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O termo de ajustamento de conduta como meio alternativo de solução de conflitos

O termo de ajustamento de conduta como meio alternativo de solução de conflitos

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O termo de ajustamento de conduta é típico meio alternativo de solução extrajudicial de conflitos: uma vez proposto, espera-se que o compromitente vá cumprir as exigências estabelecidas pelo legitimado-compromissário; do contrário, o movimento extrajudicial não se esgota, não se finda, tendo em vista a possibilidade de ingressar em Juízo visando sua execução.

Pertinente transcrever excerto do prefácio da obra "Termo de Ajuste de Conduta", elaborado por Luciana Aboim Machado Gonçalves da Silva, em que o professor Pedro Paulo Teixeira Manus identifica a atual situação vivenciada pelos jurisdicionados [01]:

Vivemos uma época em que os conflitos de toda ordem avolumam-se e como consequência há enorme acúmulo de ações judiciais que tornam os trabalhos judiciários ainda mais morosos, o que já ocorre em razão das normas processuais ultrapassadas e das condições materiais de trabalho totalmente insuficientes para fazer frente à demanda.

Assim uma das questões no âmbito do direito processual que tem sido objeto de profundas preocupações é exatamente a busca de soluções alternativas para a solução dos conflitos judiciais, de modo que a prestação seja célere e ao mesmo tempo segura.

Em prosseguimento, trataremos dos aspectos concernentes ao instituto em estudo novamente em tópicos.


1 ORIGEM HISTÓRICA

A respeito da origem histórica do termo de ajuste de conduta, muito embora seja a sua aplicação como medida precedente ao ajuizamento da ação civil pública, não nasceu com o advento da Lei 7.347/85.

Cogitou-se dele, inicialmente, com o disposto no art. 211 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069, de 13-07-90), que preceitua o seguinte: "Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, o qual terá eficácia de título executivo extrajudicial."

Pouco tempo depois, o Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078, de 11-09-90), em seu artigo 113, acrescentou o § 6.º ao art. 5.º da Lei 7.347/85, aprimorando o instituto, como segue: "Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial."

Verifica-se, pela legislação consumerista, o acréscimo do termo "mediante cominações" ao que anteriormente foi disposto pelo ECA. Essa alteração foi significativa para que os legitimados impusessem certa exigência visando o cumprimento do que era estabelecido no pacto.

Ocorre que na Mensagem nº 664, de 11-09-90, intentou-se vetar a redação do referido artigo 113 do CDC, porque considerado contrário ao interesse público ou constitucional. Ainda assim, quando publicada a Lei 8.078/90, a redação do art. 113, no que concerne ao acréscimo do § 6.º ao art. 5.º da Lei 7.347/85 foi mantida, descabendo qualquer dúvida a respeito da sua vigência.

Nesse sentido, Édis Milaré nota que [02]

quando da edição do Código de Defesa do Consumidor, vetou-se o § 3º do art. 82 (que introduzia o compromisso de ajustamento em matéria de relações de consumo) e promulgou-se o art. 113 (que introduziu o mesmo compromisso em matéria de quaisquer interesse individuais), o que acabou por suscitar dúvida quanto à vigência do atual § 6º do art. 5º da Lei 7.347/85. Segundo Hugo Nigro Mazzilli, o argumento usado pelos que sustentavam o veto a tal parágrafo fundou-se no fato de que teria havido equívoco na promulgação do art. 113 em sua íntegra, pois era manifesta a vontade do Presidente da República de vetar o compromisso de ajustamento, intento este exteriorizado por expresso nas razões do veto a outro dispositivo da mesma lei (o parágrafo único do art. 92). Esse argumento, ainda que verdadeiro no tocante à mens legislatoris, não é, porém, suficiente para induzir à existência do veto do instituto constante no art. 113, pois este dispositivo foi regularmente sancionado e promulgado, em sua íntegra, como se pode aferir do exame da publicação oficial da Lei 8.078, de 11.09.1990, publicado no Diário Oficial da União no dia imediato, em edição extraordinária (Notas sobre o compromisso de ajustamento de conduta. In: Antônio Herman Benjamin (Org.). Direito, água e vida. São Paulo: Imprensa Oficial, 2003, p. 571 e 572).

Mesmo visualizada essa mensagem do Presidente quanto à sua intenção de vetar o art. 113, no tocante ao acrescentado § 6.º do art. 5.º da Lei da ACP, a jurisprudência é segura de sua vigência.

Assim rumam os seguintes precedentes do Colendo Superior Tribunal de Justiça: REsp 443407/SP (DJ 25/04/2006 p. 106), REsp 327023/DF (DJ 23/05/2006 p. 134), REsp 440205/SP (DJ 13/06/2005 p. 289), REsp 382659/RS (DJ 19/12/2003 p. 322) e REsp 222582/MG (DJ 29/04/2002 p. 166).


2 CONCEITO

Até onde vimos, o termo de compromisso constitui verdadeira transação. Mas, conforme preceitua Hugo Nigro Mazzilli [03],

Ao contrário de uma transação vera e própria do direito civil, na qual as partes transigentes fazem concessões mútuas para terminarem o litígio, já na área dos interesses metaindividuais temos o compromisso exclusivo do causador do dano (compromitente) a ajustar sua conduta de modo a submetê-la às exigências legais (objeto). De sua parte, o órgão público legitimado que toma o compromisso (compromissário), não se obriga a conduta alguma, exceto, como decorrência implícita, a não agir judicialmente contra o compromitente em elação àquilo que foi objeto do ajuste, exceto sob alteração da situação de fato (cláusula rebus sic stantibus implícita), ou em caso de interesse público indisponível...

Em outras palavras,

Nesse diapasão, podemos conceituar o termo de ajuste de conduta como um instituto jurídico que soluciona conflitos metaindividuais, firmado por algum ou alguns dos órgãos públicos legitimados para ajuizar ação civil pública e pelo investigado (empregador), no qual se estatui, de forma voluntária, o modo, lugar e prazo em que o inquirido deve adequar sua conduta aos preceitos normativos, mediante cominação, sem que para tanto, a priori, necessite de provocação do Poder Judiciário, com vistas à natureza jurídica de título executivo extrajudicial. [04]

E, para os doutrinadores que entendem ser equivocada a definição de transação ao termo de ajustamento de conduta, tratam-no como um "comprometimento ao ajuste de conduta às exigências legais, instituto novo, que existe per se, com suas próprias características". [05]


3 OBJETO

Em qualquer das conceituações acima elencadas, fala-se em direitos metaindividuais. A definição legal desses direitos encontra-se no Código de Defesa do Consumidor, da seguinte maneira:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

São, portanto e em princípio, três os interesses ou direitos abrangidos pelo ajustamento de conduta: difusos, coletivos ou individuais homogêneos.

É de dizer, quanto aos interesses difusos, que "são metaindividuais (ou transindividuais), isto é, transcendem à pessoa, com indeterminação absoluta de titulares, sendo o objeto indivisível e estando as pessoas ligadas entre si por uma situação de fato". [06]

Como exemplo, colhe-se o art. 225 da Constituição Federal de 1988, que prevê o dever de todos manterem um meio ambiente ecologicamente equilibrado com o intuito de propiciar sadia qualidade de vida.

Ainda, a doutrina traz a situação da veiculação de propaganda enganosa, vedada no art. 37 da Lei 8.078/90, que pode gerar consequências tanto na esfera difusa, como na individual. Isso porque, como esclarece Rizzatto Nunes [07]:

Digamos que um vendedor de remédios anuncie um medicamento milagroso que permita que o usuário emagreça cinco quilos por dia apenas tomando um comprimido, sem nenhum comprometimento à sua saúde. Seria um caso de enganação tipicamente difusa, pois é dirigida à toda comunidade.

No entanto, é claro que uma pessoa em particular pode ser atingida e enganada pelo anúncio: ela vai à farmácia, adquire o medicamento, ingere o comprimido e não emagrece. Ou pior, toma o comprimido e fica intoxicada.

Nesse caso, esse consumidor particular tem um direito individual próprio, que também, obviamente, está protegido. Ele, como titular de um direito subjetivo, poderá exercer todos aqueles direitos garantidos na Lei n. 8.078/90. Poderá, por exemplo, ingressar com ação de indenização por danos materiais e morais.

Acerca da indivisibilidade do objeto, continua o doutrinador em nota elucidativa [08]:

Faça-se uma ressalva esclarecedora: o fato de o mesmo objeto gerar dois tipos de direito não muda a natureza de indivisibilidade do objeto relativo no direito difuso. Isto é, se um anúncio enganoso atingir um consumidor em particular, esse direito individual não altera em nada a natureza indivisível do fato objetivo do anúncio.

É que na ação judicial de proteção ao direito difuso, o caráter da indivisibilidade do objeto faz a ligação com a titularidade difusa, sem alterar o quadro da proteção particular.

No terreno da aludida correlação entre indivisibilidade do objeto e titularidade para definir a existência de direito difuso, merece destaque o esposado por Antônio Herman V. Benjamin et. al. [09]:

Os direitos difusos são materialmente coletivos. Não é a lei que lhes impõe artificialmente esta característica plural, e sim o fato de serem necessariamente usufruídos por um número indeterminado de pessoas. Não se trata, também, de união de diversas pretensões individuais num único processo. Em face da ausência de um titular específico do direito somada à vinculação processual entre esta titularidade e a legitimatio ad causam (arts. 6.º e 267, VI, do CPC), faz-se necessário que a lei indique pessoas que tenham legitimidade de requerer sua proteção jurisdicional.

Ou seja, faz-se mister referir que a questão difusa do direito esteja objetivamente ligada à titularidade do seu exercício, que é indeterminável e resultante de uma situação fática (v.g. a exibição de propaganda enganosa, que atinge um número sem fim de pessoas). Por outro lado, não se olvide a possibilidade de uma pessoa específica ser enganada por essa mesma propaganda e, por conseguinte, sofrer lesão a direito. Neste último caso, cabe a ela, independentemente da sorte da ação coletiva, ajuizar a sua ação individual, já que é detentora do direito subjetivo que a ela serve.

No ramo dos interesses coletivos, ao contrário dos interesses e direitos difusos, em que o sujeito ativo é invariavelmente indeterminado, nos coletivos podem ser determinados. Porque, em que pese também transindividuais e de objeto indivisível, a sua origem provém de uma relação jurídica. Como aponta Vera Cecília Gonçalves [10],

Significa dizer que o grupo, a categoria ou a classe de pessoas estão ligados entre si (relação institucional como uma associação, um sindicato, uma federação etc.) ou, alternativamente, possível que esse vínculo jurídico emane da própria relação jurídica existente com a parte contrária.

Expandindo essa concepção de relação jurídica, tem-se que [11]:

Em matéria de direito coletivo são duas as relações jurídicas-base que vão ligar sujeito ativo e sujeito passivo:

a) aquela em que os titulares (sujeito ativo) estão ligados entre si por uma relação jurídica. Por exemplo, os pais e alunos pertencentes a Associação de Pais e Mestres; os Associados de uma Associação de Proteção ao Consumidor; os membros de uma entidade de classe etc.;

b) aquela em que os titulares (sujeito ativo) estão ligados com o sujeito passivo por uma relação jurídica. Por exemplo, os alunos de uma mesma escola, os clientes de um mesmo banco, os usuários de um mesmo serviço público essencial como o fornecimento de água, energia elétrica, gás etc.

Como exemplo de direitos coletivos, aponta-se a irresignação com relação a contrato-padrão, ou então o aumento na mensalidade da escola, que atinge um grupo específico de pessoas originado por uma relação jurídica base. Acompanhe-se, na conceituação de Antônio Benjamin et. al. [12]:

Como exemplo de tutela judicial de direitos coletivos na área do consumidor cite-se o requerimento, veiculado em ação coletiva, para impedir que determinada empresa de plano de saúde ou estabelecimento de ensino promova aumento das prestações, contrariando expressamente a legislação, ou, ainda, tutela consistente na declaração de nulidade de cláusula contratual abusiva inserida em contrato-padrão de empresa de incorporação imobiliária (art. 51 do CDC).

Os beneficiários da ação coletiva serão todos os consumidores que mantêm vínculo contratual com os fornecedores (empresa de plano de saúde, estabelecimento de ensino, incorporação imobiliária). A relação jurídica base, a que se refere o inciso II do parágrafo único do art. 81 do CDC, é justamente este vínculo contratual estabelecido com o fornecedor.

Em derradeiro, quanto aos direitos individuais homogêneos, tem-se por determinado o grupo de origem e a divisibilidade do objeto. O sujeito ativo é determinado e plural, algo que não pode ser confundido com o litisconsórcio, como observa Rizzatto Nunes [13]:

não se trata de litisconsórcio e sim de direito coletivo. Não é o caso de ajuntamento de várias pessoas, com direitos próprios e individuais no pólo ativo da demanda, o que se dá no litisconsórcio ativo; quando se trata de direito individual homogêneo, a hipótese é de direito coletivo – o que permitirá, inclusive, o ingresso de ação judicial por parte dos legitimados no art. 82 da lei consumerista.

E Antônio Benjamin et. al. trazem questão digna de nota, em complemento:

A leitura do art. 91 e seguintes do CDC conduz ao entendimento de que a tutela de direito individual homogêneo concerne a um único fato (origem comum) gerador de diversas pretensões indenizatórias. Há duas fases no processo: a inicial, promovida pelo legitimado coletivo, em que se busca o reconhecimento e a declaração do dever de indenizar; e a segunda fase, que é o momento da habilitação dos beneficiados na ação, com o fim de promover a execução da dívida reconhecida no âmbito coletivo.

Convém trazer, para encerrar o tópico, a formidável lição de Mazzilli, a respeito da identificação da natureza dos direitos transindividuais [14]:

Para identificar corretamente a natureza de interesses transindividuais ou de grupos, devemos, pois, responder a essas questões: a) O dano provocou lesões divisíveis, individualmente variáveis e quantificáveis? Se sim, estaremos diante de interesses individuais homogêneos; b) O grupo lesado é indeterminável e o proveito repara-tório, em decorrência das lesões, é indivisível? Se sim, estaremos diante de interesses difusos; c) O proveito pretendido em decorrência das lesões é indivisível, mas o grupo é determinável, e o que une o grupo é apenas uma relação jurídica básica comum, que deve ser resolvida de maneira uniforme para todo o grupo? Se sim, então estaremos diante de interesses coletivos.


4 LEGITIMIDADE

A questão da legitimidade tem sua base positiva no próprio art. 5.º, § 6.º, da LACP, referindo que "os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais...". Disso resulta que nem todos os legitimados à ação civil pública podem ser compromissários, apenas os órgãos públicos inseridos no rol de incisos do art. 5.º da LACP. Em combinação, o disposto no art. 82 do Código de Defesa do Consumidor.

Sobre o ponto, Mazzilli faz a seguinte reflexão [15]:

Examinando-se o rol dos legitimados ativos, contidos no art. 5º da Lei da Ação Civil Pública e do art. 82 do Código de Defesa do Consumidor, podemos relacionar três categorias: a) a daqueles legitimados que, incontroversamente, podem tomar compromisso de ajustamento: Ministério Público, União, Estados, Município, Distrito Federal e órgãos públicos, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinado à defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos; b) a dos legitimados que, incontroversamente, não podem tomar o compromisso: as associações civis, as fundações privadas, as empresas públicas e as sociedades de economia mista; c) a dos legitimados sobre os quais é questionável possam tomar esses compromissos, como as fundações públicas e as autarquias.

Em sentido contrário, afirmando a legitimidade das empresas públicas e sociedade de economia mista, transcreve-se o entendimento de Francisco Antônio de Oliveira [16]:

Fala a lei em órgãos públicos legitimados, o que não significa que somente aqueles órgãos que tenham natureza jurídica de Direito Público estariam autorizados. Existem órgãos da administração indireta que possuem natureza jurídica de Direito Privado, v.g., empresa pública e sociedade de economia mista. Assim, dos legitimados no art. 5.º, apenas as associações e as fundações de Direito Privado não estariam legitimadas para o compromisso de ajustamento.

E ainda há a doutrina que infere pela legitimidade também das associações, como a esboçada por Fernando Grella Vieira [17]:

A associação terá legitimidade se a questão lhe for pertinente. Não é possível que uma entidade associativa que tenha por finalidade, segundo seus estatutos, por exemplo, a proteção do meio ambiente ponha-se a tutelar interesse atinente à esfera do consumidor, de deficientes, etc. Da mesma forma, a pertinência e os limites da ofensa é que nortearão a legitimidade das fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, em cada caso, diante do que dispuser seus atos constitutivos quanto à finalidade institucional ou objeto social.

Ratificando o seu posicionamento acima transcrito, Mazzili assevera que os legitimados que contam com estrutura jurídica de entidades civis, não governamentais, ou que tenham regime jurídico de empresas privadas, não podem ser considerados órgãos públicos, desatendendo a legitimação positivada no art. 5.º, § 6.º da LACP. A ilegitimidade dos sindicatos, quanto ao termo de ajuste de conduta, estende-se aos sindicatos, no entendimento do renomado doutrinador. [18]


5 NATUREZA JURÍDICA

Como já adiantado, Mazzilli rechaça a ideia de transação pura e simples para o termo de ajuste de conduta, sobretudo porque "a transação envolve disposição do direito material controvertido, a rigor não deveria ele (compromissário) poder transigir sobre direitos dos quais não é titular (o compromissário possui disponibilidade sobre o conteúdo processual do litígio, mas não sobre o conteúdo material objeto da lide) [19].

Nesse rumo, "evidencia-se uma imprecisão terminológica em tal acepção, na medida em que neste termo não há concessões recíprocas de direitos apodícticas no instituo da transação." [20]

Ademais, na esteira do que entende Eduardo Caprara [21],

Assumindo a corrente de que o termo de ajustamento de conduta tem natureza jurídica de transação, se afirma que se trata de uma transação especial, frente cabal indisponibilidade dos direitos transindividuais, bem como da falta de identidade entre os legitimados a celebrá-lo e os titulares do direito material, de forma que a realização de concessões mútuas, próprio das transações ordinárias estaria limitada a uma esfera acidental do exercício dos direitos, ou seja, as condições de tempo, lugar e modo, sem, contudo, jamais versar sobre o direito em si.

A excepcionalidade com que se dá a concessão acidental referida, não descaracteriza o caráter transacional do instituto, já que sua eficácia, apesar da diminuta esfera de transigência, logrou ser alcançada, qual seja, prevenir ou encerrar o conflito. Igualmente, a própria lei previu a possibilidade de transação consistente na modulação da aplicação do direito indisponível ao prever o ajustamento.

Certo é que, pela própria literalidade da norma prevista no art. 5.º, § 6.º, da LACP, o termo de ajuste de conduta é título executivo extrajudicial, algo indiretamente recebido pelo que dispõe o Código de Processo Civil, ao definir, no art. 585, os títulos executivos extrajudiciais (incisos II e VIII).

Mesmo assim, Edson Braz da Silva conclui que [22]

o termo de ajuste de conduta em natureza jurídica de ato jurídico administrativo bilateral em relação à vontade das partes e unilateral em relação à onerosidade das obrigações nele assumidas; simples ou complexo, dependendo se a eficácia está condicionada ou não à homologação do Conselho Superior do Ministério Público, visando à resolução de violação de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.

José dos Santos Carvalho Filho, de forma direta, alega que "a natureza jurídica do instituto é, pois, a de ato jurídico unilateral quanto à manifestação volitiva, e bilateral somente quanto à formalização, eis que nele intervêm o órgão público e o promitente." [23]

Como visto, seguindo as concepções alinhadas, poderia se extrair do termo de ajustamento de conduta o caráter transacional subjazido ao negócio jurídico bilateral, mesmo reconhecida somente a atuação processual legitimadora do compromissário, que deve limitar-se a exigir, mediante cominação, que o compromitente siga as exigências legais, em defesa de interesses e direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

A força do termo, como adiante se verá, está ligada ao fato de constituir verdadeiro e inexorável título executivo extrajudicial, hábil a aparelhar execução perante o Poder Judiciário.


6 EFEITOS DO COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA

Mazzilli apresenta as seguintes características do TAC:

a) dispensa testemunhas instrumentárias; b) o título gerado é extrajudicial; c) mesmo que verse apenas ajustamento de conduta, passa a ensejar execução por obrigação de fazer; d) na parte em que comine sanção pecuniária, permite a execução por quantia líquida em caso de descumprimento da obrigação de fazer; e) mesmo que verse apenas obrigação de fazer, pode ser executado independentemente de prévia ação de conhecimento.

Diante disso, trataremos, doravante, das consequências do compromisso de ajustamento.

6.1 Início da Eficácia

Seguindo o ensinamento de Mazzilli,

O compromisso de ajustamento é eficaz a partir do momento em que é tomado pelo órgão público legitimado – é o que se depreende do art. 5º, § 6º, da Lei da Ação Civil Pública. Sua eficácia não é efeito da homologação do arquivamento do inquérito civil, ao contrário do que indevidamente afirma o parágrafo único do art. 112 da Lei Complementar paulista n. 734/93: é questão só afeta à disciplina da União dispor sobre o momento em que se forma um título executivo.

A proposição do insigne autor, como visto, está inteiramente ligada à eficácia incontinenti da celebração do compromisso.

Vera Cecília Gonçalves Fontes assevera que "é controversa na doutrina a exigibilidade ou não de homologação do compromisso de ajustamento de conduta pelo Conselho Superior do Ministério Público." [24] Recomenda-se, em qualquer caso, que o compromissário fiscalize o cumprimento do pacto, conforme cita Édis Milaré [25]:

De qualquer forma, havendo ou não previsão na lei local quanto à necessidade de homologação do compromisso pelo Conselho superior, é recomendável, sempre, que o órgão que o celebrou fiscalize o seu efetivo cumprimento, para que não se protele, em nome do controle interno, a defesa do bem jurídico do interesse coletivo.

Por certo, a omissão legislativa quanto à necessidade de homologação do pacto pelo Conselho Superior gera discussão e incerteza.

Essa quaestio foi objeto de julgamento do REsp n.º 802.060/RS pelo C. Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria do Ministro Luiz Fux, publicado no DJ em 22.02.2010. O referido julgamento esmiúça a matéria, de sorte que passaremos à análise da ementa de forma fragmentada, suprimidos os excertos estranhos ao estudo:

Em resumo, o recurso desafiava a homologação de termo de ajustamento de conduta em que, em momento precedente à avaliação do Conselho Superior, através de advogado, a compromissária manifestou sua vontade de desistir do pacto. Mesmo assim, houve homologação do TAC.

Perceba-se, ab initio, não há previsão legal sobre a matéria:

ADMINISTRATIVO. DANO AMBIENTAL. INQUÉRITO CIVIL. TERMO DE AJUSTE DE CONDUTA. ART. 5º, § 6º, DA LEI 7.347/85. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. IMPOSIÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. CERCEAMENTO DE DEFESA. COAÇÃO MORAL. VIOLAÇÃO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA.

EXCESSO DE COBRANÇA. MULTA MORATÓRIA. HOMOLOGAÇÃO DE TERMO DE AJUSTAMENTO PELO CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ART. 9º, §§ 2º E 3º DA LEI 7347/85

1. A revogação da manifestação de vontade do compromitente, por ocasião da lavratura do Termo de Ajustamento de Conduta - TAC junto ao órgão do Ministério Público, não é objeto de regulação pela Lei 7347/855.

Em se tratando de instituto analogamente semelhante à transação, exige-se, para sua constituição e validade, a presença de alguns elementos básicos, tal como a vontade das partes:

2. O Termo de Ajustamento, por força de lei, encerra transação para cuja validade é imprescindível a presença dos elementos mínimos de existência, validade e eficácia à caracterização deste negócio jurídico.

3. Sob esse enfoque a abalizada doutrina sobre o tema assenta: "(...) Como todo negócio jurídico, o ajustamento de conduta pode ser compreendido nos planos de existência, validade e eficácia. Essa análise pode resultar em uma fragmentação artificial do fenômeno jurídico, posto que a existência, a validade e a eficácia são aspectos de uma mesmíssima realidade. Todavia, a utilidade da mesma supera esse inconveniente. (...) Para existir o ajuste carece da presença dos agentes representando dois "centros de interesses, ou seja, um ou mais compromitentes e um ou mais compromissários; tem que possuir um objeto que se consubstancie em cumprimento de obrigações e deveres; deve existir o acordo de vontades e ser veiculado através de uma forma perceptível (...) (RODRIGUES, Geisa de Assis, Ação Civil Pública e Termo de Ajustamento de Conduta, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 2002, p. 198). (Grifamos).

4. Consectariamente, é nulo o título subjacente ao termo de ajustamento de conduta cujas obrigações não foram livremente pactuadas, consoante adverte a doutrina, verbis:"(...) Para ser celebrado, o TAC exige uma negociação prévia entre as partes interessadas com o intuito de definir o conteúdo do compromisso, não podendo o Ministério Público ou qualquer outro ente ou órgão público legitimado impor sua aceitação. Caso a negociação não chegue a termo, a matéria certamente passará a ser discutida no âmbito judicial. (FARIAS, Talden, Termo de Ajustamento e Conduta e acesso à Justiça, in Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, v.LII, p. 121).

Neste caso concreto do REsp, por não ter sido refletida a verdadeira vontade da compromissária, já que quando firmado o TAC esta não se fez acompanhada de advogado e, no interregno da firmação e homologação manifestou seu desinteresse no pactuado, não haveria como homologá-lo:

5. O Tribunal a quo à luz do contexto fático-probatório encartado nos autos, insindicável pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, consignou que: (a) o Termo de Ajustamento de Conduta in foco não transpõe a linde da existência no mundo jurídico, em razão de o mesmo não refletir o pleno acordo de vontade das partes, mas, ao revés, imposição do membro do Parquet Estadual, o qual oficiara no inquérito; (b) a prova constante dos autos revela de forma inequívoca que a notificação da parte, ora Recorrida, para comparecer à Promotoria de Defesa Comunitária de Estrela-RS, para "negociar" o Termo de Ajustamento de Conduta, se deu à guisa de incursão em crime de desobediência; (c) a Requerida, naquela ocasião desprovida de representação por advogado, firmou o Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público Estadual no sentido de apresentar projeto de reflorestamento e doar um microcomputador à Agência Florestal de Lajeado, órgão subordinado ao Executivo Estadual do Rio Grande do Sul; (e) posteriormente, a parte, ora Recorrida, sob patrocínio de advogado, manifestou sua inconformidade quanto aos termos da avença celebrada com o Parquet Estadual, requerendo a revogação da mesma, consoante se infere do excerto do voto condutor dos Embargos Infringentes à fl. 466.

11. Consectariamente, é nula a homologação de pedido de arquivamento de inquérito civil público instaurado para a apuração de dano ambiental, pelo Conselho Superior do Ministério Público, à míngua de análise da inconformidade manifestada pelo compromitente quanto ao teor do ajuste.

Em conclusão e resumo, a corte entendeu que a manifestação de vontade, livre diga en passant, deve ser respeitada quando celebrado o acordo com contornos transacionais. Ainda que parte da doutrina admita a eficácia incontinenti, como ventila Mazzilli na transcrição inicial do presente tópico, é de se reconhecer vacância de eficácia, quiçá não absoluta, entre a firmação e a homologação.

Com isso, nada impede que o acordo pactuado seja imediatamente cumprido pela parte compromissária; nada impede, do mesmo modo, que demonstre arrependimento entre o período que sucede a firmação e antecede a homologação, porque, a fortiori, ainda não constituído de forma inarredável, frente a ausência de ratificação pelo Conselho Superior que, como visto, detém a atribuição não somente de aferir a lisura do TAC, mas também da possibilidade e pertinência de ser oferecido, posto que, uma vez transacionado e cumprido, caso integral, impede o ajuizamento da ação civil pública.

Cremos ser justa a solução dada ao caso pelo STJ, porque, do contrário, estaria tornando inócua a reapreciação do pleito de arquivamento formulado pelo compromissário com base na firmação do termo de ajuste de conduta. Os efeitos são maiores do que o simples fim do litígio, sobremodo porque está ligado ao exercício de ação, o qual, certamente, tem reflexos jurisdicionais muito mais amplos, e referentes a interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos que transcendem a deliberação única e específica do parquet, no caso, sem ignorar suas óbvias condições de firmá-lo.

A questão do início da eficácia, doutrinariamente, segue um rumo, enquanto que na aplicação prática do direito (jurisprudência), caminha em sentido diverso.

6.2 Abstenção de ação dos colegitimados

Muito se diz que o termo de ajustamento de conduta tem por consequência abster de ação o legitimado, vez que o conflito, pela submissão do compromitente às exigências legais, estaria finalizado.

Inobstante, curiosa situação merece reflexão: na medida em que são plurais os legitimados, seria "erga omnes" o reflexo do termo de ajustamento de conduta, no que se refere ao exercício de ação? Melhor dito, os demais legitimados, diante do termo firmado por um de seus pares, ficaram proibidos de ajuizar a ação civil pública correspondente?

A resposta é constituída de entendimentos divergentes.

Em afirmação negativa, cita-se o posicionamento de Eduardo Caprara, argumentando que [26]

por tratar-se de exercício de titularidade extraordinária, em substituição aos titulares efetivos dos direitos transindividuais, a atuação de um legitimado em substituição obviamente previne à tutela por outro igualmente legitimado, de forma que, uma vez firmado o compromisso de ajustamento, impõe-se obstáculo à impetração de ações cujo objeto e obrigado sejam os mesmos.

Fundamentando sua posição, Caprara desce às questões processuais atinentes às condições da ação, em brilhante argumentação [27]:

Isso porque, os elementos da ação partes, causa de pedir e pedido, no caso, são idênticos. A causa de pedir e o pedido, redundaria nas ações propostas pelos demais legitimados nos mesmos termos do ajustamento, de sorte a restar alguma dúvida, apenas em relação às partes. Quanto a estas, há que se compreender que o exercício da faculdade atribuía por lei por um dos legitimados extraordinários, agindo como substituto processual, impõe-se frente aos demais, de sorte que o próprio artigo 5º da Lei 7.347/85, em seus parágrafos 2º e 5º, prevê a faculdade dos demais ingressarem como litisconsortes do que primeiro se habilitou a substituir. Destarte, a prevenção de um dos legitimados em firmar o compromisso de ajustamento de conduta, impõe, a ele e aos demais, a suspensão do direito de ação.

Embora sedutora, a defesa de Caprara não se coaduna com o que advoga Mazzili, porque, segundo este [28],

mesmo que o órgão ministerial ou outro órgão público legitimado aceite a proposta do causador do dano no sentido de reparar a lesão, ou concorde, por exemplo, com sua proposta de cessar a atividade poluidora nos prazos e condições determinadas, ainda assim a transação ou o compromisso de ajustamento não obstarão o acesso à jurisdição pelos legitimamente interessados. Entender o contrário seria admitir que lesões a interesses metaindividuais pudessem ser subtraídos do controle jurisdicional, por mero ato de aquiescência administrativa de qualquer órgão público legitimado, o que nosso sistema constitucional não permite. Em suma, qualquer co-legitimado poderá discordar do compromisso e propor a ação judicial cabível.

O doutrinador vai além, acenando com a possibilidade de o próprio compromissário, cumprido o compromisso, ajuizar a respectiva demanda judicial [29]:

Embora normalmente não seja coerente ou razoável que o faça, não há propriamente um óbice jurídico a isso. Primeiro, porque os compromissos de ajustamento supõem implicitamente terem sido pactuados sob a cláusula rebus sic stantibus, ou seja, se as condições de fato em que se baseou o compromisso se alterarem, nada impede que a questão seja discutida em juízo. Em segundo, os compromissos de ajustamento são garantia mínima e não máxima para a coletividade – até porque, se fossem garantia máxima estariam a impedir que o Poder Judiciário conhecesse de lesões de direitos metaindividuais. Assim, o compromisso de ajustamento não gera impedimento a que os co-legitimados que não o celebraram tenham acesso ao Judiciário para discutir a questão pactuada, em sua inteireza; e se os co-legitimados não têm esse impedimento, também não o tem aquele que tomou o compromisso.

Mas Mazzilli adverte [30]:

Entretanto, quando o próprio órgão público legitimado, que tomou o compromisso de ajustamento, se resolve a propor a ação civil pública ou coletiva contra o compromitente, deverá demonstrar, cumpridamente, os fundamentos que o levaram a pretender mais do que aquilo que já tinha sido consensualmente acordado.

Na mesma esteira de entendimento, Luciana A. M. Gonçalves da Silva, ao afirmar que "eventual compromisso mal elaborado não implicará a impossibilidade de ajuizamento de ação civil pública por outros co-legitimados, reivindicando direitos metaindividuais violados ou não atendidos pelo ajuste." [31]

Partilhamos do entendimento de que não há impeditivo jurídico quanto ao direito de ação pelos colegitimados que não fizeram parte do termo de ajuste de conduta. Entender como preconiza Eduardo Caprara, mesmo que a questão da substituição processual se imbrique com a identidade de partes (algo a gerar, até mesmo, certa espécie de litispendência), é de se mencionar que os legitimados inseridos no rol do art. 5.º da LACP e art. 82 do CDC não dispõem, como dito reiteradamente, do direito material objeto das ações civis públicas ou coletivas.

Quer-se dizer, com isso, que o direito material pertence ao sujeito metaindividual, e o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário, positivado no art. 5.º, inc. XXXV, da CF/88 deve manter abertas as portas do Judiciário em sendo verificada qualquer ameaça ou lesão ao direito coletivo, difuso ou individual.

É procedente, por outro lado, a afirmativa de Mazzilli quando diz que somente em casos excepcionais poderia o compromissário ajuizar a ação civil pública, ou então o colegitimado, depois de oferecido e aceito o termo de ajuste de conduta. Isso porque, somente se reservaria ao Poder Judiciário espaço para dirimir a questão quando se estivesse diante de irredutível ameaça ou lesão ao direito, algo inocorrente em sendo esgotada a pretensão legitimadora no bojo do termo de ajuste de conduta.

Com reservas, então, conclui-se que o oferecimento do TAC não impossibilita a ação dos colegitimados e, em raros casos, do próprio compromissário.


7 LIMITAÇÕES AOS COMPROMISSOS DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA

Sobre o ponto, Mazzilli destaca as seguintes limitações [32]:

não se pode perder de vista algumas regras quanto aos limites dos compromissos de ajustamento: a) como são garantia mínima e não máxima da responsabilidade do causador do dano a interesses metaindividuais, consequentemente não podem os compromissos estipular cláusulas limitativas de responsabilidade nem impeditivas de acesso dos lesados à jurisdição; b) pelo mesmo motivo, não podem os compromissos de ajustamento incluir renúncia a direitos materiais, de que não são titulares os órgãos públicos legitimados a tomarem os compromissos; c) ainda por isso, não se admite que, nos compromissos de ajustamento de conduta, haja transação quanto ao objeto material do litígio, até porque não têm os legitimados ativos à ação civil pública ou coletiva a disponibilidade sobre o direito material controvertido; d) porque não se admite transação nem mesmo em juízo de matéria atinente à improbidade administrativa, com maior razão não se admite compromisso de ajustamento que importe renúncia ou dispensa de exercício de direitos em prejuízo do patrimônio público.

Acrescenta-se, considerada a hipótese de fazer parte do termo obrigações de fazer, que estas não sejam ilícitas. E, no concernente à questão da cominação, na modalidade pecuniária, há de ser razoável.

Em se tratando de título executivo extrajudicial, por excelência, o juiz está autorizado a reduzir o seu valor, segundo dispõe o parágrafo único do art. 645 do CPC, "se o valor da multa estiver previsto no título, o juiz poderá reduzi-lo se excessivo."

Exige-se, nessa operação, a devida cautela e prudência do magistrado, pois

não haveria justificativa para reduzir o juiz a multa fixada no compromisso de ajustamento, se mesmo ela não se mostre suficiente para fazer o devedor realizar aquilo a que se comprometeu. Assim, deve aquela possibilidade de redução de multa ser utilizada como ponderação pelo juiz, tendo em vista as circunstâncias do caso concreto e, sempre, o objetivo de dar efetividade ao ordenamento jurídico. [33]


8 O TERMO DE AJUSTE DE CONDUTA COMO MEIO ALTERNATIVO DA SOLUÇÃO DE CONFLITOS

De tudo quanto foi dito, entende-se o termo de ajuste de conduta como genuína modalidade alternativa da solução de conflitos. É certo que, uma vez admitido, oferecido e cumprido, não mais subsistirá o denominado dano que deu causa à sua oferta e, desse modo, qualquer lesão ou ameaça a direito difuso, coletivo ou individual homogêneo.

Noutro giro, em havendo recalcitrância do compromitente, que deliberadamente vier a negar dar cumprimento ao pacto, os legitimados podem valer-se ou da ação civil pública, quando restar algo a ser judicialmente fixado, ou então diretamente da execução com base em título executivo extrajudicial.

A própria gênese do TAC é suprimir a ação de conhecimento, uma vez que, celebrado, pressupõe-se a aceitação do compromitente quanto à ofensa ao direito difuso, coletivo ou individual homogêneo por ele praticado.

E acerca da aceitação e seus efeitos, cumpre rememorar o posicionamento do STJ no sentido de ser verdadeiro e consciente, sob pena de nulificar todo o ato extrajudicial, causando maior morosidade, custas e prejuízos aos jurisdicionados, não somente em questões materiais, mas em dimensões outras como a satisfação com a missão jurisdicional.

Confira-se o entendimento doutrinário a esse respeito [34]:

O termo ou ajustamento de conduta é um modo pelo qual é dada ao autor do dano a oportunidade de cumprir as obrigações estabelecidas, comprometendo-se o ente legitimado, de sua parte, a não propor a ação civil pública ou a pôr-lhe fim, caso esta já esteja em andamento. Com isto, busca-se evitar processos extremamente custosos, desgastantes e morosos para ambas as partes, fazendo com que o autor do dano pratique ou se abstenha de praticar o ato inquinado de lesivo, sempre com vistas a atender o bem maior objeto do acordo. Assim, desde que cumprido o ajuste, terá o compromisso alcançado seu objetivo, sem a necessidade de movimentar toda a máquina judiciária. É, portanto, um meio rápido e eficaz para a solução de problemas. E, na hipótese de não ser cumprido o TAC, poderá o mesmo ser executado desde logo, eis que constitui título executivo extrajudicial, revelando-se desnecessária qualquer outra discussão em torno dos comportamentos que o instituíram.

Em definição análoga [35]:

O termo de compromisso apresenta-se como um instrumento extrajudicial para solução de conflitos metaindividuais muito mais proveitoso que o ajuizamento de ação civil pública, por incutir uma tutela preventiva e reparadora dos danos causados aos direitos sociais dos trabalhadores, sem que para tanto necessite passar pela delonga peculiar às ações judiciais. Ademais, alcança superior índice de efetividade o avençado ante o sentenciado, tendo em vista que a parte assume um maior compromisso, em termos psicológicos, quando da solução por esta ajustada em relação à imposta pelo ente estatal, até porque esta resvala, em regra, em descontentamento.

Corroborando os entendimentos doutrinários supratranscritos, parece-nos claro que o TAC constitui insofismável meio alternativo de solução de conflitos. A peculiaridade inerente ao TAC, no nosso entendimento, está ligada ao fato de que o ente legitimado (compromissário) assume o escopo de garantir a eficácia da legislação, melhor dito, pretende adequar a conduta dita como lesiva ao que preceitua a lei.

Nessa trilha, verifica-se a presença onipotente de um órgão público frente a um indivíduo ou entidade que lesa um direito difuso, coletivo ou individual homogêneo. Em vista disso, soa presente aquela imagem de força inerente ao pronunciamento do Poder Judiciário, mas não no bojo de um processo. O TAC, destarte, compreende uma via transacional em que, mesmo assim, a parte compromissária goza de sensível hierarquia sobre o compromitente, de modo a alcançar sua submissão, frise-se, ao que dispõe a lei.

Melhor ainda é saber que havendo dúvidas ou pendências quanto à questão fática que ensejou a celebração do TAC, o Poder Judiciário estará com suas portas abertas, através do que dispõe o art. 5.º, inc. XXXV, da CF/88, para apreciar eventual ameaça ou lesão a direito.

Óbvio que a visão holística da aplicação do instituto não deve ser impulsionada pelo sentimento de frustração, cedendo espaço à primazia da solução do conflito aparente pelo cumprimento do que é estabelecido pelo termo de ajuste, encerrando, assim, a celeuma.


Notas

  1. SILVA, Luciana Aboim Machado Gonçalves da. Termo de ajuste de conduta. São Paulo: LTr, 2004, p. 11.
  2. MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 818-819.
  3. MAZZILLI, Hugo Nigro. O inquérito civil: investigações do Ministério Público, compromissos de ajustamento e audiências públicas. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 295.
  4. SILVA, Luciana A. M. Gonçalves da, op. cit., p. 19.
  5. FIORILLO, RODRIGUES e NERY, 1996, p. 177, apud FONTES, Vera Cecília Gonçalves, in Compromisso de Ajustamento de Conduta, publicado na Revista Jurídica da UniFil, Ano IV – nº 4, p. 37.
  6. FONTES, Vera Cecília Gonçalves, op. cit., p. 39.
  7. NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 753/754.
  8. Ibidem, p. 755.
  9. BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Cláudia Lima; e BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 386.
  10. FONTES, Vera Cecília Gonçalves, op. cit., p. 39.
  11. NUNES, Luiz Antônio Rizzatto, op. cit., p. 756.
  12. BENJAMIN, MARQUES e BESSA, op. cit., p. 387/387.
  13. NUNES, Luiz Antônio Rizzatto, op. cit., p. 758.
  14. MAZZILLI, 2006, p. 55-6, apud FONTES, Vera Cecília Gonçalves, op. cit., p. 39.
  15. MAZZILLI, Hugo Nigro, op. cit., p. 300/301.
  16. OLIVEIRA, Francisco Antônio de. Ação civil pública: enfoques trabalhistas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 187, apud SILVA, Luciana A. M. Gonçalves da., op. cit., p. 24.
  17. VIEIRA, Fernando Grella, 2002, p. 271, apud FONTES, Vera Cecília Gonçalves, op. cit., p. 46.
  18. MAZZILLI, Hugo Nigro, op. cit., p. 301.
  19. Ibidem, p. 294.
  20. SILVA, Luciana A. M. Gonçalves da, op. cit., p. 22.
  21. CAPRARA, Eduardo. Natureza jurídica e efeitos do compromisso de ajustamento de conduta. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2351, 8 dez. 2009. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/13989. Acesso em: 23 ago. 2010.
  22. SILVA, Edson Braz da, 2002, apud SILVA, Luciana A. M. Gonçalves da, op. cit., p. 21.
  23. CARVALHO FILHO, José dos Santos, 2001, apud FONTES, Vera Lúcia Gonçalves, op. cit., p. 41.
  24. FONTES, Vera Cecília Gonçalves, op.cit., p. 48.
  25. MILARÉ, Édis, 2005, apud FONTES, Vera Cecília Gonçalves, op. cit., p. 48.
  26. CAPRARA, Eduardo, op. cit.
  27. Ibidem.
  28. MAZZILLI, Hugo Nigro, op. cit., p. 313.
  29. Ibidem, p. 314.
  30. Ibidem, loc. cit.
  31. SILVA, Luciana A. M. Gonçalves da, op. cit., p. 36.
  32. MAZZILLI, Hugo Nigro, op. cit., p. 318/319.
  33. PROENÇA, 2001, apud Fontes, Vera Cecília Gonçalves, op. cit., p. 43.
  34. FONTES, Maria Cecília Gonçalves, op. cit., p. 49.
  35. SILVA, Luciana A. M. Gonçalves da, op cit., p. 53.

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SANCHOTENE, Danilo Gomes. O termo de ajustamento de conduta como meio alternativo de solução de conflitos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2786, 16 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18503. Acesso em: 16 abr. 2024.