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A derrocada do Estado Social a partir da degeneração do sistema de Seguridade Social

A derrocada do Estado Social a partir da degeneração do sistema de Seguridade Social

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1. Introdução:

A organização das nações em Estado sempre esteve vinculada a delimitação territorial, incidência de tributos e, em especial, a convicção que este organismo criado promoveria o bem comum entre os seus tutelados.

A evolução deste conceito de Estado com suas naturais modificações saindo da forma despótica para a democrática, fez ampliar o leque de direitos dos tutelados, começando pelos de primeira geração, ligados aos mais delicados bens humanos, até atualmente, os de quarta geração, que trazem proteções contemporâneas ao avanço social e econômico das nações.

Neste diapasão, com o estabelecimento quase que universal do capitalismo, faz-se necessário estudar os aspectos deste sistema que levam a uma completa derrocada da formulação conceitual do Estado Social, aquele que cuida de toda sua população, passando a um Estado segregador, que coloca alguns membros de sua tessitura humana à margem de qualquer tutela quando não conseguem assimilar os conceitos capitalistas.

Busca-se, também, demonstrar que vários aspectos tem fundamento ideológico com supedâneo em premissas não verdadeiras que são utilizadas para justificar, diante da incúria do povo, ações governamentais que promovem a exclusão e a retirada de direitos humanos inerentes à classe de geração fundamental, colocando em risco a própria incolumidade da vida digna com a deturpação da seguridade social, transformando-a, por meio de ações e omissões estatais, em verdadeira contraprestação àqueles que necessitam de serviços umbilicalmente afeitos ao Estado.


2. Conceito de Estado social:

Tarefa difícil é conceituar o Estado Social, existindo, a partir da matiz ideológica albergada, correntes que entendem que o Estado Social deve ser obrigado ao bem estar integral do cidadão, independente de sua situação e atividade volitiva, até o ponto liberal ou neoliberal, onde o Estado somente age até o limite das necessidades delimitadas pelo positivismo e dentro de um solidarismo social permeado pelo ônus financeiro.

Inconteste é que, em qualquer das concepções o Estado tem por obrigação atender às carências do cidadão, especialmente àquele que por algum motivo se vê desprovido da capacidade de se prover.

Interessante transcrever assertiva sobre o modelo vigente que mais se aproxima do ideal de Estado Social pleno e que contribui sobremaneira com o que se pretende neste trabalho:

"Por fim o regime social democrata, predominante nos países escandinavos, é fundado no universalismo e na desmercadorização dos direitos sociais, com promoção da igualdade com os melhore padrões de qualidade e não somente uma igualdade das necessidades mínimas. Neste regime há um predomínio de serviços sociais e benefícios elevados, garantindo aos trabalhadores plena participação na qualidade dos direitos desfrutados pelos mais ricos da sociedade. Esse regime é orientado pela busca do pleno emprego. (Fundo Público e Seguridade Social no Brasil. Evilasio Salvador, 2010. p.121)

Contraponto interessante é feito por Sérgio Pinto Martins ao aventar a dissonância do sistema brasileiro em relação ao escandinavo quando se apresenta o sistema de seguridade social, pilar, para construção do Estado Social.

"A Seguridade Social visa, portanto, amparar os segurados nas hipóteses em que não possam prover suas necessidades e a de seus familiares, por seus próprios meios.

O certo é que estas necessidades do trabalhador, tanto de remuneração como até de assistência médica, decorrentes do sistema de Seguridade Social, deveriam ser, como ocorre em outros países, independentes de contribuição. Eis a verdadeira idéia de Seguridade Social, em que a pessoa tem direito a benefícios ou serviços, sem necessariamente ter contribuído para o sistema. No entanto, não é o que se observa na Constituição, pois, em relação à Previdência Social é preciso contribuição por parte do próprio segurado (art. 201), mas em relação à Assistência Social é desnecessária tal contribuição (art. 203). Mostra-se, assim, um contra-senso dentro do sistema adotado pela nossa Lei Maior.(Direito da Seguridade Social. Sergio Pinto Martins, 2002, p.45) (grifei)


3. Conceito de seguridade social:

Inequívoca a fixação de um novo conceito de seguridade social no Brasil a partir da Constituição de 1988.

Oportuno se faz apresentar o escólio de renomados autores que se debruçaram sobre este trabalho conceitual:

"O Direito da Seguridade Social é um conjunto de princípios, de regras e de instituições destinados a estabelecer um sistema de proteção social aos indivíduos contra contingências que os impeçam de prover as suas necessidades pessoais básicas e de suas famílias, integrados por ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, visando assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social." (Direito da Seguridade Social. Sergio Pinto Martins, 2002, p. 44)

"Diz o art. 194 da Constituição da República que "A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

A seguridade social, assim, deve proteger todas as necessidades enumeradas do art. 201 – relativas à previdência social; deve propiciar a assistência à saúde, na forma dos art. 196 e seguintes; e a assistência social, disciplinada pelos arts. 203 e 204. Porém, a Constituição prevê a possibilidade de expansão da seguridade social, com a criação de novos mecanismos de proteção e de novas fontes de custeio (art. 195, §4º).

A previdência social tem caráter contributivo e só protege necessidades decorrentes de contingências expressamente previstas na Constituição e na legislação infraconstitucional. Só com o pagamento de contribuições existe direito subjetivo à prestação.

A assistência à saúde e a assistência social são direitos subjetivos que independem de contribuição para o seu custeio. O sujeito de direitos deve preencher as condições previstas em lei, que variam de acordo com a necessidade e o tipo de prestação, para fazer jus a benefícios ou serviços.

A seguridade social no Brasil contém parcela de seguro social, no que toca à previdência social, que se acresce de serviços de saúde e de assistência social.

Pode-se, com esses dados, conceituar a seguridade social como o conjunto de prestações que se dividem em benefícios e serviços, e que conferem direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Há, assim, três tipos de relação jurídica dentro da seguridade social: a relação jurídica de previdência social, a de assistência social e a de saúde.

Os sujeitos passivos da relação jurídica de seguridade social, em qualquer de suas modalidades, são os Poderes Públicos e a sociedade em geral. É o sujeito ativo quem dela necessitar. E o objeto é a consequência-necessidade, isto é, a situação de necessidade decorrente da contingência que a gerou. (Curso de Direito Constitucional. Ricardo Cunha Chimenti, Fernando Capez, Márcio F. Elias Rosa e Marisa F. Santos, 2004, p.486/487).

Dimana assim do texto constitucional, com interpretação uníssona, que a "Constituição Cidadã" de 1988, foi o marco de um novo tempo no campo da seguridade social nacional, tendo sido fixados pontos inabaláveis da política governamental que eclodiram no ordenamento jurídico como "direitos subjetivos inalienáveis", pois, resguardam o direito à vida digna. 


4.Fontes de custeio da seguridade social.

A Constituição Federal indica as fontes de custeio da seguridade social. Com o natural supedâneo na "Carta Magna", desenvolveu-se toda uma gama de contribuições advindas da sociedade em geral para o cumprimento do desiderato fundamental.

As fontes são diversas, algumas vinculadas diretamente a uma espécie de contribuinte e outras não, incidindo sobre qualquer cidadão consumidor direta ou indiretamente de produtos ou serviços.

Sérgio Pinto Martins discorre sobre estas fontes de provimento da seguridade social:

"Prevê o art. 195 da Constituição que a "seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

O financiamento da seguridade social é feito diretamente mediante contribuições da empresa e dos trabalhadores. O financiamento indireto é realizado por meio de toda a sociedade, por meio de impostos"

"A contribuição da União para o custeio da Seguridade Social é constituída de recursos adicionais do Orçamento Fiscal, fixados obrigatoriamente na Lei Orçamentária Anual (art. 16 da Lei 8212). É de responsabilidade da União a cobertura de eventuais insuficiências financeiras da Seguridade Social, para o pagamento dos benefícios de prestação continuada da Previdência Social, de acordo com a Lei Orçamentária Anual (parágrafo único do art. 16 da Lei 8212).

Com o objetivo de assegurar recursos para o pagamento dos benefícios concedidos pelo Regime Geral de Previdência Social, em adição aos recursos de sua arrecadação, a União poderá constituir fundo integrado por bens, direitos e ativos de qualquer natureza, mediante lei que disporá sobre a natureza e a administração desse fundo (art. 250 da Constituição)." (Direito da Seguridade Social. Sergio Pinto Martins, 2002, p.139) (grifei)

De espantosa clarividência a certeza de que as fontes de recursos para a seguridade social é rica e diversificada, não podendo ser olvidado que a União é a exclusiva responsável pela cobertura de insuficiências de caixa na seguridade Social.

A quantidade de contribuições e suas fontes exigiriam um longo e extenso texto, por este motivo, transcrevo uma compilação do trabalho de Sérgio Pinto Martins enumerando as diversas exações com este fulcro, constando as contribuições do trabalhador, outras espécies de contribuintes, empresa e receitas diversas:

-Contribuição do Trabalhador – art. 195, II CF/88. (salário, abonos, comissões e percentagens, gratificações permanentes, 13º salário, férias e ganhos habituais)

-Contribuinte individual (Lei 8212 com redação Lei 9876);

-Empregador Rural Pessoa Física e Segurado Especial;

-Aposentado;

-Contribuição da empresa (– art. 195, I, CF/88) – Folha de Salários, retenção prestação de serviços (Lei 9711/98 nova redação ao art. 31 da Lei 8212/91), autônomo que remunera autônomo (advogado que paga advogado), Custeio de Acidente de Trabalho, Empregador doméstico; Contribuição do Produtor Rural e do Segurado Especial, Contribuição do Empregador Rural Pessoa Jurídica, Contribuição da Cooperativa Rural, Contribuições de Terceiros (Art. 240 CF/88 – destinadas a entidades privadas de serviço social e formação profissional – Sesi, Senac, Sesc, Senai...), Contribuição ao Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural – Lei 8315/91 – CNA – Confederação Nacional de Agricultura), SEST, Senat (Serviço Social do Transporte e Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte – Lei 8706/93), Sebrae (Lei 8029/90), Sescoop (Medida Provisória 2168), Incra (Lei 2613/55), Salário-Educação (lei 4440/64), Contribuição sobre o Faturamento (Confins – Contribuição para financiamento da seguridade social – destinado a União e fiscalizado pela Receita Federal e não pelo INSS - LC 70/91); PIS/PASEP; CSSL – Contribuição Social Sobre o Lucro; SIMPLES).

-Contribuição sobre a receita de concursos de prognósticos;

-CPMF(extinta);

-Outras Receitas (multas, atualização monetária e os juros moratórios); remuneração recebida pelos serviços de arrecadação, fiscalização e cobrança prestados a terceiros (Sesi, Sesc, Senai etc).; prestação de outros serviços e fornecimento ou arrendamento de bens – DATAPREV – serviço de processamento de dados; receitas patrimoniais – aluguéis -, industriais e financeiras; doações, legados, subvenções e outra receitas eventuais; 50% dos valores obtidos e aplicados decorrentes de tráfico de entorpecentes e drogas (parágrafo único do artigo 243 CF/88); 40% do resultado dos leilões dos bens apreendidos pelo Departamento da Receita Federal; outras receitas previstas em legislação específica; 50% do prêmio do seguro DPVAT. (Direito da Seguridade Social. Sergio Pinto Martins, 2002, p.139/231) (grifei)

Como se depreende do transcrito, as fontes para abastecimento da seguridade social são abundantes e cogentes. Não obstante, como se tratam de serviços essenciais a serem prestados pelo Estado, há a responsabilidade expressa da União em cobrir eventuais insuficiências fazendo isso com recursos provenientes de impostos não vinculados, que também possuem uma base enorme de contribuintes.


5. Natureza Jurídica das Contribuições para a Seguridade Social.

Importante fixar a natureza jurídica desta exação, haja vista sua especial fixação de forma vinculada na Constituição Federal.

Valho-me aqui do ensinamento do mestre Harada.

"Entendemos que a contribuição social é espécie tributária vinculada à atuação indireta do Estado. Tem como fato gerador uma atuação indireta do Poder Público mediatamente referida ao sujeito passivo da obrigação tributária. A contribuição social caracteriza-se pelo fato de, no desenvolvimento pelo Estado de determinada atividade administrativa de interesse geral, acarretar maiores despesas em prol de certas pessoas (contribuintes), que passam a usufruir de benefícios diferenciados dos demais (não contribuintes). Tem seu fundamento na maior despesa provocada pelo contribuinte e na particular vantagem a ele proporcionada pelo Estado. (Direito Financeiro e Tributário. Kiyoshi Harada, 13ª. Edição, 2004, p. 327).


6. Suficiência dos tributos para o custeio da seguridade social.

Cediço o argumento invocado constantemente pelos governantes, indistintamente, para justificar a impossibilidade de maiores aumentos em salários, proventos e benefícios: déficit na previdência social, uma das facetas da seguridade e que tem caráter hodierno eminentemente contributivo.

Aumenta-se a base de custeio, período de contribuição, fatores de minoração dos proventos etc., tudo fulcrado na insuficiência de recursos para bancar o sistema previdenciário nacional que não arrecada o suficiente para se manter, exigindo a contribuição de outros segmentos da sociedade.

São violões ocasionais os servidores públicos, os aposentados e os que vivem à margem da formalidade nas relações de emprego.

Em que pese este conceito arraigado no consciente popular, há que se valer de cálculos financeiros para perquirir a verdade.

Um empregado com a menor remuneração prevista, ou seja, um salário-mínimo, contribuí com 8,0% (oito por cento) de sua remuneração total.

Dentro deste contexto exemplificativo, a menor contribuição seria, com base no salário-mínimo de R$ 510,00 (quinhentos e dez reais), de R$ 40,80 (quarenta reais e oitenta centavos).

Ao longo de 30 (trinta) anos de contribuição, o menor período possível, com correção mensal de 0,6 (seis décimos de um por cento), equivalente aproximadamente a atual remuneração da caderneta de poupança em média, teria o empregado contribuído e gerado um montante equivalente a R$ 51.775,78 (cinquenta e um mil setecentos e setenta e cinco reais e setenta e oito centavos) ao longo das três décadas, sem inserir aí as contribuições sobre o décimo terceiro salário.

Passando este empregado a perceber um salário-mínimo mensal de R$ 510,00 (quinhentos e dez reais) descontados mês a mês deste montante, também pelo mesmo período e com correção do saldo remanescente pelo mesmo índice, levariam 158 (cento e cinquenta e oito) meses, ou seja 13 (treze) anos e (02) dois meses para que se exaurisse o valor formado pelas contribuições exclusivamente do empregado.

Dentro deste exemplo, sem considerarmos a contribuição de quantia quase equivalente ao triplo quando acrescida a parte recolhida pelo empregador, apenas o empregado com a menor contribuição e pelo período de trinta anos, garante recursos a aposentada pelo prazo em que, no mínimo, esta teria completado 59 (cinquenta e nove) anos de idade, considerando exemplificativamente que iniciou os pagamentos com dezesseis anos de idade e seja do sexo feminino.

Se jungirmos a contribuição do empregado a do empregador, o montante, pelos mesmos índices, no período de 30 (trinta) anos chega a R$ 126.359,47 (cento e vinte e seis mil trezentos e cinquenta e nove reais e quarenta e sete centavos).

Percebendo o contribuinte o benefício de um salário-mínimo significa que o mero montante gera recursos no mercado financeiro para pagar o benefício com sobras (R$ 126.359,47 x 0,6% = R$ 758,16), restando ainda a previdência social o saldo remanescente e seus rendimentos quando cessado o benefício com a passagem da aposentada.

Por óbvio que elaborando estes cálculos sobre a contribuição realizada pelo prazo de 35 (trinta e cinco) anos para o homem, a geração de rendimentos para o fundo previdenciário ainda será maior devido ao maior montante acumulado.

Trazendo os cálculos para as folhas de pagamento dos servidores públicos, percebe-se ainda que a contribuição deste é auto-suficiente.

Tomemos como exemplo a contribuição de um servidor público que perceba remuneração equivalente ao salário-mínimo atual.

A contribuição deste é no patamar de 11% (onze por cento).

A contribuição mensal será de R$ 56,10 (cinquenta e seis reais e dez centavos), gerando ao longo de 30 (trinta) anos de contribuição da servidora do sexo feminino, o montante de R$ 71.194,93 (setenta e um mil cento e noventa e quatro reais e noventa e três centavos), que geraria um rendimento de R$ 427,17 (quatrocentos e vinte e sete reais e dezessete centavos) mensais, possibilitando o pagamento do provento equivalente ao salário-mínimo pelo período de 25 (vinte e cinco) anos e 04 (quatro) meses, repito, exclusivamente a partir das contribuições desta.

Levando em conta que o servidor público ingressa na administração pública com no mínimo 18 (dezoito) anos de idade, "in casu", esta servidora estaria provida, apenas com suas contribuições, até os 73 (setenta e três) anos e 04 (quatro) meses de vida.

Trazendo o mesmo exemplo para o servidor do sexo masculino e com 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, chegaríamos a um montante de R$ 105.973,30 (cento e cinco mil novecentos e setenta e três reais e trinta centavos), que geraria um rendimento mensal de R$ 635,84 (seiscentos e trinta e cinco reais e oitenta e quatro centavos), portanto, suficiente para pagamento dos proventos até o final da vida do servidor apenas com os rendimentos, restando ainda ao erário o montante remanescente quando cessado o pagamento da aposentadoria.

Nestes termos, a grosso modo, apenas com as contribuições do empregado e empregador na iniciativa privada, isso considerando o patamar mais baixo de contribuição, ressaltando que os maiores salários contribuem no mesmo patamar auto-suficiente da administração pública, ou seja, 11% (onze por cento), e com as contribuições dos servidores públicos, mostra-se viável a previdência social contributiva, sem necessidade de aporte de outros recursos, até porque as sobras advindas das contribuições dos servidores do sexo masculino no caso estatutário e das contribuições do empregador na iniciativa privada, compensam, a "prima facie", com longa margem eventual déficit em um segmento.

Não é a toa que os bancos privados ingressam com enorme avidez no mercado com os famigerados planos de previdência privada, de "per si", geradores de lucros fantásticos a estas instituições financeiras, verificando-se aí outro viés capitalista, o governo isenta de imposto de renda os que aderem a estas contribuições, ou seja, retira de todo a população benefícios advindos da tributação, e beneficia, em última instância, as instituições financeiras, que tornam atrativo o produto e lucram sobre o incauto aderente destes planos.

Frise-se que os entes federativos, despudoradamente e historicamente, nunca criaram fundos públicos próprios a serem aliados a arrecadação vinda da contribuição dos servidores para fazer frente aos benefícios e proventos, utilizando os recursos da forma que melhor lhes conveio durante toda a história deste país, sendo comezinha a alegação de que os proventos pagos geram um déficit, sendo impossível que isso não ocorra escrituralmente, pois, de onde saem os recursos se eles não foram constituídos de forma específica?

Da mesma forma temerária age a União que desvia os recursos destinados a seguridade fazendo os recolhimentos diretamente aos cofres do Tesouro, levando, obrigatoriamente, a existência de déficit mensal.

Neste sentido abalizados doutrinadores comungam da certeza da inexistência do proclamado déficit, a não ser pela inércia e atuação espúria dos administradores públicos ao longo das décadas. Neste sentido:

"Não obstante inconstitucionais as contribuições criadas pela União com suposto fundamento no art. 195, I, da Constituição Federal, para integrarem o orçamento do Tesouro Nacional, continuam elas a serem arrecadadas pelo Tesouro Nacional, em flagrante violação ao disposto no art. 165, §5º, combinado com o art. 194, parágrafo único, inciso VII da Constituição Federal, que determinam tenha a seguridade social orçamento próprio e gestão descentralizada.

Não pode prevalecer, como sustentam alguns, por ignorância ou má fé, o princípio da unidade orçamentária. Esse princípio não pode sobrepor-se à Constituição Federal, que estabeleceu de forma diferente exatamente para superar tal princípio, que ficou restrito às contas do Tesouro e das autarquias comuns. Não se aplica à seguridade social, que se tornou uma autarquia de nível constitucional por força dos supra citados dispositivos.

O exame dos balanços gerais da União revela que as contribuições de previdência, cujo total representava, em 1989, apenas 34% da receita tributária, passou a oscilar entre 110% e 121% nos anos de 1990 até 1994. Em 1995 a arrecadação dessas contribuições correspondeu a mais de 148% da receita tributária. Em outras palavras, as contribuições de previdência corresponderam, em 1995, a quase vez e meia tudo quanto a União arrecadou com todos os seus tributos.

Como se pode acreditar que a Seguridade Social esteja falida?

É mais razoável acreditar-se que as receitas desta, arrecadadas pelo Tesouro Nacional, sob as vistas complacentes do Supremo Tribunal Federal, estejam sendo desviadas para outras finalidades.

E, o que é ainda mais grave, que as autoridades do governo utilizam-se do argumento de que a seguridade social, especialmente a área de saúde pública, está carente de recursos, para obter o apoio na criação de novos tributos, como aconteceu com a CPMF, porque a sensibilidade dos contribuintes não lhes permite recusar recursos para esse segmento do Estado. Segmento que desgraçadamente continuará carente, em virtude de inevitáveis desvios, prestando-se, apenas, como argumento para seguidos aumentos de carga tributária. (Curso de Direito Tributário. 22ª edição, revista, atualizada e ampliada. Hugo de Brito Machado, 2003, p.384/385).

As fontes de financiamento exclusivas da seguridade desempenham papel estratégico no fortalecimento da política fiscal restritiva em curso após 1999. Ocorre uma dupla apropriação pelo orçamento fiscal dos recursos que deveriam ser gastos na previdência, assistência social e saúde. A DRU revela a intrincada e obscura relação entre orçamento da seguridade social e orçamento fiscal. Por meio dela ocorre a perversa alquimia de transformar receitas da seguridade em recursos ordinários do orçamento fiscal que são canalizados para o superavit primário e destinados ao pagamento de juros da dívida pública. De cada R$ 100,00 de superávit primário, em 2007, pelo menos R$ 65,00 foram retirados do orçamento da seguridade social por meio da DRU. A outra face da apropriação indevida é a prática de inflar os gastos da seguridade social com despesas típicas do orçamento fiscal, sem o devido aporte de recursos ordinários, provenientes de impostos. ( Fundo Público e Seguridade Social no Brasil. Evilasio Salvador, 2010, p. 393).


7. A adequação da seguridade social aos anseios do sistema capitalista.

Como dito acima, os entes federativos, em especial a União, descuram da formação de fundos públicos para suportarem as despesas da seguridade social, primando pelo desvio de recursos para outras áreas e pela geração de resultados primários satisfatórios para atrair o mercado especulador financeiro gerando um círculo vicioso que se sustenta pela potencialização contínua do "investimento" e lucro, até que haja um colapso e o processo se reinicie em outro patamar, mas, sempre, sem levar, nos moldes hodiernos, a qualquer resultado favorável, vez que o atual capitalismo se degenerou, desvinculando-se do fator produção e tendo como arrimo apenas o capital como meio de especulação instantâneo, dinâmico e sem barreiras.

Relevantes doutrinadores apresentam esta faceta e a crise entre o sistema capitalismo e as necessidades sociais que fazem vicejar conflitos que podem redundar em efeitos de repúdio e retomada da direção norteadora de um Estado Social.

Transcrevo:

"Embora seja adequado analisar o capitalismo contemporâneo em termos de alguns setores (os setores privados competitivos e oligopólicos, e o setor público, etc), é impressionante como os destinos de muitas empresas e indústrias são interrelacionados. A rede de interdependência assegura, no máximo, um equílibrio econômico delicado. Qualquer distúrbio ou rompimento da vida econômica pode ramificar-se potencialmente através de todo o sistema. A falência de uma grande firma ou banco, por exemplo, tem implicações para numerosas empresas aparentemente saudáveis, para comunidades inteiras, e, por conseguinte para a estabilidade política. Assim, para que se mantenha a ordem das sociedades contemporâneas, é necessária a ampla intervenção do Estado. O florescimento da atividade estatal no século XX, a expansão da "máquina intervencionista", pode ser visto, sob esse ângulo, como inevitável. Os efeitos extensivos crescentes de mudanças no seio do sistema (índices elevados de desemprego e a inflação nas depressões e picos do ciclo econômico) e/ou o impacto de fatores externos (escassez de matérias-primas como consequência de eventos políticos internacionais, por exemplo) tiveram de ser cuidadosamente manejados.

O Estado está envolvido em contradições: a intervenção na economia é inevitável e, no entanto, o exercício do controle político sobre a economia arrisca-se a desafiar a base tradicional da legitimidade de toda a ordem social: a crença de que os objetivos coletivos só podem ser adequadamente consumados se os indivíduos privados agirem em isolamento competitivo e perseguirem seus propósitos com interferência mínima do Estado. A própria intervenção do Estado na economia e em outras esferas chama a atenção para as questões de escolha, planejamento e controle. A "mão do Estado" é mais visível e inteligível do que a "mão invisível" do mercado. Mais e mais áreas da vida são encaradas pela população em geral como áreas politizadas, isto é, passíveis de estarem sujeitas (via governo) ao seu controle potencial. Esse desenvolvimento, por seu turno, estimula demandas sempre maiores apresentadas ao Estado: por exemplo, reivindicações relativas a participação e consulta sobre decisões. Se essas exigências não puderem serem atendidas pelas alternativas existentes, o Estado poderá enfrentar uma "crise de legitimação". As lutas relativas a, entre outras coisas, distribuição da renda, controle das condições de trabalho, natureza e qualidades de bens e serviços públicos estatais, podem ultrapassar as fronteiras das instituições vigentes de administração econômica e controle político. Nessas circunstâncias, a hipótese da transformação fundamental do sistema não pode ser afastada. É improvável, decerto, que venha a resultar de um evento, de uma derrubada insurrecional do poder de Estado. Mas provavelmente será marcada por um processo de erosão continua da capacidade de reproduzir-se da ordem existente e pela emergência progressiva de instituições alternativas." (Teoria Geral do Estado. Textos para uma abordagem crítica. Gil César Costa de Paula, 2010. 18. Crise da Sociedade Capitalista e sua relação com o Estado e o Direito. p.271/272)

"A medida que o capitalismo se espraia por regiões mais vastas e penetra mais fundo em todos os aspectos da vida social e do meio ambiente natural, suas contradições vão escapando mais e mais a nossos esforços de controlá-las. A esperança de atingir um capitalismo humano, verdadeiramente democrático e ecologicamente sustentável via se tornando transparentemente irrealista. Mas, conquanto esta alternativa não esteja disponível, resta ainda a alternativa verdadeira do socialismo." (A Origem do Capitalismo. Ellen Meiksins Wood, 2001, p.129)

"Tempos de grande crise econômica abrem sempre uma brecha razoável na ordem estabelecida, que não mais tem êxito na distribuição de bens que servira como sua inquestionável justificativa. Tais brechas podem ser alargadas a serviço da reestruturação social ou, de fato, fechadas por um prazo maior ou menor, no interesse da continuada sobrevivência do capital, dependendo das circunstâncias históricas gerais e da relação de forças na arena política e social. (A Crise Estrutural do Capital. István Mészáros, 2009, p. 88).

Não escapa a Evilásio Salvador, os artifícios engendrados pelos governos contemporâneos, no sentido de maquiar os orçamentos e adequar a economia, sistema tributário e contas públicas com o fito de favorecer o capital especulativo com a justificativa de "estabilidade econômica", sem qualquer preocupação com as carências públicas sociais e previsões constitucionais.

"O que ocorre no âmago da "crise fiscal do Estado" é uma disputa entre os recursos destinados à reprodução do capital e os fundos destinados à manutenção das políticas sociais. 

"As empresas transnacionais são usuárias contumazes do planejamento tributário, ou seja, escapam da tributação doméstica por meio de arranjos legais e ilegais, fazendo uso da elisão e sonegação fiscal, de forma que o sistema tributário em países da periferia torna-se cada vez mais regressivo, aumentando a carga sobre a classe trabalhadora e as camadas de menor poder aquisitivo."

"Na prática, a liberação de recursos ocorre somente com o pagamento de juros e encargos de dívidas e com o cumprimento de metas econômicas (INESC, 2005), o que significa uma subordinação dos gastos que efetivam direitos para a maioria da população à lógica do mercado financeiro."

"Portanto, por meio da DRU ocorre uma perversa "alquimia" que transforma os recursos destinados ao financiamento da seguridade social em recursos fiscais para a composição do superávit primário e, por consequência, os utiliza para pagar juros da dívida (Boschetti e Salvador, 2006). (Fundo Público e Seguridade Social no Brasil. Evilasio Salvador, 2010, p.134/135., 189 e 233)

Percebe-se claramente que com a DRU (Desvinculação das Receitas da União), os governantes do ente federativo central vêm ao longo dos anos, pouco a pouco, desvirtuando a política securitária social para atender ao capital especulativo, sem qualquer pudor, valendo-se da inconsciência pública, de premissas falsas e em nome de uma sustentação política que enseja a perpetuação de segmentos no poder.


8. A reforma nefasta de FHC e a intenção de incremento do desvalor social da seguridade social por Lula.

O governo de FHC intentou reformas no âmbito infraconstitucional que adequaram o sistema da seguridade social aos interesses capitalistas, tornando o arcabouço securitário vinculado tenazmente a contribuição desobrigando o governo e tornando temerariamente sustentável a tese de incompatibilidade do sistema nos moldes existentes, fazendo prevalecer como premissa verdadeira a falência do sistema, em especial o previdenciário, sendo que na verdade existe um despudor no controle dos recursos oriundos por força da seguridade social.

O governo Lula, busca, agora, de forma definitiva, desvincular totalmente os tributos com faceta securitária, levando todos os recursos, formalmente, para a receita da União, tornando mais fácil a manipulação do orçamento e desfigurando por completo a Constituição de 1988 no que tange a formação de um Estado Social.

Mais um vez cito Evilasio Salvador que, de forma percuciente, denuncia estes fatos em sua lapidar obra:

"Mas o legado mais perverso de mudanças no sistema tributário foi engendrado no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC). Ao longo do governo FHC foi sento alterada, paulatinamente, a legislação infraconstitucional, solapando ou tornando nulos os princípios básicos da reforma tributária realizada na Constituição de 1988, agravando as distorções e, sobretudo, aprofundando a regressividade do sistema tributário brasileiro. As modificações realizadas nos anos neoliberais no Brasil constituem verdadeira contrarreforma tributária, conduzida de forma sorrateira."

"Reforma tributária e desmonte do financiamento da seguridade social. ...o governo Lula apresentou uma nova proposta de reforma tributária em 2008 que traz graves consequências às bases de financiamento da seguridade social.

Essa modificação é o sepultamento da diversidade das bases de financiamento da seguridade social inscrita no artigo 195 da Constituição Federal de 1988, que ampliou o financiamento da previdência, saúde e assistência social para além da folha de salários, incluindo a receita, o faturamento e o lucro.

Ainda que seja garantido um repasse à seguridade social com base em parte do orçamento fiscal, deixarão de existir as receitas próprias da seguridade social previstas em orçamento exclusivo, como determina a CF.

Em termos políticos, a mudança é grave. Um dos avanços da Constituição, em termos de políticas sociais, foi a vinculação de recursos como uma das formas de enfrentar a perversa tradição fiscal existente no Brasil, cuja aplicação dos recursos do orçamento público sempre priorizou a acumulação do capital, submetendo as politicas sociais à lógica econômica." (Fundo Público e Seguridade Social no Brasil. Evilasio Salvador, 2010, p.195 e 261/263).


9. A questão dos excluídos em face do Poder Público e do Estado Social.

Um Estado com forte cunho social busca atender as demandas de sua população independente de sua condição de contribuição ou não, como citado no início deste trabalho com base nos países escandinavos.

Nossa carga tributária é alta e, portanto, se justifica sob o ponto de vista de que deve prover uma igualdade real, substancial, no acesso aos benefícios securitários, dentre eles, inclusive, os não contributivos, "verbi gratia", a saúde e a assistência social. As deficiências orçamentárias deste sistema não podem ser empecilho a sua implementação que, sempre se dará por conta da contribuição direta para este sistema ou pela indireta através dos impostos arrecadados pelos entes federativos.

Não obstante, vige ainda entre nós a predominância de um hiato social que segrega alguns cidadãos.

Importante a opinião de Evilasio Salvador neste ponto:

A previdência social, regida pela lógica do seguro social, é a forma encontrada pelo capitalismo para garantir um mínimo de segurança social aos trabalhadores "não proprietários", ou seja, àqueles que só dispõem de sua força de trabalho para viver. Mas essa lógica só se materializa se os trabalhadores estiverem inseridos em relações estáveis de trabalho que assegurem o acesso aos direitos previdenciários. Para os trabalhadores excluídos do acesso ao emprego e para aqueles que não contribuem com a previdência estabelece-se uma clivagem social: eles não têm proteção previdenciária porque não contribuem e não têm acesso à assistência social porque esta é reservada aos pobres "incapacitados" de exercer uma atividade laborativa: idosos, crianças e pessoas portadoras de deficiência (Boschetti, 1998 e 2001). (Fundo Público e Seguridade Social no Brasil. Evilasio Salvador, 2010, p. 137/138).

A nossa realidade sócio-jurídica imprime a situação onde ou o cidadão é miserável e detém no núcleo familiar renda mensal inferior ou equivalente a ¼ do salário-mínimo "per capita" para fazer jus a assistência social, ou então deverá contribuir para ter direito assistencial diverso da saúde gratuita.

Ou seja, se o núcleo familiar ostentar renda "per capita" superior a R$ 127,50 (cento e vinte e sete reais e cinquenta centavos), p.e.,, R$ 130,00 (cento e trinta reais), não terá direito ao benefício. Continuará miserável e dependente da ajuda de terceiros, mas, o Estado não o assistirá.

Castel, com o termo "desfiliação" construiu interessante obra que trata desta massa excluída que, por motivos vários, desde a incapacidade física ou psicológica, até questões étnicas, se vê desprovida do âmbito de solidariedade que deve ser imposto por todo Estado que avoca para si o dever de bem estar social. Transcrevo a propositura deste insigne autor no que tange a formação de um Estado que amaine esta segregação.

"O poder público é a única instância capaz de construir pontes entre os dois pólos do individualismo e impor um mínimo de coesão à sociedade. As coerções impiedosas da economia exercem uma crescente pressão centrífuga. As antigas formas de solidariedade estão esgotadas demais para reconstituir bases consistentes de resistência. O que a incerteza dos tempos parece exigir não é menos Estado – salvo para se entregar completamente às "leis" do mercado. Também não é, sem dúvida, mais Estado – salvo para querer reconstituir à força o edifício do início da década de 70, definitivamente minado pela decomposição dos antigos coletivos e pelo crescimento do individualismo de massa. O recurso é um Estado estrategista que estenda amplamente suas intervenções para acompanhar esse processo de individualização, desarmar seus pontos de tensão, evitar suas rupturas e reconciliar os que caíram aquém da linha de flutuação. Um Estado até mesmo protetor porque, numa sociedade hiperdiversificada e corroída pelo individualismo negativo, não há coesão social sem proteção social. Mas esse Estado deveria ajustar o melhor possível suas intervenções, acompanhando as nervuras do processo de individualização. (As metamorfoses da questão social. Uma crônica do Salário. Robert Castel, 1998, p.141)

Nesta esteira vale citar a conclusão de Ivo Dantas com relação ao posicionamento do Estado atentando-se às facetas várias que se identificam entre a população e suas necessidades, que não podem ser atendidas pela implantação de um sistema capitalista nos moldes tradicionais, ou pior ainda, no atual formato que faz fenecer o elemento produção, ruindo a própria necessidade do emprego, passando a mera exploração financeira.

"Com esta busca a um modelo intermediário entre o Estado Liberal e o Estado Socialista, passa-se da Democracia Política para a Democracia Social, ou seja, da Ideologia Constitucional Liberal à Ideologia Constitucional Social. (Teoria do Estado Contemporâneo. Ivo Dantas, 2008, p. 55)


10. Conclusão.

Ao longo da história a evolução das relações sociais que tem sua gênese na relação de trabalho, trouxe a lume, até pelas necessidades iniciais do sistema capitalista em expansão, direitos sociais e embriões previdenciários (Bismarck na Alemanha).

Embora esta evolução tenha sido incrementada pelo próprio sistema capitalista, até o ponto que lhe aproveitou, viveram e vivem à margem da proteção social uma grande gama de seres humanos, tudo isso com cerne na ideologia capitalista e na semente individualista que se implantou no seio das comunidades, onde cada um vale pelo que produz e consegue acumular.

Atualmente qualquer sistema social de proteção está vinculado a possibilidade dele próprio se sustentar através da contribuição direta de seus segurados, buscando o Estado, cada vez mais, se afastar da responsabilidade social a ele atribuída como próprio motivo de ser.

Os textos trazidos revelam a faceta perniciosa e contraditória do sistema capitalista, hoje degenerado, prescindindo do elemento produção e da própria força outrora motriz deste movimento, o homem, passando atualmente para o mero especular de ativos financeiros sem pátria, barreiras e óbices e a dinâmica flutuação pelos países amigos e interligados para a pútrida exploração.

Percebe-se no caso do Brasil, a partir de premissas sólidas, que o sistema previdenciário é auto-sustentável e depende, quando muito, de mero complemento obrigatório do Estado, em nome do bem estar social e plenamente possível diante da arrecadação ingente imposta a população de forma direta ou indireta através de tributos totalmente desvinculados da seguridade social.

Inconteste que a quantidade de tributos vinculados a seguridade social, com sua operacionalização consciente e com a criação de fundo público específico para isso, põe, todos os cidadãos, a salvaguarda de intempéries, devendo ser repudiadas as alterações que procuram elidir a vinculação obrigatória.

Infelizmente, interesses outros, inclusive, de perpetuação no poder, fazem com que o país jogue subrepticiamente o jogo imposto pelo sistema capitalista que proporciona o controle político almejado pelos segmentos organizados.

O desiderato maior de um Estado Democrático de Direito, com viés constitucional de inserção social, é cuidar de sua população, nunca sendo demais a injeção de recursos na seguridade social para trazer a lume o bem estar do cidadão.

Causa estupor o "jogo de cena" que busca apresentar esta meta como impossível por escassez de recursos, quando o que se vê é a evasão destes pelo atendimento de outros interesses que não as carências públicas, ou até mesmo pela facilitação de elisão tributária por empresas meramente especuladoras de capital.

Neste diapasão, teratológica é a posição de um país que, até pouco tempo penalizava criminalmente a medicância e a vadiagem, arraigado às épocas de antanho, com contornos fascistas, fugindo da obrigação cogente de investir no ser humano para que este passe a ser produtivo, não a título de contribuir com o sistema capitalista, mas, sim, para crescimento pessoal e da qualidade da tessitura social do país.

Neste contexto, faz-se necessário o esclarecimento da população para que, organizadamente, envide esforços políticos para evitar a deterioração da seguridade social, exigindo a implementação das políticas de bem estar social independente de qualquer recurso vinculado, pois, é obrigação natural do Estado e via inarredável para sustentação do próprio capitalismo, sob pena de sofrer as intempéries da revolução.


11. Bibliografia

Martins, Sérgio Pinto. Direto da seguridade social / Sérgio Pinto Martins. - 17. ed. São Paulo : Atlas, 2002.

Paula, Gil César Costa de. Teoria geral do Estado : textos para uma abordagem crítica / Gil César Costa de Paula. - (S. 1. : s. n.), 2010 (Goiânia : Editora Vieira).

Machado, Hugo de Brito. Curso de direito tributário / Hugo de Brito Machado. 22 ed. São Paulo : Malheiros Editores, 2003.

Harada, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário / Kiyoshi Harada. - 13. ed. - São Paulo : Atlas, 2004.

Curso de direito constitucional. - São Paulo : Saraiva, 2004. Vários autores / Curso de Direito Constitucional. Ricardo Cunha Chimenti, Fernando Capez, Márcio F. Elias Rosa e Marisa F. Santos.

Salvador, Evilasio. Fundo público e seguridade social no Brasil / Evilasio Salvador – São Paulo : Cortez, 2010.

Wood, Ellen Meiksins. A origem do capitalismo / Ellen Meiksins Wood; tradução, Vera Ribeiro; apresentação, Emir Sader. - Rio de Janeiro : Jorge Zahar Ed., 2001.

Mészáros, István. A crise do capital / István Mészáros; (tradução Raul Cornejo... (et. al.). - São Paulo : Boitempo, 2009.

Castel, Robert. As metamorfoses da questão social : uma crônica do salário / Robert Castel; tradução de Iraci D. Poleti. - Petrópolis, RJ : Vozes, 1998.

Dantas, Ivo. Teoria do estado contemporâneo / Ivo Dantas. - Rio de Janeiro : Forense, 2008.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS JÚNIOR, Lázaro Alves. A derrocada do Estado Social a partir da degeneração do sistema de Seguridade Social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2714, 6 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17921. Acesso em: 25 abr. 2024.