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Questões polêmicas na aplicação do regime especial dos precatórios judiciais

Questões polêmicas na aplicação do regime especial dos precatórios judiciais

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1.Introdução

Editada em 9 de dezembro de 2009, a Emenda Constitucional nº 62 institui complexa sistemática de quitação de precatórios dos Estados, Distrito Federal e Municípios.

A União está em dia com suas obrigações judiciais; nessa condição, não foi afetada pela nova disciplina.

O sistema é de difícil operação; entre janeiro a novembro de 2010 e apesar de receberem mais de R$ 1 bilhão de depósitos, vários Tribunais de Justiça não haviam conseguido dirigi-los aos credores; isso, em função das muitas dificuldades que ensejam as alentadas listas de credores e a separação por preferências.

Essa Emenda 62 introduziu o regime especial de precatórios com as seguintes inovações:

- Duas alternativas para quitação de precatórios em mora: a) retenção mensal de 1% a 2% da receita corrente líquida (regime especial mensal); b) parcelamento em até 15 anos (regime especial anual).

- Depósitos em conta especial administrada pelo Tribunal de Justiça local, mesmo que trabalhista o requisitório.

- A utilização de não menos que 50% sob ordem cronológica de apresentação dos títulos judiciais.

- O uso de não mais que 50% mediante três possibilidades: a) leilão de deságio; b) ordem crescente de valor; c) acordo em câmara local de conciliação.

- Além dos credores alimentares, mais duas preferências: idosos e portadores de doenças graves.

- Redução do precatório ante dívida que possa ter o credor junto ao devedor (encontro de contas).

- Aceitação de títulos judiciais na aquisição de imóveis públicos.

- Correção monetária e compensação da mora pelos índices da Caderneta de Poupança.

- A falta dos depósitos judiciais acarreta seqüestro nas contas bancárias do devedor; responsabilização do Chefe do Poder Executivo; vedação para empréstimos e transferências voluntárias; retenção dos Fundos de Participação de Estados e Municípios – FPE e FPM.

Essas novas regras são efetivadas pelos Tribunais de Justiça, aos quais compete recepcionar os depósitos dos Estados e Municípios; reter o Imposto de Renda e as contribuições previdenciárias; descontar eventual dívida do credor junto ao devedor; realizar o pagamento segundo ordens de cronologia e preferência (50%) e conforme as escolhas quanto aos outros 50%; tudo isso, sem prejuízo de os TJ alimentarem o sistema eletrônico de dados do Conselho Nacional de Justiça – CNJ.

Enfim, é do Judiciário a administração do novo sistema; antes disso, restringia-se mais à esfera da entidade devedora e, na preterição de ordem, peticionava o credor junto àquele Poder estatal.

Ante o fato de o Conselho Nacional de Justiça controlar a atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, tal Colegiado, em 29 de junho de 2010, baixou a Resolução nº 115, criando um banco nacional de dados: o Sistema de Gestão de Precatórios – SGP, sem embargo de regular a execução do novo regramento. Tal normativo aperfeiçoou, e muito, a hoje revogada Resolução nº 92/2009, também do CNJ.

Registrada a inadimplência naquele Sistema, os descumpridores são incluídos no CEDIN, o Cadastro Nacional de Inadimplentes, não podendo celebrar empréstimos e financiamentos, receber transferências voluntárias e, mediante a intervenção da Secretaria do Tesouro Nacional, verem retidas suas quotas junto aos Fundos de Participação dos Estados e Municípios – FPE e FPM.

À guisa de ilustrar, as transferências voluntárias são feitas por outros níveis de governo, sem que para isso haja imposição legal ou constitucional. Põe-se aqui um ato discricionário do repassador. Em rumo diferente, a União, por determinação constitucional, transfere aqueles fundos a Estados e Municípios. Eis um ato vinculado, obrigatório para o transferidor do dinheiro.

Depois disso e no intento de solver lacunas da mencionada Resolução 115, o CNJ publicou, em 9 de novembro de 2010, adendo a tal normativo, introduzindo várias prescrições, entre as quais: a) quitação dos precatórios em no máximo 15 anos, mesmo que a escolha tenha sido a da vinculação da receita corrente líquida; b) possibilidade de listagens por tribunal de origem; c) regime anual para os que não optaram no prazo constitucional de 90 dias. É a Resolução CNJ nº 123.

Deve-se ressaltar que, ao contrário do que muitos dizem, a Emenda 62 não deve ser tida, a rigor, como um calote governamental. É bem assim visto que:

1.Grande parte das entidades devedoras antes pagavam percentuais inferiores aos 1% a 2% da novel sistemática; muitas nada quitavam, além de não contabilizar as requisições judiciais.

2.Agora, o não-pagamento resulta severas punições aos faltosos, o que é bem necessário, conquanto o STF nega intervenção nos governos inadimplentes.

3.Diante da robusta dívida judiciária, um breve pagamento comprometeria os serviços públicos essenciais.

4.À vista do parcelamento decenal para os quase sempre vultosos precatórios não-alimentares (EC nº 30/00), restava pouco dinheiro para os de natureza alimentar, obrigando os titulares a vendê-los, por preço vil, no mercado paralelo (de 20% a 30% do valor de face).

5.AS preferências para idosos, portadores de doenças graves, os limites de até 3 vezes o requisitório de baixa monta e a possibilidade da ordem de menor valor, tudo isso beneficia a imensa parte dos precatórios, os alimentares, que representam 80% do todo.

6.Em face dos eliminados juros compensatórios, o valor dos títulos judiciais não deve mais superar, em demasia, a realidade de mercado.

7.O desconto de, no máximo 50%, possibilita que credores com necessidade financeira saiam da "fila cronológica" e, de pronto, recebam seus haveres, negociados que serão em leilões ou câmaras locais de conciliação.

Feitas todas essas considerações, há de se enfatizar que este artigo discutirá algumas das controvérsias geradas pelo atual método de pagar sentenças judiciárias, nisso também considerada a recente suspensão, pelo STF, do parcelamento decenal da Emenda Constitucional nº 30, de 2000.


2.O Precatório Alcançado – o conceito de mora

Antes de mais nada, é preciso ressaltar a existência de, ao menos, seis tipos de precatórios nas dívidas do setor público:

a)Os parcelados em dois momentos da Constituição, os enunciados nos artigos 33 (8 anos) e 78 (10 anos), ambos do ADCT.

b)Os alimentares, os de baixa monta e os ajuizados depois de 31.12.1999, não contemplados pelos sobreditos fracionamentos e não parcelados em ajustes locais.

c)Os que resultaram em acordos locais de pagamento, depois homologados no Judiciário. Em geral, tais avenças são para os débitos da hipótese anterior, isto é, os afastados dos alongamentos constitucionais.

d)Os requisitórios de baixa monta, que, a termo da Lei nº 10.259, de 2001, devem ser pagos em sessenta dias. São as chamadas obrigações de pequeno valor – OPV.

e)Os novos precatórios, apresentados até 1º de julho, devendo ser pagos até o final do ano seguinte.

Depois, há de se recordar que a Emenda 62 beneficia Estados e Municípios que, em 9 de dezembro de 2010, possuíam requisitórios vencidos e não pagos, ou, na linguagem constitucional, encontravam-se "em mora na quitação de precatórios" (art. 97, ADCT).

Regularmente instaurado, o sistema especial também abarca os débitos formados durante a sua vigência, quer dizer, os novos precatórios dos mapas orçamentários dos Tribunais de Justiça e do Trabalho, ou seja, nas peças aludidas na Resolução nº 115, do CNJ:

"Art. 7º -

§ 1º - O Tribunal deverá comunicar, até 20 de julho, por ofício, à entidade devedora, os precatórios requisitados até 1º de julho, com a finalidade de inclusão na proposta orçamentária do exercício subseqüente".

Feito esse esclarecimento inicial, a primeira controvérsia tem a ver com o conceito de mora que assegura, ou não, o ingresso no regime especial de precatórios.

Para o art. 18, § 1º da Resolução CNJ nº 115, a mora abrange as seguintes hipóteses:

1.Não-pagamento da dotação de precatórios, disposta na lei orçamentária para o ano de 2009 (elaborada em 2008).

2.Não-pagamento das parcelas moratórias concedidas na redação original da Constituição (8 anos) e na Emenda nº 30, de 2000 (10 anos); esta, tal qual adiante melhor se verá, foi suspensa, em novembro de 2010, pelo Supremo Tribunal Federal.

3.Diferença entre as requisições judiciais para 2009 e o valor previsto na lei orçamentária do mesmo ano.

Pode-se afirmar que alternativa 2) está contida na hipótese 1), vez que a liquidação das moratórias também requer dotação orçamentária (art. 167, II da CF). De se ver ainda a não-utilidade da hipótese 3), conquanto de nada adianta a previsão orçamentária se o desembolso financeiro, de fato, não se consuma, não beneficia o credor.

Então, em uma leitura mais simplificada, tem-se que a mora da Resolução 115 favorece os devedores que não solveram, em 2009, as respectivas exigências judiciais.

Em situação inversa, o ente da Federação que, em 2009, tenha honrado, regularmente, o parcelamento decenal da Emenda 30/2000, os acordos locais para antigos requisitórios e, também, os novos precatórios dos mapas judiciários, diante dessa total adimplência, tal entidade estaria fora do regime especial de precatórios.

Com efeito, assim sustenta o Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, o Dr. Luiz Flávio Borges D’Urso: "A EC 62 é somente para os inadimplentes e as prefeituras em dia devem continuar pagando os credores, sem aderir ao calote da dívida pública dos precatórios" (www.oabsp.org.br/noticiais).

Nessa intelecção, restam beneficiados os impontuais, os que sequer atendiam às dilações constitucionais, enquanto isso, os adimplentes continuam submetidos a regime mais severo de pagamento, o do art. 100 da CF, necessitando quitar todo o saldo antes repartido pela hoje suspensa EC nº 30/2000 mais os acordos locais e, também, os novos títulos judiciais, sendo que estes, independente de avantajada cifra, precisarão ser honrados, na integralidade, até o final do ano seguinte ao da expedição (art. 100, § 5º da CF).

Por outro lado, a própria Emenda 62 quer que se agregue ao regime especial os saldos ainda não pagos dos parcelamentos constitucionais:

"Art. 97 do ADCT

"§ 15. Os precatórios parcelados na forma do art. 33 ou do art. 78 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e ainda pendentes de pagamento ingressarão no regime especial com o valor atualizado das parcelas não pagas relativas a cada precatório, bem como o saldo dos acordos judiciais e extrajudiciais"

É também de ser ver que o Supremo Tribunal Federal, em novembro de 2010, suspendeu o art. 78 do ADCT e, por conseqüência, o parcelamento decenal da Emenda Constitucional nº 30, de 2000. Ante essa interrupção de eficácia, todas remanescentes prestações, em 9.12.2009, estavam em clara situação de mora.

A tudo isso se some que, na prevalência do ora combatido art. 18, § 1º da Resolução nº 115, haverá dificuldade para a Justiça controlar, em cada entidade, dois tipos de precatórios: os em mora e os não em mora (em dia).

Diante disso, entendemos: os que, na promulgação da Emenda 62, estavam em dia com suas pendências, todos esses devem incorporar-se à atual sistemática de quitação judicial.

Nesse cenário, o comentado § 1º do art. 18 da Resolução 115 deveria estar assim redigido: "tirante os novos precatórios, com exigibilidade para o ano de 2010, ingressará no regime especial de precatórios todo o saldo judicial ainda não pago em 9.12.2009".


3.Prazo de 15 anos para os que elegeram a vinculação sobre a receita corrente líquida (1% a 2%)

Para o Conselho Nacional de Justiça, o regime especial de precatórios termina em, no máximo, 15 anos, ainda que seja outra a opção feita no decreto executivo: a do depósito mensal de 1% a 2% da receita corrente líquida.

"Art. 18

§ 1º. Os Tribunais de Justiça promoverão o levantamento das dívidas públicas de precatórios de todas as entidades devedoras sob sua jurisdição e, no caso daquelas em que, pela projeção da aplicação dos percentuais mínimos previstos constitucionalmente, se verificar que os precatórios vencidos e vincendos não serão satisfeitos no prazo de 15 anos, fixarão percentual mais elevado, que garanta a quitação efetiva dos precatórios atrasados no prazo constitucional" (grifamos).

Tal Colegiado assim normatizou, pois, sob o regime mensal, os que têm maior dívida não quitarão, em 15 anos, suas pendências judiciais.

Com efeito, admitindo-se Município cujo passivo judicial signifique 45% da receita corrente líquida, terá ele nada menos que 30 anos para o pagamento; isso, desde que, no período do ajuste, não sobrevenham outras sentenças judiciárias.

Destarte, sob a alteração procedida na Resolução 115, os governos com alentada dívida precisarão depositar, todo mês, mais que o mínimo de 1% a 2%.

Malgrado esse inequívoco intuito de justiça para com os credores e o abatimento, de 25%, sobre a projeção do saldo devedor (deságio em leilões ou acordos locais), a despeito disso, a Emenda 62 ordena que a alternativa percentual só se finda quando o depósito anual é maior que o saldo restante dos precatórios:

"Art. 97 do ADCT -

§ 14. O regime especial de pagamento de precatório previsto no inciso I do § 1º vigorará enquanto o valor dos precatórios devidos for superior ao valor dos recursos vinculados, nos termos do § 2º, ambos deste artigo, ou pelo prazo fixo de até 15 (quinze) anos, no caso da opção prevista no inciso II do § 1º" (grifos nossos).

Ao contrário da alternativa que se encerra em, no máximo, 15 exercícios, a opção pelo regime mensal, sob a Constituição, não tem prazo certo de término; só acaba quando o endividamento judicial for menor que os depósitos previstos para o ano. Outra passagem da Emenda 62 reforça essa intenção do legislador constituinte derivado:

"Art. 4º A entidade federativa voltará a observar somente o disposto no art. 100 da Constituição Federal:

I - no caso de opção pelo sistema previsto no inciso I do § 1º do art. 97 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, quando o valor dos precatórios devidos for inferior ao dos recursos destinados ao seu pagamento"

Então, a regulamentação do CNJ é moralizante, justa, absolutamente razoável e procura salvar a Emenda 62, mas, de outro turno, ressente-se da exata guarida constitucional.


4.A discrepância entre o previsto e o realizado nos orçamentos públicos e o difícil controle do art. 22 da Resolução 115

Tal preceito assim dispõe:

"Art. 22. A entidade devedora que optar pelo regime especial anual promoverá o depósito até dezembro de 2010, correspondente ao total da mora atualizada, dividido pelo número de anos necessários à liquidação, que poderá ser de até 15 anos.

§ 1º O montante de cada parcela não poderá ser inferior ao valor provisionado na lei orçamentária promulgada em 2008, em atenção ao sistema do art. 100 da Constituição Federal.

§ 2º No cálculo do valor das demais parcelas anuais, o Tribunal de Justiça competente, considerará o total do valor em mora remanescente, somando-o ao valor dos precatórios apresentados até 1º julho do ano em curso, dividido pelo número de anos faltantes.

O § 1º já pressupõe acordo local de parcelamento; se assim não fosse, haveria de haver, no orçamento de 2009, provisão para a totalidade do débito judicial.

Ao demais, aquele § 1º briga com o caput; este faculta divisão em 15 vezes do saldo devedor; aquele parágrafo impõe prestação nunca inferior ao fixado no orçamento de 2009.

Frente a uma pendência de R$ 1.500.000,00, o caput sugere o pagamento, por ano, de R$ 100.000,00 (1/15). Já, pra o § 1º e desde que o orçamento 2009 tenha estimado R$ 200.000,00 para aquele débito judicial, eis aqui o piso anual de solvência e, não, os sobreditos R$ 100.000,00.

Prejudica-se, destarte, os que mais dotaram precatórios na lei de meios de 2009.

De outro lado, sabe-se que o orçamento anual é peça de planejamento; distancia-se, no mais das vezes, da efetiva execução; isso, em virtude da falta de cultura orçamentária no setor público e, também, de não ser o orçamento uma lei de execução vinculada, obrigatória; é, pois instrumento discricionário, ressalvado o caso das vinculações constitucionais (despesa na Saúde, Educação, repasse aos demais Poderes estatais).

Enfim, de nada adianta, prever e, mesmo, empenhar, se o pagamento ao credor, de fato, não se realiza.

Não bastasse isso, os requisitórios judiciais, segundo a técnica orçamentária, apõem-se como elemento de despesa; no entanto, a Portaria Interministerial nº 163, de 2001 dispõe que o gasto público, no orçamento, situe-se menos detalhado, até categoria mais elevada de programação: o grupo de natureza de despesa.

Disso decorrente, nos Estados e em muitos Municípios brasileiros, a peça orçamentária não mostra quanto foi fixado para o atendimento de sentenças judiciárias, obstando, via de conseqüência, o controle do § 1º do transcrito dispositivo.

Em outros termos, o elemento de despesa Sentenças Judiciárias confunde-se com os outros 83 elementos contidos no grupo Outras Despesas Correntes, daí ocultado, ao Parlamento e aos controles, a efetiva dotação de Precatórios.


5.A apuração da receita corrente líquida

Base para os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal, a receita corrente líquida (RCL) também baliza o valor a ser depositado, todo mês, na contas especiais do Tribunal de Justiça.

No caso, há de se considerar a RCL do segundo mês anterior ao do pagamento (art. 97, § 2º do ADCT).

Conforme o art. 20 da Resolução 115, a própria entidade federada comunica ao Tribunal de Justiça o tamanho de sua receita corrente líquida.

Temerária essa informação por parte do devedor.

Por medida de cautela, os Tribunais de Contas deveriam noticiar à Justiça a magnitude daquela receita, uma vez que, por força da Lei de Responsabilidade Fiscal, acompanham, por ente jurisdicionado, a evolução mensal do sobredito parâmetro de cálculo (art. 59, § 1º da LRF).

Reforça essa proposta a própria Resolução CNJ 115, que às Cortes de Contas indica o exame de regularidade da contabilização e de outros aspectos do regime especial de pagamento (art. 26).

Todavia, há de se convir que, mesmo entre tais Casas de Contas, há discrepância na aferição da receita corrente líquida; umas excluem as transferências voluntárias; outras inserem diferentemente o montante do Fundo da Educação Básica – FUNDEB.

Bem por isso, o padrão da Secretaria do Tesouro Nacional deveria servir como base para a apuração da receita corrente líquida (www.tesouro.fazenda.gov.br – relatório resumido de execução orçamentária).


6.A Retenção dos Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios.

Até então, debateu-se as polêmicas ensejadas pela Resolução CNJ nº 115, de 2010.

A partir daqui se falará das controvérsias vindas da própria Emenda 62.

É da União a competência para arrecadar o Imposto de Renda (IR) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Desse agregado, 21,5% são entregues aos Estados e Distrito Federal; 22,5% vão para os Municípios. Nesse arranjo comparecem os fundos de participação daqueles entes federados – FPE e FPM (art. 159, I, "a" e "b" da CF).

Pois bem, a nova redação constitucional determina que o governo faltoso, entre outras punições, sofra retenção em sua quota junto ao Fundo de Participação (§ 10, V do art. 97 do ADCT).

De outra parte, assim prescreve a Carta Política, na seção alusiva à repartição de receitas tributárias:

"Art. 160 - É vedada a retenção ou qualquer restrição à entrega e ao emprego de recursos atribuídos, nesta seção, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, neles compreendidos adicionais e acréscimos relativos a impostos".

Parágrafo único – A vedação prevista neste artigo não impede a União e os Estados de condicionarem a entrega de recursos:

I – ao pagamento de seus créditos, inclusive de suas autarquias;

II- ao cumprimento do disposto no art. 198, § 2º, incisos II e III.".

Nesse contexto, não é possível, em regra, limitar o repasse constitucional de impostos, disso excepcionados a quitação de débitos junto ao ente repassador (ex: confissão de dívida junto ao INSS) e a vinculação para a despesa mínima na Saúde.

Essas duas exceções garantem outras despesas públicas, que não as voltadas à satisfação de credores judiciais. Vai daí que a retenção do FPE/FPM está em desacordo com outra norma constitucional. Em suma, aqui a Constituição contraria a si própria.


7.O conflito com a Lei de Responsabilidade Fiscal

Sob a nova redação constitucional, poderá a União assumir precatórios dos Estados, Distrito Federal e Municípios (§ 16 do art. 100).

Enquanto isso, o art. 35 da Lei Complementar nº 101, de 2000, enuncia uma das pilastras de responsabilidade fiscal: a proibição de o Governo Federal encampar dívida de Estados e Municípios, vez que isso, no passado, era uma das grandes causas do desajuste fiscal:

"Art. 35 – É vedada a realização de operação de crédito entre um ente da Federação, diretamente ou por intermédio de fundo, autarquia ou empresa dependente, e outro, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que sob a forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente".

Como se isso não bastasse, é crime de responsabilidade contra o orçamento "ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de crédito com qualquer um dos demais entes da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que na forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente" (art. 3º da Lei de Crimes Fiscais, de 2000, inserido no item 9, art. 10 da Lei nº 1.079, de 1950).

Disso decorrente, a assunção, pelo Governo Federal, da dívida judicial de outros entes estatais é comando que afronta norma basilar da Lei de Responsabilidade Fiscal.


8.O requisitório de baixa monta

Desde que, até 10 de junho de 2010, não tenha Estado ou Município promulgado lei sobre quanto é, localmente, a baixa monta, passa a valer o piso geral, dito no art. 97, § 12 do ADCT (40 salários mínimos para os Estados; 30 salários mínimos para os Municípios).

Conforme a Lei nº. 10.259, de 2001 (art. 17), as pendências de baixo vulto dispensam formalização do precatório, devendo, sob pena de seqüestro, estarem quitadas em 60 (sessenta) dias.

Para todos os efeitos, esse "precatório informal", de pequeno valor, advém de expressa determinação judicial; é gasto sempre empenhado contra o elemento "Sentenças Judiciais", o mesmo que ampara todos os demais precatórios, formais.

Malgrado alguns entenderem que sobredita lei federal não se aplica a Estados e Municípios, os juízes de execução têm-na usado com freqüente habitualidade (vide, por exemplo, Portaria GP nº. 42/2004 do TRT – 2ª. Região e Portaria GP-CR nº. 33/2002 do TRT – 15ª. Região).

Confirma essa dicção a Resolução 122/2010 do Conselho de Justiça Federal: "No caso de créditos de pequeno valor de responsabilidade da Fazenda estadual, da distrital, da municipal e de suas autarquias e fundações, ........., as requisições serão encaminhadas pelo juízo da execução ao próprio devedor, fixando-se o prazo de 60 dias para o respectivo depósito diretamente na vara de origem, respeitados os limites previstos nos incisos II e III deste artigo" (art. 2º, § 2º, grifamos).

Todavia, o Sistema de Gestão de Precatórios do CNJ não se aplica às obrigações de pequeno valor (art. 1º, § 5º da Resolução 115), donde se depreende que os pagamentos de baixa monta serão feitos pelo próprio ente devedor, não onerando os depósitos realizados nas contas especiais do Judiciário.

Em suma, as obrigações de pequeno valor escapam do regime especial da Emenda 62.


9.A contabilização dos depósitos

Entendem alguns que os depósitos nas contas especiais só devem ser empenhados quando o Tribunal de Justiça paga o credor; nesse ínterim, permanece o valor no balanço do ente devedor; como disponibilidade de caixa.

Diferente, pensamos que o ente da Federação deva empenhar, de pronto, contra as dotações de Sentenças Judiciárias, havendo, em seguida, a baixa da dívida, quer em Restos a Pagar, quer no passivo de longo prazo. Depois que a Justiça informa o credor beneficiado, seu nome é afastado do Passivo Compensando e, via de conseqüência, há de haver a correspondente baixa no Ativo Compensado.

Deve ser assim, posto que:

a)Os recursos financeiros já não mais existem no ente estatal.

b)De acordo com o art. 97, § 5º do ADCT, não mais retornam às entidades devedoras os valores depositados nas contas especiais da Justiça.

c)Segundo a norma básica da matéria, o art. 100, § 5º da CF, há de haver, de plano, comprometimento orçamentário antes do efetivo pagamento e, não somente financeiro.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOLEDO JUNIOR, Flavio Corrêa de. Questões polêmicas na aplicação do regime especial dos precatórios judiciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2718, 10 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18009. Acesso em: 25 abr. 2024.