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Proteção à Mata Atlântica: a desapropriação indireta e o Decreto nº 750/93

Proteção à Mata Atlântica: a desapropriação indireta e o Decreto nº 750/93

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Resumo: A Mata Atlântica brasileira, bioma de grande importância ecológica, foi alçada ao patamar de patrimônio nacional pela Constituição de 1988, circunstância que impôs a construção de regras de proteção, dentre as quais destaca-se o Decreto nº. 750/93. Mencionada norma deu azo à propositura de diversas ações judiciais, visando configurar a chamada desapropriação indireta, sendo objeto deste trabalho demonstrar sua inexistência.

Palavras-chave: Mata Atlântica. Desapropriação indireta. Decreto nº 750/93.


I - INTRODUÇÃO

A Mata Atlântica é espécie de bioma da maior importância, sendo considerado um dos maiores celeiros de biodiversidade do mundo [02], razão pela qual a Constituição, ciosa da necessidade de proteger os últimos remanescentes da floresta, erigiu-a à categoria de Patrimônio Nacional (artigo 225, § 4º).

A previsão constitucional, outrossim, não pode corresponder a letra morta, desacompanhada de qualquer normatização que imponha a regulação firme e restritiva da utilização dos recursos naturais presentes na área, tudo com vistas a garantir a sustentabilidade ambiental da região, centro dos mais significativos adensamentos urbanos nacionais.

Nesse sentido, surgiu no ordenamento jurídico o Decreto Federal nº. 750/93, cujo conteúdo, para os fins deste trabalho, dispõe:

Art. 1° Ficam proibidos o corte, a exploração e a supressão de vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica.

Parágrafo único. Excepcionalmente, a supressão da vegetação primária ou em estágio avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica poderá ser autorizada, mediante decisão motivada do órgão estadual competente, com anuência prévia do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), informando-se ao Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), quando necessária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social, mediante aprovação de estudo e relatório de impacto ambiental.

Inconformados com o advento do regramento protetivo, diversos proprietários de terra ajuizaram ações, alegando que a norma acarretou esvaziamento do conteúdo econômico da propriedade, circunstância apta a caracterizar a desapropriação indireta, com a conseqüente transferência do bem ao patrimônio público.

Em que pese revogado o referido decreto pelo surgimento do Decreto nº. 6.660/08, diploma regulamentador da Lei da Mata Atlântica (Lei nº. 11.428/06), permanecem em tramitação diversas demandas sobre o tema, cuja apreciação persiste como tema candente.

É objetivo deste trabalho demonstrar a impropriedade da alegação de desapropriação indireta, haja vista estarmos diante de legítimo instrumento de concretização do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente sadio.


II – DA INEXISTÊNCIA DE DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA

A chamada desapropriação indireta é construção pretoriana criada para dirimir conflitos concretos entre o direito de propriedade e o princípio da função social que esta deve ostentar, nas hipóteses em que a Administração ocupa propriedade privada, sem observância de prévio processo de desapropriação, para implantar obra ou serviço público.

Para que se configure situação que imponha ao Estado a substituição da prestação específica (restituir a coisa vindicada) por prestação alternativa (indenizá-la em dinheiro), com a conseqüente transferência compulsória do bem ao seu domínio, entende o Colendo STJ como necessária a presença dos seguintes requisitos, in verbis:

ADMINISTRATIVO. CRIAÇÃO DO PARQUE ESTADUAL DA SERRA DO MAR (DECRETO ESTADUAL 10.251/77). DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. PRESSUPOSTOS: APOSSAMENTO, AFETAÇÃO À UTILIZAÇÃO PÚBLICA, IRREVERSIBILIDADE.

NÃO-CARACTERIZAÇÃO.

(...)

4. Para que se tenha por caracterizada situação que imponha ao particular a substituição da prestação específica (restituir a coisa vindicada) por prestação alternativa (indenizá-la em dinheiro), com a conseqüente transferência compulsória do domínio ao Estado, é preciso que se verifiquem, cumulativamente, as seguintes circunstâncias: (a) o apossamento do bem pelo Estado, sem prévia observância do devido processo de desapropriação; (b) a afetação do bem, isto é, sua destinação à utilização pública; e (c) a impossibilidade material da outorga da tutela específica ao proprietário, isto é, a irreversibilidade da situação fática resultante do indevido apossamento e da afetação.

5. No caso concreto, não está satisfeito qualquer dos requisitos acima aludidos, porque (a) a mera edição do Decreto 10.251/77 não configura tomada de posse, a qual pressupõe necessariamente a prática de atos materiais; (b) no plano jurídico-normativo, muito pouco foi inovado, com a edição do Decreto, em relação ao direito de propriedade da autora, cujo conteúdo era delimitado por normas constitucionais (arts. 5º, XXII e XXIII, 170 e 225) e pela legislação ordinária (Código Florestal, Lei de Parcelamento do Solo), tendo o citado Decreto apenas declarado de utilidade pública as áreas particulares compreendidas no Parque por ele criado, tornando-as passíveis de ulterior processo expropriatório — o qual, no entanto, no que se refere às terras da autora, jamais veio a se concretizar.

6. Não se pode, salvo em caso de fato consumado e irreversível, compelir o Estado a efetivar a desapropriação, se ele não a quer, pois se trata de ato informado pelos princípios da conveniência e da oportunidade.

7. Fica ressalvado à autora o direito de, em ação própria, pleitear do Estado de São Paulo indenização dos prejuízos reais e efetivos que porventura lhe tenham sido causados pela edição do Decreto 10.251/77, nomeadamente os que poderiam ter decorrido de novas ou indevidas limitações à sua propriedade, diversas ou maiores das que já existiam por força da legislação federal.

8. Recurso especial provido.

(REsp 442774/SP, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/06/2005, DJ 20/06/2005, p. 123)

Dessa forma, é preciso que se verifiquem, cumulativamente, as seguintes circunstâncias:

a) o apossamento do bem pelo Estado, sem prévia observância do devido processo de desapropriação;

b) a afetação do bem, isto é, sua destinação à utilização pública; e

c) a impossibilidade material da outorga da tutela específica ao proprietário, isto é, a irreversibilidade da situação fática resultante do indevido apossamento e da afetação.

A mera edição do Decreto Federal 750/93, contudo, não é capaz de satisfazer qualquer dos requisitos acima aludidos, a começar pela inexistência de esbulho – ato material que implica no desapossamento do bem a partir de iniciativa explícita da Administração.

Ora, é evidente que a simples publicação de um decreto que limite a utilização do bem ambiental, em vegetação primária ou nos estágios médio e avançado de regeneração, por si só, não tem o condão de desapossar ninguém de seu terreno e, sendo assim, não há que se falar em desapropriação indireta, porquanto ela exige o efetivo apossamento do bem pelo ente expropriante, o que se dá necessariamente por meio de ato material, inexistente na hipótese.

Aliás, não se pode, salvo em caso de fato consumado e irreversível, compelir o Estado a efetivar a desapropriação, se ele não a quer, pois se trata de ato informado pelos princípios da conveniência e da oportunidade.

Ademais, a propriedade, como é sabido, não é absoluta, existindo corrente doutrinária que defende que tal direito só existe enquanto respeite sua função social e ambiental.

O estabelecimento de limitação ao uso do bem ambiental, especialmente quando se fala no Bioma Mata Atlântica, tem por escopo concretizar a função sócio-ambiental, conforme o meio ambiente local demanda. Não pode ser visto, portanto, como apossamento, até porque não se trata de um ato irregular e abusivo pelo Poder Público, mas plenamente legal e necessário à proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

O apossamento administrativo é conceituado por José dos Santos Carvalho Filho como "o fato administrativo pelo qual o Poder Público assume a posse definitiva de determinado bem" [03]. A exigência de que haja efetiva ocupação, isto é, imissão na posse por parte do Poder Público é traço tão marcante da desapropriação indireta que alguns doutrinadores chegam a designar o instituto simplesmente como "apossamento administrativo" ou "desapossamento administrativo" (Odete Medauar, Direito Administrativo Moderno, 4ª edição, São Paulo: RT, 2000, p. 425; Lúcia Valle Figueiredo, Curso de Direito Administrativo, 6ª ed., São Paulo: Malheiros, 2003).

A afetação é "o fato ou a manifestação de vontade do poder público em virtude do que a coisa fica incorporada ao uso e gozo da comunidade" (Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, 8ª ed., São Paulo: Atlas, 1997, p. 153) tampouco se apresenta, eis que o bem permanece à disposição do interessado, que deve tão-somente adequar sua utilização às normas.

Finalmente, o apossamento e a afetação devem ser dotados de irreversibilidade, entendida como a impossibilidade de desfazimento da situação de fato criada pela ocupação estatal, sem que comprometa bem jurídico ainda mais relevante que a propriedade particular sacrificada.

Assim, por exemplo, se o Estado constrói estrada sobre terreno de particular, é de se ter por consumado o fato, já que o retorno ao status quo ante implicaria destruição da obra, com evidente comprometimento do interesse coletivo.

Somente a irreversibilidade – aliás, tal como aludida – justifica que se tolere essa forma de desapropriação, cujo início é marcado pela prática de verdadeiro esbulho possessório por parte do Estado. Sendo inviável a reversão à situação anterior, outra alternativa não resta ao Juiz senão a de converter a prestação específica (da garantia plena das faculdades do domínio, nomeadamente esta da restituição da posse), por prestação alternativa de indenização, com a transferência ao Estado do direito de propriedade do bem que se apropriou.

É nesse sentido a doutrina de Mário Roberto Velloso – "[a desapropriação indireta] decorre da inviabilidade de reverter-se uma ocupação praticada pelo Poder Público para fins de utilidade pública ou interesse social" (Desapropriação – Aspectos Civis, São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000, p. 163) – e de José dos Santos Carvalho Filho – "a desapropriação indireta somente se consuma quando o bem se incorpora definitivamente ao patrimônio público" (cit., p. 685).

Aqui, cabe ser destacado que a limitação estabelecida pelo Decreto nº. 750/93 tanto não é irreversível que o novo diploma regulamentador da Mata Atlântica, a Lei nº 11.428, de 22 de dezembro de 2006, prevê a possibilidade de corte da vegetação, dentro das criteriosas hipóteses de seu artigo 14.

Assim, repita-se, não se configura situação de desapropriação indireta, já que não está satisfeito qualquer dos requisitos acima aludidos, sendo, portanto, hipótese de limitação administrativa, caracterizada, segundo a definição de Hely Lopes Meirelles, como "toda imposição geral, gratuita, unilateral e de ordem pública condicionadora do exercício de direitos ou de atividades particulares às exigências do bem-estar social" (Direito Administrativo Brasileiro, 32ª edição, atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho - São Paulo: Malheiros, 2006, pág. 630).

O Egrégio Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de julgar caso análogo, qual seja, a criação do Parque Estadual da Serra do Mar, no Estado de São Paulo, sendo oportuno transcrever:

"ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. PARQUE SERRA DO MAR. INDENIZAÇÃO. INOCORRÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS DA AÇÃO. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZOS. PROPRIEDADE VINCULADA À FUNÇÃO SOCIAL. MATA ATLÂNTICA. PRESERVAÇÃO.

(...)

3. A presente ação não pode ser enquadrada como uma expropriatória indireta, visto que não estão presentes os pressupostos que orientam tal espécie de ação. Inexiste apossamento administrativo por parte do Estado, nem este praticou, com relação à propriedade discutida, qualquer esbulho ou ilícito que causasse prejuízo aos autores. Em nenhum momento os autores provaram haver apossamento, esbulho ou qualquer outro ilícito por parte do Estado ou seus pressupostos com relação à propriedade. O imóvel sempre permaneceu no mesmo estado, ou seja, intocado, quer pelos autores, seus antecessores, ou mesmo pelo poder público, quer por força da legislação federal quer em face da legislação municipal que orienta o uso e ocupação do solo local.

4. Nenhuma indenização é devida, pelo fato de nenhum prejuízo terem sofrido os recorridos. O uso da propriedade está vinculada a sua função social. Esta tornou-se presente com a necessidade de preservar-se, para o bem da humanidade, os recursos naturais da Mata Atlântica. Não exploravam qualquer atividade comercial ou industrial no imóvel, dele não obtendo renda de qualquer limite. Não há de se chancelar indenização no valor de mais de 4,5 milhões de reais, fixada em 1995, acrescido de juros de mora, juros compensatórios, correção monetária e honorários, para cobrir alegadas limitações administrativas em 112 ha. de terra sem qualquer exploração econômica.

5. Recurso provido.

(STJ, REsp 468405, dj 19.12.2003, p. 238, Min. José Delgado)

O mesmo entendimento é perfilhado pelos membros da Corte Suprema (RE nº. 134.297, Rel. Min. Celso de Melo), esclarecendo que a proteção jurídica dispensada às coberturas vegetais que revestem as propriedades imobiliárias não impede que o dominus venha a promover, dentro dos limites autorizados pela legislação ambiental, o adequado e racional aproveitamento econômico das árvores nelas existentes.

Assim, o preceito editado em observância ao art. 225, § 4º, da Carta da República, além de não haver convertido em bens públicos os imóveis particulares abrangidos pela Mata Atlântica, também não impede a utilização, pelos próprios particulares, dos recursos naturais existentes naquelas áreas que estejam sujeitas ao domínio privado, desde que observadas as prescrições legais e respeitadas as condições necessárias à preservação ambiental.

Impossível, pois, falar-se em desapropriação indireta.

Por fim, deve ser destacado que, caso se entendesse no sentido oposto, considerando que as limitações administrativas referentes à Mata Atlântica correspondem a hipóteses de desapropriação indireta, caberia ao Poder Público indenizar todas as propriedades existentes neste Bioma, cujas dimensões originalmente cobriam desde o Rio Grande do Sul até o Rio Grande do Norte.

Ao mesmo tempo, entender que o Poder Público não pode estabelecer medidas de proteção a um bioma tão ameaçado é ferir de morte o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente sadio, cuja Administração tem o dever de proteger (art. 225 da Constituição).

Corroborando a tese acima esposada, vem o Colendo STJ entendendo pela configuração do Decreto Federal nº 750/93 como mera limitação administrativa. Nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. MATA ATLÂNTICA. AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. NÃO CONFIGURAÇÃO. DECRETO Nº 750/93. LIMITAÇÕES ADMINISTRATIVAS. PRAZO PRESCRICIONAL. 1. Posto tratar-se de simples limitação administrativa, incidem as disposições incertas no art. 1º do Decreto 20.910/32, que dispõe: todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, seja qual for a sua natureza, prescreve em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem. 2. A restrição ao uso da propriedade, no caso sub judice, foi imposta pelo Decreto nº 750, de 1993, de efeitos concretos, publicado em 11.2.1993 e a ação foi proposta em 10.2.2003, revelando-se a consumação da prescrição. 3. Recurso especial não provido.

(RESP 200901346195, MAURO CAMPBELL MARQUES, STJ - SEGUNDA TURMA, 05/11/2010)

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. NÃO CONFIGURAÇÃO. DECRETO Nº 750/93.

LIMITAÇÕES ADMINISTRATIVAS. PRAZO PRESCRICIONAL.

1. As limitações administrativas impostas ao uso da propriedade, à luz da jurisprudência, correspondiam à desapropriação indireta, por isso que, conseqüentemente, aplicava-se, antes do novo Código Civil, o prazo de 20 (vinte) anos para a prescrição da ação indenizatória, posto considerada demanda de natureza real (Súmula 119/STJ).

Precedente: Resp 1016925, Primeira Turma, DJe 24/04/2008.

2. A natureza real da ação é conjurada, posto inexistente o desapossamento, et pour cause, a ação através da qual se pretende indenização pela limitação do uso da propriedade ostenta natureza pessoal.

3. In casu, posto tratar-se de simples limitação administrativa, incidem as disposições incertas no art. 1º do Decreto 20.910/32, que dispõe: todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, seja qual for a sua natureza, prescreve em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.

(...)

(REsp 1015497/SC, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09/02/2010, DJe 02/03/2010)

Estabelecido o Decreto nº 750/93 configura hipótese de limitação administrativa, resta evidente que eventual indenização não pode ser caracterizada como ação real, sujeita ao prazo prescricional mais dilatado, mas sim hipótese de aplicação do prazo quinquenal previsto no Decreto nº. 20.910/32 e Decreto-Lei nº. 3.365/41.

Em outras palavras, na medida em que inexiste discussão quanto a transferência da propriedade particular ao Estado – resultado último da ação de desapropriação, seja ela direta ou indireta –, mas sim o ressarcimento do particular pela diminuição do direito de usufruir sua propriedade, incabível a aplicação do prazo prescricional das ações reais.

O STF já teve a oportunidade de se manifestar sobre a questão, ao avaliar o disposto artigo 10 do Decreto-Lei nº. 3.365/41, com a inovação trazida pela MP nº. 1.774-22/99, que assim dispunha:

Art. 10. (...)

Parágrafo único. Extingue-se em cinco anos o direito de propor ação de indenização por apossamento administrativo ou desapropriação indireta, bem como ação que vise a indenização por restrições decorrentes de atos do Poder Público.'"

In casu, a Corte Suprema deferiu, em parte, a medida cautelar para suspender a eficácia da expressão "ação de indenização por apossamento administrativo ou desapropriação indireta, bem como", por entender que a denominada ação de desapropriação indireta tem caráter real, e não pessoal, deixando consignado, por outro lado, no voto do eminente Ministro Moreira Alves (Relator), a seguinte assertiva:

"Já com referência à parte final do dispositivo impugnado no que tange à 'ação que vise a indenização por restrições decorrentes de atos do Poder Público', não tenho como configurada a plausibilidade jurídica de sua argüição de inconstitucionalidade.

Com efeito, quanto a essas restrições, como as de defesa ambiental, as administrativas e as servidões públicas, que ensejem indenização, não se caracterizam elas como casos de desapropriação, não se podendo, portanto, com relação a elas, pretender que o dispositivo atacado viole o disposto nos incisos XXII e XXIV do artigo 5º da Constituição. Nesses casos, não há perda da propriedade, e por isso não se indeniza o proprietário por essa perda, como ocorre na desapropriação, mas só haverá indenização se a restrição (inclusive decorrente da servidão pública) causar prejuízo ao que a sofre, não havendo, pois, o dever de indenizar se não ocorrer prejuízo. Isso implica dizer que, nesses casos, havendo prejuízo, a ação de indenização é pessoal, sujeita, portanto, a prazo de prescrição (prescrição extintiva)."

Respeitando o entendimento do STF, o citado dispositivo legal foi alterado, prevendo hoje o parágrafo único do art. 10 a seguinte assertiva: "Extingue-se em cinco anos o direito de propor ação que vise a indenização por restrições decorrentes de atos do Poder Público".

In casu, em sendo a limitação administrativa decorrente da edição do Decreto nº. 750/93, impõe-se a aplicação do prazo qüinqüenal para a propositura da ação judicial, conforme entendimento pacífico do Colendo STJ, sendo exemplo o Acórdão abaixo colacionado:

ADMINISTRATIVO - LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA OU DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA - PROIBIÇÃO DO CORTE, DA EXPLORAÇÃO E DA SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO PRIMÁRIA OU NOS ESTÁGIOS AVANÇADO E MÉDIO DE REGENERAÇÃO DA MATA ATLÂNTICA – DECRETO ESTADUAL 750/93. 1. A jurisprudência do STJ é unânime, sem divergências, de que as limitações administrativas á propriedade geral obrigação de não fazer ao proprietário, podendo ensejar direito à indenização, o que não se confunde com a desapropriação. 2. A desapropriação indireta exige, para a sua configuração, o desapossamento da propriedade, de forma direta pela perda da posse ou de forma indireta pelo esvaziamento econômico da propriedade. 3. A proibição do corte, da exploração e da supressão de vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração da mata atlântica (Decreto 750/93) não significa esvaziar-se o conteúdo econômico. 4. Discussão quanto aos institutos que se mostra imprescindível quando se discute o prazo prescricional. 5. Na limitação administrativa a prescrição da pretensão indenizatória segue o disposto no art. 1° do Dec. 20.910/32, enquanto a desapropriação indireta tem o prazo prescricional de vinte anos. 6. Embargos de divergência não providos. (EREsp 901319/SC, Rel. Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/06/2009, DJe 03/08/2009) 


III - CONCLUSÃO

Os elementos acima expostos são suficientes para que se afaste qualquer tese no sentido da configuração da desapropriação indireta pelo advento do Decreto nº. 750/93, entendimento este que conta com a pacífica adesão do Colendo STJ.

Ademais, como conseqüência do afastamento da desapropriação indireta, destaca-se que a maior parte das pretensões à indenização encontram-se prescritas, não havendo mais o que pleitear do Poder Público.

Dessa forma, garante-se a higidez da norma, evitando-se dispêndio incalculável de recursos público, amparando-se o objetivo maior de proteção à Mata Atlântica, expressão da natureza de grande relevância, ligada umbilicalmente à formação histórica do Brasil.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 26 set. 2010.

BRASIL. Decreto nº. 750, de 10 de fevereiro de 1993. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D750.htm>. Acesso em: 27 de nov. 2010.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 6. ed. São Paulo: RT, 2009.

VELLOSO, Mário Roberto. Desapropriação – Aspectos Civis. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000.


Notas

  1. Bernardo Monteiro Ferraz. Bacharel em Direito. Procurador Federal. Subprocurador Chefe Nacional do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio.
  2. MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 6. ed. São Paulo: RT, 2009, pg. 721.
  3. Manual de Direito Administrativo, 10ª ed., Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003, p. 691.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERRAZ, Bernardo Monteiro. Proteção à Mata Atlântica: a desapropriação indireta e o Decreto nº 750/93. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2745, 6 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18196. Acesso em: 18 abr. 2024.