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Estudos preliminares acerca do compromisso de ajustamento de conduta ambiental

Estudos preliminares acerca do compromisso de ajustamento de conduta ambiental

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O compromisso de ajustamento de conduta [01] foi introduzido no direito brasileiro pela Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), cujo art. 211 previa a possibilidade dos órgãos públicos legitimados o celebrarem quando estivessem defendendo interesses difusos ou coletivos próprios da infância e da adolescência, tendo o mesmo, eficácia de título executivo extrajudicial. Posteriormente, com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), foi acrescida o § 6º ao art. 5º da Lei 7.347/85, permitindo que os órgãos públicos legitimados a propositura da ação civil pública tomassem dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, sob pena de cominações já pactuadas no próprio instrumento, mantendo a sua eficácia de título executivo extrajudicial. Assim, se inicialmente a possibilidade de celebração do TAC estava adstrita aos litígios envolvendo interesses de crianças e adolescentes, com o advento do Código de Defesa de Consumidor (CDC) tal rol foi sensivelmente ampliado, englobando todos os interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, notadamente os relativos ao meio ambiente; ao consumidor; aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; à defesa da ordem econômica e da economia popular; bem como da ordem urbanística.

Não obstante o compromisso de ajustamento de conduta possa ser celebrado em face de qualquer interesse metaindividual, seu grau de importância será maior quando tiver como objeto a proteção de bem jurídico de natureza ambiental. Isto porque, em sede ambiental, o fator temporal é de extrema relevância, pois quanto mais rápido o dano for reparado, ou afastado for o perigo, melhor protegido estará o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, cuja titularidade é assegurada a todos pela Constituição Federal. Assim, ao se evitar a morosidade do processo judicial por meio do ajuste da conduta do agressor, ou daquele que está prestes a fazê-lo, o TAC cumpre um efetivo papel de proteção do meio ambiente, se alinhando a um dos princípios mais importantes em matéria ambiental, o princípio da prevenção.

Em um país que detém a maior reserva de floresta tropical do planeta e ostenta, ao mesmo tempo, a alarmante taxa de desflorestamento de 2,3 milhões de hectares por ano [02], o estudo de um instrumento tendente a combater essa patente degradação ambiental pugna por ter um relevante interesse social, visto que o meio ambiente é um direito difuso, sendo que sua preservação é do interesse de toda sociedade.

Do ponto de vista acadêmico, o estudo do compromisso de ajustamento de conduta ambiental também possui uma acentuada importância, principalmente em virtude da cizânia doutrinária existente acerca do entendimento e aplicação do referido instrumento de proteção ao meio ambiente. De imediato, a própria natureza jurídica do termo compromissório já é alvo de distintas interpretações.

Ao opinar sobre o assunto, Fernando Grella Vieira [03] admite que o compromisso de ajustamento de conduta constituiu uma transação, sustentando que ele se "destina evitar ou pôr fim ao litígio". Todavia, ressalva que a "transação, em matéria de interesses difusos, apresenta peculiaridades, que bem a distinguem da figura comum aplicável às obrigações meramente patrimoniais, de natureza privada". Na mesma esteira é a lição de Daniel Roberto Fink [04], que admite a possibilidade de transação em matéria ambiental, ressalvando que é impossível transigir em relação ao meio ambiente como bem de uso comum do povo, por ser este um direito difuso e indisponível. Admite a possibilidade de transação em relação às condições de modo, tempo e lugar do cumprimento da obrigação de recuperar integralmente o meio ambiente.

Em sentido contrário ao exposto, sustenta Fernando Reverendo Vidal Akaoui [05] que houve certo equívoco na qualificação da natureza jurídica do compromisso de ajustamento de conduta como uma transação, tendo em vista que tal instituto, de cunho jurídico eminentemente privado, não pode ter suas regras aplicadas na defesa dos interesses difusos e coletivos. Defende o jurista, que o TAC possui natureza jurídica de um "acordo em sentido estrito", cuja principal característica seria a inadmissibilidade de concessões mútuas, em oposição à transação, que admitiria tais concessões.

No tocante a legitimidade ativa para propor a celebração do TAC, é mister advertir, inicialmente, que nem todos os legitimados para a ação civil pública têm a prerrogativa de celebrar o TAC, pois ante o disposto no art. 5º, § 6º, da Lei 7.347/85, somente "os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial". Assim, para que determinado ente adquira a aludida legitimidade, é necessária a condição de órgão público. O legislador, ao utilizar o conceito de órgão público para determinar os legitimados à celebração do termo de compromisso, foi absolutamente infeliz, pois, em virtude da própria imprecisão do conceito, fez surgir uma enorme dúvida acerca da possibilidade de alguns entes e instituições o celebrarem, cabendo à doutrina e jurisprudência tecerem os devidos esclarecimentos.

Em relação a tal temática, Hugo Nigro Mazilli [06] pondera que, indiscutivelmente, o Ministério Público, a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal podem tomar o compromisso, acrescentando que a mesma prerrogativa é dada àqueles órgãos governamentais que, mesmo sem ter personalidade jurídica, têm legitimidade para promover a ação civil pública (órgãos estatais de defesa do consumidor, meio ambiente, etc). A tal rol deve ser acrescida a Defensoria Pública em razão da alteração efetuada pela Lei 11.448/07, que conferiu legitimidade a tal ente para propor a ação civil pública, ampliando o rol do art. 5º da Lei 7.347/85.

No que concerne aos entes políticos, ou seja, a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, a sua legitimidade defluirá da natureza da ofensa. Se o dano estiver adstrito a determinado Município, este desfrutará, ao lado do respectivo Estado a que pertença e dos demais legitimados para o caso, da legitimidade para a tutela. Contudo, se a ofensa atingir interesses localizados e afetos a mais de um município, é aceitável que a legitimidade se concentre no Estado do qual são integrantes, nada obstando, porém, que os Municípios atingidos atuem conjuntamente no caso. O mesmo critério prevalece na lesão de âmbito regional que abranja mais de um Estado, pois, em tal ocasião, o ajuste poderá ser obtido tanto pela União, quanto pelos dois Estados interessados, desde que conjuntamente. E, finalmente, em se tratando de lesão de âmbito nacional a legitimidade estará afeta à União, o mesmo ocorrendo quando houver dano a um bem jurídico, cuja tutela seja conferida exclusivamente pela ordem jurídica a tal ente, independentemente de sua localização.

Não obstante esta repartição da legitimidade entre os entes políticos, é perfeitamente possível a mútua colaboração entre eles, e também entre estes e os demais legitimados, a fim de celebrarem o compromisso de ajustamento de conduta, em semelhança com a assistência na ação civil pública, permitida pelo art. 5º, § 2º, da Lei 7.347/85.

Diferentemente do exposto, existem determinados entes que, embora figurem no rol dos legitimados para propositura da ação coletiva, não podem tomar o aludido compromisso de ajustamento, porquanto não foram criados para atuar dentro da esfera de atribuições do Estado. Se enquadram em tal categoria as associações civis, as fundações privadas e as empresas públicas e sociedades de economia mista, quando estas duas explorarem atividade econômica.

Vale observar que existem dois tipos fundamentais de empresas públicas e sociedades de economia mista: as exploradoras de atividade econômica e as prestadoras de serviços públicos ou coordenadoras de obras públicas e demais atividades públicas. No primeiro caso, quando tais entes explorarem atividade econômica, o regime jurídico aplicável será o do Direito Privado, enquanto, no segundo caso, quando prestarem serviços públicos, será natural que sofram um influxo mais acentuado de princípios e regras de Direito Público.

De tal modo, pautando-se por tal distinção, Fernando Reverendo Vidal Akaoui [07] afirma ser perfeitamente possível que as empresas públicas e sociedades de economia mista celebrem compromissos de ajustamento de conduta, desde que tenham como escopo a prestação de serviços públicos. Entretanto, em entendimento contrário ao acima balizado, sustenta Daniel Roberto Fink [08] que a lei excluiu a possibilidade de tais entes firmarem o ajuste. Expõe que, apesar da infelicidade do emprego da expressão órgão público no texto legal, é possível identificar claramente a quais entes foi conferida a legitimidade para celebrar o compromisso de ajustamento de conduta, sendo estes, entes genuinamente públicos, que têm sua atividade voltada plenamente para o público, sem qualquer interferência de interesses privados.

Já em relação às autarquias e fundações públicas, apesar do questionamento existente acerca da possibilidade ou não da celebração de termos de compromisso, a doutrina vem se posicionando em sentido favorável, pois do contrário, órgãos públicos como o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente), que tem natureza de autarquia federal, seriam impedidos de celebrarem o aludido compromisso.

Após análise dos legitimados à celebração do compromisso de ajustamento de conduta, é incontroverso que, dentre eles, o Ministério Público é quem tem o maior destaque, uma vez que, a Constituição Federal arrola como função institucional de tal órgão, promover a tutela de interesses coletivos e difusos de qualquer natureza (art 129, III, da CF). Apesar de não ter exclusividade no exercício de tal atividade, deve fazê-lo de forma obrigatória, seja pela via processual ou extraprocessual. Destarte, é imperioso que o Ministério Público atue na celebração de todos os TACs, pois tal exigência representa uma maior segurança à coletividade, em virtude do órgão ministerial ser menos suscetível de influências políticas externas do que alguns dos demais legitimados, garantindo uma maior isenção na estipulação das cláusulas do ajuste.

Não obstante tais considerações, a maior celeuma doutrinária existente em relação ao estudo do compromisso de ajustamento de conduta reside nos efeitos do seu descumprimento. É incontroverso que o referido instrumento tem eficácia de título executivo extrajudicial e que o inadimplemento do ajuste enseja instauração de processo executório. Contudo, não há no ordenamento pátrio um regramento específico tendente a explicitar o procedimento a ser utilizado nas execuções de tal natureza, sendo necessária a aplicação supletiva do Código de Processo Civil.

Assim, para a promoção da execução, é necessária a escolha de uma das formas procedimentais previstas no Código de Processo Civil, sendo que a escolha do rito adequado está atrelada ao objeto do compromisso de ajustamento de conduta ambiental. Sobre tal temática, Fernando Reverendo Vidal Akaoui [09] sustenta que o presente instrumento pode ter como objeto: obrigações de fazer, obrigações de não fazer, obrigações de dar coisa certa, indenização em dinheiro e compensação por bem equivalente. Além da execução do próprio TAC, outros efeitos decorrem do seu inadimplemento, como por exemplo, a possibilidade de cobrança da cominação, cujo ajuste, necessariamente, deve conter, a fim de desestimular o descumprimento de suas cláusulas.

Ademais, a falta de regramento próprio e a necessidade de aplicação suplementar do Código de Processo Civil podem trazer algumas incompatibilidades principiológicas no processamento da execução do TAC, fato que faz surgir, em sede doutrinária, novas discussões acerca da compatibilização dos institutos processualísticos com o caráter de indisponibilidade dos direitos inseridos no termo de compromisso.

Por fim, vale ressaltar que, em sede de dano ambiental, deve sempre ser preferida a recuperação da área degradada à substituição por indenização, uma vez que seu pagamento não acarreta uma efetiva recuperação do local, trazendo sérios prejuízos a coletividade. E essa preferência pela efetiva reparação do meio ambiente dá-se, principalmente, em razão das características do dano ambiental, que são a pulverização das vítimas, a difícil reparação e a difícil valoração.


Referências bibliográficas:

AKAOUI, Fernando Reverendo Vidal. Compromisso de ajustamento de conduta ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

FINK, Daniel Roberto. Alternativa à ação civil pública ambiental (reflexões sobre as vantagens do termo de ajustamento de conduta). In Ação civil pública: Lei 7.347/85 – 15 anos, Coord. Édis Milaré. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

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MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

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MILARÉ, Edis. A ação civil pública por dano ao ambiente. In Ação civil pública: Lei 7.347/85 – 15 anos, Coord. Édis Milaré. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

VIEIRA, Fernando Grella. A transação na esfera da tutela dos interesses difusos e coletivos: compromisso de ajustamento de conduta. In Ação civil pública: Lei 7.347/85 – 15 anos, Coord. Édis Milaré. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.


Notas

  1. Por ser lavrado em termo, o compromisso de ajustamento de conduta é também conhecido como termo de ajustamento de conduta (TAC), motivo pelo qual, ambas as expressões serão utilizadas como sinônimas no presente estudo.
  2. Fonte: FAO 2000, referente ao período de 1990 a 2000.
  3. VIEIRA, Fernando Grella. A transação na esfera da tutela dos interesses difusos e coletivos: compromisso de ajustamento de conduta, p. 270.
  4. FINK, Daniel Roberto. Alternativa à ação civil pública ambiental (reflexões sobre as vantagens do termo de ajustamento de conduta), p. 121.
  5. AKAOUI, Fernando Reverendo Vidal. Compromisso de ajustamento de conduta ambiental, p. 69-71.
  6. MAZZILLI, Hugo Nigro. Compromisso de ajustamento de conduta: evolução e fragilidade e atuação do Ministério Público, p. 103.
  7. Ob. cit., p. 78.
  8. Ob. cit., p. 128.
  9. Ob. cit., p. 108-125.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SEGURA, Jonas Zoli. Estudos preliminares acerca do compromisso de ajustamento de conduta ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2696, 18 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17858. Acesso em: 16 abr. 2024.