem assim. Faltam à empregada o freio e o contrapeso, vale dizer, o direito de resistência, que é irmão gêmeo da garantia de emprego. Assim, a subordinação deve ser analisada como quem descortina o vale do alto de uma montanha - repleto de encantos e de cantos, de segredos e de gredas. Múltiplas e diversificadas são as formas de subordinação: inclusive aquela caracterizada por muita sub e pouca ação. As suas cores, as suas tonalidades e sonoridades variam: a voz da tomadora de serviços pode ser grave ou aguda, como pode ser um sussurro, ou mesmo o silêncio. A subordinação objetiva aproxima-se muito da não eventualidade: não importa a expressão temporal nem a exteriorização dos comandos. No fundo e em essência, o que vale mesmo é a inserção objetiva do trabalhador no núcleo, no foco, na essência da atividade empresarial. Nesse aspecto, diria até que para a identificação da subordinação se agregou uma novidade: núcleo produtivo, isto é, atividade matricial da empresa, que Godinho denominou de subordinação estrutural. A empresa moderna, por assim dizer, se subdivide em atividades centrais e periféricas. Nisso ela copia a própria sociedade pós-moderna, de quem é, simultaneamente, mãe e filha. Nesta virada de século, tudo tem um núcleo e uma periferia: cidadãos que estão no núcleo e que estão na periferia. Cidadãos incluídos e excluídos. Trabalhadores com vínculo e sem vínculo empregatício. Trabalhadores contratados diretamente e terceirizados. Sob essa ótica de inserção objetiva, que se me afigura alargante (não alarmante), eis que amplia o conceito clássico da subordinação, o alimpamento dos pressupostos do contrato de emprego torna fácil a identificação do tipo justrabalhista. Com ou sem as marcas, as marchas e as manchas do comando tradicional, os trabalhadores inseridos na estrutura nuclear de produção são empregados. Na zona grise, em meio ao fog jurídico, que cerca os casos limítrofes, esse critério permite uma interpretação teleológica desaguadora na configuração do vínculo empregatício. Entendimento contrário, data venia, permite que a empresa deixe de atender a sua função social, passando, em algumas situações, a ser uma empresa fantasma atinge seus objetivos sem empregados. Da mesma forma que o tempo não apaga as características da não eventualidade; a ausência de comandos não esconde a dependência, ou, se se quiser, a subordinação, que, modernamente, face à empresa flexível, adquire, paralelamente, cada dia mais, os contornos mistos da clássica dependência econômica.

(TRT da 3ª Região; 4ª Turma; Proc.: 00366-2007-025-03-00-3; Relator: Luiz Otávio Linhares Renault; Publ. em 26/04/2008)

Como podemos perceber, torna-se cada vez maior a dificuldade de o operador do direito apurar, nos casos concretos que lhe são submetidos, a relação de emprego, em especial o traço característico consagrado pela doutrina tradicional, a subordinação jurídica, frente aos novos contornos das relações econômicas e jurídicas advindas da pós-modernidade.

Não é por outra razão que Sidnei Machado analisou o crescimento do trabalho autônomo e percebeu a relevância da dependência econômica e da inserção do trabalhador na dinâmica produtiva da empresa beneficiária dos serviços prestados no atual contexto sócio-econômico no qual estamos inseridos.

No pós-fordismo, essa tem sido a tendência, pois, cada dia, o trabalho se torna mais autônomo, já que menos prescritivo, no entanto, a relação do trabalhador com o tomador se dá com plena característica de dependência econômica. Aqui, fica evidenciado apenas o elemento da inserção do trabalhador na organização da produção alheia, o qual induz que há sujeição do trabalhador ao empregador. Nessa perspectiva, o elemento fundamental seria a identificação da posição do trabalhador na relação de produção (28).

Em decorrência da necessidade de se alargar o campo de aplicação justrabalhista para incluir em seu âmbito todo o universo do trabalho, inclusive o que é apresentado pelas figuras atípicas apresentadas alhures, reafirma-se o critério da dependência econômica outrora descartado por alguns juristas que combatiam tal dependência com elemento central da percepção da relação empregatícia (até com certa razão). A dependência econômica, portanto, não esxurge como elemento único e absoluto para a configuração da relação empregatícia, ou seja, a dependência econômica, pode realmente não ser o todo; no entanto, é uma parte muito expressiva e importante da realidade sócio-econômica, que não pode ser completamente desprezada.  

6.2. A alteridade e a assunção do risco da atividade econômica;

A característica da assunção dos riscos do empreendimento ou do trabalho consiste na circunstância de impor a ordem justrabalhista à exclusiva responsabilidade do empregador, em contraponto aos interesses obreiros oriundos do contrato pactuado, os ônus decorrentes de sua atividade empresarial ou até mesmo do contrato empregatício celebrado. Por tal característica, em suma, o empregador assume os riscos da empresa, do estabelecimento e do próprio contrato de trabalho e sua execução (29).

Conforme denuncia o título do presente tópico, a assunção dos riscos também é conhecida como "alteridade" (estado ou qualidade, natureza ou condição do que é do outro). Tal denominação aplicada ao Direito do Trabalho sugere que no contrato de emprego, é transferida a uma única parte todos os riscos que ele compreende, sejam os riscos da atividade econômica (sucesso ou fracasso do empreendimento) ou da prestação do labor em si.

A figura está, no texto celetista, incrustada ao conceito de empregador, pelo que dispõe o art. 2° que "considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço".

A doutrina amplamente majoritária (30) aceita que, não obstante tenha a CLT mencionado que o empregador assume os riscos da atividade econômica, os riscos assumidos pelo tomador dos serviços não são apenas aqueles tipicamente empresariais, mas também os que decorrem da própria existência do contrato de trabalho e seu cumprimento.

É de fácil visualização que não pode o tomador dos serviços impor a responsabilidade de uma etapa de seu processo produtivo (ou intelectivo) aos trabalhadores contratados de modo a direcionar-se à simples conveniência de veicular no mercado os bens ou serviços objetos finais da atividade econômica coordenada.

Desta maneira, o risco é transferido aos prestadores de serviços, que em caso de eventual decréscimo na rede de produção ou de queda de qualidade do serviço, podem ser facilmente dispensados pelo gestor-maior do empreendimento sob coordenação, restando este em posição privilegiada diante de uma dinâmica empresarial, na cômoda situação de "reposição de peças", sem ao menos objetivar a modernização de todo o processo e muito menos valorizar o trabalho despendido seu favor.

Enquanto este gestor, amplo tomador de serviços, continuar exercendo a direção e a determinação finalistica daquilo que totalmente ocupa a atividade do trabalho contratado em seu favor, o risco da atividade continuará nas costas deste prestador, o que deturpa a relação laborativa esfacelando as garantias justrabalhistas.

Desta maneira, pensamos que a alteridade nunca poderá ser dissociada do liame empregatício, sendo importante que o trabalho por conta alheia seja verificado, evitando-se a transferência do risco da atividade aos prestadores de serviços, o que aparentemente se almeja com a utilização das figuras trabalhistas expostas no presente estudo.

6.3. O exercício de atividade essencial incorporada ao processo produtivo;

Já foi mencionada a relevância da tese de Mauricio Godinho Delgado sobre a subordinação estrutural, no sentido de que a subordinação se manifesta através da inserção objetiva do trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços, independentemente de receber (ou não) ordens diretas, mas, acolhendo, estruturalmente sua dinâmica de organização de funcionamento.

A atividade essencial incorporada ao processo produtivo é aquela que exprime dependência (em seu sentido de conexão, correlação e interação) entre tal atividade e o alcance final do empreendimento.

Ora, é evidente que o trabalhador supostamente autônomo, mas não-eventualmente inserido na produção alheia, embora tenha relativo controle sobre o próprio trabalho, não detém nenhum comando sobre a atividade econômica no qual está inserido, contudo, justamente por estar presente no contexto do empreendimento, interage de modo fundamental no processo produtivo. É certo que tal trabalhador (figurando como pessoa jurídica, parte de terceirização irregular, autônomo-dependente ou parassubordinado) não deveria pertencer originariamente à organização produtiva alheia para a qual presta a sua atividade sem figurar como empregado clássico.

Assim como propugnado por Mauricio Godinho Delgado, pensamos que deve ser dada especial atenção não à mera forma de atuação da pessoa do prestador de serviços (modus operandi determinado pelo beneficiário do serviço), mas sim para o tomador do trabalho e sua dinâmica produtiva, vocacionada e estruturada para a absorção, isto é, para a integração da mão de obra, sem a qual não atinge os seus objetivos.  

Finalmente, é oportuno fazermos algumas considerações sobre o que se entende por "processo produtivo", expressão várias vezes utilizada até o presente momento.

Sumariamente, poderíamos dizer que processo produtivo (em seu conceito amplo) é a capacidade de gerar produto ou veicular serviços de modo a agregar valor à sua atividade econômica. Ocorre que a geração do produto e a veiculação de serviços vão além da produção, dependendo também de como e em que condições a empresa compra bem e serviços intermediários e efetivamente vende os bens e serviços que produz.

Em modesto raciocínio, bem distante da ciência administrativa, mas com a pretensão de abordar o enquadramento da mão-de-obra na cadeia produtiva empresarial, pensamos que o processo produtivo compreende três etapas distintas.

A primeira delas é o processo de produção, que compreende a transformação física de bens e serviços intermediários em bens e serviços produzidos pela empresa. Neste compasso, podemos mencionar além do acúmulo de conhecimento, planejamento de fatores estratégicos e organização da capacidade de proporcionar os benefícios, a linha de produção em si. Percebe-se, portanto, que processo produtivo é conceito mais amplo e abrangente do que processo de produção.

Outra etapa consiste no estímulo de desenvolvimento de novos bens e serviços intermediários de outras unidades produtivas (internas ao empreendimento ou externas) com o intuito de agregar valor ao produto ou à atividade desenvolvida.

Por último, verificamos a distribuição e implantação do produto ou veiculação e prestação do serviço no mercado.

Entendemos que quando um trabalhador está inserido em qualquer uma destas etapas ele estará intimamente ligado ao tomador de serviço a ponto de poder ser qualificado como empregado, se se encontra em tal contexto laborando sem assumir os riscos de sua atividade e com dependência econômica, independentemente de submeter seu trabalho à direção empresarial .

De outra maneira, se estiver presente na dinâmica empresarial ora exposta (atividade enquadrada em uma das etapas do processo produtivo) trabalhando por conta alheia, mesmo sem dependência econômica, mas sujeito ao poder diretivo do tomador (determinações operacionais, fiscalização, etc), também será (e ainda com mais razão) empregado típico.


7. Conclusão;

Após análise do conceito clássico de subordinação, a demonstração de figuras contratuais atípicas e a proposição de novas interpretações jurídicas sobre o elemento central da relação empregatícia, pretendemos alertar o leitor que o tema, embora já enfatizado com certa frequência em diversos julgados nos Tribunais Regionais do Trabalho e no próprio Tribunal Superior do Trabalho, ainda não se encontra sedimentado, sendo alvo de críticas, principalmente em alguns aspectos processuais.

Todavia, dada a relevância do tema, aos poucos o pensamento clássico da subordinação jurídica propugnado pelo sistema fordista e taylorista tem sido reavaliado para adequar-se às modernas situações econômicas de modo a abranger a proteção justrabalhista aos prestadores de serviços (até eventualmente enquadrá-los como típicos empregados).

Exemplo marcante desta evolução conceitual foi verificado na 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, evento promovido pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, juntamente com o Tribunal Superior do Trabalho, com a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados e com o apoio do Conselho Nacional das Escolas de Magistratura do Trabalho realizado em 23/11/2007.

Em tal oportunidade, José Eduardo de Resende Chaves Júnior e Marcus Menezes Barberino Mendes propuseram a seguinte redação de enunciado à Comissão de Direitos Fundamentais e as Relações de trabalho:

EMENTA:"ISONOMIA NAS RELAÇÕES DE TRABALHO. EMPREGADO POR EQUIPARAÇÃO - O trabalhador parassubordinado, economicamente dependente ou autônomo-dependente deve ser considerado, para todos os efeitos trabalhistas, ‘empregado por equiparação constitucional’, como decorrência confluente dos princípios de isonomia do trabalho humano e de expansão tuitiva dos direitos sociais. O empregador típico correlato ao ‘empregado por equiparação constitucional’ é o empreendimento produtivo correspondente ao conjunto da cadeia produtiva, que recebe direta ou reflexamente os frutos do excedente do trabalho alheado."

Por sua vez, Rodrigo de Lacerda Carelli sugeriu complementação de redação sobre o tema, restando o ensejo apensado à proposta acima destacada:

EMENTA: "DIREITOS FUNDAMENTAIS DO TRABALHO. APLICAÇÃO. A Constituição Federal não realizou diferenciação entre trabalho subordinado e outras formas de trabalho, sendo os direitos previstos no seu art. 7º, como direitos fundamentais que são, orientados a todos os trabalhadores. Assim, em interpretação constitucional evolutiva, devem ser aplicados os direitos fundamentais do trabalho a todos os trabalhadores, indistintamente."

Tais exemplos são claros indícios do amadurecimento dos aplicadores do direito sobre a necessidade de não-acomodação interpretativa dos elementos basilares da relação de emprego.

O que é imutável é a realidade segundo a qual a empresa, para a produção de bens ou execução dos serviços que se propõe, utiliza-se de trabalho humano, não importando se a direção do trabalho é feita por comando direto, por departamentos hierarquizados ou por intermediação de terceiras pessoas, físicas ou jurídicas.

Sendo assim, sem o presunçoso intuito de esgotar a matéria, pretendemos com o presente estudo destacar o contexto contemporâneo das relações capital e trabalho, e sobre ele permitir a operatividade do sistema jurídico já posto, sempre com o anseio de se evitar o esfacelamento das garantias laborais e da valorização do trabalho humano sob argumento da mais límpida e moderna estratégia administrativa.


NOTAS:

(1) DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 5. ed. LTr. São Paulo, 2006. p. 84.

(2) Houaiss dicionário da língua portuguesa.

(3) MichaelisModerno Dicionárioda Língua Portuguesa.

(4) Delgado, Mauricio Godinho. op. Cit., p. 302.

(5) CALVET, Otávio Amaral. Consórcio de empregadores urbanos: uma realidade possível: redução de custos e do desemprego. São Paulo: LTr, 2002, p. 13.

(6) SARAIVA, Renato. Direito do trabalho. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Método, 2009. p. 45;

(7) NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 14. ed. São Paulo: LTr, 1989, p. 103;

(8) PALMA RAMALHO, Maria do Rosário. Direito do Trabalho – Parte I – Dogmática Geral. Coimbra: Almedina, 2005. p. 416-417.

(9) CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Formas atípicas de trabalho. São Paulo: LTr, 2004. p. 14-15;

(10) SILVA, Ciro Pereira da. A terceirização responsável: modernidade e modismo. São Paulo: LTr, 1997. p. 30;

(11) Delgado, Mauricio Godinho. op. Cit., p. 440-441;

(12) MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 20.ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 186.

(13) Idem, ibidem, p. 187.

(14) DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Inovações na legislação trabalhista. 2.ed. São Paulo: LTr, 2002. p. 163.

(15) SILVA, Luiz Pinho Pedreira de. Um novo critério de aplicação do Direito do Trabalho: a parassubordinação. In Revista de Direito do Trabalho. São Paulo, 27,  julho/setembro de 2001. p. 175.

(16) SILVA, Otávio Pinto e. Subordinação, autonomia e parassubordinação nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2004. p. 102.

(17) NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 19ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 413.

(18) ALVES, Amauri César. Novo contrato de emprego: parassubordinação trabalhista. São Paulo: LTr, 2004. p. 89.

(19) SILVA, Otávio Pinto e. op. Cit., p. 107.

(20) Sistema marcado pelo confronto com o modelo fordista já analisado no presente estudo, que se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo e é caracterizado pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimentos de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional.

(21) DELGADO, Mauricio Godinho. Direitos fundamentais na relação de trabalho, In: Revista do Ministério Público do trabalho,ano XVI, n.° 31, março/2006. p. 45-46.

(22) RAPASSI, Rinaldo Guedes. Subordinação estrutural, terceirização e responsabilidade no Direito do Trabalho . Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1738, 4 abr. 2008.

(23) ALVES, Amauri César. op. Cit., p. 82.

(24) DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade civil no direito do trabalho. 3.ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 65.

(25) DELGADO, Mauricio Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2001. p. 303/304.

(26) SAAD, Eduardo Gabriel. Consolidação das leis do trabalho: comentada.40. ed. atual. e rev. e ampl. Por José Eduardo Duarte Saad e Ana Maria Saad Castello Branco. São Paulo: LTr, 2007. p. 51.

(27) VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de Emprego: estrutura legal e supostos. São Paulo: LTr, 1999. p. 469.

(28) MACHADO, Sidnei. A subordinação jurídica na relação de trabalho. Uma perspectiva reconstrutiva. Tese de Doutorado. Curitiba, UFPR, 2003. p. 147.

(29) DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 5. ed. LTr. São Paulo, 2006. p. 440-441.

(30) Sendo louvável mencionar que alguns doutrinadores ainda seguem o preceituado pelo saudoso jurista Otávio Bueno Magano e interpretam que esse risco não se estende a todo e qualquer empregador, mas somente aos que desempenham atividade rigorosamente econômica, lucrativa;



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOUREIRO, Felipe José Silva. A subordinação e as atuais relações entre capital e trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2618, 1 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17308. Acesso em: 19 abr. 2024.