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Arbitragem no Direito do Trabalho: limites e perspectivas

Arbitragem no Direito do Trabalho: limites e perspectivas

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Para o uso da arbitragem nos conflitos individuais, exige-se uma regulamentação legislativa que respeite os princípios fundamentais do Direito do Trabalho e associe a solução arbitral à autonomia privada coletiva.

"1. Todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.

2. Todo homem, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.

3. Todo homem que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.

4. Todo homem tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses."

(Declaração Universal dos Direitos do Homem, Artigo XXIII)


RESUMO

A arbitragem, enquanto mecanismo extrajudicial de resolução de controvérsias, situa-se dentro de um movimento amplo em defesa do acesso à justiça, que objetiva, em última análise, ajudar o Estado na difícil tarefa de pacificar os conflitos sociais. A arbitragem voluntária é uma forma amplamente democrática de solução dos conflitos coletivos de trabalho, tendo sido recomendada pela Organização Internacional do Trabalho e prevista em nossa Carta Constitucional. A edição da Lei n. 9.307/96, que sistematizou e deu uma roupagem mais moderna ao processo arbitral, proporcionou uma releitura ou redescoberta do instituto, havendo, entretanto, fundado receio por parte da doutrina de que sua aplicação nos conflitos individuais venha a desvirtuar os princípios que protegem o trabalhador. O presente trabalho oferece uma sugestão para viabilizar a utilização da arbitragem nos conflitos individuais, ressaltando a importância de uma regulamentação legislativa que respeite os princípios fundamentais do Direito do Trabalho e associe a solução arbitral à autonomia privada coletiva. Há boas perspectivas se o legislador promover a adequação da legislação trabalhista ao sistema democrático instituído pela Constituição Federal de 1988, sendo o primeiro passo uma ampla reforma sindical que possibilite o fortalecimento e a efetiva representatividade das entidades sindicais.


INTRODUÇÃO

O instituto da arbitragem, embora antiqüíssimo na história dos povos, nunca teve espaço para sua plena utilização no Brasil. Razões de ordem histórica e cultural justificam a impopularidade do instituto, na maior parte das vezes voltado para questões comerciais e internacionais. A edição da Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996, proporcionou uma releitura ou redescoberta da solução arbitral, mas o sentido de sua aplicação deve ser buscado dentro do movimento amplo em defesa do acesso efetivo à justiça.

O Direito das relações de trabalho, por outro lado, é hoje um dos ramos jurídicos de maior importância na Ciência do Direito, não apenas em função da peculiaridade de seus princípios e características, mas fundamentalmente em virtude dos contornos políticos e econômicos que vem adquirindo nas últimas décadas. Com efeito, a complexidade das relações humanas exige continuamente uma maior racionalidade e eficiência do ordenamento e do sistema de solução dos conflitos laborais, despertando uma controvertida discussão sobre o escopo do princípio protetivo na relação de emprego.

Calcadas em uma experiência histórica de resistência e luta por condições dignas de trabalho, as normas trabalhistas têm como espinha dorsal uma diferenciação jurídica que tenta fazer valer, em última análise, o princípio da igualdade. Sabemos que a construção da isonomia passa em grande parte das vezes pelo tratamento desigual de pessoas desiguais, na medida de sua desigualdade. O princípio jurídico da proteção, situado dentro do direito laboral, revela-se, sob certo sentido, como a projeção do princípio da igualdade no plano das relações de trabalho.

O presente trabalho se propõe a verificar a adequação e a aplicabilidade da arbitragem enquanto instrumento destinado a pacificar os conflitos laborais. Busca-se, em última análise, questionar a viabilidade prática e jurídica de se adotar a solução arbitral no âmbito das relações entre capital e trabalho. Para isso, dedicaremos inicialmente espaços singularizados às características da arbitragem e do Direito do Trabalho, para, ao final, fazer a junção das duas partes integrantes do tema ora em análise.

Nesse sentido, o primeiro capítulo abordará a crise do processo e o acesso à justiça, apresentando a importância dos métodos extrajudiciais de solução de conflitos e sua estreita ligação com a efetividade da pacificação social. Demonstrar-se-á, ainda, que o instituto da arbitragem também está incluído dentro desse amplo movimento em defesa do acesso pleno e efetivo à prestação jurisdicional.

O segundo capítulo tratará dos aspectos estruturais da arbitragem, contemplando, dentre outros pontos, seu conceito, história, características, espécies e sua disciplina normativa. Reservar-se-á um espaço considerável desta exposição às referências legislativas presentes na legislação trabalhista.

O capítulo seguinte delineará as origens e a estrutura da Justiça do Trabalho, examinando os motivos que levaram à adoção de um modelo corporativista no Brasil. Evidenciar-se-á que a Constituição Federal de 1988 deu um grande passo para a ruptura desse modelo, tendo estimulado o desenvolvimento do Direito Coletivo do Trabalho, apesar de ainda conter resquícios intervencionistas que elidem o fortalecimento dos entes sindicais.

O quarto capítulo constituirá o marco teórico do trabalho, na medida em que objetiva, a partir da análise dos princípios que regem o Direito Individual e o Direito Coletivo do Trabalho, trilhar o caminho por onde a arbitragem deve adentrar nas relações laborais. Utilizar-se-á, para isso, a visão de Maurício Godinho Delgado, que distingue claramente os princípios desses dois segmentos que compõe o ramo jurídico trabalhista.

O quinto capítulo discorrerá sobre a arbitragem nos conflitos coletivos de trabalho, contemplando a orientação da Organização Internacional do Trabalho e o alcance da norma constitucional contida no artigo 114, § 1º. Discutir-se-á a harmonia da Lei n. 9.307/96 com os princípios que regem o Direito Coletivo do Trabalho.

O penúltimo capítulo enfrentará a espinhosa discussão sobre a aplicabilidade da Lei n. 9.307/96 nos conflitos individuais do trabalho, trazendo os posicionamentos doutrinários sobre a matéria. Demonstrar-se-á o importante papel que os princípios trabalhistas devem ter na análise do parâmetro de arbitrabilidade contido no artigo 1º da Lei de Arbitragem.

O último capítulo tratará das vantagens que a arbitragem pode conferir na solução do conflito trabalhista, discutindo os pontos positivos e negativos de sua adoção. Encerrar-se-á com uma reflexão sobre os limites e as perspectivas do instituto nas relações trabalhistas, evidenciando sua estreita ligação com a política legislativa que norteará o desenvolvimento do Direito Coletivo do Trabalho. Sugerir-se-á qual é o melhor caminho para a efetiva adoção desse importante mecanismo de pacificação social.


1.A CRISE DO PROCESSO E O ACESSO À JUSTIÇA

O instituto processual depara-se atualmente com três principais questionamentos ou campos de discussão, intimamente ligados ao seu próprio sentido de existência, quais sejam: o pleno acesso a uma ordem jurídica justa, a efetividade do processo e a pacificação dos conflitos. Tais questionamentos nascem, fundamentalmente, da crise vivida pelo paradigma processual dominante, calcado na pureza técnica e no formalismo excessivo, que não responde mais aos anseios e às novas demandas surgidas no seio da sociedade contemporânea.

O conceito teórico de acesso à justiça mudou significativamente ao longo dos últimos séculos. Com efeito, nos estados liberais burgueses dos séculos dezoito e dezenove, os procedimentos adotados para a solução dos litígios civis refletiam a filosofia essencialmente individualista dos direitos. (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 9) Prevalecia a idéia de que o acesso à justiça, embora visto como um direito natural do indivíduo, não necessitava de uma ação do Estado para a sua proteção.

Isto significa dizer que o sistema laissez-faire determinava uma postura passiva do Estado. Sua única função seria a de zelar para que o direito natural de acesso à justiça de um indivíduo não fosse infringido por outro semelhante. Se porventura uma pessoa, por qualquer motivo, não tivesse condições de arcar com os custos da prestação jurisdicional, era simplesmente considerada a única responsável pela sua incompetência ou incapacidade. A filosofia liberal revelava, em síntese, uma preocupação com o acesso formal à Justiça, mas não com o acesso efetivo à Justiça. Resumia-se, nesse aspecto, ao direito formal do indivíduo de propor ou contestar uma ação. Correspondia, em linhas gerais, à idéia de igualdade predominante na época, dentro de uma perspectiva exclusivamente individualista e burguesa.

A evolução do significado de direitos humanos ao longo dos dois últimos séculos mudou radicalmente o enfoque do acesso à justiça. A visão individualista foi superada paulatinamente por uma preocupação constante com a efetividade dos direitos, tendo como marco inicial as reformas providas pelo welfare state. A atuação positiva do Estado passou a ser vista como necessária para assegurar o gozo de todos os direitos sociais básicos, dentre eles o de ter acesso efetivo à Justiça.

A mudança fundamental consistiu na percepção de que a titularidade de direitos é destituída de sentido na ausência de mecanismos para a sua efetiva reivindicação. O acesso à justiça passou a ser encarado como o requisito fundamental, o mais básico dos direitos humanos, de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos. (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 12) O sistema jurídico, nessa concepção, tem como finalidades ser igualmente acessível a todos e produzir resultados que sejam individual e socialmente justos. (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 8)

Por outro lado, discute-se na sociedade contemporânea, especialmente a partir da consagração do Estado Democrático de Direito, de que forma os direitos e garantias fundamentais da pessoa humana podem ser concretizados. Essa discussão, como não poderia deixar de ser, tem como um de seus escopos principais a reforma do ordenamento processual, buscando-se instrumentos que proporcionem a realização plena do direito material, sob uma perspectiva de valorização do caráter instrumental do processo. Persegue-se, em essência, o que se convencionou chamar de efetividade do processo, em detrimento de um sistema extremamente rígido e técnico.

Outro fenômeno de grande importância no contexto de evolução do instituto processual foi o fortalecimento das atribuições do Estado na pacificação dos conflitos. Como bem observa Ada Pelegrini Grinover,

O objetivo-síntese do Estado contemporâneo é o bem-comum e, quando se passa ao estudo da jurisdição, é licito dizer que a projeção particularizada do bem comum nessa área é a pacificação com justiça. O extraordinário fortalecimento do Estado, ao qual se aliou a consciência da sua essencial função pacificadora, conduziu, a partir da já mencionada evolução do direito romano e ao longo dos séculos, à afirmação da quase absoluta exclusividade estatal no exercício dela. (GRINOVER et al., 1993, p. 25)

A afirmação continuada do monopólio estatal da jurisdição, ocorrida com grande vigor nos países com sistemas jurídicos originários da escola romano-germânica, teve como conseqüência lógica o enfraquecimento do instituto da jurisdição privada. As formas de autocomposição dos conflitos também não mereceram estímulo para o seu desenvolvimento. Observou-se que o fortalecimento do Estado na sua função de pacificador dos conflitos acabou por praticamente excluir o cidadão, desacompanhado do auxílio de instrumentos estatais, do processo de resolução de suas próprias controvérsias. (GRINOVER et al. apud AZEVEDO, 2001, p. 14)

A exclusividade estatal na pacificação dos conflitos vem sofrendo, entretanto, questionamentos de ordem teórica e prática muito contundentes. Nos dizeres de Ada Pelegrini Grinover,

Vai ganhando corpo a consciência de que, se o que importa é pacificar, torna-se irrelevante que a pacificação venha por obra do Estado ou por outros meios, desde que eficientes. Por outro lado, cresce também a percepção de que o Estado tem falhado muito na sua missão pacificadora, que ele tenta realizar mediante o exercício da jurisdição e através das formas do processo civil, penal ou trabalhista. (GRINOVER et al., 1993, p. 26)

A crise das instituições públicas no Estado contemporâneo é um fenômeno que envolve múltiplos fatores. Dentre eles, sem dúvida, dificuldades de natureza fiscal e burocrática, herdadas do espírito de providência do Estado Social. No âmbito do Poder Judiciário, contribuem fundamentalmente para esse estado de coisas questões amplamente conhecidas pelos operadores do Direito, como: a) o tempo de duração dos litígios; b) o número elevado de feitos em tramitação; c) a falta de estrutura dos tribunais; d) o número insuficiente de juízes e funcionários; e) os custos do processo e da máquina judiciária; f) os problemas econômicos e sociais da sociedade brasileira.

Não há dúvidas realmente de que os reflexos da demora no deslinde dos feitos são extremamente negativos e perversos. Aumentam-se os custos para ambas as partes, especialmente para a parte economicamente mais fraca, que se vê obrigada a abandonar a causa ou a aceitar acordos por valores muito inferiores àqueles a que teria direito. Por outro lado, observa-se que a parte que tem possibilidade de suportar a delonga do litígio por mais tempo leva incontrastável vantagem, podendo apresentar seus argumentos de forma mais eficiente do que a outra. É cediço o fato de que a Justiça não cumpre suas funções dentro de um prazo razoável.

A demora na solução dos litígios tem infelizmente causado o enfraquecimento do sistema jurídico, ou melhor, da instituição jurídica de uma maneira mais ampla. O fator tempo é inimigo crucial da função pacificadora do Estado, comprometendo a efetividade do processo e gerando a descrença das pessoas na instituição. A permanência de situações indefinidas constitui fator de angústia e infelicidade pessoal para os jurisdicionados. Além disso, compromete a própria subsistência das pessoas que dependem de verbas de natureza alimentar, como ocorre, por exemplo, em relação àquelas provenientes de direitos trabalhistas.

No âmbito dos conflitos de trabalho, inclusive, a morosidade é uma questão gravíssima. Destacam-se, nesse sentido, as palavras do emérito Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Carlos Alberto Reis de Paula:

Como já salientado, a morosidade há de ser vista, em última análise, não apenas como uma manifestação de ineficiência do aparelho jurisdicional incumbido de encontrar a solução para os conflitos, mas um sinal da inacessibilidade da justiça. Para o empregado, que normalmente se encontra na completa dependência do fruto de seu trabalho, a demora na entrega da prestação jurisdicional tem ressonâncias graves, exatamente por ter menor capacidade de resistência. Aliás, essa realidade é que leva, com freqüência, os empregados a aceitarem um acordo em que ‘abrem mão’ de parte significativa de seus direitos, na fase de conciliação, pois que não teriam condições de esperar o longo trâmite do processo trabalhista. (VIANA, 1997, p. 19)

Por outro lado, percebe-se que o custo da máquina judiciária é altíssimo, constituindo um grande ônus para a sociedade, especialmente em países como o Brasil, onde há uma necessidade preeminente de se investir em políticas públicas voltadas para o desenvolvimento econômico e a inclusão social. Isso faz com que o Poder Judiciário seja reiteradamente alvo de severas críticas da opinião pública.

Nesse contexto de crise do processo e das instituições jurídicas, vislumbram-se algumas das reformas mencionadas por Mauro Cappelletti e Bryant Garth, incluídas no que chamam de terceira onda de acesso à justiça, que contemplam, dentre outras: a) alterações nas formas de procedimento; b) mudanças na estrutura dos tribunais ou a criação de novos tribunais; c) o uso de pessoas leigas ou paraprofissionais, tanto como juízes quanto como defensores; d) modificações no direito substantivo destinadas a evitar litígios ou facilitar sua solução; e) a utilização de mecanismos privados ou informais de solução dos litígios. (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 71)

Percebe-se, realmente, a necessidade de criação e implementação de mecanismos judiciais e extrajudiciais, alternativos, de composição de litígios e pacificação social, que possam atender aos anseios da sociedade com maior rapidez e eficácia. (MORGADO, 1998, p. 43) Joel Dias Figueira Júnior, a esse respeito, assevera:

Os métodos alternativos de solução de conflitos são melhor compreendidos quando enquadrados no movimento universal de acesso à justiça, à medida que aparecem como novos caminhos a serem trilhados facultativamente pelos jurisdicionados que necessitam resolver seus litígios, de forma diferenciada dos moldes tradicionais da prestação de tutela oferecida pelo Estado-Juiz. (FIGUEIRA JÚNIOR, 1999, p. 114)

Dessa forma, pode-se dizer que a arbitragem, assim como os outros mecanismos extrajudiciais de resolução de controvérsias, situa-se dentro de um movimento amplo em defesa do acesso à justiça. Tais mecanismos apresentam-se como alternativas à Jurisdição Estatal, sob o signo da celeridade, economia, objetividade, flexibilidade, informalidade, discrição e preservação de relacionamentos. Consubstanciam-se como formas mais eficientes de solução de conflitos do que o processo judicial, na medida em que podem ser adequados com maior facilidade à natureza do litígio. Nesse universo, a arbitragem se destaca por ser a única forma extrajudicial de solução de conflitos dotada de força vinculante, constituindo, assim, o caminho alternativo à Jurisdição Estatal no caso de fracasso das formas autocompositivas.

Cumpre frisar, entretanto, que os métodos alternativos de solução de controvérsias buscam, em essência, ajudar o Estado na sua missão constitucional de pacificação de conflitos, e não substituí-lo, como costumam pregar algumas pessoas mais desavisadas. Joel Dias Figueira Júnior, nesse sentido, destaca:

Assim como não existe no processo civil comum procedimento melhor ou pior, mas sim tutelas diferenciadas mais ou menos adequadas aos respectivos ritos diversificados, escolhidos pelo autor de acordo com o sistema posto no ordenamento jurídico positivado, não há que falar também de maneira absoluta em melhor ou pior forma de prestação da tutela jurisdicional para a solução dos nossos inúmeros conflitos qualificados por pretensões resistidas, isto é, se estatal ou paraestatal. (FIGUEIRA JÚNIOR, 1999, p. 102)

A pedra de toque dessa questão reside, portanto, em saber objetivamente qual a ferramenta mais adequada para a solução do litígio. Essa opção deve ser feita a partir da análise da natureza do litígio e da qualidade e interesse das partes envolvidas. O enfoque da discussão deve ser sempre a efetividade da pacificação social, e não a prevalência de uma opção sobre a outra.


2.O INSTITUTO DA ARBITRAGEM E SUA DISCIPLINA NORMATIVA

A arbitragem é o mais tradicional e conhecido método privado de resolução de conflitos. Admite diversas variações e classificações, de acordo com o critério adotado. Sérgio Pinto Martins a conceitua como "uma forma de solução de um conflito, feita por um terceiro estranho à relação das partes, que é escolhido por estas, impondo uma solução ao litígio". (MARTINS, 2002, p. 85) O consagrado mestre Alfredo Ruprecht, a seu turno, a define como "um meio de solução dos conflitos coletivos de trabalho pelo qual as partes – voluntária ou obrigatoriamente – levam suas dificuldades ante um terceiro, obrigando-se a cumprir o laudo que o árbitro ditar". (RUPRECHT, 1995a, p. 941) Já Guido Soares a considera "um instituto misto, a um só tempo, jurisdição e contrato, sendo um procedimento estipulado pelas partes, com rito por elas determinado, ou, na falta, suprido pela lei processual da sede do tribunal arbitral, fundando-se no acordo de vontade das partes que procuram obter a solução de um litígio ou de uma controvérsia". (SOARES apud FRANCO FILHO, 1990, p. 31) Carlos Alberto Carmona a define nos seguintes termos:

Meio alternativo de solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nela, sem intervenção estatal, sendo a decisão destinada a assumir a mesma eficácia da sentença judicial – é colocada à disposição de quem quer que seja para solução de conflitos relativos a direitos patrimoniais acerca dos quais os litigantes possam dispor. (CARMONA, 1998, p. 43)

O instituto da arbitragem é muito anterior à jurisdição estatal, figurando como a primeira forma heterônoma de solução de conflito entre os homens. Diz-se, inclusive, que os primeiros juízes da história nada mais foram do que árbitros. (MORGADO, 1998, p. 24) Há registros da arbitragem na Babilônia, de três mil anos antes de Cristo, na Grécia Antiga e em Roma.

Com efeito, assinala o catedrático professor José Carlos Moreira Alves que a evolução da forma de solução dos conflitos ocorreu em quatro etapas ao longo dos tempos: a primeira, na qual a resolução das questões era feita pela força individual ou do grupo (autotutela), na sistemática da vingança privada, sendo que os costumes foram estabelecendo paulatinamente as regras distintivas da violência legítima e ilegítima; a segunda, por meio da arbitragem facultativa, segundo a qual a parte ofendida abria mão de usar a força e acordava com a parte ofensora o recebimento de uma indenização ou a designação de um árbitro para fixá-la; a terceira, através da arbitragem obrigatória determinada pelo Estado, caso os litigantes não indicassem árbitro de sua escolha para solucionar a controvérsia, sendo que a execução da sentença passou a ser garantida pelo próprio Estado; e a quarta, pela Justiça Pública, exercida pelo Estado, com a execução forçada da sentença, se necessário. Nesta última fase, a possibilidade de as partes instituírem um árbitro não foi excluída, mas apenas deixou de ser regra para transformar-se em exceção. (ALVES apud FIGUEIRA JÚNIOR, 1999, p. 25)

A doutrina dominante considera a arbitragem uma forma heterocompositiva de solução de conflitos, pois a decisão arbitral é proferida por um terceiro e é obrigatória. Nos mecanismos autocompositivos, ao contrário, as próprias partes se encarregam de resolver a controvérsia, sem a presença de um terceiro. Há divergências, porém, sobre onde a mediação deve ser situada, face à presença de um terceiro no processo, mas que não tem poder decisório. Há, ainda, posições doutrinárias que defendem a proximidade da arbitragem dos mecanismos autocompositivos, uma vez que, em sua forma facultativa ou voluntária, a seguir abordada, ela somente se instaura em razão de acordo dos interessados. Filiamo-nos às correntes que incluem a arbitragem e a mediação como métodos heterocompositivos, tomando-se por base que a preponderância é a presença de um terceiro para ajudar a solucionar o conflito, sendo este também o posicionamento da maior parte dos juslaboralistas, como Amauri Mascaro Nascimento (1998, p. 13) e Sérgio Pinto Martins (2003, p. 740).

A classificação principal, entretanto, é aquela que divide a arbitragem em duas modalidades, quais sejam: facultativa ou voluntária e obrigatória ou compulsória. Na primeira, as partes possuem total liberdade de optar pela via arbitral apenas quando lhes for conveniente. Isto não significa dizer que o cumprimento da decisão proferida é facultativo. Apenas a motivação das partes na escolha da via arbitral que é voluntária. É considerada por muitos autores como a única forma realmente autêntica e verdadeira de arbitragem. Na segunda modalidade, a arbitragem obrigatória, o Estado impõe às partes sua utilização. Esta é encontrada em um número razoável de países, contemplando, em essência, os conflitos que interferem nos serviços essenciais à comunidade. Pode-se dizer que a arbitragem obrigatória guarda alguma similitude com a solução jurisdicional, face à compulsoriedade da sistemática de resolução do conflito. O Brasil adota exclusivamente a forma voluntária ou facultativa de arbitragem.

Há variações significativas na maneira como o instituto da arbitragem é aplicado, gerando distinções usualmente chamadas de espécies de arbitragem. As principais são: a) arbitragem delimitada; b) arbitragem de oferta final; c) arbitragem por pacote; d) a arbitragem de incentivo; e) a arbitragem por eqüidade; f) a mediação/arbitragem. [01]

A arbitragem delimitada é aquela segundo a qual as partes convencionam previamente que o árbitro deve decidir dentro de limites mínimos e máximos negociados pelas partes. A arbitragem de oferta final, a seu turno, se caracteriza pelo fato de o árbitro ficar limitado a escolher ou a oferta de uma parte ou a oferta da outra parte, tal como foram apresentadas. A arbitragem por pacote, por sua vez, ocorre quando o árbitro se restringe a escolher o pacote total de ofertas de uma parte ou de outra sobre todos os itens da negociação, não havendo, assim como ocorre na arbitragem de oferta final, meio-termo nas pretensões das partes. Já a arbitragem de incentivo é aquela na qual se estabelece uma cláusula prevendo uma dedução ou desconto na obrigação caso a parte sucumbente cumpra a decisão arbitral dentro de certo prazo. A arbitragem de eqüidade, de grande importância no ordenamento jurídico brasileiro, consiste fundamentalmente na possibilidade de o árbitro, consentindo previamente as partes, fundamentar suas decisões não necessariamente no direito a elas aplicável, mas no conceito de justiça no caso concreto que ele, árbitro, venha a ter. Por fim, existe a mediação/arbitragem, consistente em um processo híbrido no qual a mesma pessoa atua como mediador e, se necessário, árbitro. Nos Estados Unidos, a mediação/arbitragem é muito utilizada em disputas trabalhistas, principalmente nos setores públicos essenciais, quando, não havendo acordo, a arbitragem pode se tornar obrigatória.

A presença da arbitragem na legislação brasileira é admitida, curiosamente, desde a época da colonização. Foi prevista nas Ordenações Filipinas, que regeram o Brasil nos seus primeiros anos de independência, na Constituição de 1824, no Código Comercial de 1850, no Regulamento 737 de 1850, no Decreto 3.900 de 1867, no Código Civil de 1916, no Código de Processo Civil de 1939 e no Código de Processo Civil de 1973. Seu caráter teve, essencialmente, ao longo de todo esse tempo, cunho civil e comercial, não tendo ganhado importância e aceitação na sociedade brasileira.

O grande salto de qualidade da arbitragem no Brasil foi o advento da Lei n.º 9.307, de 23 de setembro de 1996, que dispôs exclusivamente sobre o instituto, tendo revogado os artigos 1.037 a 1.048, do Código Civil, e 1.072 a 1.102, do Código de Processo Civil, que até então disciplinavam a matéria. Carlos Alberto Carmona, um dos redatores da nova Lei de Arbitragem, esclarece que os dois grandes obstáculos que a legislação brasileira criava para a utilização da arbitragem antes da Lei nº 9.307/96 eram o não reconhecimento da cláusula compromissória e a exigência de homologação do laudo arbitral. (CARMONA, 1998, p. 17) De fato, a Lei nº 9.307/96 deu uma roupagem mais moderna à arbitragem, inspirada nas legislações mais modernas do mundo que tratam do tema. Proporcionou, ainda, uma releitura da solução arbitral, que por tanto tempo teve seu estudo deixado em segundo plano pela doutrina. Passou a ser o principal veículo legislativo de que se pode valer o cidadão brasileiro para ter acesso à jurisdição privada.

Faz-se mister apresentar, para uma melhor compreensão das inovações trazidas por esse importante diploma legal, a síntese de seus principais elementos, nos moldes expostos por Ada Pellegrini Grinover, a saber:

a) convenção de arbitragem (compromisso entre as partes ou cláusula compromissória inserida em contrato, art. 3º);

b) limitação aos litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis (art. 1º);

c) restrições à eficácia da cláusula compromissória inserida em contratos de adesão (art. 4º, § 2º);

d) capacidade das partes (art. 1º);

e) possibilidade de escolherem as partes as regras de direito material a serem aplicadas na arbitragem, sendo ainda admitido convencionar que esta se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio (art. 2º, §§ 2º e 3º);

f) desnecessidade de homologação judicial da sentença arbitral (art. 31);

g) atribuição a esta dos mesmos efeitos, entre partes, dos julgamentos proferidos pelo Poder Judiciário (valendo inclusive como título executivo, se for condenatória, art. 31);

h) possibilidade de controle jurisdicional ulterior, a ser provocado pela parte interessada (art. 33, caput, e §§);

i)possibilidade de reconhecimento e execução de sentenças arbitrais produzidas no exterior (arts. 34 e ss.). Mas os árbitros, não sendo investidos do poder jurisdicional, não podem realizar a execução de suas próprias sentenças nem impor medidas coercitivas (art. 22, § 4º). (GRINOVER et al., 1993, p. 30)

No âmbito da legislação trabalhista, a arbitragem foi prevista pela primeira vez no Decreto nº 1.037, de 5 de janeiro de 1907, que criou mecanismos para solucionar litígios

trabalhistas através da conciliação e da arbitragem, sendo que esta última seria exercida pelos sindicatos. (FRANCO FILHO, 1990, p. 24) O Decreto nº 21.396, de 1932, extinguiu a arbitragem, entretanto, sob o entendimento de que ela não se coadunava com o ordenamento jurídico laboral em vigor no Brasil na época. Após esse período, houve algumas tentativas frustradas de implementar o instituto, dentre elas a levada a efeito na gestão do Ministro do Trabalho Almir Pazzianotto.

Atualmente, o ordenamento jurídico laboral possui em seu bojo referências importantes ao instituto da arbitragem nas relações de trabalho. A principal delas é, sem dúvida, a presente no artigo 114, § 1º, da Constituição Federal de 1988, que faculta às partes elegerem árbitros no caso de frustrada a negociação coletiva. Tal previsão constitucional é inédita em matéria trabalhista no Brasil, uma vez que não houve precedentes desta natureza nas Cartas anteriores. Com efeito, o dispositivo constitucional que trata da Competência da Justiça do Trabalho confere à arbitragem elevada importância, estabelecendo, inclusive, em seu § 2º, que o ajuizamento de dissídio coletivo somente será possível após prévia tentativa de negociação ou arbitragem. O Tribunal Superior do Trabalho, no ano de 2003, revogou a Instrução Normativa n. 04, diminuindo as formalidades para o ajuizamento de dissídio coletivo. A emenda constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004, contudo, além de alargar significativamente a competência da Justiça do Trabalho, passou a exigir, também, como condição para o ajuizamento de dissídio coletivo, comum acordo das partes interessadas, sem prejuízo da prévia recusa à negociação coletiva ou à arbitragem.

Na legislação infraconstitucional, as referências à arbitragem nas relações de trabalho também são relevantes. A Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989 (Lei de Greve), em seu artigo 3º, dispõe sobre a faculdade de deflagrar a greve após frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recursos via arbitral; e no artigo 7º prevê que as paralisações das relações obrigacionais podem ser regidas por laudo arbitral. [02] Evidencia-se, por conseguinte, a disposição do legislador para a utilização da arbitragem nos movimentos paredistas.

Também a Lei nº 8.630, de 25 de fevereiro de 1993, que regula o trabalho portuário, prevê a arbitragem de ofertas finais, dispondo em seu artigo 23, parágrafos 1º a 3º, que a mesma independe de homologação judicial para sua validade, tendo força de sentença entre as partes. [03]

No mesmo sentido a Lei nº 10.101, de 19 de dezembro de 2000, que tratando da participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa, enuncia, em seu artigo 4º, inciso, II, e parágrafos 1º a 4º, a possibilidade do recurso à arbitragem de ofertas finais, dando, a exemplo da Lei n.º 8.630/93, força normativa ao laudo arbitral, além de impossibilitar a desistência unilateral das partes ao compromisso firmado. [04] Na arbitragem de ofertas finais, como já foi dito anteriormente, o árbitro deve restringir-se a optar por uma das propostas apresentadas pelas partes, em caráter definitivo. Adota-se a expressão utilizada nos Estados Unidos, final offer selection arbitration, em que o árbitro terá que selecionar (to select) uma das propostas das partes, indicando a que achar mais conveniente, segundo seu convencimento. Nesse caso, não poderá o árbitro adotar uma decisão própria, mas apenas escolher uma das duas propostas das partes. (MARTINS, 2000, p. 154)

O sistema de arbitragem de ofertas finais estimula, em tese, uma saída razoável, pois o empregado não vai querer que seja escolhida a proposta do empregador, nem este a do empregado, visto que o árbitro não poderá escolher proposta intermediária, mas apenas uma das duas oferecidas. (MARTINS, 2000, p. 154) O Douto Jurista Arnaldo Süssekind, porém, faz uma dura crítica a essa modalidade de arbitragem, demonstrando que ela limita a vontade das partes na conformação da arbitragem e na escolha dos procedimentos que julgam mais adequados para regê-la, além de permitir um maior grau de radicalização das propostas. (SÜSSEKIND et al., 1997, p. 1184)

Nada obstante a contundência e a relevância da opinião de tão importante jurista, ousamos discordar do objeto de sua colocação, na medida em que o instituto da arbitragem de oferta final presume um comportamento inteligente das partes na resolução da controvérsia. A apresentação de uma proposta radical e imoderada para o árbitro somente ocorreria se a parte desconhecesse por completo a sistemática adotada pelos dispositivos em apreço. É precipitado prever um comportamento necessariamente inflexível das partes, ainda mais se consideramos que elas estão discutindo percentual de participação nos lucros, fato que por si só permite inferir que ambas terão interesse em uma saída plausível.

Cumpre destacar, ainda, a referência encontrada na Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União. Na verdade, este diploma legal estabelece, em seu artigo 83, inciso XI, que compete ao Ministério Público do Trabalho atuar como árbitro, se assim for solicitado pelas partes, nos dissídios de competência da Justiça do Trabalho, não fazendo, inclusive, distinção entre dissídios coletivos e individuais. [05]

Há registro na doutrina de um caso interessante solucionado através de arbitragem, com base na Lei nº 10.101/2000, em que funcionou como árbitro um membro do Ministério Público do Trabalho. No referido episódio, tendo-se chegado a um impasse, após a tentativa de negociação direta acerca da percentagem de participação dos trabalhadores nos lucros e resultados da empresa referente ao ano de 1996, o SINTTEL/RO – Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações de Rondônia S/A, e a TELERON – Telecomunicações de Rondônia S/A, procuraram a Procuradoria Regional do Trabalho da 14ª Região para que esta indicasse um árbitro para a solução do litígio, o que foi feito na pessoa do Dr. Gláucio Araújo De Oliveira, Procurador do Trabalho, ao que nada opuseram os litigantes. Firmado o compromisso arbitral pelas partes, o Procurador aceitou sua nomeação como árbitro, ficando, assim, instituída a arbitragem. As partes apresentaram suas propostas finais, e o árbitro, em tempo hábil, proferiu a sentença, com a devida fundamentação e após tecer alguns comentários acerca da vantagem da utilização da arbitragem nos conflitos laborais. (MORGADO, 1998, p. 33)

Lutiana Nacur Lorentz, em estudo que abordou a atuação do Ministério Público do Trabalho na função de mediador e árbitro, entende ser recomendável que a sentença arbitral proferida pelo membro do Ministério Público tome forma de Termo de Ajuste de Conduta, com a finalidade de emprestar força executiva ao título na Justiça do Trabalho e atender às peculiaridades do processo trabalhista. (LORENTZ, 2002, p. 102) A atuação do Ministério Público do Trabalho nos processos arbitrais foi regulamentada pela Resolução nº 44, de 11 de junho de 1999, do Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho. Essa Resolução estabelece o caráter facultativo da arbitragem levada a efeito pelo órgão ministerial, que só pode se desenvolver por aceitação da vontade de ambas as partes. Estabelece, ainda, que a escolha do membro do Ministério Público responsável cabe tão-somente às partes.

Discute-se, por fim, se a nova Lei de Arbitragem, já mencionada, pode ser aplicada aos conflitos trabalhistas, tanto de ordem individual quanto coletiva. Essa questão será oportunamente abordada neste trabalho, a partir da análise dos princípios regentes do Direito Individual e do Direito Coletivo do Trabalho. Cumpre frisar, por ora, a fim de apenas aflorar a discussão futura, a posição do eminente Jurista Georgenor Sousa Franco Filho, Juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região, que comenta, a esse respeito:

Não existe, até o momento, em nosso Pais, normação legal específica que regule a aplicação da arbitragem. Falta tanto aos trabalhadores, como aos empregadores, experiência e conhecimento da sistemática desse mecanismo, que é muito peculiar, com nuances especialíssimas, a merecer tratamento adequado (...) O que resta, então, à falta desse esperado diploma, é aplicar o direito vigente, de modo subsidiário, nos termos da própria norma consolidada. E o direito acerca da arbitragem que presentemente está a viger no Brasil é a Lei 9.307/96. (FRANCO FILHO, 1997, p. 22)

A menção do referido magistrado à norma consolidada diz respeito ao artigo 8º, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho, que dispõe: "o direito comum será fonte subsidiária do Direito do Trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste" (grifo nosso).Outro ponto controvertido sobre a aplicabilidade é a natureza jurídica dos direitos trabalhistas, a luz do que dispõe o artigo 1º, da Lei nº 9.307/96, a saber: "As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis" (grifo nosso).


3.AS ORIGENS E A ESTRUTURA DA JUSTIÇA DO TRABALHO

O sistema de solução dos conflitos trabalhistas no Brasil foi concebido em um contexto histórico de transformações que marcaram de forma decisiva o destino do país. As turbulências sociais, políticas e econômicas que o mundo vivia na primeira metade do século passado influenciaram significativamente o advento e os moldes da construção de um novo Estado no Brasil, com reflexos até os dias de hoje.

Na verdade, os conflitos entre capital e trabalho, surgidos a partir dos efeitos da Revolução Industrial e que desenharam o desenvolvimento histórico dos países europeus ao longo dos séculos XVIII, XIX e XX, somente começaram a aparecer no Brasil, de forma incipiente, ao longo da década de 1920 e início da década de 1930, em decorrência da industrialização. A abolição da escravatura e a substituição da força de trabalho por imigrantes europeus, especialmente italianos, alemães, poloneses e japoneses, aliadas ao êxodo rural e à conseqüente formação de um operariado urbano na cidade de São Paulo, constituíram o ambiente ideal para o surgimento de um grupo de trabalhadores que certamente poderiam fomentar profundas e revolucionárias mudanças na estrutura social e organizacional existente até então no Brasil.

Vivia-se, em síntese, uma fase de amadurecimento do que poderia vir a ser o início de um movimento sindical extremamente forte, nos moldes da evolução do sindicalismo inglês. Pode-se dizer que foi um choque social tardio produzido em um país colonizado durante séculos e distante do núcleo de acontecimentos e transformações dos países europeus, que já haviam experimentado o fenômeno da industrialização.

Por outro lado, no campo político, a Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao Poder, representou a transição de um Estado eminentemente agrícola e escravocrata para outro em vias de industrialização e de trabalhadores mais conscientes de seus direitos sociais, especialmente os imigrantes italianos. Isso fez com que os interesses em jogo no campo político e econômico levassem à constituição de um Estado fundado no corporativismo. Seu fundamento, em essência, era a colaboração e não a luta de classes para o desenvolvimento do Estado.

Com efeito, como bem observa o emérito Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Ives Gandra Martins Filho, "a idéia do Estado Corporativista veio opor-se às duas formas básicas então existentes, de Estado Liberal e de Estado Comunista, onde uma dava excessivo valor ao individual e a outra ao Estado". (MARTINS FILHO, 1996, p. 17) Os postulados básicos do Corporativismo negavam a democracia pluralista e o sufrágio universal, tidas como geradoras de desagregação nacional e instabilidade governamental. Pregavam que a solidariedade nacional apenas se concretiza com o reconhecimento da supremacia do Estado sobre o indivíduo e da identificação entre Estado e Nação. (MARTINS FILHO, 1996, p. 18) Nesse sentido, a organização estatal deveria ocorrer por meio da descentralização funcional em que cada corporação exerceria atividade delegada do Poder Público para desenvolver sua parcela do esforço nacional de crescimento.

Assim, a dinâmica política que levou à adoção de uma estrutura corporativista no Brasil decorreu, fundamentalmente, de circunstâncias sociais e econômicas vivenciadas no início da década de 1930. A opção por esse modelo foi conveniente aos interesses em jogo e adequada ao estágio incipiente de desenvolvimento sindical no país. Ives Gandra Martins Filho, a esse respeito, assevera:

A adoção de tal padrão para as relações de trabalho não conflitava com a realidade sócio-econômica brasileira, tendo em vista que o Brasil, por não ter vivenciado a revolução industrial e, conseqüentemente, visto eclodir um movimento sindical espontâneo, veio a se antecipar ao problema social, ofertando ao operariado, desde os primórdios da industrialização brasileira, uma estrutura sindical e a proteção de leis trabalhistas, infundindo, dessarte, uma mentalidade paternalista na classe trabalhadora, de difícil alteração. (MARTINS FILHO, 1996, p. 20)

Dessa forma, o resultado foi que o Brasil seguiu rigorosamente as premissas do Estado Corporativista, fundando sua estrutura de relações de trabalho no modelo fascista adotado na Itália por Mussolini. De acordo com esse modelo, os sindicatos são corporações atreladas ao Estado, sendo proibida a utilização da greve como forma de reivindicação. O Estado, por derradeiro, institucionaliza seu poder sobre as relações de trabalho por uma justiça laboral especializada com competência para regulamentar e dirimir as controvérsias surgidas da relação entre capital e trabalho. Assim, nosso sistema foi criado copiando, em muitos aspectos, o sistema italiano da Carta del Lavoro, de 1927, produzida no regime fascista de Mussolini.

Pode-se dizer, nesse contexto, que a legislação social produzida especialmente a partir da Constituição Federal de 1934 tinha a real intenção política de conter os trabalhadores, enfraquecendo um movimento que não se sabia até onde poderia avançar. A própria Constituição de 1934 instituiu, pela primeira vez, um órgão especializado para dirimir questões entre empregados e empregadores, inicialmente ligado ao Poder Executivo. A Justiça do Trabalho somente passou a fazer parte do Poder Judiciário com a promulgação da Constituição Federal de 1946.

Essa estrutura corporativista foi um dos fundamentos do autoritarismo do Estado Novo de Vargas, a partir de 1937, não tendo sido alterada pelos sucessivos regimes civis e militares que se seguiram no Brasil. Isto ocorreu pela simples razão de que tal estrutura se coadunava perfeitamente com as pretensões antidemocráticas dos governantes, permitindo um amplo controle do movimento sindical, sob o pretexto de que seu desenvolvimento desenfreado poderia desestabilizar a ordem social nos períodos de crise econômica.

Nos dias atuais, entretanto, o movimento sindical sente de forma clara os efeitos negativos dessa estrutura corporativista, mantida por tanto tempo nas relações de trabalho. Constitui, em verdade, o motivo evidente da fraqueza e falta de representatividade dos entes sindicais no Brasil. É, sem dúvida, um dos principais óbices a toda e qualquer mudança que se queira fazer para modernizar as relações de trabalho no país, que sempre esbarra na barreira imposta pela ausência de agentes sociais que representem de forma efetiva os trabalhadores.

Destacam-se, nesse aspecto, os dizeres de Ives Gandra Martins Filho, a saber:

[...] apenas com a Assembléia Constituinte de 1988 é que se começou a dar os primeiros passos no sentido de uma maior liberdade sindical e, como decorrência, menor intervencionismo estatal na área trabalhista. Os sinais dessa virada podem ser percebidos na outorga de um direito de greve mais amplo (CF, art. 9º), na não interferência do Estado nos sindicatos (CF, art. 8º) e no estímulo à negociação coletiva e ao recurso à arbitragem antes de se apelar para a solução estatal dos conflitos coletivos de trabalho (CF, art. 114). Verifica-se, entretanto, que a matriz corporativista na qual teve sua origem o Poder Normativo da Justiça do Trabalho ainda continua nutrindo o sistema brasileiro de relações de trabalho, de vez que persiste o princípio da unicidade sindical (CF, art. 8º, II), com necessidade de registro no Ministério do Trabalho (CF, art. 8º, I e Instrução Normativa n. 5/91 do MTb), garantia do recolhimento da contribuição sindical de toda a categoria (CF, art. 149) e submissão dos conflitos coletivos de trabalho à jurisdição dos tribunais trabalhistas (CF, art. 114). (MARTINS FILHO, 1996, p.22)

Nos países onde o Estado não interferiu de forma deliberada nos conflitos laborais, o movimento sindical criou forças naturalmente, em sintonia com o avanço do fenômeno da industrialização. O associativismo é um acontecimento sociológico espontâneo, tendo sido a fórmula histórica encontrada pelos trabalhadores em outros países para se contraporem à força do capital. Esse fato pode ser percebido de forma mais clara nos países onde o sistema capitalista sempre foi expressivo. É interessante perceber, inclusive, que o desenvolvimento do sindicalismo proporcionou avanços significativos nas técnicas de solução dos conflitos trabalhistas. Para ilustrar esse fenômeno, nada melhor do que os Estados Unidos, país que atualmente centraliza o capitalismo mundial. Poder-se-á, assim, criar um contraponto necessário à compreensão do significado da existência da Justiça do Trabalho no Brasil.

Houve, naquele país, uma construção progressiva de direitos resultantes, essencialmente, da atividade reivindicatória dos sindicatos, nunca tendo existido uma Justiça especializada em conflitos de trabalho. O instrumento encontrado para contornar situações extremadas nos conflitos trabalhistas foi, por conseguinte, o instituto da arbitragem.

As origens da arbitragem nos Estados Unidos estão situadas na Segunda Guerra Mundial, quando foi criada uma agência oficial para tratar de assuntos trabalhistas, em especial nas indústrias bélicas. Não havia uma maneira pela qual as partes pudessem tratar de seus problemas trabalhistas, razão pela qual os litigantes solicitavam a decisão de terceiros e se acostumaram a ter pessoas neutras para resolver as suas disputas. (NASCIMENTO, 1993, p. 71) A inserção da arbitragem em praticamente todos os contratos laborais originou-se da certeza de que esse mecanismo de solução pacífica conferia aos empregados resposta adequada aos seus anseios, evitando-se, com isso, potenciais greves que poderiam afetar a produção de materiais bélicos. (MARTINS et al., 1999, p. 151)

Ao contrário do que ocorre no Brasil, o papel do Governo nos Estados Unidos é tão-somente o de encorajar as negociações entre as partes, não existindo praticamente interferência judicial nos conflitos. Há um sistema em que existem poucas leis trabalhistas, mas muitos acordos entre os sindicatos e as empresas. Os contratos coletivos desempenham importante papel, pois geralmente contêm previsão para que os eventuais conflitos sejam solucionados pela arbitragem. Os conflitos individuais são resolvidos pela arbitragem privada, escolhida pelas partes, mas geralmente patrocinada pelos sindicatos, pois é muito oneroso o seu custo para o particular. Já nos conflitos coletivos a arbitragem é facultativa, após tentativa de conciliação obrigatória. Normalmente, as controvérsias coletivas são solucionadas por meio de acordos ou convenções coletivas. São pouquíssimos os conflitos em matéria trabalhista levados ao Judiciário. (MARTINS, 2002, p. 39)

Percebe-se, com amparo nas características da sistemática de resolução dos conflitos trabalhistas nos Estados Unidos, o quanto as raízes, circunstâncias e opções históricas de um país influenciam todo o sistema jurídico construído ao longo do tempo, dificultando sobremaneira qualquer alteração que se queira fazer. Há diretrizes políticas e econômicas que variam segundo o estágio de desenvolvimento das relações produtivas e o regime político sob o qual determinada nação se encontra submetida (MARTINS FILHO, 1996, p. 27) O caso americano é sintomático na medida em que possibilita a real compreensão dos fatos históricos que ensejaram, por exemplo, o predomínio, no campo trabalhista, de uma Justiça Pública no Brasil e de uma Justiça Privada nos Estados Unidos. Pertinentes nesse aspecto são as colocações do Juiz e Professor Jorge Luiz Souto Maior, ao explicar que "na visão cultural que prega o afastamento do Estado das relações sociais não teria mesmo muito sentido o Estado intervir para dar guarida a um direito que ele não criou". (MAIOR, 2002, p. 185) (grifo nosso) Como o direito trabalhista americano é pautado fundamentalmente na autonormatização das partes, o modo de solução dos conflitos segue a mesma regra, de forma espontânea e natural. A intervenção estatal se reduz, por conseguinte, a tão-somente fiscalizar a boa-fé no processo de resolução do conflito.

Por outro lado, percebe-se que os trabalhadores norte-americanos, inseridos ao longo de vários anos em uma cultura liberal muito competitiva e de valorização extremada do capital, viram-se obrigados a se organizar de uma forma eficaz e a desenvolver uma organização sindical que conseguisse fazer frente às arbitrariedades dos empregadores. Pode-se dizer que nos Estados Unidos há um relativo equilíbrio entre capital e trabalho, construído ao longo de muito anos e calcado em um sistema jurídico e social completamente diferente do que vigora no Brasil.

O fato é que nos países desenvolvidos há um predomínio claro da negociação coletiva sobre a intervenção estatal, constituindo um caminho mais rápido, democrático e eficaz para a pacificação dos conflitos trabalhistas. Isso só é possível porque há um equilíbrio de forças entre o poder econômico patronal e o poder sindical dos trabalhadores, de modo que o poder de barganha destes torna igualitária as condições de diálogo e negociação. O princípio protecionista não é um imperativo nos países com alto grau de associativismo, onde existem sindicatos fortes, representativos e com alto poder de barganha nas negociações.

Já no Brasil, ao contrário, a superioridade econômica do empregador não encontra resistência do outro lado da relação trabalhista. Os sindicatos concebidos na estrutura atrelada ao Estado não amadureceram a ponto de serem o fiel da balança, elidindo a possibilidade dos atores sociais exercerem livremente a negociação coletiva e buscarem formas extrajudiciais de solução de conflitos. A Justiça do Trabalho e o Direito do Trabalho, nesse aspecto, são garantias que não podem ser suprimidas, sob pena de negar vigência ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

Esse é um dos principais motivos que justificam a manutenção de um Poder Judiciário Trabalhista no Brasil. Ele exerce uma função social imprescindível, protegendo o trabalhador e conferindo a ele superioridade jurídica para compensar sua inferioridade econômica. A Constituição Federal de 1988, nesse ponto, busca harmonizar a relação entre capital e trabalho, quando contempla como fundamentos da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, além de institucionalizar um sistema fechado e hierarquizado de solução dos conflitos trabalhistas, tanto individuais quanto coletivos. A Justiça do Trabalho possui, inclusive, um poder normativo constitucional, pelo qual lhe cabe solucionar, de forma impositiva, os conflitos coletivos de trabalho, podendo estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho. Pode-se dizer que essa competência constitucional é o sinal mais evidente da interveniência do Estado nas relações trabalhistas.

No aspecto institucional, a Constituição determina que haja pelo menos um tribunal do trabalho em cada estado da federação, havendo pluralidade de graus de jurisdição. Seus juízes são dotados de garantias, visando à independência de seus pronunciamentos. Os tribunais trabalhistas são regidos por seus regimentos internos e divididos em regiões, contemplando, assim, as varas do trabalho e os tribunais regionais do trabalho. Há, ainda, uma instância especial de cúpula, o Tribunal Superior do Trabalho, que tem por objetivo fundamental uniformizar a jurisprudência dos tribunais regionais.

Evidencia-se, portanto, a ampla estrutura de resolução de conflitos trabalhistas que o Estado, por intermédio do Poder Judiciário, coloca à disposição dos cidadãos brasileiros. Trata-se de um sistema especial no âmbito do Judiciário, estabelecido pela própria Carta Magna, voltado para a conciliação e julgamento dos dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores e outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho. Esse modelo foi assim estruturado em razão da conjugação de inúmeros fatores políticos, sociais e econômicos que marcaram decisivamente a História do Brasil, representando hoje um aparato consolidado e arraigado na cultura dos trabalhadores brasileiros.


4.OS PRINCÍPIOS DO DIREITO INDIVIDUAL E COLETIVO DO TRABALHO

O desenvolvimento de um bom trabalho acadêmico não pode prescindir de fundamentos e bases sólidas do campo de conhecimento no qual está inserido seu objeto. No caso da arbitragem nas relações de trabalho, tema ora em análise, essa premissa ganha contornos de elevada importância, seja em função das peculiaridades do ramo do direito envolvido, Direito do Trabalho, seja em decorrência do posicionamento doutrinário que escolhemos para estruturar a pesquisa.

Esse é o motivo pelo qual passamos agora a analisar os princípios do Direito Individual e Coletivo do trabalho, com amparo nas idéias e no posicionamento adotado por Maurício Godinho Delgado em sua preciosa obra, "Os Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho". Assim o fazemos, portanto, pela harmonia e coerência guardada entre o pensamento do autor e os objetivos perquiridos no presente trabalho.

Com efeito, o professor mineiro classifica os princípios laborais em três grupos fundamentais, a saber: princípios especiais do Direito Individual do Trabalho, princípios especiais do Direito Coletivo do Trabalho e princípios gerais do direito e de outros ramos jurídicos aplicáveis ao direito do trabalho. Em sua visão, o direito é "o conjunto de princípios, regras e institutos voltados a organizar situações ou instituições e criar vantagens, obrigações e deveres no contexto social". (DELGADO, 2001, p. 15) Já os princípios são "proposições gerais inferidas da cultura e ordenamento jurídicos que conformam a criação, revelação, interpretação e aplicação do direito". (DELGADO, 2001, p. 16) Atuam estes na antecipação de fórmulas de organização e conduta a serem seguidas na comunidade ou na absorção de práticas organizacionais e de conduta já existentes na convivência social.

Nesse sentido, os princípios podem ser comuns a todo o fenômeno jurídico ou especiais a um ou alguns de seus segmentos particularizados, constituindo-se em proposições gerais informadoras da noção, estrutura e dinâmica essenciais do direito ou de certo ramo jurídico. Seu papel, por outro lado, manifesta-se em duas fases próprias ao fenômeno jurídico: a primeira, de sua construção, e a segunda, de sua realização social. (DELGADO, 2001, p. 17) O referido autor sintetiza esse caráter duplo nos seguintes termos:

A fase de construção da regra – fase pré-jurídica, de natureza essencialmente política – corresponde ao estágio histórico de elaboração das regras de direito. Aqui os princípios já existentes no próprio universo jurídico agem, por influência teórico-ideológico, no processo de construção das novas regras. A fase jurídica típica, surgida desde que consumada a elaboração da regra, corresponde ao estágio histórico em que ela irá reger as organizações e condutas sociais. Certamente será aqui, nesta fase, que os princípios cumprirão seu papel mais relevante. (DELGADO, 2001, p. 17)

A relevância destacada por Maurício Godinho corresponde às funções específicas dos princípios na fase jurídica típica. A primeira delas é a interpretativa, enquanto norteadora da compreensão da regra jurídica construída. A segunda função é a de natureza supletiva, ou seja, fonte subsidiária na ausência de regras jurídicas aplicáveis ao caso concreto, como ocorre na hipótese do art. 8º da Consolidação das Leis do Trabalho. Já a terceira função é a normativa própria, resultante de sua dimensão fundamentadora de toda a ordem jurídica.

O autor destaca a importância dessa terceira função, normativa, na medida em que passa, necessariamente, pelo reconhecimento doutrinário de sua natureza de norma jurídica efetiva e não simples enunciado programático sem poder de vinculação. Norberto Bobbio, a esse respeito, sustenta que os princípios gerais são normas como todas as outras, resultantes de sua origem das demais regras jurídicas, por meio de um procedimento de generalização sucessiva, como também do fato de servirem ao mesmo objetivo: a função de regular um caso concreto. (BOBBIO, 1997, p. 158) Américo Plá Rodriguez atesta que "no Brasil os princípios do Direito do Trabalho cumprem função normativa, atuando como norma supletiva". (PLÁ RODRIGUEZ, 1993, p. 19) Defende Maurício Godinho, entretanto, que se trata, em verdade, de uma função normativa concorrente, não autônoma, que atua, de maneira geral, em concurso com a função interpretativa da regra analisada. (DELGADO, 2001, p. 24) Evidencia-se, por conseguinte, que a dinâmica de interação entre as funções interpretativa e normativa dos princípios faz com que estes tenham natureza essencial, ao lado das regras jurídicas, no processo de compreensão e aplicação do direito.

Outro aspecto importante no estudo dos princípios reside no fato de serem estes elementos imprescindíveis na definição da autonomia dos ramos jurídicos. Isto porque eles firmam as diretrizes gerais e fundamentais do respectivo ramo perante o universo do direito. No âmbito das relações laborais, os princípios do Direito Individual do Trabalho constituem a marca mais forte e distintiva da autonomia do ramo geral Direito do Trabalho perante os diversos outros ramos do direito. Os princípios do Direito Coletivo do Trabalho, não obstante, merecem atenção especial do operador do direito, uma vez que firmam um contraponto importante em relação ao próprio Direito Individual do Trabalho, além de constituírem ponto decisivo para a compreensão dos desafios da democratização do sistema justrabalhista no Brasil.

Os nove princípios fundamentais do Direito Individual do Trabalho, chamados por Maurício Godinho de núcleo basilar, são os seguintes:

a)Princípio da proteção, tutelar, tuitivo, protetivo ou tutelar-protetivo,

b)Princípio da norma mais favorável,

c)Princípio da imperatividade das normas trabalhistas,

d)Princípio da indisponibilidade ou irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas,

e)Princípio da condição ou cláusula mais benéfica,

f)Princípio da inalterabilidade contratual lesiva,

g)Princípio da intangibilidade salarial,

h)Princípio da primazia da realidade sobre a forma,

i)Princípio da continuidade da relação de emprego.

A denominação núcleo basilar se justifica na medida em que tais princípios constituem a marca essencial do ramo justrabalhista especializado, de modo que sem sua presença e concretude na ordem jurídica não se pode falar na própria existência do Direito do Trabalho. (DELGADO, 2001, p. 39) Há ainda outros quatro princípios especiais do Direito Individual do Trabalho que se encontram fora desse núcleo basilar, a saber: princípio da despersonalização do empregador, princípio da alteridade ou assunção dos riscos, princípio da irretroatividade das nulidades e princípio da aderência contratual.

Já os princípios in dúbio pro operário/misero e do maior rendimento são tidos por Maurício Godinho como controvertidos, havendo dúvidas consistentes sobre sua efetiva existência. Isto porque o primeiro deles estaria parcialmente abarcado pelo princípio da norma mais favorável, além de, no aspecto da apreciação de fatos e provas, ser desnecessário em face da existência da teoria do ônus da prova, favorável ao empregado, já sedimentada no Direito Processual do Trabalho. O reconhecimento do princípio in dúbio pro misero acarretaria, ainda, agressão ao princípio geral do juiz natural, uma vez que o desequilíbrio entre as partes estaria se estendendo à figura do juiz e à função judicante, comprometendo a própria noção de justiça. Já o princípio do maior rendimento, relacionado com o poder disciplinar empregatício, estaria incluído integralmente no princípio geral de direito da boa-fé, externo ao Direito do Trabalho.

No âmbito do Direito Coletivo do Trabalho, Maurício Godinho atesta a existência de três grandes grupos de princípios, a saber:

a)Princípios assecuratórios das condições de emergência e afirmação da figura do ser coletivo obreiro,

b)Princípios que tratam das relações entre os seres coletivos obreiros e empresariais, no contexto da negociação coletiva,

c)Princípios que tratam das relações e efeitos perante o universo e comunidade jurídicas das normas produzidas pelos contratantes coletivos.

No primeiro grupo encontram-se os princípios da liberdade associativa e sindical e da autonomia sindical. No segundo grupo estão os princípios da interveniência sindical na normatização coletiva, o da equivalência dos contratantes coletivos e, finalmente, o da lealdade e transparência nas negociações coletivas. Por fim, no terceiro grupo, encontram-se os princípios da criatividade jurídica da negociação coletiva e da adequação setorial negociada.

No âmbito externo do Direito do Trabalho, encontram-se os princípios gerais do direito ou de outros ramos jurídicos aplicáveis ao Direito do Trabalho. Não são princípios próprios e distintivos do Direito do Trabalho, mas nele ingressam e atuam de maneira significativa. Sua classificação ocorre, primeiramente, em três planos de princípios principais, quais sejam:

a)Princípio da dignidade humana e diversos princípios associados: princípio da não-discriminação, princípio da justiça social e princípio da eqüidade,

b)Princípio da proporcionalidade e princípio da razoabilidade,

c)Princípio da boa-fé e seus corolários: princípios do não enriquecimento sem causa, da vedação ao abuso do direito e da não alegação da própria torpeza.

Além dos princípios situados nesses três planos principais, há, também, no âmbito externo do Direito do Trabalho, o princípio da territorialidade, que ilumina a aplicação das normas jurídicas no espaço, e o princípio da prévia tipificação legal de delitos e penas, relacionado com o poder disciplinar no contrato de emprego.

Percebe-se, pela exposição geral dos parágrafos anteriores, o rigor científico adotado por Maurício Godinho ao dividir e classificar os princípios laborais entre os segmentos individual e coletivo, além de agregar os remanescentes em um terceiro grupo fundamental, representado pelos princípios gerais do direito e de outros ramos jurídicos aplicáveis ao Direito do Trabalho. Cumpre ressalvar, por outro lado, que autores clássicos como Américo Plá Rodriguez (1993) e Alfredo Ruprecht (1995b) arrolam os princípios da razoabilidade, boa-fé e não-discriminação ao lado dos demais princípios laborais típicos. Maurício Godinho defende seu posicionamento de incluir estes princípios no âmbito externo do Direito do Trabalho, assim como o da dignidade humana, justiça social e eqüidade, ponderando que eles asseguram a comunicação e integração do Direito do Trabalho com o universo jurídico, sem, entretanto, marcar a distinção juslaboral perante os demais segmentos jurídicos. (DELGADO, 2001, p. 39) Dessa forma, cientificamente, justifica-se sua separação do grupo de princípios especiais do Direito do Trabalho.

Para o escopo da presente pesquisa se faz mister apresentar, em linhas gerais, as características e fundamentos dos princípios do núcleo basilar do Direito Individual do Trabalho (ou do Direito do Trabalho), na visão de Maurício Godinho, dos princípios que tratam das relações entre os seres coletivos obreiros e empresariais, no contexto da negociação coletiva, bem como os que tratam das relações e efeitos perante o universo e comunidade jurídicas das normas produzidas pelos contratantes coletivos.

O primeiro princípio que compõe o núcleo basilar do Direito Individual do Trabalho é o chamado princípio da proteção, também conhecido como princípio tutelar, tuitivo, protetivo, tutelar-protetivo, protetivo-tutelar e denominações semelhantes. Informa que "o Direito do Trabalho estrutura em seu interior, com suas normas, institutos, princípios e presunções próprias, uma teia de proteção à parte hipossuficiente na relação empregatícia – o obreiro – visando a retificar (ou atenuar), no plano jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano fático do contrato de trabalho". (DELGADO, 2001, p. 40) É considerado o princípio cardeal do Direito do Trabalho, um dos primeiros a ser revelado, representando a essência protetiva-retificadora que fundamenta o ramo jurídico laboral sob o prisma histórico e científico.

Américo Plá Rodriguez e Alfredo Ruprecht consideram que o princípio tuitivo se manifesta em três diretrizes, quais sejam: o princípio in dubio pro operário, da norma mais favorável e da condição mais benéfica. Essa tem sido a orientação predominante no estudo do princípio tuitivo no Brasil. Maurício Godinho Delgado, entretanto, entende que ele abrange quase todos os princípios especiais do Direito Individual do Trabalho, constituindo a inspiração ampla do complexo de regras, princípios e institutos desse ramo laboral. (DELGADO, 2001, p. 43) O fato é que o princípio tuitivo incorpora a função teleológica do Direito do Trabalho, de forma que os demais princípios particularizados atuam sempre inspirados pela diretriz da proteção.

O segundo princípio é o da norma mais favorável. Dispõe que o operador do Direito do Trabalho deve optar pela regra mais favorável ao trabalhador em três situações distintas: a) no instante de elaboração da regra, orientando a ação legislativa; b) no contexto de confronto entre regras concorrentes, orientando a hierarquização das normas trabalhistas; c) no contexto de interpretação das regras jurídicas, orientando o processo de revelação do sentido da regra trabalhista. Na primeira situação, dimensão informativa do princípio, age como uma verdadeira fonte material do ramo justrabalhista. Na segunda situação, dimensão hierarquizante do princípio, norteia a prevalência da regra mais benéfica ao obreiro. Já na terceira e última situação, dimensão interpretativa/normativa do princípio, corresponde à opção mais favorável ao trabalhador no caso de duas ou mais alternativas consistentes de interpretação de uma regra jurídica enfocada. É esta terceira dimensão do princípio da norma mais favorável (interpretativa/normativa) que cumpre parcialmente a função do velho princípio in dubio pro misero. (DELGADO, 2001, p. 45)

O terceiro princípio integrante do núcleo basilar do Direito Individual do Trabalho é o da imperatividade das normas trabalhistas. Este princípio é o responsável pela restrição à autonomia da vontade das partes no Direito Individual do Trabalho, o que significa dizer que as regras justrabalhistas não podem, de maneira geral, serem afastadas pela simples manifestação de vontade dos contratantes. Há regras imperativas também em outros ramos jurídicos, como o Direito Penal, Tributário e Administrativo, mas o que marca a peculiaridade desse princípio no Direito do Trabalho é o fato de regular uma relação jurídica privada, estabelecida entre sujeitos de direito dotados de plena capacidade para os atos da vida civil.

O quarto princípio é, sem dúvida, um dos mais importantes dentro do núcleo basilar do Direito Individual do Trabalho e fundamental para o escopo da presente pesquisa. Trata-se do princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas. Pode-se dizer que este concretiza, no âmbito da relação de emprego, a natureza impositiva da maioria das normas trabalhistas, em perfeita sintonia com o já mencionado princípio da imperatividade das normas trabalhistas.

Parte da doutrina o denomina princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, mas, à luz da diferença entre renúncia e transação, o termo indisponibilidade é mais correto. Isto porque a indisponibilidade vai além da renúncia, abrangendo também a figura da transação. Renúncia é um ato unilateral da parte, através do qual ela se desfaz de um direito de que é titular, sem correspondente concessão pela parte beneficiada. A transação, ao contrário, é um ato bilateral pelo qual se acertam direitos e obrigações entre as partes acordantes, mediante concessões recíprocas, envolvendo questões fáticas ou jurídicas duvidosas. (DELGADO, 2001, p. 49) No sistema jurídico laboral, tanto a renúncia quanto a transação que importem objetivamente prejuízo ao trabalhador são consideradas inválidas. Isto significa dizer que é vedado ao trabalhador, quer por ato individual (renúncia), quer por ato bilateral (transação), dispor de seus direitos laborais sem a equivalente compensação, sendo nulo o ato dirigido a esse despojamento.

O princípio da indisponibilidade encontra-se presente em diversos preceitos da legislação trabalhista, como nos artigos 9º, 444 e 468, da Consolidação das Leis do Trabalho, verbis:

Art. 9º - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.

Art. 444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.

Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.

Parágrafo único - Não se considera alteração unilateral a determinação do empregador para que o respectivo empregado reverta ao cargo efetivo, anteriormente ocupado, deixando o exercício de função de confiança.

A indisponibilidade inerente aos direitos trabalhistas não tem, contudo, o mesmo grau de rigidez e extensão. Ela atua de forma diferenciada, gerando direitos absolutamente indisponíveis e relativamente indisponíveis. Maurício Godinho explica que será absoluta a indisponibilidade "quando o direito enfocado merecer uma tutela de nível de interesse público, por traduzir um patamar civilizatório mínimo firmado pela sociedade político em um dado momento histórico". (DELGADO, 2001, p. 50) Cita como exemplos o direito à assinatura da Carteira de Trabalho e Previdência Social e ao salário mínimo, assim como a incidência das normas de proteção à saúde e segurança do trabalhador.

Já a indisponibilidade relativa se revela quando "a vantagem jurídica enfocada traduzir interesse individual ou bilateral simples, que não caracterize um padrão civilizatório geral mínimo firmado pela sociedade política em um dado momento histórico" (DELGADO, 2001, p. 50). Ilustra essa modalidade por meio do tipo de salário pago ao empregado ao longo da relação de emprego (salário fixo versus salário variável), sendo lícita a alteração por não produzir prejuízo efetivo ao trabalhador, consoante enuncia o artigo 468, da Consolidação das Leis do Trabalho.

Cumpre destacar que a noção de indisponibilidade absoluta e relativa é imprescindível para compreensão da validade e extensão das alterações produzidas pelas regras autônomas coletivas no interior das regras heterônomas estatais trabalhistas. Nos dizeres de Maurício Godinho:

Esse último critério indica que a noção de indisponibilidade absoluta atinge, no contexto das relações bilaterais empregatícias (Direito Individual, pois), parcelas que poderiam, no contexto do Direito Coletivo do Trabalho, ser objeto de transação coletiva e, portanto, de modificação real. Noutras palavras: a área de indisponibilidade absoluta no Direito Individual é, desse modo, mais ampla do que a área de indisponibilidade absoluta própria ao Direito Coletivo. (DELGADO, 2001, p. 50)

O quinto princípio integrante do núcleo basilar é o da condição mais benéfica. Importa, fundamentalmente, na "garantia de preservação, ao longo do contrato, da cláusula contratual mais vantajosa ao trabalhador, que se reveste do caráter de direito adquirido (art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal)". (DELGADO, 2001, p. 50) Determina, ainda, a prevalência, no caso de conflito, do dispositivo contratual mais favorável ao empregado.

Pode-se dizer que o princípio da condição mais benéfica é uma forma de manifestação do sexto princípio do núcleo basilar, o da inalterabilidade contratual lesiva. Este tem sua origem no princípio geral do Direito Civil da inalterabilidade dos contratos (pacta sunt servanda) (os pactos devem ser cumpridos), mas adquiriu contornos específicos no âmbito do Direito do Trabalho. Isto porque o sistema laboral não impede, ao contrário, incentiva mudanças no contrato que sejam favoráveis ao empregado, a fim de concretizar seu caráter teleológico de melhoria das condições de pactuação da força de trabalho na ordem socioeconômica. Já em relação a alterações desfavoráveis do trabalhador, a idéia de inalterabilidade é extremamente rigorosa, admitindo apenas mudanças de menor importância que não chegam a afetar de forma efetiva as cláusulas pactuadas. Trata-se das situações inerentes ao chamado jus variandi ordinário empresarial, expressamente previstas na legislação, como a figura da reversão (parágrafo único do artigo 468 da Consolidação das Leis do Trabalho).

O sétimo princípio do Direito Individual é da intangibilidade salarial. Fundamenta-se pela compreensão de que o trabalho é importante meio de realização e afirmação do ser humano, sendo o salário a contrapartida econômica dessa afirmação e realização. Dessa forma, informa este princípio que "a parcela justrabalhista merece garantias diversificadas da ordem jurídica, de modo a assegurar seu valor, montante e disponibilidade em benefício do empregado". (DELGADO, 2001, p. 58) Destaca-se, nesse sentido, a natureza alimentar do salário laboral, de forma a realizar o princípio constitucional maior da dignidade humana.

O oitavo princípio contido no núcleo basilar é o da primazia da realidade sobre a forma. Enuncia que o "no Direito do Trabalho se deve pesquisar, preferentemente, a prática concreta efetivada ao longo da prestação de serviços, independentemente da vontade eventualmente manifestada pelas partes na respectiva relação jurídica". (DELGADO, 2001, p. 60) O cotidiano da prestação dos serviços, ou melhor, a prática habitual, na qualidade de uso, altera o contrato pactuado, prevalecendo sobre o instrumento inscrito. Revela-se importantíssimo para a configuração da relação de emprego não formalizada, a partir da constatação da presença dos elementos fático-jurídicos exigidos pela legislação trabalhistas (trabalho por pessoa física, com pessoalidade, não-eventualidade, onerosidade e sob subordinação).

O nono e último princípio caracterizador do núcleo basilar do Direito Individual do Trabalho (ou do Direito do Trabalho) é o princípio da continuidade na relação de emprego. Segundo esse princípio, a permanência do vínculo empregatício, com a integração do trabalhador na estrutura e dinâmica empresariais, constitui-se elemento essencial para a satisfação do objetivo teleológico do Direito do Trabalho. Com efeito, o princípio estimula a maior duração possível do contrato individual de trabalho, estabelecendo ônus e presunções que protegem a relação de emprego do rompimento arbitrário ou sem justa causa. Institutos como o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e o Aviso Prévio devem ser compreendidos em sintonia com o princípio da continuidade da relação de emprego. Sua principal manifestação, entretanto, é a regra geral que estabelece a duração indeterminada do contrato trabalhista, restringindo os contratos a termo às hipóteses legais.

Passamos agora a analisar os princípios do Direito Coletivo do Trabalho, abordando os dois grupos de princípios que guardam pertinência com o objeto do presente trabalho, quais sejam: a) os princípios que tratam das relações entre os seres coletivos obreiros e empresariais, no contexto da negociação coletiva; b) os princípios que tratam das relações e efeitos perante o universo e comunidade jurídicos das normas produzidas pelos contratantes coletivos.

O primeiro princípio a merecer atenção é o da interveniência sindical na normatização coletiva. Consiste na obrigatoriedade de intervenção do ser coletivo institucionalizado obreiro, o sindicato, no processo de negociação coletiva. Busca assegurar a existência de efetiva equivalência entre os sujeitos coletivos representativos, impedindo a negociação informal e direta entre o empregador e seus subordinados. Dessa forma, os poderes da autonomia privada coletiva passam necessariamente pelas entidades sindicais dos trabalhadores, responsáveis pela defesa dos interesses da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas, nos termos do artigo 8º, inciso II, da Constituição Federal.

O segundo princípio é o da equivalência dos contratantes coletivos, fundado no reconhecimento de uma situação social e jurídica semelhante a ambas as partes. Essa equivalência decorre, primeiramente, da natureza dos sujeitos envolvidos. O sujeito empregador age naturalmente como um ser coletivo, na medida em que se caracteriza por ser um agente socioeconômico e político cujas ações têm a natural aptidão de produzir impacto na comunidade. Isto porque "é um agregador e direcionador dos instrumentos de produção, distribuição, consumo e de serviços, sendo, por isso mesmo, tendencialmente uma organização" (DELGADO, 2001, p. 92) e potencialmente uma coalização. Assim, o empregador independe de estar agrupado em alguma associação sindical para agir como um ser coletivo, nada obstante ser livre para fazê-lo. Já o empregado, ao contrário, é um ser individual, pessoa física, incapaz de isoladamente produzir ações de impacto comunitário, razão pela qual necessita de um Direito Individual do Trabalho largamente protetivo, destinado a reequilibrar juridicamente a disparidade real da relação de emprego. Entretanto, a partir do momento em que o ser individual se agrupa racionalmente em uma organização institucionalizada capaz de produzir atos de repercussão social, constituindo um ser coletivo, altera-se o enfoque fundamental da disparidade entre os contratantes laborais, sendo o sindicato obreiro a expressão máxima desse fenômeno. Concretiza-se, assim, no aspecto da natureza dos seres coletivos, a equivalência que intitula o princípio em apreço.

Há, ainda, um segundo fundamento para a equivalência dos contratantes coletivos. Trata-se da circunstância de ambos contarem com instrumentos eficazes de atuação e pressão no processo de negociação, como as garantias de emprego, prerrogativas de atuação sindical, possibilidade de mobilização e pressão sobre a sociedade civil e Estado, greve, entre outros. Vislumbra-se, portanto, face à redução da disparidade no plano juscoletivo entre trabalhadores e empregadores, a possibilidade de o Direito Coletivo do Trabalho conferir tratamento mais equilibrado às partes, restando teoricamente sem sentido a observância rigorosa do princípio da proteção, característico do Direito Individual do Trabalho.

O terceiro princípio é o da lealdade e transparência na negociação coletiva. Trata-se de premissa importante para o desenvolvimento eficaz e democrático do processo de negociação entre os seres coletivos. Informa que a lealdade e a lisura devem pautar o comportamento das partes negociantes, inibindo atitudes que se revelem contrárias ao espírito pacificador do Direito Coletivo. Maurício Godinho cita como exemplo de conduta desleal a do sindicato que inicia greve em período de vigência de diploma coletivo negociado, já que existe no ordenamento jurídico a correspondente ação judicial de cumprimento. (DELGADO, 2001, p. 106) Em relação à transparência, o princípio exige responsabilidade social dos contratantes, uma vez que a negociação coletiva envolve importantes comunidades humanas. Não vale, nesse sentido, a privacidade típica de negócios entre particulares, sendo um imperativo o acesso às informações para a construção da norma coletiva.

Outro princípio do Direito Coletivo de grande relevância é o da criatividade jurídica da negociação coletiva. Informa que "os processos negociais coletivos e seus instrumentos (contrato coletivo, acordo coletivo e convenção coletiva do trabalho) têm real poder de criar norma jurídica (com qualidades, prerrogativas e efeitos próprios a estas), em harmonia com a normatividade heterônoma estatal". (DELGADO, 2001, p. 107) Trata-se da própria razão de existência do Direito Coletivo do Trabalho, representando a tendência desejável de descentralização política e de avanço da autogestão social pelas comunidades diretamente envolvidas. O espírito corporativista, marcante na evolução histórica do Direito do Trabalho no Brasil, como já demonstrado, inibiu sobremaneira o desenvolvimento do Direito Coletivo e conseqüente autonormatização dos atores sociais. A Carta Constitucional de 1988 representou um avanço importantíssimo para a ruptura desse modelo, mas ainda falta, de uma maneira geral, cultura democrática e participativa para a consolidação desse processo de mudança.

O último princípio do Direito Coletivo a merecer atenção é o da adequação setorial negociada. Trata dos critérios de harmonização entre as normas originárias da negociação coletiva e as normas provenientes da legislação heterônoma estatal, fixando as possibilidades e limites jurídicos daquela. Maurício Godinho, pioneiro na abordagem deste princípio, faz importantes considerações sobre sua influência direta no Direito Individual do Trabalho, a saber:

Pelo princípio da adequação setorial negociada as normas autônomas juscoletivas construídas para incidirem sobre certa comunidade econômico-profissional podem prevalecer sobre o padrão geral heterônomo justrabalhista desde que respeitados certos critérios objetivamente fixados. São dois esses critérios autorizativos: a)quando as normas autônomas juscoletivas implementam um padrão setorial de direitos superior ao padrão geral oriundo da legislação heterônoma aplicável; b) quando as normas autônomas juscoletivas transacionam setorialmente parcelas justrabalhistas de indisponibilidade apenas relativa (e não de indisponibilidade absoluta). (DELGADO, 2001, p. 109)

No primeiro caso, não há afronta ao princípio da indisponibilidade de direitos inerente ao Direito Individual do Trabalho, uma vez que as normas autônomas importam a adoção de um patamar de direitos superior aos garantidos pela legislação. No segundo caso, por outro lado, são atingidas parcelas afetadas pela indisponibilidade relativa dos direitos, decorrente tanto da natureza do direito envolvido quanto da existência de permissivo jurídico heterônomo. Exemplo dessa última hipótese é o dispositivo constitucional do artigo 7º, inciso VI, relativo ao salário, bem como os dos incisos XIII e XIV, relativos à jornada de trabalho.

Cumpre frisar, entretanto, que a flexibilização autorizada pela Constituição deve sempre consistir em uma transação que importe contraprestação equivalente aos trabalhadores. Já em relação aos direitos de natureza indisponível absoluta, não existe a possibilidade de transação, nem mesmo pela via da negociação sindical coletiva. Maurício Godinho entende que tais direitos indisponíveis absolutos são aqueles entendidos como representativos do patamar civilizatório mínimo que a sociedade democrática não concebe ver reduzido, sob pena de afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana. Esse patamar civilizatório consiste, essencialmente, em três grupos convergentes de normas trabalhistas heterônomas: as normas constitucionais em geral, as normas de tratados e convenções internacionais vigorantes no plano interno brasileiro, as normas legais infraconstitucionais que asseguram patamares de cidadania ao indivíduo que labora (preceitos relativos à saúde e segurança no trabalho, normas concernentes a bases salariais mínimas, normas de identificação profissional, dispositivos antidiscriminatórios, entre outros). (DELGADO, 2001, p. 111)

Concluímos, nesse momento, a exposição dos princípios do Direito Individual e do Direito Coletivo do Trabalho que guardam pertinência com o objeto da presente Monografia. Entendemos que o estudo da arbitragem no Direito do Trabalho deve passar, necessariamente, pela análise dessas premissas estruturais que fundamentam o ramo jurídico laboral. Do contrário, correríamos o risco de analisar tão-somente o instituto da arbitragem, sem a necessária correlação com o Direito do Trabalho.

Cumpre ressaltar, nesse aspecto, que os princípios estabelecem parâmetros de recepção e adequação de institutos novos e externos ao ramo jurídico laboral. Isto porque expressam as características e os moldes que tais institutos devem ganhar quando adentram no Direito do Trabalho.

Por outro lado, a análise da inserção da solução arbitral nos conflitos trabalhistas deve levar em consideração a divisão sistêmica existente entre o Direito Individual e o Direito Coletivo, uma vez que seus princípios não se confundem. Percebe-se, com efeito, a partir da análise comparativa dos respectivos princípios, que todo o Direito Individual do Trabalho é estruturado a partir da constatação fática da diferenciação social, econômica e política entre os dois sujeitos da relação de emprego. Já no Direito Coletivo, ao contrário, há uma relação entre seres teoricamente equânimes, razão pela qual o sistema é construído com uma maior liberdade de negociação e flexibilização de regras imperativas, contribuindo, inclusive, para o amadurecimento democrático dos atores sociais. Nesse sentido, o estudo da utilização do instituto arbitral deve respeitar tal divisão, contemplando cada segmento jurídico individualmente, em harmonia com o pensamento de Maurício Godinho Delgado.


5.A ARBITRAGEM NOS CONFLITOS COLETIVOS DE TRABALHO

Os registros mais remotos da arbitragem como método de solução dos conflitos coletivos de trabalho dão conta de sua utilização pelos sindicatos ingleses, a partir do século XIX, no contexto reivindicatório de direitos desencadeado a partir da Revolução Industrial. Sobre esse fato, assim comenta Efrén Córdova:

É curioso que, na Inglaterra (país pioneiro no desenvolvimento das instituições trabalhistas), foram os sindicatos os primeiros a utilizarem a arbitragem. Quem ler o livro do casal Webb, sobre a história do sindicalismo inglês, encontrará várias referências ao apoio que os sindicatos britânicos de meados do século passado deram à arbitragem, em cuja utilização os sindicatos encontraram uma espécie de reconhecimento para sua existência. A aprovação dos empregadores se deu um pouco mais tarde, no último quarto do século, quando o crescimento dos sindicatos e o medo a seus instrumentos de luta, lhes fizeram ver a conveniência de se submeterem à decisão de um terceiro. (TEIXEIRA FILHO, 1989, p. 537)

Com o passar do tempo, entretanto, a arbitragem nos conflitos coletivos perdeu força na grande maioria dos países, cedendo espaço para as formas autocompositivas, especialmente a negociação coletiva. Esse fato não poderia deixar de ocorrer, até porque a autocomposição dos conflitos é infinitamente mais adequada e razoável do que a heterocomposição, na medida em que realiza a virtude fundamental do ator social, enquanto ser humano, de abandonar ambições em favor da compatibilização pacífica de seus conflitos.

Ocorre, porém, que os meios autocompositivos têm, intrinsecamente, uma barreira instransponível, decorrente de sua própria natureza amistosa, representada pela ausência de um mecanismo de desfecho do processo no caso de impasse nas negociações. Apresentam-se como solução, nesse caso, dois caminhos: a arbitragem privada ou a solução jurisdicional. Cumpre destacar, de antemão, a fim de nortear qualquer comentário que se queira fazer sobre a prevalência ou convivência dos sistemas de solução de conflitos, a orientação firmada pela Organização Internacional do Trabalho, entidade de inegável legitimidade e credibilidade em suas manifestações.

Com efeito, a Organização, por meio da Recomendação N. 92, de 1951, adotada com a data de 29 de junho de 1959, estabelece, em seu artigo 1º, que deverão ser estabelecidos organismos de conciliação voluntária de conflitos, apropriados às condições nacionais, com o objetivo de contribuir para a prevenção e a solução dos conflitos entre empregadores e trabalhadores. Estabelece, ainda, em seu artigo 6º, que se um conflito for submetido à arbitragem, com o consentimento de todas as partes interessadas, para sua solução final, deverá estimular-se às partes para que se abstenham de recorrer a greves e a lock-outs, enquanto dure o procedimento de arbitragem e para que aceitem o laudo arbitral. A Recomendação deixa claro também que nenhuma de suas disposições pode ser interpretada de modo algum em prejuízo do direito de greve.

A Convenção N. 154, de 3 de junho de 1981, a seu turno, que trata do fomento da negociação coletiva, enuncia que as disposições contidas em seu texto não obstam a operação de sistemas de relações industriais em que a negociação coletiva se desenvolve na infra-estrutura de mecanismos ou instituições de conciliação e/ou arbitragem, dos quais participam voluntariamente as partes do processo de negociação coletiva.

Depreende-se que, na visão da Organização Internacional do Trabalho, a melhor forma de solução de um conflito coletivo de trabalho, quando frustradas a negociação e a mediação, é, sem dúvida, a arbitragem voluntária. Márcia Flávia Santini Picarelli, em comentário a esse respeito, destaca o caráter democrático da arbitragem facultativa:

A arbitragem voluntária é por excelência a forma mais democrática por nascer da decisão das partes; todavia, o mesmo caráter não se pode atribuir à arbitragem compulsória, quase sempre estabelecida pelo legislador ou autoridade administrativa. Mais extrema ainda é a solução jurisdicional. Nesta o árbitro não é escolhido livremente pelas partes para afirmar a vontade concreta da lei, e sim é imposto às partes pelo Estado para afirmar e atuar segundo a vontade concreta da lei. O compromisso maior do árbitro na arbitragem é com as partes enquanto que o compromisso maior do magistrado na solução jurisdicional é com a ordem pública. (PICARELLI, 1986, p. 135)

A Constituição Federal de 1988, em consonância com a orientação da Organização Internacional do Trabalho, prevê, em seu artigo 114, § 1º, a possibilidade das partes, voluntariamente, elegerem árbitros se o conflito não for solucionado pela negociação coletiva. A introdução da arbitragem no texto constitucional foi sugerida pelo Partido dos Trabalhadores - PT, ainda nas comissões temáticas da Assembléia Constituinte. Esta agremiação partidária, como se sabe, é intimamente ligada, em suas origens, ao movimento sindical brasileiro. Este registro histórico é importante na medida em que evidencia qual foi o segmento social mais interessado na criação da arbitragem, ou seja, demonstra a preocupação dos sindicatos em criar uma forma alternativa à intervenção estatal da Justiça do Trabalho. Dessa forma, pode-se dizer que houve uma preocupação do constituinte originário com a criação e o desenvolvimento do instituto arbitral nas relações coletivas de trabalho.

O poder normativo judicial, entretanto, também foi posto em destaque pela própria Carta Constitucional, no § 2º do mesmo artigo, em um encadeamento teoricamente lógico decorrente do fracasso da via negocial e arbitral. A crítica ao poder normativo, nessa linha, ocorre na medida em que há um desestímulo à utilização das duas primeiras possibilidades, inegavelmente mais democráticas, uma vez que as partes sabem que, ao final do processo, a questão acabará sendo apreciada pelo Poder Judiciário. Há quem defenda, inclusive, que o constituinte originário perdeu uma grande oportunidade ao deixar de suprimir o poder normativo da Justiça do Trabalho. Isto porque naquele momento estavam presentes o sentimento e as circunstâncias de ruptura necessários, decorrentes do renascimento da democracia no país e do espírito que envolve a promulgação de uma opção política fundamental. A emenda constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004, passou a exigir a existência de comum acordo das partes interessadas para o ajuizamento de dissídio coletivo e o conseqüente exercício do poder normativo da Justiça do Trabalho. Esta alteração revela a tendência de fomento à negociação coletiva e à arbitragem, na medida em que força ao máximo o entendimento das partes e dificulta o acesso ao âmbito judicial.

O fato é que, infelizmente, a arbitragem facultativa não ganhou importância na solução dos conflitos coletivos. Há várias razões que justificam a impopularidade do instituto, cujo teor preferimos tratar na última parte deste trabalho, quando também abordaremos as perspectivas da arbitragem. Cumpre frisar, por ora, que a escassa utilização do instituto não é motivo para deixarmos de analisá-lo na qualidade de instrumento de pacificação social, ainda mais por ser recomendado pela Organização Internacional do Trabalho e previsto na Constituição Federal.

Não há dúvidas sobre a validade jurídica da arbitragem na solução dos conflitos coletivos. Isto porque é a própria norma constitucional, superior a todas as outras, que autoriza sua utilização pelas partes, quando assim o desejarem. Questiona-se, entretanto, a aplicabilidade da atual Lei de Arbitragem, Lei 9.307/96, na solução dos conflitos coletivos. O referido diploma legal revogou as disposições do Código de Processo Civil que tratavam da matéria, além de informar, em seu artigo 1º, que as pessoas capazes de contratar somente poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Estar-se-ia, portanto, diante de uma discussão complexa sobre a natureza jurídica dos direitos trabalhistas, agravada pelo fato de que o instituto da transação, admitido apenas em relação a direitos disponíveis, não é de todo vedado no direito individual e coletivo do trabalho. Entretanto, pelo menos em relação aos conflitos coletivos, essa discussão específica sobre a indisponibilidade dos direitos trabalhistas se revela desnecessária, pelas razões que passamos a expor.

Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que a nova lei de arbitragem foi editada com o propósito de servir a questões de índole civil e comercial, notadamente no âmbito internacional e nas relações empresariais que envolvem vultosas importâncias. Entretanto, sob o ponto de vista estritamente jurídico, sua estrutura acabou por sistematizar a arbitragem de uma forma genérica, já que revogou as disposições legais do Código de Processo que tratavam do assunto e fixou um critério único para aferir que direitos podem ser objeto de arbitragem.

Nesse sentido, entendemos que o artigo 1º da Lei n. 9.307/96 estabelece um parâmetro para a averiguar a aplicabilidade do instituto arbitragem, e não para restringir o âmbito de aplicação da própria lei. Em outras palavras, o teor do artigo não estabelece que a lei se aplica a direitos patrimoniais disponíveis, mas que as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Nesse raciocínio, o critério estabelecido pela Lei não pode prevalecer quando comparado com a norma constitucional, constante no artigo 114, § 1º, que expressamente autoriza a arbitragem nos conflitos coletivos. A questão da disponibilidade apenas se torna pertinente em relação aos conflitos individuais de trabalho, onde não há previsão constitucional para tanto, valendo, em princípio, o critério estabelecido pela lei de arbitragem.

Por outro lado, em vista de não estarmos diante de um critério de aplicação da lei propriamente dita, a resposta para a questão da utilização desse diploma legal específico nos conflitos coletivos deve ser procurada no âmbito da própria legislação trabalhista. O dispositivo a ser examinado, então, é o que trata da subsidiariedade do Direito do Trabalho, qual seja, o artigo 8º, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho:

"Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

Parágrafo único - O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste". (grifo nosso)

Depreende-se do dispositivo acima que a Lei de Arbitragem é aplicável naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais do Direito do Trabalho. Américo Plá Rodriguez afirma que os princípios básicos ou fundamentais são aqueles que "servem de cimento a toda a estrutura jurídico-normativa laboral." (PLÁ RODRIGUEZ, 1993, p. 17) Tendo em vista que, por ora, discute-se apenas a aplicação da lei n. 9.307/96 no Direito Coletivo do Trabalho, a resposta deve vir, portanto, a partir do exame dos princípios do próprio Direito Coletivo do Trabalho, razão pela qual a divisão científica levada a efeito por Maurício Godinho Delgado, exposta no capítulo anterior, merece acolhida especial.

Conforme já exposto, os princípios são "proposições gerais inferidas da cultura e ordenamento jurídicos que conformam a criação, revelação, interpretação e aplicação do direito". (DELGADO, 2001, p. 16) Nesse sentido, os princípios podem ser comuns a todo o fenômeno jurídico ou especiais a um ou alguns de seus segmentos particularizados, informando a noção, estrutura e dinâmica essenciais do direito ou de certo ramo jurídico. Além disso, dentro do que GODINHO chama de "fase jurídica" (DELGADO, 2001, p. 17), ou seja, a realização social do fenômeno jurídico, os princípios se manifestam por intermédio de suas funções, dentre elas a chamada interpretativa/normativa, responsável pelo processo de compreensão e aplicação do direito, ao lado das regras jurídicas.

Os princípios que tratam das relações entre os seres coletivos obreiros e empresariais, no contexto da negociação coletiva, e os que tratam das relações e efeitos perante o universo e comunidade jurídicas das normas produzidas pelos contratantes coletivos, não demonstram qualquer incompatibilidade estrutural e significativa com a Lei de Arbitragem. Ao contrário, reservadas as devidas adaptações, observa-se uma relativa harmonia com os princípios do Direito Coletivo, especialmente o da equivalência dos contratantes coletivos e o da criatividade jurídica da negociação coletiva.

O primeiro deles reconhece uma situação social e jurídica semelhante às partes envolvidas na conformação da arbitragem, de forma que ambas podem produzir atos de repercussão social. Encontram-se, assim, em posição teoricamente igualitária, viabilizando a legitimidade jurídica de uma opção conjunta pela convenção de arbitragem, nos moldes previstos pela Lei n. 9.307/96. Vislumbra-se, portanto, face à redução da disparidade no plano juscoletivo entre trabalhadores e empregadores, a possibilidade de o Direito Coletivo do Trabalho ser o segmento mais adequado para a utilização da via arbitral. Isto porque permite conferir tratamento mais equilibrado às partes, proporcionando, conseqüentemente, uma maior liberdade da autonomia contratual, refletida na possibilidade dos atores coletivos instituírem a arbitragem como forma de solução de suas próprias controvérsias.

O segundo deles, princípio da criatividade jurídica da negociação coletiva, também revela perfeita coerência com os dispositivos da Lei de Arbitragem. Isto porque possibilita que os processos negociais coletivos e seus instrumentos (contrato coletivo, acordo coletivo e convenção coletiva do trabalho) possam criar norma jurídica, em harmonia com a normatividade heterônoma estatal. Franqueia, dessa maneira, a possibilidade de a cláusula compromissória da Lei n. 9.307/96 ser inserida nos instrumentos normativos coletivos, abrindo espaço, inclusive, desde que haja a devida regulamentação, para a arbitragem nos conflitos individuais de trabalho, a ser examinada no próximo capítulo. Como já mencionado, o princípio da criatividade jurídica revela a própria razão de existência do Direito Coletivo do Trabalho, representando a tendência desejável de descentralização política e de avanço da autogestão social pelas comunidades diretamente envolvidas.

Entendemos, assim, que a Lei de Arbitragem pode ser aplicada aos conflitos coletivos de trabalho, em razão de não representar incompatibilidade com os princípios desse segmento jurídico laboral. Cumpre frisar, porém, que as normas jurídicas trabalhistas são imperativas, cogentes, de ordem pública, de maneira que o processo arbitral, ainda que no âmbito coletivo, deve respeitar os contornos fundamentais do direito material e processual do trabalho e especialmente os limites de sua disponibilidade. O fato de o conflito ser retirado da órbita judicial não significa que os direitos trabalhistas podem ser ignorados pelo árbitro. Ao contrário, eles devem nortear os parâmetros de julgamento, ao lado dos critérios estabelecidos pelos próprios seres coletivos na convenção de arbitragem, no exercício de sua autonomia privada coletiva.

Por esse motivo, somos de opinião que nada obstante a Lei n. 9.307/96 ser aplicável aos conflitos coletivos, é imprescindível para o efetivo desenvolvimento do instituto que seja feita uma regulamentação específica para o Direito do Trabalho, ou seja, que o legislador edite um diploma legal destinado a regular tão-somente a arbitragem no âmbito do Direito Coletivo. Essa regulamentação, que deve ser pautada nas peculiaridades que informam a legislação trabalhista, daria credibilidade e segurança jurídica à arbitragem, viabilizando, inclusive, sua utilização no próprio Direito Individual do Trabalho, em conformidade com o princípio da adequação setorial negociada. Este último princípio, que trata dos critérios de harmonização entre as normas originárias da negociação coletiva e as normas provenientes da legislação heterônoma estatal, fixando as possibilidades e limites jurídicos daquela, é de fundamental importância para a discussão sobre a aplicabilidade da arbitragem nos conflitos individuais de trabalho.


6. A ARBITRAGEM NOS CONFLITOS INDIVIDUAIS DE TRABALHO

Não existe permissivo constitucional que faculte às partes elegerem árbitros para a solução de conflitos individuais de trabalho. Desta feita, prevalece, em princípio, na análise da aplicabilidade, a regra contida no artigo 1º da Lei de Arbitragem, que estabelece como critério distintivo a natureza jurídica do direito em apreço, ou seja, deve ser patrimonial e disponível. Carlos Alberto Carmona apresenta a seguinte definição de direito disponível:

[...] quando ele pode ser ou não exercido livremente pelo seu titular, sem que haja norma cogente impondo o cumprimento do preceito, sob pena de nulidade ou anulabilidade do ato praticado com sua infringência. Assim, são disponíveis (do latim disponere, dispor, pôr em vários lugares, regular) aqueles bens que podem ser livremente alienados ou negociados, por encontrarem-se desembaraçados, tendo o alienante plena capacidade jurídica para tanto. (CARMONA, 1998, p. 48)

Sérgio Pinto Martins, em sua obra "Direito Processual do Trabalho", afirma que "seria necessária lei determinando a possibilidade da utilização da arbitragem para solucionar conflitos individuais do trabalho, de maneira que não se aplicasse o art. 1º da Lei n. 9.307". (MARTINS, 2002, p. 88)

A questão, entretanto, não é tão simples quanto parece. As posições que defendem a inaplicabilidade da arbitragem nos conflitos individuais de trabalho com amparo tão-somente no artigo 1º da Lei n. 9.307/96 não resistem a uma discussão aprofundada sobre a natureza jurídica dos direitos trabalhistas. A Juíza aposentada Iara Alves Cordeiro Pacheco, em obra publicada recentemente, intitulada "Os Direitos Trabalhistas e a Arbitragem", faz uma análise pormenorizada do que se pode entender por direito patrimonial disponível. Esclarece que não há na legislação brasileira dispositivo que especifique expressamente quais sejam tais direitos, apesar de a própria legislação apontar os caminhos para identificá-los, mediante regras esparsas. (PACHECO, 2003, p. 41) Nesse sentido, enuncia o entendimento adotado por Hélio Armond Werneck Cortes, levado a efeito a partir da análise estritamente legal da disponibilidade, para quem "em se litigando sobre direitos indisponíveis, a revelia não se induz, a confissão não produz efeito, a transação não se admite, a renúncia é irrelevante". (CORTES apud PACHECO, 2003, p. 43)

Entretanto, defende a ilustre Juíza que tais regras não tem aplicação no processo trabalhista, onde o instituto da conciliação goza de amplo estímulo e é obrigatório tanto na abertura da audiência quanto após o encerramento da fase de instrução. A transação, por sua vez, é quase sempre o caminho escolhido para se obter a conciliação no processo trabalhista. Analisa, ainda, as figuras da revelia, prescrição e confissão no processo do trabalho, concluindo que "se levadas em consideração as regras caracterizadoras dos direitos indisponíveis extraídas do Código de Processo Civil, a constatação é de que os direitos trabalhistas não são indisponíveis." (PACHECO, 2003, p. 77) Acrescenta, também, que em relação aos direitos de personalidade, de indiscutível indisponibilidade, são transacionáveis e prescritíveis os reflexos patrimoniais decorrentes da sua violação.

Detendo-se somente na análise do direito laboral, a autora faz diversas considerações sobre os variados tipos de direitos trabalhistas, além de destacar a relevância do momento de disposição ao longo do contrato de emprego, adotando o seguinte raciocínio:

Efetivamente, a irrenunciabilidade não é absoluta no direito do trabalho: a) a uma, porque nem todos os direitos trabalhistas têm origem em normas de ordem pública; b) a duas, porque existe na doutrina e na jurisprudência um tratamento diferenciado da irrenunciabilidade quanto ao momento do fato, se antes do contrato, durante este e no momento da rescisão ou após esta; c) a três, porque existem outros institutos acolhidos pelo direito do trabalho, como a conciliação (e conseqüente transação), que pode levar à renúncia parcial, bem como a prescrição e decadência, que podem acarretar a perda do direito ou a perda do direito de ação pela inércia do titular. (PACHECO, 2003, p. 98)

Evidenciando a complexidade do problema, Iara Alves Cordeiro Pacheco acaba adotando uma classificação própria, segundo a qual o empregado é detentor de direitos de quatro espécies: "direitos da personalidade; direitos decorrentes de normas de ordem pública absoluta; direitos derivados de normas de ordem pública relativa; e direitos decorrentes de normas dispositivas". (PACHECO, 2003, p. 123) Nesse sentido, defende que o artigo 1º da Lei n. 9.307/96 não impediria a utilização da arbitragem com relação aos direitos decorrentes de normas dispositivas, bem como dos direitos derivados de normas de ordem pública relativa. Conclui, ainda, em relação aos direitos de personalidade, que "caso se trate de lesão já concretizada e o ofensor reconheça a caracterização do ilícito, havendo discordância tão-somente no que tange ao quantum, ou seja, a repercussão patrimonial do direito, será possível firmar o compromisso para o arbitramento da justa indenização". (PACHECO, 2003, p. 123) Já em relação aos direitos de ordem pública absoluta, afirma que nesse caso "os dissídios individuais são passíveis de solução mediante arbitragem, desde que referentes a reflexos patrimoniais, sobre os quais incida dubiedade, e não cabendo às partes optar pela aplicabilidade da eqüidade, devendo ser observadas pelo árbitro as regras inderrogáveis". (PACHECO, 2003, p. 126)

Em que pese a rigorosidade científica adotada pela autora, ao estabelecer uma classificação própria para aferir a arbitrabilidade dos direitos trabalhistas, entendemos que a análise da aplicabilidade da arbitragem no Direito Individual do Trabalho deve passar também pelo estudo dos princípios norteadores desse segmento laboral. E assim deve ser não somente pelo critério de subsidiariedade firmado pela Consolidação das Leis do Trabalho, quando estabelece que o direito comum será fonte subsidiária do Direito do Trabalho naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste, mas também pelo fato de estarmos discutindo a adequação da arbitragem em um sistema jurídico extremamente complexo e dotado de regras muito específicas.

Nesse sentido, acreditamos ser fundamental questionar se a arbitragem afronta o núcleo basilar do Direito Individual do Trabalho, integrado, como já referido, não somente pelo princípio da indisponibilidade dos direitos, esmiuçado pela referida autora, mas também por diversos outros, a saber: princípio da proteção, da imperatividade das normas trabalhistas, da norma mais favorável, da condição ou cláusula mais benéfica, da inalterabilidade contratual lesiva, da intangibilidade salarial, da primazia da realidade sobre a forma e da continuidade da relação de emprego. Será que o instituto arbitral está apto a fazer valer todos os princípios que fundamentam e justificam a existência do Direito Individual do Trabalho?

Por outro lado, o artigo 9º, da Consolidação das Leis do Trabalho, é bem claro quando estabelece que são nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na legislação trabalhista. Revela-se, nesse sentido, um ponto de consenso na doutrina em relação à arbitragem nos conflitos individuais, consistente na impossibilidade de inserção da cláusula compromissória nos contratos individuais. Nesse sentido as posições, respectivamente, de Jorge Luiz Souto Maior, Isabele Jacob Morgado e Iara Alves Cordeiro Pacheco:

A arbitragem deve ter uma avaliação bastante restritiva também porque ela representa, em sentido contrário, a renúncia do direito constitucional de ação, que é uma das garantais fundamentais do cidadão. Não se pode, por tudo isso, ter a menor dúvida de que as cláusulas compromissórias, constantes de contratos de trabalho, que já no momento da formação do vínculo de emprego, instituírem a arbitragem como o modo preferencial para a solução dos futuros conflitos oriundos da relação de emprego, são nulas de pleno direito. Essa avaliação, aliás, não se altera quando a cláusula é instituída durante a vigência do contrato de trabalho ou mesmo logo após a sua cessação e antes do efetivo pagamento das verbas rescisórias.(MAIOR, 2002, p. 185)

Ocorre que, considerando a posição desvantajosa da grande maioria dos trabalhadores em relação aos empregadores, a arbitragem, nos dissídios individuais, deverá se revestir de algumas cautelas, para que não se transforme num meio de burlar as normas trabalhistas de proteção ao empregado, ou mesmo de imposição a este do meio alternativo de solução. Assim, não deve ser permitida a inserção de cláusulas compromissórias em contratos individuais, salvo naqueles casos raríssimos em que o empregado se encontra em posição de igualdade com o empregador, tendo força de negociar diretamente com este, sem que ponha em risco seus direitos. (MORGADO, 1998, p. 46)

Tendo em vista a desigualdade entre empregado e empregador, impossível a inclusão de tal cláusula nos contratos individuais de trabalho, somente podendo ser admitida nos acordos ou convenções coletivas, sob o crivo da entidade sindical, que deve afastar a aplicação da eqüidade. (PACHECO, 2003, p. 127)

Entendemos que é preciso ter muito cuidado quando se defende a arbitrabilidade dos direitos trabalhistas com amparo na regra contida no artigo 1º da Lei de Arbitragem. A espinha dorsal do Direito Individual do Trabalho, como se sabe, é a desigualdade real das partes contratantes, sendo o princípio da proteção a manifestação mais evidente e expressiva desse pressuposto. Não há como se fixar parâmetros de arbitrabilidade idênticos para o Direito Comum e o Direito Individual do Trabalho. Como se sabe, este é um universo jurídico próprio, com princípios próprios, de maneira que a análise levada a efeito tão-somente pela regra estabelecida no artigo 1º da Lei de Arbitragem fica extremamente prejudicada. Acreditamos que a discussão deve se originar a partir do Direito do Trabalho, com respeitos aos princípios que norteiam sua existência científica e histórica. Nada obstante estarmos vivendo uma fase de agressivo questionamento da legislação trabalhista, sob o argumento de que ela entrava a gestão empresarial, gerando desemprego e indo contra a inevitável globalização da economia, entendemos que devem prevalecer as sábias palavras de Arnaldo Süssekind:

[...] o Direito do Trabalho nasceu, é e será intervencionista, visando a limitar, com normas imperativas, a autonomia da vontade numa relação jurídica entre partes desiguais. Esse intervencionismo se reduz na razão inversa do fortalecimento das associações sindicais, em termo nacionais; mas impõe, pelo menos, um nível mínimo de proteção ao trabalhador, abaixo do qual não se concebe a dignidade humana. (SÜSSEKIND apud PACHECO, 2003, p. 75)

Em se considerando que o trabalhador, pessoa física, não consegue produzir atos de repercussão social, entendemos por bem nos posicionar no sentido da inaplicabilidade da arbitragem no Direito Individual do Trabalho, qualquer que seja a natureza jurídica do direito envolvido. Isto porque a arbitragem afronta o que Maurício Godinho chama de núcleo basilar do Direito Individual do Trabalho, desvirtuando todo um sistema jurídico que representa a garantia histórica de milhões de trabalhadores.

Acreditamos que as fórmulas alternativas de solução de conflitos são extremamente importantes enquanto instrumentos de pacificação social. Entretanto, a desejável celeridade do processo trabalhista não pode ser atingida a qualquer preço. Tais métodos extrajudiciais devem se submeter aos princípios nucleares do Direito Individual do Trabalho, sob pena de, na feliz expressão de Maurício Godinho Delgado, "a mesma ordem jurídica ter criado mecanismos de invalidação de todo um estuário jurídico-cultural tido como fundamental por ela mesma". (RENAULT; VIANA, 2003, p. 31) Nesse sentido também os dizeres de Jorge Luiz Souto Maior:

Assim, não parece racional que uma lei, a de arbitragem, faça, sozinha, a inversão de todo o sistema jurídico trabalhista, em outras palavras, crie um novo sistema, que se baseia na liberdade do direito de renunciar, determinando que o juiz do trabalho, diante de uma cláusula compromissória – como está disposto na mencionada lei –, sem qualquer discussão, extinga o processo sem julgamento do mérito. (MAIOR, 1997, p. 155)

Cumpre registrar, nessa linha, que, na época da tramitação no Congresso Nacional do projeto da atual lei de arbitragem, houve tentativas no sentido de inserir em seu bojo a possibilidade de a arbitragem ser utilizada nos conflitos individuais de trabalho. Contudo, segundo o que os meios de comunicação comentaram nesse período, não se incluiu deliberadamente tal proposta com o intuito de facilitar a aprovação do projeto de lei. Seria ilegítimo, portanto, depois de aprovado o projeto, querer aplicar a lei 9.317/96 nos conflitos individuais de trabalho. Observe-se que a motivação de se editar a lei de arbitragem em nada se confundiu com a motivação da inserção da arbitragem no texto constitucional de 1988. Enquanto a primeira foi desencadeada fundamentalmente por setores financeiros e empresariais, interessados em uma maior celeridade na solução de seus litígios, a segunda foi um pleito dos sindicatos dos trabalhadores, objetivando maior liberdade na solução dos conflitos coletivos. Nesse sentido, o disposto no artigo 114, § 1º, da Constituição Federal, destinou-se inegavelmente aos conflitos coletivos, e não aos individuais.

Por ademais, Maurício Godinho Delgado assevera que os princípios têm qualidades muitos marcantes, dentre elas seu "potencial normativo, que não se resume apenas à função supletória das fontes normativas formais existentes, mas também à função retificadora de certo comando legal que se choque com o conjunto sistêmico do direito e seus princípios cardeais". (DELGADO, 2001, p. 82) (grifos nossos) Essa característica, como já dito, decorre de sua natureza fundamentadora de toda a ordem jurídica. Américo Plá Rodriguez também assevera que os princípios podem servir para "embasar a aprovação de novas normas, orientar a interpretação das existentes e resolver os casos não previstos". (PLÁ RODRIGUEZ, 1993, p. 16) (grifos nossos) Até porque "cada princípio constitui uma maneira de harmonizar as normas, servindo para relacioná-las entre si e evitando que o sistema se transforme em uma série de fragmentos desconexos". (PLÁ RODRIGUEZ, 1993, p. 17) (grifos nossos)

A questão muda de figura, entretanto, quando se examina a possibilidade de os acordos e as convenções coletivas de trabalho estabelecerem permissivo que faculte aos trabalhadores e empregadores das respectivas categorias optarem pela solução arbitral de seus conflitos individuais. Seria legítimo, nessa hipótese, admitir a aplicação da arbitragem no direito individual do trabalho? Ou mais, poderiam os entes sindicais, na qualidade de representantes das categorias, instituírem uma cláusula compromissória destinada a fazer com que todos os conflitos individuais que venham a surgir sejam submetidos à solução arbitral?

Faz-se mister salientar, nesse sentido, que o artigo 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal, reconhece como direito social dos trabalhadores o amplo reconhecimento dos acordos e convenções coletivas de trabalho. Representa este dispositivo, sem dúvida, a tendência desejável de as relações de trabalho caminharem cada vez mais para a negociação coletiva. O fomento ao Direito Coletivo do Trabalho tem sido, inclusive, a tônica da discussão atualmente travada no Congresso Nacional em torno das reformas sindical e trabalhista. Todavia, há limites claros e objetivos para as normas estabelecidas nos instrumentos coletivos, onde certamente merece guarida o princípio da adequação setorial negociada. Isto porque ele fixa os critérios de harmonização entre as normas originárias da negociação coletiva e as normas provenientes da legislação heterônoma estatal.

Como já explicitado, este princípio autoriza que a norma coletiva intervenha na esfera de disponibilidade relativa dos trabalhadores sob dois focos: a natureza do direito envolvido ou a existência de permissivo jurídico heterônomo. Sabemos que nessa última hipótese a legislação é taxativa, como ocorre com as modalidades de flexibilização autorizadas pela Constituição Federal. Vejamos, então, se a resposta se encontra na segunda hipótese, relativa à natureza jurídica do direito envolvido.

Trata-se do direito constitucional de ação, uma das garantias fundamentais do cidadão em um Estado Democrático de Direito. Seria tal direito de natureza disponível? O Supremo Tribunal Federal, detentor da última palavra em matéria constitucional no Brasil, analisando pedido de homologação de sentença estrangeira do Reino da Espanha [06], onde se discutia incidentalmente a constitucionalidade da Lei de Arbitragem, declarou, por maioria, constitucional a Lei 9.307/96, por considerar que a manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória no momento da celebração do contrato e a permissão dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar compromisso não ofendem o art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, segundo o qual "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".

Caso se entenda que a decisão do Supremo Tribunal Federal importa considerar disponível o direito constitucional de ação, o que parece ser a melhor interpretação, deve-se perquirir, ainda, se tal ato de disposição por ser feito diretamente pelos sindicatos. Isto porque não estamos diante de um simples direito trabalhista de natureza disponível, mas sim discutindo a disponibilidade indireta do direito de ação, um dos mais elementares do Estado Democrático de Direito. Autorizando a disponibilidade indireta do direito de ação, com amparo no princípio da adequação setorial negociada, estaria a cláusula compromissória, enquanto produto da autonomia da vontade coletiva, em perfeita harmonia com as normas heterônomas estatais? Segundo Cristiana Mello, em estudo específico a respeito deste ponto crucial, apesar de o direito de ação ser disponível e, em princípio, submetido ao princípio da adequação setorial negociada, a disposição do direito de ação, segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal, deve ser direta e pessoal. Não seria possível, assim, o sindicato negociar o direito de ação de seus filiados, incluído-o como objeto de acordo ou convenção coletiva. (MELLO, 2004, p. 6)

Por outro lado, não há dispositivo legal ou constitucional que autorize a instituição da arbitragem nos conflitos individuais por meio de convenção ou acordo coletivo de trabalho, como exige o princípio da adequação setorial negociada. Por esse motivo, entendemos ser impossível, nos termos do referido princípio e da legislação atualmente em vigor, que um acordo ou convenção coletiva de trabalho institua a cláusula compromissória para toda a categoria, obrigando os trabalhadores e empregadores a submeterem seus conflitos individuais à solução arbitral. Isso não seria possível mesmo que a opção pela cláusula compromissória ou compromisso arbitral fosse voluntária na esfera individual, amparada por permissivo constante de convenção ou acordo coletivo, uma vez que não há lei ou dispositivo constitucional que autorize tal prática.

Se houvesse uma regulamentação específica para o instituto da arbitragem no Direito Coletivo do Trabalho, acreditamos que seria juridicamente válida a instituição da cláusula compromissória nos contratos individuais. Isto porque o diploma legal poderia, sem afronta ao núcleo basilar do Direito Individual do Trabalho, facultar aos trabalhadores e empregadores da categoria, nos contratos individuais, a opção voluntária pela solução arbitral, desde que essa possibilidade estivesse contida no competente instrumento coletivo da categoria. Entendemos que, nessa hipótese, a autonomia privada coletiva atua dentro dos limites autorizados pela legislação heterônoma, presumindo-se que os entes coletivos entenderam por bem franquear aos trabalhadores e empregadores individualmente considerados a possibilidade de optarem pela via arbitral. Prevaleceriam, nesse aspecto, os princípios da equivalência dos contratantes coletivos, da criatividade jurídica da negociação coletiva e da adequação setorial negociada, que permitem uma maior liberdade de negociação e flexibilização de regras imperativas, contribuindo, inclusive, para o amadurecimento democrático dos atores sociais.

Atente-se para o fato de que, nessa hipótese, o ato de disposição do direito de ação é direto e pessoal, realizado por cada trabalhador individualmente. O instrumento coletivo tem o condão, nesse específico caso, de patentear a existência de igualdade teórica entre os trabalhadores e empregadores na opção pela solução arbitral, sem autorizar, contudo, a disponibilidade direta do direito de ação pelo sindicato. Os trabalhadores podem ou não fazer uso dessa faculdade, em busca da celeridade na resolução do conflito. A regulamentação em apreço permitiria que o instrumento coletivo criasse uma faculdade aos representados, nunca uma obrigatoriedade. Seria flagrante a inconstitucionalidade de lei ou mesmo emenda constitucional que previsse a possibilidade de a convenção ou acordo coletivo substituir a vontade de seus filiados no tocante ao direito de ação. Restaria violado um direito fundamental do indivíduo, ou seja, o direito de ação, protegido como cláusula pétrea, segundo o que dispõe o artigo 60, § 4º, IV, da Constituição Federal. A perspectiva de viabilidade jurídica para a arbitragem nos conflitos individuais aqui defendida conciliaria as dimensões constitucionais do direito de ação e dos instrumentos coletivos.


7. LIMITES E PERSPECTIVAS DA ARBITRAGEM NO DIREITO DO TRABALHO

Júlio Martinez Vivot, professor catedrático da Universidade de Buenos Aires, faz as seguintes observações sobre a estrutura que devem assumir os sistemas nacionais de solução de conflitos, segundo a orientação da Organização Internacional do Trabalho:

a) que o procedimento de solução seja de baixo custo, de modo que não origine grandes gastos para as partes conflitantes; b) que seja rápido, possibilitando que o conflito termine o mais breve possível; c) que exista o convencimento, tanto nos empregadores como nos trabalhadores, de que a solução é administrada com eqüidade e justiça; e d) quando o sistema é de heterocomposição, a convicção de que o terceiro ou terceiros intervenientes são realmente independentes e imparciais, possuindo as qualificações necessárias para poder cumprir a função encomendada. (TEIXEIRA FILHO, 1989, p. 539)

Passemos, então, a analisar se a arbitragem possui as qualidades de um bom sistema jurídico de solução de conflitos trabalhistas, abordando cada um dos aspectos citados pelo ilustre professor argentino.

Em relação aos custos, a arbitragem é, em geral, um procedimento que demanda razoável capacidade financeira das partes contratantes. Os árbitros são, na maior parte das vezes, pessoas extremamente qualificadas, razão pela qual seus honorários costumam ser altos. No âmbito da Justiça do Trabalho, o empregado é praticamente isento de despesas e custos, além de poder contar com a prestação jurisdicional de um Juiz do Trabalho, pessoa de inegável capacidade técnica para resolver o conflito. Desta feita, no aspecto financeiro, em princípio, a arbitragem não se mostra um caminho interessante para solução de conflitos trabalhistas. Uma saída para esse problema pode ser o financiamento do procedimento arbitral pelos sindicatos, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos. O Ministério Público do Trabalho também pode perfeitamente exercer a função de árbitro, até porque há previsão expressa na Lei Complementar Federal N. 75/93. Sérgio Pinto Martins, a esse respeito, assevera:

O Ministério Público do Trabalho poderia muito bem cumprir a função de árbitro, sem que as partes tivessem de pagar custas, pois os procuradores do trabalho já são remunerados pelos cofres públicos e têm isenção. O procurador do Ministério Público do Trabalho é uma pessoa especializada em questões trabalhistas. (MARTINS, 2002, p. 90)

No tocante ao tempo de duração do litígio, a arbitragem apresenta sua maior vantagem sobre a solução jurisdicional. Os processos judiciais podem levar de um a dois anos para serem dirimidos na primeira instância, dois anos na segunda e mais dois anos na terceira. É algo absurdo e imoderado diante da natureza alimentar das verbas originárias dos direitos trabalhistas. A longa duração do litígio acaba comprometendo a subsistência do trabalhador, constituindo motivo de profunda insatisfação pessoal com o Poder Judiciário. Pode-se afirmar que compromete até mesmo a razão de existência do Direito Individual do Trabalho, na medida em que a demora na solução da questão acaba forçando o empregado a fazer um acordo prejudicial a seus interesses. O princípio protetivo acaba se tornando secundário diante de um Poder Judiciário que não cumpre suas atribuições jurisdicionais em um tempo razoável. O procedimento arbitral é extremamente célere e objetivo, elidindo a protelação típica do processo judicial.

No aspecto da justiça e eqüidade do instituto, entendemos que, em se considerando sua natureza voluntária e facultativa, as partes somente recorreriam ao árbitro se tivessem convicção de que sua atuação se operaria dentro de parâmetros estabelecidos pela legislação e pela eqüidade. Haveria, ainda, uma preocupação do próprio árbitro com a qualidade de suas decisões, na medida em que sua boa reputação seria fundamental para atrair pessoas interessadas na solução arbitral. Nesse sentido, acreditamos que a atividade profissional do árbitro acabaria se destacando qualitativamente, representando ponto a favor da arbitragem. Guilherme Augusto Caputo Bastos observa, em relação ao aspecto qualitativo:

As partes poderão escolher os árbitros que tenham especialização técnica sobre os litígios que lhes serão solucionados, como por exemplo, a escolha de um especialista em área de segurança e medicina do trabalho para arbitrar um conflito que envolva a apuração de graus de insalubridade ou periculosidade de um determinado estabelecimento. (CAPUTO BASTOS, 1999, p. 1470)

Uma avaliação positiva também pode ser feita sobre a questão da imparcialidade e independência do árbitro. A confiabilidade é o pressuposto maior para um árbitro ter credibilidade e aceitação pelas partes. Nesse sentido, seria de fundamental importância que o Ministério do Trabalho, a exemplo do que fazem diversas associações nos Estados Unidos, divulgasse, a titulo de colaboração, uma lista de pessoas cadastradas como árbitros, havendo critérios objetivos para a inscrição dos interessados. Seria imprescindível, ainda, a existência de um órgão do Ministério do Trabalho encarregado de receber reclamações e representações contra árbitros que pratiquem desvios de conduta em suas atividades.

Acrescentamos, ainda, a flexibilidade, informalidade e discrição do procedimento arbitral. As partes podem escolher livremente os parâmetros de julgamento, dentro dos limites impostos pelas normas imperativas da legislação trabalhista. Permite-se ao árbitro, assim, julgar com mais liberdade e justiça. No aspecto da informalidade e sigilo, há vantagens incontrastáveis decorrentes da possibilidade das partes preservarem sua intimidade e imagem. Evita-se o constrangimento inevitável de expor ao público, por exigência legal, questões que somente interessam aos litigantes. Por outro lado, o ambiente jurídico nunca deixará de ser um pouco opressor ao cidadão comum, na medida em que este vê em sua volta formalismos e autoridades que o intimidam na resolução do conflito.

Depreende-se, assim, que a impopularidade da arbitragem não decorre de suas características intrínsecas. Ao contrário, trata-se de uma forma alternativa de resolução de conflitos extremamente interessante, dotada de vantagens expressivas em relação à solução jurisdicional.

Os motivos para o incipiente desenvolvimento da arbitragem podem ser encontrados, em síntese, na falta de experiência, vivência e aplicação prática do instituto, reflexo do modelo único de solução dos conflitos de trabalho que vigorou no Brasil durante tanto tempo. Como exposto no terceiro capítulo, as raízes históricas da Justiça Trabalhista encontram-se no regime corporativista do início do século passado, fato esse que impediu e dificulta até hoje o pleno desenvolvimento do Direito Coletivo do Trabalho.

Acreditamos que a arbitragem encontra-se umbilicalmente ligada ao Direito Coletivo do Trabalho, consoante a perspectiva de viabilidade jurídica exposta nos capítulos anteriores. Dessa forma, entendemos que somente o desenvolvimento efetivo da autonomia privada coletiva, aliado à devida regulamentação do instituto, farão com que esse importante instrumento de pacificação social tenha plena aceitação nos conflitos de trabalho. Cumpre frisar, nesse sentido, a necessidade preeminente de se alterar a estrutura sindical brasileira. O fortalecimento e a representatividade dos entes coletivos condicionam toda e qualquer reforma consistente que se queira fazer na legislação trabalhista. Isso viabilizaria, dentre outros aspectos, a adoção corajosa de instrumentos alternativos de pacificação social. O fomento ao Direito Coletivo do Trabalho tem sido, inclusive, a tônica da discussão atualmente travada no Congresso Nacional em torno das reformas sindical e trabalhista.

É importante salientar, inclusive, que a necessidade de uma efetiva regulamentação da arbitragem é urgente no Brasil. Isto porque, segundo informações veiculadas em artigo publicado recentemente por Carlos Alberto Carmona, a arbitragem nos conflitos individuais de trabalho começa a ser utilizada em larga escala na cidade de São Paulo.

Os dados recolhidos junto ao CAESP (criado em outubro de 1998) revelam que o órgão (que entrou em operação em janeiro de 1999) lidará neste ano com algo em torno de 800 (oitocentas) causas trabalhistas, versando basicamente os litígios sobre horas extraordinárias, intervalos intra-jornada e seus reflexos. Cerca de 85% (oitenta e cinco por cento) destas causas resultaram em transação, homologada pelos árbitros; 10% (dez por cento) das demandas estão em fase de instrução e 5 % (cinco por cento) foram sentenciados com julgamento de mérito (todas as sentenças forma cumpridas independentemente de execução judicial). Nenhuma sentença deste órgão arbitral foi impugnada em juízo (art. 33 da Lei n. 9.307/96). (PUCCI, 2001, p. 49)

Não se sabe exatamente os termos desses acordos e se eles estão realmente respeitando as garantias dos trabalhadores. Muito provavelmente o que está acontecendo é uma aplicação forçada do instituto, com o conseqüente desvirtuamento da diretriz da reforma trabalhista que se pretende viabilizar no Brasil, onde caberá ao Direito Coletivo a preponderância, ou melhor, o papel de protagonista na solução dos conflitos trabalhistas. O fato é que a realidade social começa a exigir a regulamentação da arbitragem nos conflitos de trabalho. Entendemos que ela deve ser feita de maneira responsável, considerando as peculiaridades das relações laborais, a fim de assegurar a integridade do núcleo basilar do Direito Individual do Trabalho.

Ainda não há no Brasil, como ocorre nos Estados Unidos, o que se pode chamar de cultura arbitral, entendida como a pré-disposição das partes de resolverem democraticamente suas próprias controvérsias. O Brasil viveu muito tempo sob regimes ditatoriais, o que dificulta sobremaneira a consolidação da democracia e do associativismo. A visão paternalista do Estado ainda está arraigada nos trabalhadores brasileiros.

Os rumos que a arbitragem tomará dependem, essencialmente, da política legislativa que norteará o desenvolvimento do Direito Coletivo do Trabalho. Temos uma visão otimista na medida em que a solução arbitral somente ganhou status constitucional com a Carta de 1988, não tendo havido desde então uma reforma trabalhista que adequasse a legislação ao sistema democrático por ela instituído. Nesse sentido, sábias são as palavras do Professor Amauri Mascaro Nascimento, proferidas em conferência destinada ao estudo da previsão constitucional contida no artigo 114, § 1º:

Por isso, o debate em torno do instituto da arbitragem está, ainda, numa fase primária. Para fazê-lo avançar seria necessário um questionamento do atual modelo brasileiro da solução dos conflitos. A partir daí se poderia, então, verificar se a arbitragem se justificaria entre nós. Penso, particularmente, que sim, pois a morosidade da Justiça para solucionar os conflitos trabalhistas poderia ser resolvida pela ampliação desses mecanismos privados como a mediação e a arbitragem. Essa privatização das soluções dos conflitos não excluiria a Justiça do Trabalho, componente inafastável do modelo, mas tenderia a reservá-la para questões mais específicas e complexas que requerem decisões judiciais. (MINISTÉRIO DO TRABALHO, 1989, p. 68)

Encontra-se atualmente em tramitação no Congresso Nacional projeto de emenda constitucional que trata especificamente da arbitragem nos conflitos individuais de trabalho. Trata-se, na verdade, da proposta de emenda à constituição que introduz modificações na estrutura do Poder Judiciário, comumente conhecida como "reforma do judiciário" (PEC n. 29/2000). O dispositivo relativo à arbitragem não foi objeto da Emenda Constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004, fazendo parte atualmente do texto que retornou à Câmara dos Deputados, em vista de alteração realizada pelo Senado Federal na apreciação do projeto. O referido texto, agora em tramitação na Câmara dos Deputados, prevê o acréscimo na Constituição Federal, entre outros, do artigo 116-A, cuja redação é a seguinte, verbis:

"Art. 116-A A lei criará órgãos de conciliação, mediação e arbitragem, sem caráter jurisdicional e sem ônus para os cofres públicos, com representação de trabalhadores e empregadores, que terão competência para conhecer de conflitos individuais de trabalho e tentar conciliá-los, no prazo legal.

Parágrafo Único. A propositura de dissídio perante os órgãos previstos no caput interromperá a contagem do prazo prescricional do art. 7º, XXIX."

O literalidade do artigo constante do projeto, acima destacado, deixa claro, em primeiro lugar, a necessidade de lei para a criação dos órgãos de conciliação, mediação e arbitragem. Com efeito, somente uma regulamentação adequada poderia conferir efetividade a tais disposições, disciplinando, a exemplo do que foi feito com as Comissões de Conciliação Prévia, o processo, os efeitos dos acordos ou laudos, a quitação, a composição dos órgãos, a obrigatoriedade de as partes se submetem aos órgãos, a estabilidade dos trabalhadores designados para conciliar e julgar, a possibilidade de levar a discussão à Justiça do Trabalho, entre outros tantos pontos indispensáveis à aplicabilidade do dispositivo. Além disso, o artigo exige a representação de empregadores e trabalhadores, adotando a solução propugnada na presente pesquisa de vincular a arbitragem nos conflitos individuais à autonomia privada coletiva.

Ao que parece, o modelo almejado pelos parlamentares é algo muito próximo do que se faz atualmente nas Comissões de Conciliação Prévia. Nessas Comissões, o trabalhador, caso queira recorrer ao Judiciário, é obrigado a, primeiro, submeter-se à conciliação obrigatória. Não é obrigado, contudo, a fazer acordo. Se fizer, há quitação das parcelas; se não fizer, pode recorrer ao Poder Judiciário. Nessa perspectiva, o trabalhador somente ficaria vinculado a uma decisão arbitral se aceitasse se submeter diretamente a ela. Caso não queira, restariam abertas as portas do Judiciário Trabalhista. Essa é a única interpretação possível face ao que dispõe o parágrafo único do dispositivo em comento, a saber: "A propositura de dissídio perante os órgãos previstos no caput interromperá a contagem do prazo prescricional do art. 7º, XXIX". Se a propositura no órgão interrompe o prazo prescricional, ainda existe a possibilidade de recurso ao Poder Judiciário no caso de o trabalhador se negar a participar do processo arbitral. Deve-se destacar, nessa linha, a perfeita adequação ao que foi exposto nesta pesquisa, relativamente à disposição pessoal do direito de ação nos conflitos individuais.

Não é possível afirmar, ainda, se haverá ou não necessidade de acordo ou convenção coletiva para que os trabalhadores e empregadores possam se valer dos órgãos arbitrais. Também não se pode dizer se serão de fato tribunais arbitrais ou apenas órgãos vinculados ao aparato sindical das partes. No caso das Comissões de Conciliação Prévia, a organização pode ou não decorrer de instrumento coletivo, dependendo do caso. Entendemos que, no caso da arbitragem, o instrumento coletivo trará maior segurança jurídica e legitimidade ao processo arbitral, em harmonia com o que afirmamos nas linhas anteriores. Entretanto, deve-se lembrar que o projeto ainda está em tramitação, não havendo absoluta certeza de sua aprovação.


CONCLUSÃO

A estrutura deste trabalho acadêmico foi concebida em sete capítulos na tentativa de construir um encadeamento lógico de idéias e comentários que demonstrasse a necessária vinculação da arbitragem com o Direito Coletivo do Trabalho. Com amparo nessa premissa, cumpre-nos recapitular os seguintes aspectos:

1.O extraordinário fortalecimento do Estado ao longo da História teve como conseqüência lógica sua quase exclusividade no exercício da Jurisdição, inibindo o desenvolvimento da Justiça privada e das técnicas autocompositivas. O volume e a complexidade das relações humanas tem implicado uma revisão desse conceito, com fundamento na idéia de que o importante é a efetividade da pacificação social, seja por obra do Estado ou por outros meios.

2.A arbitragem, enquanto mecanismo extrajudicial de resolução de controvérsias, situa-se dentro de um movimento amplo em defesa do acesso à justiça, que objetiva, em última análise, ajudar o Estado na difícil tarefa de pacificar os conflitos sociais. No âmbito dos conflitos trabalhistas, a celeridade é a melhor contribuição que a arbitragem pode conferir, especialmente em face da natureza alimentar das verbas originárias dos direitos laborais. É, ainda, o único instituto extra-estatal apto a proferir uma decisão vinculante quando as próprias partes não logram êxito na composição do conflito.

3.A legislação trabalhista possui em seu bojo referências importantes ao instituto arbitral, sendo a principal delas a norma constitucional que faculta às partes elegerem árbitros para a solução dos conflitos coletivos. A releitura do instituto, entretanto, somente se mostrou possível após a edição da Lei n. 9.307/96, que sistematizou e deu uma roupagem mais moderna ao processo arbitral.

4.O sistema brasileiro de solução dos conflitos trabalhistas seguiu as premissas da filosofia corporativista, assemelhando-se, em muitos aspectos, ao sistema italiano da Carta Del Lavoro, de 1927, produzida no regime fascista de Mussolini. O resultado foi o intervencionismo do Estado nas relações laborais desde o início da industrialização, fato que inibiu o desenvolvimento dos sindicatos e do Direito Coletivo do Trabalho, dificultando, nos dias atuais, a assimilação cultural do espírito democrático e participativo instituído pela Constituição Federal de 1988, que confere elevada importância à autonormatização dos atores sociais.

5.A reforma do sistema atualmente em vigor e a adoção corajosa de instrumentos alternativos de pacificação social esbarram na barreira imposta pela fraqueza e falta de representatividade dos entes sindicais, justificando a manutenção de uma legislação trabalhista altamente protetiva e de um aparato institucional caro e dispendioso para solucionar os conflitos laborais.

6. Os princípios têm natureza essencial, ao lado das regras jurídicas, no processo de elaboração, compreensão e aplicação do Direito do Trabalho. Cumprem funções de ordem interpretativa, supletiva e normativa, além de serem elementos imprescindíveis para configurar a autonomia científica e justificar historicamente a existência do Direito Laboral.

7.O núcleo basilar expressa a essência protetiva-retificadora sem a qual o Direito do Trabalho sequer existe. O Direito Coletivo do Trabalho, na qualidade de segmento jurídico construído sobre bases diferenciadas do Direito Individual, possui princípios próprios e constitui ponto decisivo para a compreensão dos desafios da democratização do sistema justrabalhista no Brasil.

8.A análise comparativa dos princípios do Direito Individual e do Direito Coletivo do Trabalho demonstra que o primeiro é estruturado a partir da constatação fática da diferença social, econômica e política entre os dois sujeitos da relação de emprego. No segundo, ao contrário, há uma relação entre seres teoricamente equânimes, razão pela qual o sistema é construído com uma maior liberdade de negociação e flexibilização de regras imperativas, contribuindo, inclusive, para o amadurecimento democrático dos atores sociais.

9.A arbitragem voluntária é uma forma amplamente democrática de solução dos conflitos coletivos de trabalho, tendo sido recomendada pela Organização Internacional do Trabalho e prevista em nossa Carta Constitucional. A Lei n. 9.307/96 é aplicável aos conflitos coletivos de trabalho, reservadas as devidas adaptações, uma vez que não apresenta qualquer incompatibilidade estrutural com os princípios que regem o Direito Coletivo do Trabalho.

10.O parâmetro de arbitrabilidade contido no artigo 1º da Lei n. 9.307/96 não veda, em princípio, a utilização do instituto arbitral no Direito Individual do Trabalho, pois existem direitos trabalhistas de natureza disponível. A Lei de Arbitragem, entretanto, é incompatível com o núcleo basilar do Direito Individual do Trabalho, razão pela qual não pode ser aplicada aos conflitos individuais, à luz do que dispõe o artigo 8º, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho.

11.O caminho para viabilizar a utilização da arbitragem nos conflitos individuais é uma regulamentação legislativa que respeite os princípios fundamentais do Direito do Trabalho e associe a solução arbitral à autonomia privada coletiva. Prevaleceriam, nesse aspecto, os princípios da equivalência dos contratantes coletivos, da criatividade jurídica da negociação coletiva e da adequação setorial negociada, que permitem uma maior liberdade de negociação e flexibilização de regras imperativas.

12.O futuro da arbitragem na área trabalhista depende fundamentalmente da política legislativa que norteará o desenvolvimento do Direito Coletivo do Trabalho. Há boas perspectivas se o legislador promover a adequação da legislação trabalhista ao sistema democrático instituído pela Constituição Federal de 1988, sendo o primeiro passo uma ampla reforma sindical que possibilite o fortalecimento e a efetiva representatividade das entidades sindicais. O fomento ao Direito Coletivo do Trabalho tem sido, inclusive, a tônica da discussão atualmente travada no Congresso Nacional em torno das reformas sindical e trabalhista.


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Notas

  1. Para uma análise aprofundada das espécies de arbitragem, analisar o Glossário de Métodos de Resolução Alternativa de Disputas – RAD’s, elaborado pelos membros do Grupo de Pesquisa e Trabalho em Arbitragem, Mediação e Negociação ("GT Arbitragem") da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, sob a coordenação do ilustre professor ANDRÉ GOMMA DE AZEVEDO.
  2. "Art. 3º Frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recursos via arbitral, é facultada a cessação coletiva do trabalho.
  3. Art. 7º Observadas as condições previstas nesta Lei, a participação em greve suspende o contrato de trabalho, devendo as relações obrigacionais, durante o período, ser regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho".

  4. "Art. 23. Deve ser constituída, no âmbito do órgão de gestão de mão-de-obra, Comissão Paritária para solucionar litígios decorrentes da aplicação das normas a que se referem os arts. 18, 19 e 21 desta lei.
  5. § 1° Em caso de impasse, as partes devem recorrer à arbitragem de ofertas finais.

    § 2° Firmado o compromisso arbitral, não será admitida a desistência de qualquer das partes.

    § 3° Os árbitros devem ser escolhidos de comum acordo entre as partes e o laudo arbitral proferido para solução da pendência possui força normativa, independentemente de homologação judicial".

  6. "Art. 4º Caso a negociação visando à participação nos lucros ou resultados da empresa resulte em impasse, as partes poderão utilizar-se dos seguintes mecanismos de solução do litígio:
  7. I - mediação;

    II - arbitragem de ofertas finais.

    § 1º Considera-se arbitragem de ofertas finais aquela em que o árbitro deve restringir-se a optar pela proposta apresentada, em caráter definitivo, por uma das partes.

    § 2º O mediador ou o árbitro será escolhido de comum acordo entre as partes.

    § 3º Firmado o compromisso arbitral, não será admitida a desistência unilateral de qualquer das partes.

    § 4º O laudo arbitral terá força normativa, independentemente de homologação judicial".

  8. " Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho:
  9. ... XI - atuar como árbitro, se assim for solicitado pelas partes, nos dissídios de competência da Justiça do Trabalho"

  10. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental n. SE-5206. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence, maioria, 12.12.2001. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Flávio Luiz Wenceslau Biriba dos Santos . Arbitragem no Direito do Trabalho: limites e perspectivas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2760, 21 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18313. Acesso em: 19 abr. 2024.