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A ilegalidade do recolhimento de presos condenados nas cadeias públicas

A ilegalidade do recolhimento de presos condenados nas cadeias públicas

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O regime de cumprimento de pena aplicada ao condenado no Brasil é regulado em todo o território nacional pela Lei Nº 7.210/84, denominada Lei de Execução Penal. As várias emendas sofridas nos últimos anos, a tornou moderna e compatível com todo o corolário legislativo que garante ao apenado o respeito a sua condição humana e de sujeito de direitos. Os direitos e garantias fundamentais elencados no artigo 5º da Carta Magna não olvidaram de estabelecer preceitos fundamentais em favor do condenado, como a proibição das penas cruéis (inciso XLVII letra e); o cumprimento da pena em estabelecimentos distintos e adequados (inciso XLVIII) e naturalmente o respeito à integridade física do preso (inciso XLIX). Esses direitos, além daqueles previstos em convenções e pactos dos quais o Brasil é signatário, se encontram perfeitamente descritos na Lei de Execução Penal Brasileira. Formalmente é adequada, mas na prática não é aplicada pelo Estado Brasileiro.

Os estabelecimentos penais em todo o território nacional estão superlotados. A divulgação dessa realidade pelos diversos meios de comunicações é quase que diária, no entanto, esse problema se arrasta por décadas sem empenho para a solução pelas autoridades competentes. Aquelas que por lei e grau de efetivo poder tem condições de obrigar o Estado a cumprir a legislação em vigor. A omissão do Executivo é uma afronta aos direitos humanos. A omissão do Judiciário é vergonhosa na medida em que cabe a este Poder a premissa de fazer valer a lei de forma efetiva.

Assim sendo, no decorrer de décadas, as Cadeias Públicas, principalmente, se tornaram depósitos de presos, enjaulados sem as menores condições de salubridade e respeito ao ser humano, muito menos ainda em sem a menor condição de ressocialização do apenado.

As violações a Lei de Execução Penal são gritantes e se consubstanciam de início no recolhimento nas Cadeias Públicas de presos com condenação definitiva, contrariamente o que manda a norma executiva:

Art. 102. A cadeia pública destina-se ao recolhimento de presos provisórios.

A partir daí, as ofensas as normas legais adquirem uma padronização em todo o território nacional. Celas com seis metros quadrados, ou menos, encarceram cinco ou seis vezes o número aceitável de presos, chegando-se ao cúmulo de em alguns casos, os presos se amarrarem nas grades para poderem dormir, uma vez que o chão e os catres estão atulhados de detentos, sem a menor condição de habitabilidade humana, com infração concreta as normas de execução penal:

Art. 84. O preso provisório ficará separado do condenado por sentença transitada em julgado.

§ 1° O preso primário cumprirá pena em seção distinta daquela reservada para os reincidentes.

Art. 104. O estabelecimento de que trata este Capítulo será instalado próximo de centro urbano, observando-se na construção as exigências mínimas referidas no artigo 88 e seu parágrafo único desta Lei.

No artigo em referência:

Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.

Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:

a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana;

b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados).

Não obstante as diversas ofensas a Lei de Execução praticada pelo Estado na atuação do Poder Executivo, a omissão do Poder Judiciário se consuma na inércia das diversas autoridades, integrantes ou não desse poder, mas com atuação direta na obrigação legal de fiscalização e da aplicação da lei, bem como na sua falta de postulação em juízo, a fim de que o condenado não sofra restrição a direitos, além do estabelecido na sentença condenatória, e, principalmente respeito à condição humana do encarcerado. Na esteira dessa omissão, as mais diversas autoridades com atuação no Judiciário fingem não ver a realidade que se descortina todos os dias, a saber:

Art. 66. Compete ao Juiz da execução:

I - ................................................................................................................;

VI - zelar pelo correto cumprimento da pena e da medida de segurança;

VII - inspecionar, mensalmente, os estabelecimentos penais, tomando providências para o adequado funcionamento e promovendo, quando for o caso, a apuração de responsabilidade;

VIII - interditar, no todo ou em parte, estabelecimento penal que estiver funcionando em condições inadequadas ou com infringência aos dispositivos desta Lei;

Art. 68. Incumbe, ainda, ao Ministério Público:

I - ........................................................................;

II - requerer:

a) todas as providências necessárias ao desenvolvimento do processo executivo;

b) a instauração dos incidentes de excesso ou desvio de execução;

III - .......................................................................................

Parágrafo único. O órgão do Ministério Público visitará mensalmente os estabelecimentos penais, registrando a sua presença em livro próprio.

Art. 70. Incumbe ao Conselho Penitenciário:

I - .................................................................;

II - inspecionar os estabelecimentos e serviços penais;

Art. 81-A. A Defensoria Pública velará pela regular execução da pena e da medida de segurança, oficiando, no processo executivo e nos incidentes da execução, para a defesa dos necessitados em todos os graus e instâncias, de forma individual e coletiva.

Art. 81-B. Incumbe, ainda, à Defensoria Pública:

I - requerer:

a) todas as providências necessárias ao desenvolvimento do processo executivo;

....................................................................................;

f) a instauração dos incidentes de excesso ou desvio de execução;

II - ..............................................................................;

IV - representar ao Juiz da execução ou à autoridade administrativa para instauração de sindicância ou procedimento administrativo em caso de violação das normas referentes à execução penal;

V - visitar os estabelecimentos penais, tomando providências para o adequado funcionamento, e requerer, quando for o caso, a apuração de responsabilidade;

VI - requerer à autoridade competente a interdição, no todo ou em parte, de estabelecimento penal.

Parágrafo único. O órgão da Defensoria Pública visitará periodicamente os estabelecimentos penais, registrando a sua presença em livro próprio.

A vista do exposto não há dúvidas que as diversas autoridades com atuação no judiciário têm os instrumentos legais para fiscalizar e obrigar o Estado a se submeter às normas legais, no entanto, a atuação se restringe a casos pontuais, quando há o clamor público ou repercussão na sociedade, via de regra, devido a exploração do fato pelos meios de comunicação em massa.

Não raras vezes, nesses episódios, quando há graves conseqüências, como rebeliões e mortes, a responsabilidade é atribuída às autoridades policiais na direção das Cadeias, chegando-se ao cúmulo de por vezes as autoridades judiciárias alegarem que desconheciam as reais condições do estabelecimento prisional, como se não fosse claro o mandamento legal de fiscalização e visitas mensais.

No Estado de São Paulo se desenvolveu desde meados dos anos 90, após motins, rebeliões e mortes de encarcerados, uma iniciativa para minorar o problema carcerário, qual seja a criação dos Centros de Detenção Provisória com a finalidade de receber os presos provisórios, ou seja, sem sentença condenatória, a fim de desativar as Cadeias Públicas. A iniciativa se desenvolvia lentamente, mas de forma até efetiva, não fosse a desastrosa Resolução expedida pela Secretaria de Administração Penitenciária do Estado que dispôs -

Resolução SAP - 219, de 21-9-2010

Regulamenta os procedimentos a serem observados quando da inclusão automática de presos nas unidades prisionais subordinadas à Secretaria da Administração Penitenciária O Secretário da Administração Penitenciária considerando: - a necessidade de definir critérios a serem observados em face do procedimento de inclusão automática de presos junto às unidades prisionais subordinadas; - que dentre esses critérios faz-se premente fixar o tipo de presos, os dias e os horários de recebimento bem como a documentação necessária, resolve: Artigo 1º - Será considerada inclusão automática, para fins desta Resolução, o recebimento de presos oriundos de Cadeias Públicas e de Distritos Policiais, diretamente nas unidades prisionais subordinadas a esta Pasta. §1º - Fica vedada a inclusão automática de presos condenados em regime fechado ou semiaberto ou submetido à internação em medida de segurança.

§2º - Fica vedada, ainda, a inclusão automática de presos por mandado de prisão temporária, prisão administrativa ou civil e de recapturados.I - em se tratando de presos recapturados, ainda que autuados por novos delitos, deve, a Autoridade Policial responsável pela unidade carcerária, solicitar a transferência à Secretaria da Administração Penitenciária.

Essa excrescência resolutiva maquinada pela Secretaria da Administração Penitenciária, tem como resultado prático, o encarceramento nas Cadeias Públicas de presos com qualquer tipo de condenação que venham a ser capturados ou recapturados pela polícia. A malfadada Resolução chega ao absurdo de estabelecer que cabe a direção das Cadeias requerer e aguardar vagas junto ao Sistema Penitenciário do Estado para esses presos condenados recolhidos na comarca. As Cadeias Públicas estão sob direção da Polícia Civil, portanto, subordinada a Secretaria de Segurança Pública do Estado. Urge observar que os Centros de Detenção Provisória e as Penitenciárias estão superlotados também, e, desta forma, a obtenção de vaga para os presos condenados recolhidos em Cadeias não é imediata, tornando-se indiretamente um meio de desacelerar a saturação do Sistema Penitenciário em detrimento da segurança dos presos e funcionários das Cadeias Públicas. Há de se observar que por mais superlotado que esteja qualquer dos estabelecimentos prisionais da Administração Penitenciária, ainda assim terão melhores condições de salubridade e segurança para o recolhimento de presos condenados.

Os fatos demonstram que não há disposição da máquina do Estado em se resolver esse grave problema carcerário. Novamente o problema é jogado nas costas da Autoridade Policial. Esperar consciência administrativa das autoridades competentes para resolução dessa situação é no mínimo ingenuidade, com grave risco da Autoridade Policial ser responsabilizada por omissão, na eventual ocorrência de distúrbios nas Cadeias Públicas. O caso se torna ainda mais grave em se tratando de recepção de presos nas carceragens de distritos com Cadeias desativadas, como vem ocorrendo. Quem será responsabilizado em eventual resgate de preso ou mesmo motim com lesão ou morte de presos, ainda de funcionários nessas instalações precárias?

A única possibilidade de salvaguardar a Autoridade Policial nessas situações elencadas é a imediata comunicação dessa situação ao Juiz Corregedor de Presídios, Ministério Público e Defensoria Pública da Comarca, com relato pormenorizado das condições da Cadeia Pública ou Carceragem, apontando inclusive a ilegalidade dessa Resolução e suas implicações no recolhimento de presos condenados, mormente as de ordem de segurança para os funcionários e a população circunvizinha.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA FILHO, Juvenal Marques. A ilegalidade do recolhimento de presos condenados nas cadeias públicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2683, 5 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17769. Acesso em: 26 abr. 2024.