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Peculiaridades dos contratos de trabalho dos atletas profissionais de futebol

Peculiaridades dos contratos de trabalho dos atletas profissionais de futebol

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RESUMO

Os contratos de trabalho dos atletas profissionais possuem peculiaridades que os diferenciam dos demais contratos de trabalho. São perceptíveis diferenças na forma de pactuação do contrato, tempo de duração e efeitos rescisórios. Este trabalho objetiva esclarecer esses pontos de diferenças para que se tenha maior conhecimento sobre o tema, além de proporcionar uma segurança diferenciada ao se operar com esse tipo especial de contrato.

Palavras-Chave: Atleta profissional. Concentração. Futebol. Rescisão.

RESUMEN

Los contractos de empleo de los atletas profesionales del fútbol poseen las particularidades que las distinguen de los contractos de los demás empleos. Las diferencias bajo la forma de contratación del acuerdo, época de la duración y efecto rescisorios son perceptibles. Este trabajo objetivo para clarificar estos puntos de diferencias de modo que si tiene mayor conocimiento en el tema, más allá de proveer de una seguridad distinguida si funciona este tipo especial de contrato.

Palabra-Llave: Atleta profesional. Concentración. Fútbol. Rescisión.

SUMÁRIO:1 INTRODUÇÃO. 2 INFORMAÇÕES PRELIMINARES. 3 O CONTRATO DE TRABALHO DO ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL

3.1 Prazo de duração . 3.2 Capacidade Para Contratar. 3.2 O Atleta não-profissional. 4 EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO DO ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL. 4.1 Extinção normal – chegada do termo. 4.2 Extinção anormal – resilição e resolução. 5 DIREITOS E OBRIGAÇÕES DOS ATLETAS. 5.1 Férias. 5.2 Jornada. 5.3 Intervalos intrajornadas, entrejornadas e repouso semanal remunerado. 6 REMUNERAÇÃO E SALÁRIO . 6.1 Luvas . 6.2 Bicho . 6.3 Direito de Arena e Direito de Imagem . 7 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS


1 INTRODUÇÃO

Diariamente somos bombardeados pelos meios de comunicação sobre os jogos de futebol, sobre este ou aquele clube, sobre este ou aquele atleta que foi vendido ou foi comprado. Milhões de reais, de dólares, de euros.

Entretanto, mesmo na lide trabalhista, pouco ou nada se sabe acerca dos direitos especiais desses empregados-atletas. Questões como o período de concentração, férias, horas extras, viagens e, é claro, as extinções de contrato acabam ficando obscuras na nossa mente.

Questões recentes envolvendo jogadores gaúchos estimulam ainda mais a curiosidade. Ronaldinho Gaúcho e Tinga foram "perdidos" pelo Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense por que motivo? Quais são as hipóteses de extinção do vínculo trabalhista dos jogadores?

Outras questões como direito de arena, de imagem, bicho e luvas também são peculiares desse tipo de empregado e, mesmo ouvindo diariamente essas palavras, operadores do Direito experientes ignoram o significado de cada uma dessas verbas pagas aos jogadores.

Este trabalho serve especificamente para estudar as peculiaridades do contrato de trabalho dos atletas profissionais de futebol, sem se ater a questões já amplamente discutidas e que se referem a todos os empregados.

Em um primeiro momento far-se-á uma pequena resenha histórica, não só do Direito do Trabalho, mas do futebol no Brasil, para se ambientar o leitor, tanto leigo quanto jurista, na seara trabalhista.

No contrato do atleta profissional de futebol propriamente dito, trouxe à tona a discussão sobre a capacidade para contratar e a extinção do vínculo trabalhista do atleta profissional de futebol, tanto as formas de extinção por iniciativa do clube, como as de iniciativa do empregado, notadamente acerca do pagamento da cláusula penal obrigatória.

Tratei, também, sobre direitos e obrigações dos atletas, como férias e adicional noturno. Trabalhando com a questão da jornada, abordei temas como horas extras e concentração, bem como horas in itinere.

Em seguida, teci alguns comentários sobre o salário do atleta, que possui peculiaridades como o pagamento de luvas, "bicho", direito de arena e o direito de imagem, que muitas vezes é desvirtuado.

O contrato de trabalho do atleta profissional de futebol é especial e curioso. Vale a pena saber mais sobre ele.


2 INFORMAÇÕES PRELIMINARES

Antes de se adentrar, de fato, no estudo acerca do contrato de trabalho do atleta profissional de futebol, impende fazer um pequeno escorço acerca do histórico do futebol e da profissão de atleta profissional.

Há notícias de que na China havia uma prática militar muito parecida com futebol já há mais de 2.500 anos A.C., sendo que o antigo Egito e a Grécia também registram, por pinturas, jogos semelhantes ao futebol (BARROS, 2002).

No Brasil, ao contrário do que muitos pensam, o futebol chegou em 1878, com os tripulantes do navio Criméia que, no Rio de Janeiro, disputaram uma partida. A história mais difundida pelo conhecimento popular é de que o futebol foi trazido ao país em 1884 por Charles Miller, brasileiro filho de ingleses que, ao retornar da Inglaterra onde estudava trouxe equipamentos como bola, bomba de encher, a agulha e uniformes (BARROS, 2002).

Embora atualmente seja um esporte conhecido como popular, no início o futebol se difundiu apenas na classe alta de São Paulo, onde se organizaram clubes desde 1899. Em 1901 forma-se a liga paulista de futebol, acontecendo, no ano seguinte, o primeiro campeonato (BARROS, 2002).

Em matéria de Direito de Trabalho, a legislação que se aplicava aos jogadores empregados foi a CLT até 1976, quando foi editada a Lei n. 6.354, dispôs sobre a relação de trabalho do atleta profissional de futebol. As disposições da CLT compatíveis com esse novo regime de trabalho foram mantidas por disposição expressa do artigo 28 da Lei n. 6.354/76. Em 1998 foi editada a Lei n. 9.615, que ficou conhecida como "Lei Pelé", em razão de ter sido organizada e incentivada pelo grande atleta Edson Arantes do Nascimento, o Pelé.

Mesmo após 1998 a legislação de 1976 permaneceu em vigência no que não contrariava a nova lei, já que não foi expressamente revogada.

Consoante disposição do artigo 2º da Lei n. 6.354/76, considera-se empregado (atleta profissional de futebol) o atleta que praticar o futebol sob a subordinação de associação desportiva, mediante remuneração e contrato específico.

Em outras palavras, "É considerado atleta profissional aquele que se utiliza do esporte como profissão, fazendo desta, fonte para sua subsistência" (FERRATO, 2007, p. 1).

É de se ressaltar, contudo, que os Princípios norteadores do Direito do Trabalho, notadamente o da Proteção, em face de ser reflexo de longa luta das classes trabalhadores, devem ser observados também no tipo especial de contrato dos atletas profissionais de futebol, na medida em que nem mesmo os maiores salários recebidos por alguns atletas os retira o status de empregados.

2.1 A realidade dos empregados do futebol

A regra geral do futebol profissional brasileiro, ao contrário do que muitos pensam, é de precarização dos direitos e dos salários dos atletas, se fazendo imprescindível a atuação da Justiça do Trabalho para a manutenção do equilíbrio entre as partes.

Com efeito, ao ouvir acerca de atletas profissionais de futebol logo se vêm à memória situações envolvendo jogadores famosos e cifras de milhões de reais.

Contudo, a realidade demonstra, não obstante parte maciça da população acredite que este trabalho é um "mar de rosas", por permitir um acúmulo de dinheiro e fama, muitas coisas relacionadas à profissão não são relatadas pelos meios de comunicação.

Com efeito, dados obtidos junto à Confederação Brasileira de Futebol (CBF) no ano de 2001 demonstram que dos 20.428 jogadores registrados, 16.785 ganharam até R$ 360,00, que equivale a 82,17% do total de atletas registrados. Outros 42,62% receberam R$ 180,00 e apenas 3,75%, um número inferior a mil atletas, recebeu acima de 20 salários mínimos. Muitos, ainda, convivem com o desemprego (AMARAL, 2007).

É de se enfatizar, também, que os profissionais desta área dedicam muito tempo da sua vida em treinamentos e dedicação ao esporte-profissão, deixando de lado os estudos ou outro aprendizado profissional.

Os atletas profissionais de futebol encerram suas carreiras por volta dos 35 anos de idade, quando não possuem mais condições físicas de exercer a profissão com o mesmo empenho, sendo substituídos pelos mais jovens.

após o encerramento da carreira, a grande maioria passa por enormes dificuldades ao tentar se reintegrar à sociedade. De acordo com Pires (1994), a alienação é uma das responsáveis por um período de transição conturbado. Em seu estudo, dentre os 32 ex-jogadores entrevistados, nenhum vivenciou atividades culturais, artísticas e políticas, dedicando-se exclusivamente à carreira. Assim, após a fase de transição/encerramento, por não terem estudado e por terem se dedicado exclusivamente ao futebol, ex-jogadores ficam desempregados e sem perspectivas de adaptações em outros ofícios. Neste estudo também foi constatado que apenas quatro dos entrevistados ganharam o suficiente para se manterem de maneira autônoma. Porém, dois deles, pela falta de experiência, perderam quase todo o capital investido. (AMARAL, 2007, p. 3).

É clara, portanto, a ilusão que se tem desta profissão, pois somente uma pequena minoria obtém sucesso como atleta profissional de futebol a ponto de, ao final da carreira, possuir recursos financeiros suficientes ou para uma transição tranqüila para outra profissão ou, então, para manter o padrão de consumo para o resto da vida.

É nesta seara que se faz imprescindível a proteção destes empregados pela Justiça do Trabalho, pois aqui também presente a hipossuficiência entre patrão e empregado.


3 O CONTRATO DE TRABALHO DO ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL

O contrato do jogador de futebol é um contrato de trabalho, onde o empregado-atleta se obriga a laborar a um clube-empregador. Este contrato de trabalho possui regramento especial previsto tanto na Lei n. 6354/76, como na Lei n. 9.615/98, pouco se aplicando as disposições previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) acerca dos contratos.

Contudo, "Aplicam-se ao atleta profissional de futebol as normas gerais da legislação do trabalho e da previdência social, exceto naquilo que forem incompatíveis com as disposições desta lei" (art. 28 da Lei n. 6.354/76). O § 1º da Lei n. 9.615/98 dispôs quase com as mesmas palavras: "Aplicam-se ao atleta profissional as normas gerais da legislação trabalhista e da seguridade social, ressalvadas as peculiaridades expressas nesta Lei ou integrantes do respectivo contrato de trabalho."

Assim, a CLT e outras normas trabalhistas aplicam-se subsidiariamente aos contratos dos atletas profissionais de futebol em tudo no que não contrariar as disposições da legislação especial.

Este tipo especial de contrato somente pode ser firmado por escrito e deverá conter todos os demais requisitos previstos no artigo 3º da Lei n. 6.354/76:

I - os nomes das partes contratantes devidamente individualizadas e caracterizadas;

II - o prazo de vigência, que, em nenhuma hipótese, poderá ser inferior a 3 (três) meses ou superior a 2 (dois) anos;

III - o modo e a forma da remuneração, especificados o salário os prêmios, as gratificações e, quando houver, as bonificações, bem como o valor das luvas, se previamente convencionadas;

IV - a menção de conhecerem os contratantes os códigos os regulamentos e os estatutos técnicos, o estatuto e as normas disciplinares da entidade a que estiverem vinculados e filiados;

V - os direitos e as obrigações dos contratantes, os critérios para a fixação do preço do passe e as condições para dissolução do contrato;

VI - o número da Carteira de Trabalho e Previdência Social de Atleta Profissional de Futebol.

Para a regularização do atleta, isto é, para deixá-lo apto a participar de competições oficiais, mister que se registre o contrato do jogador no Conselho Regional de Desportos e inscrito na entidade esportiva de direção regional e na respectiva Confederação (§ 1º do artigo 3º da Lei n. 6.354/76).

Outras peculiaridades deste contrato dizem respeito ao prazo de duração e à capacidade para contratar, o que será estudado aprofundadamente neste capítulo.

3.1 Prazo de Duração

Não obstante a regra geral no Direito do Trabalho seja de que os contratos são por prazo indeterminado, de acordo com o artigo 30 da Lei n. 9.615/98, o contrato de trabalho do atleta profissional de futebol será sempre por prazo determinado.

O artigo 445 da CLT prevê que o contrato de trabalho por prazo determinado não poderá ser estipulado por mais de dois anos, sendo que na hipótese de o contrato de trabalho por prazo determinado for prorrogado por mais de uma vez, será tido como de prazo indeterminado (artigo 451 da CLT).

Com efeito:

O contingenciamento que o Direito do Trabalho impõe aos contratos a termo expressa-se também em seus prazos de vigência. A lei fixa prazos máximos de duração aos contratos a ermo. De maneira geral, segundo a regra celetista, tais contratos não podem exceder a dois anos (art. 445, caput, CLT). Sendo de experiência o contrato a termo, seu prazo não pode exceder a 90 dias (parágrafo único do art. 445). Leis especiais que se refiram a contratos a termos específicos podem fixar prazos distintos, evidentemente.

O desrespeito ao parâmetro máximo do prazo contratual (contrato a contento que ultrapasse os 90 dias, por exemplo) conduz à automática modificação objetiva do contrato – que se indetermina, em conseqüência. (DELGADO, 2008, p. 531).

Contudo, a legislação especial trata diferentemente os contratos dos jogadores profissionais de futebol.

Inicialmente, a vigência da Lei n. 6.354/76 regulou a duração do contrato de trabalho do jogador profissional de futebol, estabelecendo que ele não poderia ser inferior a três meses ou superior a dois anos (artigo 3º, inciso I).

A Lei n. 9.615/98 de começo estabeleceu que o contrato do jogador profissional de futebol teria prazo determinado, com vigência nunca inferior a três meses (artigo 30 original).

O prazo de três meses foi considerado mínimo para que o atleta pudesse se adaptar ao clube e demonstrar a sua capacidade técnica, por isso vedou-se a celebração de contrato por tempo inferior. (BARROS, 2002).

Note-se que a Lei Pelé originariamente não estabeleceu o prazo máximo do contrato do atleta, o que poderia causar transtornos, principalmente aos atletas, que se vinculariam por um prazo muito longo, ficando prejudicada a sua transferência para outros clubes.

É de se sinalar, ainda, que o "passe", previsto no artigo 11 da Lei 6.354/76 foi extinto pelo artigo 28, § 2º, da Lei n. 9.615/98, que estabeleceu que o vínculo desportivo tem natureza acessória ao contrato de trabalho e se extingue juntamente com este.

Em 2003 o dispositivo foi alterado, nos seguintes termos:

§ 2º O vínculo desportivo do atleta com a entidade desportiva contratante tem natureza acessória ao respectivo vínculo trabalhista, dissolvendo-se, para todos os efeitos legais:

I - com o término da vigência do contrato de trabalho desportivo; ou

II - com o pagamento da cláusula penal nos termos do caput deste artigo; ou ainda

III - com a rescisão decorrente do inadimplemento salarial de responsabilidade da entidade desportiva empregadora prevista nesta Lei

A Lei Pelé substituiu o "passe" por uma cláusula penal para o caso de rompimento ou rescisão do contrato de trabalho, que é reduzida a cada ano de cumprimento do acordo. A lei beneficia, assim, os atletas, que após encerrado o liame inicial têm o "passe livre", no chavão futebolístico.

Permitir a fixação de prazo alongado para a duração do contrato acabava por permitir que a cláusula penal fizesse as vezes do passe, pois não haveria como o atleta se transferir para outro clube sem pagar integralmente ou grande parte da multa contratual.

Na regra antiga, mesmo após encerrado o contrato, o atleta, mesmo sem receber salários, permanecia vinculado ao clube, pois não poderia ser registrado junto a outra entidade sem a anuência do antigo time, que era concedido apenas após o pagamento do "passe".

Seguindo esta linha de libertação do atleta, o artigo 30 acima mencionado foi modificado pela Lei n. 9.998/00, assim dispondo: "Art. 30. O contrato de trabalho do atleta profissional terá prazo determinado, com vigência nunca inferior a três meses nem superior a cinco anos."

Estabeleceu-se, portanto, um prazo máximo para a duração do contrato do jogador profissional de futebol, alinhando os termos da lei à vontade do seu idealizador, Pelé, que era a de modificar o sistema em que os atletas eram comprados e vendidos como mercadorias.

O parágrafo único do artigo 30 da Lei Pelé previu expressamente que não se aplica ao vínculo de trabalho do atleta profissional de futebol o artigo 445 da CLT. Por essa disposição, também se afasta a aplicação do artigo 451 da CLT, pois não teria sentido os clubes não poderem renovar os contratos com seus atletas.

Com efeito, a pré-determinação de prazo do contrato de trabalho do jogador profissional de futebol nada mais é do que a fixação de um lapso que, decorrido, retira do clube a obrigação de pagar seus salários e do atleta a de permanecer no clube. Mas isso não veda que as partes, de comum acordo, resolvam por assinar um novo contrato por prazo determinado, desde que com duração até cinco anos. Note-se que o tempo de cinco anos não é o limite que um jogador poderá permanecer no mesmo empregador, mas o tempo máximo que poderá ser estabelecido em cada contrato de trabalho. Ao final, poderá haver casos em que o jogador permaneceu toda a sua carreira em um único clube, dez, quinze ou vinte anos, mas todos os contratos firmados entre o empregado e o empregador devem obrigatoriamente respeitar o limite de cinco anos cada.

3.1.1 Continuidade da prestação de serviços e Princípio da Proteção

Sabidamente a vontade abstrata da lei nem sempre é seguida pelos contraentes. Nesse sentido, será que o contrato de trabalho, que somente pode se dar por prazo determinado, poderá vir a ser prorrogado tacitamente e por prazo indeterminado? Mais: findo o contrato, como deve ser visto o tempo em que o atleta permaneceu no clube após o termo e que direitos possui?

Delgado (2008) ensina que:

A prevalência juslaboral do princípio da continuidade da relação de emprego, favorecendo a incidência dos contratos por tempo indeterminado no cotidiano justrabalhista, em detrimento dos contratos a termo, faz com que qualquer irregularidade nas regras de pactuação, duração, prorrogação ou sucessividade destes últimos contratos conduza à indeterminação do seu prazo contratual (p. 533).

No estudo já ficou claro que não há empecilho quando à prorrogação de contratos no caso dos atletas profissionais, desde que, é claro, todos sejam por prazo determinado e com duração de até cinco anos. Mas a hipótese de o jogador simplesmente permanecer no clube após o término do seu contrato e treinar normalmente com os demais clama por um esforço hermenêutico dos operadores do Direito.

O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região já se manifestou sobre o assunto e entendeu por reconhecer que o contrato de trabalho do atleta profissional de futebol pode ser prorrogado tacitamente, quando passa a vigorar por prazo indeterminado. Por oportuno, colaciono parte do voto do Relator, Juiz Mario Chaves, nos autos da reclamatória trabalhista n. 00781-2005-601-04-00-9:

Trata-se de vínculo de emprego de atleta profissional, em relação ao qual, nos termos do art. 30 da Lei nº 9.615/98, o contrato de trabalho deve ser celebrado por prazo determinado. Continuando, todavia, a prestação laboral após o termo final do contrato, o vínculo de emprego passa a ser regido nos moldes do art. 451 da CLT (contrato por prazo indeterminado).

Esse entendimento, contudo, contraria literalmente parágrafo único do artigo 30 da Lei Pelé que afasta a aplicação do artigo 445 da CLT que, por sua vez, se reporta à regra do artigo 451 da CLT, que estabelece que o contrato de trabalho por prazo determinado que expressa ou tacitamente for prorrogado por mais de uma vez passará a vigorar sem determinação de prazo.

Entender que o contrato de trabalho do atleta profissional de futebol pode vigorar sem determinação de prazo também contraria a regra da cabeça do artigo 30 da Lei Pelé, no sentido que ele sempre terá prazo determinado.

As decisões do Tribunal Superior do Trabalho se orientam pela inaplicabilidade do artigo 451 da CLT aos contratos dos jogadores profissionais de futebol. Veja-se, a propósito, o seguinte aresto:

ATLETA PROFISSIONAL. CONTRATO DE TRABALHO. PRAZO DETERMINADO. PRORROGAÇÃO. REDUÇÃO SALARIAL. O contrato de trabalho celebrado entre o clube e o atleta profissional é sempre por prazo determinado, consoante exigência do artigo 30, parágrafo único, da Lei nº 9.615/1998, que revogou o disposto no artigo 3º, II, da Lei nº 6.354/76, e, por isso, ainda que celebrados vários contratos sucessivamente, não podem ser tomados de forma unificada. Os artigos 451 e 452 da Consolidação das Leis do Trabalho não se aplicam ao atleta profissional do futebol, porquanto incompatíveis com as disposições especiais previstas para esse trabalhador. Não há falar, tampouco, em redução salarial, porquanto não fora configurada a hipótese de unicidade contratual. Recurso de revista não conhecido. (PROCESSO: 660130. ANO: 2000. PUBLICAÇÃO: DJ - 24/11/2006).

DELGADO (2008), sobre o assunto, leciona que nesta hipótese deve ser aplicada a teoria justrabalhista das nulidades, isto é, o vício possuiria o condão apenas de inviabilizar a produção de novas repercussões jurídicas. Escreve o autor que:

Verificada a relação de emprego, mesmo sem a observância da formalidade legal imperativa, todas as repercussões justrabalhistas deverão ser reconhecidas ao contrato irregularmente celebrado, em virtude da aplicação da teoria justrabalhista das nulidades. (p. 511).

Ocorre que não há como aplicar todas as repercussões justrabalhistas como quer fazer crer o eminente doutrinador, na medida em que não há uma cláusula penal e não há prazo de duração estabelecidos, principais peculiaridades deste tipo especial de contrato.

CESARINO (2006) entende que:

Todavia, vale lembrar que a ausência do instrumento contratual na forma escrita não impede, de forma alguma, a formação e reconhecimento de vínculo empregatício. A ausência da formalidade gera, contudo, prejuízos. O atleta não poderá disputar competições profissionais e o clube não poderá exigir cláusula penal pela rescisão antecipada do contrato.

Entendo que existem duas soluções lógicas para a situação.

Na primeira, reconhece-se a inviabilidade de existir um contrato de atleta profissional de futebol sem a pré-determinação de prazo. Assim, fica o empregado obrigado a ajuizar uma ação trabalhista com vistas a fixar o termo final do seu contrato. O pedido declaratório poderia ser feito na mesma ação ajuizada para cobrar eventuais direitos pendentes.

Nesta opção, o empregado, ao pedir a declaração do vínculo e do termo, seria beneficiado com os salários do período, FGTS e eventual direito de arena e de imagem de pelo menos três meses, mesmo que o tempo de permanência no clube após o encerramento do liame anterior tenha sido de poucos dias. Com efeito, o prazo mínimo deste tipo especial de contrato é de três meses, sendo vedado tempo de duração inferior.

Não teria direito o empregado, todavia, a aviso prévio indenizado ou indenização de 40% do FGTS, pois fixado o termo final, a extinção do vínculo seria normal.

A segunda linha hermenêutica decorre da aplicação do Princípio da Proteção.

A lei é expressa ao não admitir que o contrato de trabalho do atleta profissional seja por prazo indeterminado, inexistindo unicidade contratual, isto é, cada vínculo se rompe com o termo do respectivo contrato.

Assim, encerrado um contrato e, sem a formalização de outro contrato, continuada a prestação de serviços é de se reconhecer o vínculo de emprego entre o atleta e o clube se presentes os requisitos dos artigos 2º e 3º da CLT. Ora, no Direito do Trabalho vige o Princípio da Proteção, que não pode ser afastado pela falta de uma formalidade. Contudo, o artigo 451 da CLT não se aplica ao caso, sendo que este vínculo por prazo indeterminado nascerá do dia imediato ao término do contrato formal, não havendo unicidade no caso.

AMBIEL (2008) entende do mesmo modo:

No entanto, embora a lei exija o contrato escrito, este não poderá ser condição para o reconhecimento de uma relação de emprego entre atleta e clube, na medida que o ordenamento brasileiro consagra a validade do contrato verbal. O desrespeito à exigência de contrato escrito resulta, nos termos do art. 46-A da Lei nº 9.615/98, na inelegibilidade dos dirigentes do clube e na aplicação das penalidades trabalhistas. Referida penalidade trabalhista, no caso, seria a aplicação do art. 442 da CLT e o reconhecimento da relação de emprego sempre que estiverem presentes os requisitos do art. 3º da Consolidação, independentemente da existência de contrato formal.

Portanto, a ausência de contrato de trabalho escrito não impede a formação do vínculo de emprego, embora traga uma gama de prejuízos ao clube, suficiente para que se recomende sempre previsão expressa. Sem contrato escrito, os clubes não podem pactuar a cláusula penal para rescisão antecipada dos contratos, seja para transferências nacionais, limitada a cem vezes o montante da remuneração anual pactuada, seja para transferências internacionais.

Ora, o contrato de trabalho específico do atleta profissional de futebol exige forma escrita, mas o contrato de trabalho da CLT não. Assim, nada obsta o reconhecimento de vínculo de emprego pelas regras da CLT caso não formalizado o ajuste nos moldes da Lei n. 9.615/98.

3.1.2 Prazo do contrato em caso de atletas menores de idade

Outra peculiaridade reside na possibilidade de a entidade de prática desportiva poder firmar o primeiro contrato com o atleta a partir dos 16 anos de idade, cujo prazo, logicamente, não poderá ser superior a cinco anos (artigo 29, caput, da Lei Pelé).

A princípio, nada de diferente diz o dispositivo em comento, já que, conforme estudaremos a seguir, a liberdade de contratar do atleta nasce aos 16 anos de idade e o contrato não poderá ser firmado em tempo superior a cinco anos.

Insta-se registrar, contudo, que na hipótese de o atleta não ter exercido a atividade como não-profissional por pelo menos dois anos o vínculo somente poderá ser estabelecido a partir dos 18 anos de idade.

A entidade desportiva formadora possui, ainda, o direito à primeira renovação contratual do atleta profissional, a qual, entretanto, não poderá ser estabelecida por prazo superior a dois anos, nos exatos termos do § 3º do artigo 29 da Lei Pelé.

É de se sinalar que o direito de preferência à renovação somente poderá ser exercido em igualdade de condições com as demais entidades, isto é, a título de salários e demais acordos, a oferta do clube formador deverá, no mínimo, se igualar aos demais pretendentes do atleta. Caso não igualada a oferta, o direito de preferência não poderá ser exercido.

Não há confundir, outrossim, o tempo máximo de duração do contrato de trabalho com o tempo máximo de duração do vínculo do atleta não-profissional com o clube. Aquele deve sempre ser celebrado por prazo determinado, cuja duração não poderá ser inferior a três meses e nem superior a cinco anos (artigo 30 da Lei n. 9.615/98), enquanto este, onde o atleta não-profissional recebe um auxílio financeiro, pode ser livremente pactuado. Não há, pois, prazo mínimo ou máximo no pacto de formação de atleta. Esta "aprendizagem", contudo, pela melhor exegese do § 4º do artigo 29 da Lei Pelé, somente poderá existir até o atleta completar 21 anos de idade.

3.2 Capacidade para Contratar

Segundo estabelece o inciso XXXIII do artigo 7º da Constituição da República Federativa do Brasil (CF/88), é proibido qualquer trabalho para menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz a partir de 14 anos.

Entre 16 e 18 anos situa-se a capacidade/incapacidade relativa do obreiro para atos da vida trabalhista (14 anos, se vinculado ao emprego através de contrato de aprendiz). É o que deriva do texto constitucional, combinado com o modelo jurídico celetista adaptado à nova Constituição. (DELGADO, 2008, p. 501).

Poderá celebrar o contrato, de regra, o jogador que tiver, pelo menos, 16 anos de idade.

João de Lima Teixeira Filho, ao comentar a capacidade das partes do contrato de trabalho, em referência aos contratos genéricos da CLT, registra que "o maior de 14 anos e menor de 18 anos já não depende, para trabalhar, de autorização do pai, mãe ou responsável legal" (SUSSEKIND, 1996, p. 245).

Entretanto, diferentemente desses contratos genéricos da CLT, o contrato de trabalho do jogador profissional de futebol com idade entre 16 (ou 14 se aprendiz) e 18 anos somente poderá ser firmado com a assistência do seu representante legal, por expressa previsão do artigo 5º da Lei n. 6.354/76.

Com efeito, o artigo 442 da CLT prevê que o contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego. Assim, dispensável a participação do representante do trabalhador para a existência do contrato. Já em relação ao jogador de futebol há a exigência da formalização do contrato, isto é, ele deverá ser escrito, sendo inexistente um contrato apenas tácito. O contrato formal somente será válido para o jogador com menos de 18 anos se houver a assistência do seu representante legal.

Observe-se que a legislação nada prevê acerca da formalização de contrato de aprendizagem na esfera futebolística.

É possível entender-se que a disposição da CF/88 acerca dessa possibilidade e a partir dos 14 anos de idade deve prevalecer sobre a omissão da lei, sendo possível, pois, a celebração do contrato de trabalho de aprendizagem neste ramo profissional, desde que, é claro, o adolescente esteja vinculado a uma escola profissionalizante desta profissão.

Escolinhas de futebol, onde as crianças e adolescentes vão para praticar e aprimorar suas técnicas, as quais são administradas por pessoas com contatos nos clubes, podem ser consideradas escolas profissionalizantes no sentido literal da palavra, por proporcionarem treinamento para o futuro trabalho.

Contudo, para fins legais, escolas profissionalizantes aptas a intermediar o contrato de aprendizagem são aquelas previstas no artigo 8º do Decreto n. 5.598/2005, dentre as quais não se encontram as "escolinhas" ligadas aos clubes de futebol.

Assim, embora não haja restrições legais quanto à vinculação de um aprendiz-jogador de 14 anos de idade, isto somente seria possível na hipótese do inciso III do artigo 8º do Decreto n. 5.598/2005, isto é, pela intermediação de uma entidade sem fins lucrativos que tenha por objetivos a assistência ao adolescente e à educação profissional, desde que devidamente registrada no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Todavia, há controvérsia acerca da possibilidade da celebração de contrato, mesmo de aprendizagem, a partir dos 14 anos de idade.

Com efeito, a Lei n. 6.354/76 estabelece claramente que é vedada a celebração de qualquer contrato antes dos 16 anos, e não abre qualquer exceção.

É claro que a referida lei é anterior à CF/88 e, portanto, as disposições que não se adaptam à nova ordem constitucional não ficam recepcionadas. Contudo, o caput do artigo 7º da CF/88 não fecha o leque dos direitos dos trabalhadores, incluindo todos aqueles que visem à melhoria de sua condição social.

Desse modo, o artigo 5º da Lei n. 6.354/76 foi sim recepcionado pela CF/88, pois impede que seja tomado o trabalho, em qualquer condição, dos jogadores menores de 16 anos. É uma norma evidentemente que visa à melhoria da condição social do jogador de futebol jovem, impedindo que se vincule ao empregador antes dos 16 anos.

Portanto, mesmo que o contrato de aprendizagem seja plenamente aplicável aos jogadores de futebol, ele não pode ser celebrado antes dos 16 anos de idade e, por isso mesmo, caiu em desuso, já que a legislação prevê outros métodos de vinculação entre clube e atleta a partir dos 16 anos, sem a pecha de contrato de trabalho, conforme se verá a seguir. O contrato de aprendizagem somente seria atraente, na hipótese dos atletas profissionais de futebol, se possibilitada a contratação antes dos 16 anos, o que é expressamente vedado.

Assim, qualquer contrato entre o jogador profissional de futebol e o empregador somente poderá ser celebrado a partir dos 16 anos de idade e, conforme já visto, com a devida assistência do seu representante legal.

Entretanto, o § 2º do artigo 29 da Lei Pelé prevê que:

§ 2º Para os efeitos do caput deste artigo, exige-se da entidade de prática desportiva formadora que comprove estar o atleta por ela registrado como não-profissional há, pelo menos, dois anos, sendo facultada a cessão deste direito a entidade de prática desportiva, de forma remunerada

Nesse diapasão, possível concluir que, mesmo que o atleta adquira a capacidade de contratar aos 16 anos de idade, o vínculo somente poderá ser estabelecido, com esta idade, se existir uma relação prévia do jogador com o clube contratante (ou com outro clube que lhe tenha cedido o direito) como não-profissional de pelo menos dois anos.

Em outras palavras, a capacidade de contratar do atleta profissional de futebol aos 16 anos é condicionada ao vínculo de não-profissional com algum clube por dois anos, sendo que, na ausência dessa atividade não-profissional, o contrato de trabalho somente poderá ser firmado após os 18 anos de idade.

Mas, quais as conseqüências de um contrato que seja afirmado por uma pessoa absolutamente incapaz ou sem a assistência do responsável, no caso de um relativamente incapaz?

Novamente entramos na seara da existência, validade e eficácia do negócio jurídico. Conforme antes mencionado, um contrato de trabalho de jogador profissional de futebol simplesmente não existe como tal, pois não há a presença da forma especial exigida em lei. Isso não significa que não haverá vínculo de emprego, mas a ausência do requisito formal o relega a contrato normal de trabalho, regido pela CLT.

Agora, obedecida à forma, isto é, realizado um contrato de trabalho de jogador profissional de futebol por uma pessoa de 14 anos, por exemplo, o contrato existirá, mas não terá validade.

Deveras, no ramo da validade do negócio jurídico, não há como não se referir a Junqueira de Azevedo (2002), que elenca como requisito geral de validade dos negócios jurídicos a capacidade das partes e a legitimidade para o negócio. Assim, o contrato firmado por incapaz sem a devida representação ou assistência será inválido.

A falta da formalidade torna o ato inválido, mas não será apto a produzir efeitos somente para fins civis e administrativos do contrato do atleta profissional, como registro na CBF por exemplo, pois pela aplicação direta da teoria justrabalhista das nulidades, para fins de verbas trabalhistas o contrato valerá até a decretação da nulidade.

Ilustrativamente, o defeito concernente ao elemento jurídico-formal da capacidade. Tratando-se de trabalho empregatício prestado por menor de 16 anos (ou 14, antes da EC n. 20, de 15.12.98), cabe o reconhecimento de todos os efeitos justrabalhistas ao contrato irregularmente celebrado. É verdade que deverá o juiz, ao mesmo tempo, decretar a nulidade do ato, inviabilizando a permanência da nulidade desde então (se o menor ainda estiver abaixo dos 16 anos – salvo o aprendiz – na época do exame judicial, evidentemente). (DELGADO, 2008, p. 511).

Não poderão subsistir, contudo, cláusulas contratuais que prejudiquem o empregado incapaz, como prazo de duração que o impeça de realizar uma transferência de clube, multa rescisória etc. Nem nulidade nem a teoria justrabalhistas de nulidades são capazes de prejudicar o empregado menor de idade.

3.3 O Atleta não-profissional

Discutimos no item anterior que o contrato de trabalho do jogador de futebol somente poderá ser celebrado a partir dos 16 anos de idade e, mesmo assim, com a assistência do seu representante legal. Há uma regra, entretanto, que permite a vinculação de jogadores aos clubes de futebol a partir dos 14 anos.

Com efeito, o §4º do artigo 29 da Lei n. 9.615/98 prevê que:

§ 4º O atleta não profissional em formação, maior de quatorze e menor de vinte anos de idade, poderá receber auxílio financeiro da entidade de prática desportiva formadora, sob a forma de bolsa de aprendizagem livremente pactuada mediante contrato formal, sem que seja gerado vínculo empregatício entre as partes.

O contrato formal, como já visto, exige a participação do representante ou assistente, se menor de 18 anos, mas permite a vinculação de jogador ao clube sem gerar vínculo de emprego.

Não só a possibilidade de vinculação de um jogador com menos de 16 anos é de ser criticada, mas também a discriminação que a legislação faz com os jogadores que, mesmo em formação, possuem um grande vínculo de subordinação com o clube formador. Essa subordinação, diga-se, é até maior do que aquele jogador formado, que possui a possibilidade presente de se transferir a outro clube. O jogador em formação, não-profissional, se vincula ao clube e depende das oportunidades que este lhe conceder para se tornar profissional. Se não lhe for concedida nenhuma oportunidade durante o período de não-profissional, até os 21 anos de idade, o jogador não poderá participar de nenhuma competição profissional (artigo 43 da Lei n. 9.615/1998).

Observe-se que a possibilidade de o jogador em formação poder formalizar contrato de trabalho com qualquer equipe, pois o vínculo desportivo é acessório ao contrato de trabalho (sem contrato não há vínculo, § 2º do artigo 28 da Lei Pelé), não pode ser usada para justificar a ausência de vínculo de emprego, pois o atleta não profissional, se deixar o clube formador, deve lhe indenizar os gastos com a formação, nos termos do artigo 29, § 6º, da Lei Pelé.

Se nem o clube formador lhe dá oportunidade, como convencer outro clube a lhe dar uma chance e, além disso, indenizar o clube de origem pela sua formação?

Percebe-se, pois, que mesmo em se tratando de atleta não-profissional, faz-se presente a pessoalidade, a remuneração, a habitualidade e, com especial força, a subordinação, que o obriga a permanecer no clube, sob pena de ter de pagar uma espécie de multa.

O vínculo de emprego é afastado somente pela disposição expressa da lei, mas cumpre aos juízes do trabalho, assim como fizeram com os empregados mascarados sob o manto de cooperativados, reconhecer o vínculo de emprego do não-profissional com os clubes, pois eles são obrigados a permanecer na instituição sem as garantias do vínculo formal desportivo e sem garantias de que um dia as terão, já que a partir dos 21 anos não poderão mais participar de competições.

Há de se ressaltar, por oportuno, que não há vedação da lei no que pertine ao vínculo de atletas não-profissionais de qualquer idade. A limitação legal diz respeito à concessão do auxílio financeiro.

Nada impede, pois, que crianças e adolescentes se vinculem como não-profissionais às entidades de práticas desportivas, desde que, é claro, não se façam presentes as características do vínculo de emprego.

É comum em clubes profissionais e não-profissionais terem suas categorias de base ou escolinhas, com atletas desde as mais tenras idades. Não há ilicitude nisso, pois a prática desportiva é, não só admissível, mas também recomendada em todas as idades.

Preocupante, todavia, é a previsão do direito da entidade desportiva se ressarcir dos custos de formação do atleta não-profissional menor de 21 anos de idade se o jogador participar, sem sua anuência, de competição desportiva representando outra entidade.

A primeira leitura do dispositivo leva à conclusão de que o custo de formação se refere a todo o treinamento ministrado, desde o primeiro vínculo não-profissional do clube com o atleta.

Contudo, por custos com a formação deve ser entendido apenas os valores pagos a título de auxílio financeiro que somente pode ser recebido entre 14 e 21 anos de idade, pois seria inadmissível crianças que freqüentassem escolinhas e disputassem competições com determinado clube, vinculando-se a ele como não profissional, permanecesse vinculado a esta entidade até que indenizasse a sua formação. É este raciocínio que se depreendo do §6º do artigo 29 da Lei Pelé, que estabelece o limite da indenização em comparação ao valor anual da bolsa de aprendizagem recebida pelo atleta. (BARROS, 2002).


4 EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO DO ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL

O contrato de trabalho do atleta profissional de futebol pode ser extinto tanto de forma anormal, como normal. A forma normal é o cumprimento do prazo determinado, extinguindo-se naturalmente o contrato na data aprazada. A forma anormal pode ocorrer por resilição (manifestação de vontade de uma das partes ou de ambas) ou por resolução (inexecução faltosa do contrato de trabalho, justa causa).

Na lição de Sussekind (1996), a resilição do contrato de trabalho é um direito potestativo das partes em findar a relação.

Dá-se a resilição do contrato quando as próprias partes desfazem o ajuste que haviam concluído. Em conseqüência da força obrigatória dos contratos, o que caracteriza a resilição, em princípio, é o mútuo acordo para extinguir o contrato antes da expiração do seu termo ou de obtidos os seus fins normais. É o distrato, a que se refere o art. 1.093 do Código Civil. Excepcionalmente, pode a lei autorizar a resilição pela vontade unilateral, que supõe, sempre, um contrato em curso, de prestações sucessivas. (SUSSEKIND, 1996, p. 551).

A resolução, por sua vez, pode ser tácita ou expressa. Há resolução expressa quando o contrato está sujeito a causa resolutiva. A resolução tácita é inerente ao contrato sinalagmático, onde ambas as partes envolvidas possuem obrigações recíprocas, que se subentende nos casos de inexecução faltosa da obrigação dos contratantes. "Dá-se, então, resolução do contrato por inadimplemento da obrigação. Assim pode ocorrer a dissolução do contrato de trabalho, em virtude de pacto comissório, quando empregado ou empregador não cumprem as respectivas obrigações" (SUSSEKIND, 1996, p. 553).

Neste capitulo estudaremos, portanto, as formas que se extinguem a relação de emprego do atleta profissional de futebol.

4.1 Extinção normal – chegada do termo

Conforme já estudado, o contrato de trabalho do jogador de futebol somente pode ser fixado com prazo determinado, de três meses a cinco anos de duração, não se aplicando as regras dos artigos 445 e 451 da CLT.

Pactuados regularmente os contratos a termo, eles irão firmar clara especificidade também no tocante a suas características, regras e efeitos jurídicos. Nesse quando, eles distinguem-se por estarem submetidos a lapsos temporais geralmente estreitos e rígidos (...) (DELGADO, 2008, p. 526).

O contrato por prazo determinado já nasce com data certa para encerrar, perdendo força imediatamente após a chegada do termo (NASCIMENTO, 1997).

Nos contratos a termo da CLT, a extinção do vínculo já traz efeitos rescisórios mais restritos em favor do empregado, inexistindo, por exemplo, o pagamento da indenização de 40% do FGTS, nos termos do artigo 7º, inciso I, da CF/88, combinado com o artigo 10 do ADCT (DELGADO, 2008).

Na extinção do vínculo do atleta profissional de futebol pelo simples decurso do prazo do contrato, nenhuma indenização compensatória é devida por quaisquer dos contratantes, ficando o atleta livre para se transferir para outro clube independentemente do pagamento de qualquer valor ao seu ex-empregador. A Lei Pelé, ao extinguir o passe e vincular o vínculo federativo ao contrato de trabalho beneficiou sobremaneira os atletas, que se liberam dos clubes com o vencimento do contrato.

Contudo, as regras da CLT se aplicam aos atletas profissionais de futebol naquilo em que não se contrapor à legislação específica (artigo 28, § 1º, da Lei n. 9.615/98). Assim, mesmo que o vínculo se dissolva de pleno direito com o término do prazo do contrato (artigo 28, § 2º, inciso II, da Lei n. 9.615/98), não há óbice para a aplicação do artigo 146 da CLT e do artigo 1º, § 3º, inciso I, da Lei n. 4.090/62.

Com efeito, o artigo 146 da CLT dispõe que: "Na cessação do contrato de trabalho, qualquer que seja a sua causa, será devida ao empregado a remuneração simples ou em dobro, conforme o caso, correspondente ao período de férias cujo direito tenha adquirido".

Assim, ao alcançar o termo do contrato, o empregado atleta profissional de futebol teria direito ao pagamento das férias proporcionais.

Registro que, conforme já estudando acima, o atleta profissional de futebol terá direito a férias de 30 dias que coincidirão sempre com o período de recesso do calendário desportivo, que implica, teoricamente, que o novo clube arcaria com as férias do jogador independentemente do tempo de contrato.

Entretanto, as férias proporcionais devem ser pagas independentemente da possibilidade de concessão de férias no outro clube, já que ao se extinguir o contrato nada garante que o atleta conseguirá imediata colocação no mercado de trabalho (GRISARD, 2004).

Já o artigo 1º, § 3º, inciso I, da Lei n. 4.090/62 dispõe sobre o pagamento do 13º salário proporcional:

§ 3º A gratificação será proporcional:

I – na extinção dos contratos a prazo, entre estes incluídos os de safra, ainda que a relação de emprego haja findado antes de dezembro.

Portanto, do mesmo modo que as férias proporcionais são devidas ao atleta profissional de futebol no caso de extinção normal do vínculo, pelo decurso do prazo, também é devido o pagamento do 13º salário proporcional aos meses trabalhados no ano.

Para efeitos rescisórios, em caso de extinção normal, o contrato do atleta profissional de futebol se equipara aos demais contratos a termo regidos pela CLT.

4.2 Extinção anormal – resilição e resolução

Em sede de contratos de trabalho por prazo determinado, conforme já dito, a extinção normal se dá com a chegada do seu termo, sendo causa anormal de extinção o distrato ou a resolução por culpa das partes.

Ressalto, contudo, que mesmo quando o contrato tem seu fim antes do prazo pré-estabelecido, ele é cumprido de forma alternativa, consistente em uma indenização substitutiva.

4.2.1 Cumprimento alternativo

Os contratos por prazo determinado se extinguem normalmente pela chegada do termo. Mas há, também, uma forma alternativa de cumprimento, consistente em uma espécie de conversão do contrato em perdas e danos.

Para os contratos a prazo da CLT, de acordo com os artigos 479 e 480 da Consolidação, se o empregador quiser extinguir o contrato antes do termo será obrigado a pagar ao empregado, a título de indenização, a metade da remuneração a que teria direito até o fim do contrato. Se o empregado quiser rescindir o contrato antes do termo, será obrigado a indenizar o empregador dos prejuízos que causou, cujo valor, no entanto, não poderá ser superior ao devido pelo empregador em condições idênticas (DELGADO, 2008).

Já para o caso dos atletas profissionais de futebol, o caput do artigo 28 da Lei n. 9.615/98 estabelece que o contrato formal de trabalho deverá conter, obrigatoriamente, uma cláusula penal para os casos de descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral.

A cláusula penal, que poderá ser livremente estipulada pelas partes até o limite de cem vezes o valor da remuneração anual do atleta (§ 3º), é uma forma alternativa de cumprimento do contrato, tanto que o valor da cláusula é automaticamente reduzido em até 80% na medida em que cada ano do contrato é cumprido (§ 4º).

Urge salientar, apenas para conhecimento, que não há qualquer limite para o valor da cláusula penal para casos de transferência internacional, desde que haja previsão expressa no contrato de trabalho (§ 5º).

Há certa divergência no sentido de que parte faria jus à cláusula penal pela extinção antecipada.

A corrente ampliativa defende que qualquer uma das partes terá direito à indenização substitutiva se a outra quiser rescindir o contrato.

Verifica-se da leitura do art. 28 supra que o mesmo não traz menção expressa à parte que pode ser responsabilizada pelo pagamento da cláusula, havendo respeitável corrente que entende pela possibilidade de aplicação da mesma tanto em favor do atleta como em favor da entidade desportiva, até mesmo em virtude do princípio in dúbio pro operário, norteador do direito do trabalho.

Destaca-se, neste aspecto, ementa do eg. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, no sentido de que: ‘A cláusula penal tratada no art. 28 da Lei nº 9.615/98, que institui normas gerais sobre o desporto e dá outras providências, aplicável tanto ao atleta profissional quanto à entidade de prática desportiva, pois não há nada nesse dispositivo legal que autorize interpretação diversa (...).

No mesmo sentido, decisão proferida pelo eg. Tribunal Regional do Trabalho da 12º Região, embasando-se na afirmativa de que o ‘contrato de trabalho é, por natureza, sinalagmático, ou seja, preleciona reciprocidade de direitos e de obrigações’. (POLAK, 2004, p. 8).

Esse é o entendimento que vem prevalecendo na jurisprudência.

Pela interpretação teleológica da Lei n. 9.615/98, contudo, é possível concluir que a cláusula penal é devida apenas pelo empregado, tendo sido criada tão-só para substituir o "passe", extinto pela Lei Pelé.

Nesse sentido, Polak (2004, p. 8), escreve:

Há, porém, corrente que vai em sentido diverso do indicado anteriormente, pregando pela aplicabilidade da cláusula penal apenas e tão-somente em favor do clube empregador, sendo que, nas rescisões por iniciativa do mesmo, não há a obrigação de pagar o valor previsto na cláusula.

Com efeito, o § 3º, do mesmo artigo 28, limita o valor da cláusula nas transferências ocorridas dentro do território nacional (a cem vezes o montante da remuneração anual do atleta), o que é excepcionado pelo § 5º para as transferências para clubes do exterior.

Tendo em vista o fato de que a transferência para o exterior ocorre por opção do atleta, denota-se, a partir de uma interpretação teleológica, que a finalidade da norma é, ao mesmo tempo, proteger o clube contra rescisões decorrentes de transferências no curso de competições esportivas, eis que a cláusula acaba por desmotivá-las, bem como proteger o empregado contra estipulações de multa em valores astronômicos. Lembre-se que a Lei nº 9.615 traz limites aos valores fixados para transferências internas, uma vez que os clubes nacionais possuem menor poder aquisitivo que os clubes do exterior, além de fomentar a permanência dos atletas em território nacional.

Reforça esta conclusão o § 4º do mesmo artigo que prevê a redução gradativa da cláusula penal com o passar dos anos do contrato. A razão de ser desta previsão decorre do fato de que, com o decorrer do tempo, o contrato já restou cumprido em parte, tendo o clube, beneficiário da cláusula, utilizado-se do trabalho do atleta, sendo descabido manter-se o valor no mesmo patamar estipulado para o início do pacto.

Tal regra é inclusive adotada pelo Código Civil de 2002 (assim como já ocorria com o Código de 1916), no sentido de que, cumprida em parte a obrigação, o juiz pode reduzir a penalidade eqüitativamente, nos termos do artigo 413.

Ademais, atentaria contra toda a sistemática do direito do trabalho concluir-se que quanto mais o atleta ficasse integrado ao clube, dada a longevidade de seu vínculo, menor seria a multa a que teria direito. Tome-se por parâmetro a antiga indenização aos empregados que não possuíam estabilidade decenal correspondente a um mês de remuneração por ano de serviço efetivo.

Por fim, deve ser considerado o contido no art. 57, inciso II, da própria Lei nº 9.615, que destina à assistência social e educacional dos atletas profissionais ‘II - um por cento do valor da cláusula penal, nos casos de transferências nacionais e internacionais, a ser pago pelo atleta’. Verifica-se, portanto, que a própria lei, expressamente, prevê que a cláusula penal do art. 28 é paga pelo atleta, e não pela entidade desportiva.

Observe-se também a previsão do art. 33, no sentido de que as entidades desportiva somente podem conceder condição de jogo ao atleta que estiver ‘acompanhado da prova de pagamento da cláusula penal nos termos do art. 28 desta Lei’.

Em se entendendo que a cláusula penal também é devida pelo clube empregador, bastaria a este deixar de pagar a cláusula para que o atleta não pudesse adquirir condição de jogo junto à entidade para a qual se transferira, o que não se apresenta lógico.

Segundo defensores desta tese, seria cabível, na hipótese de rescisão imotivada por parte do clube empregador, a multa prevista pelo art. 479 da CLT, específica para os contratos por prazo determinado, como o é o do jogador profissional de futebol.

Funcionaria, assim, a cláusula penal, como um sucedâneo do velho ‘passe’, previsto pela Lei nº 6.354/76, representando uma forma de compensação, para os clubes, pela extinção do vínculo.

Embora a corrente restritiva seja a mais lógica, o caráter sinalagmático do contrato de trabalho não deve ser deixado de lado, bem como o Princípio da Proteção, que é o principal orientador do Direito do Trabalho. Nesse sentido, não pode subsistir, na seara trabalhista, um ônus que seja exclusivamente do empregado. Sublinhe-se que o Princípio da Igualdade implica em tratar os desiguais desigualmente. Entretanto, para se conseguir a igualdade material os benefícios devem ser alcançados à parte mais forte, isto é, ao empregado, e não à parte mais forte, o empregador. Assim, entendo que a corrente ampliativa é a mais acertada e condizente com as diretrizes históricas trabalhistas.

Nesse sentido, colaciono a seguinte ementa de jurisprudência:

TRT-PR-17-04-2007 CLÁUSULA PENAL. ART. 28 DA LEI 9.615-1998. ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL. RESILIÇÃO ANTECIPADA DO CONTRATO. APLICAÇÃO A AMBOS OS CONTRATANTES. Não se afigura razoável nem condizente com as normas protetoras do direito do trabalho admitir a previsão contratual relativa à cláusula penal (campo 25 do contrato-fl. 25) para o caso de rescisão antecipada somente a pedido do atleta. Isso porque o contrato de trabalho é comutativo, o que faz com que tal estipulação seja considerada também em relação ao empregador, pois, em caso contrário, estar-se-ia a chancelar disposição leonina-incompatível com as relações de trabalho. Consoante art. 28 da Lei n 9.615-98, "a atividade do atleta profissional, de todas as modalidades, é caracterizada por remuneração pactuada em contrato formal de trabalho firmado com a entidade de prática desportiva, pessoa jurídica de direito privado, que deverá conter, obrigatoriamente, cláusula penal para as hipóteses de descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral". Assim, a lei prevê a obrigatoriedade de estipulação de cláusula penal nos contratos pactuados entre o atleta profissional e o clube, restando conforme com os princípios da razoabilidade e da igualdade entre as partes contratantes o entendimento de que a cláusula penal estipulada livremente no contrato de trabalho firmado abrange também o descumprimento das obrigações contratuais assumidas pela entidade desportiva contratante, mesmo porque o referido dispositivo legal não autoriza interpretação diversa. (TRT-PR-01176-2004-654-09-00-2-ACO-09485-2007 - 2A. TURMA. Relator: ROSEMARIE DIEDRICHS PIMPÃO. Publicado no DJPR em 17-04-2007).

Estudada a forma alternativa de cumprimento, mister que se adentre, especificamente, nos tipos de extinção do contrato de trabalho do atleta profissional de futebol.

4.2.2 Resilição do contrato de trabalho

Resilição é a extinção do contrato de trabalho forçada pela vontade das partes. É equivalente ao distrato. Excepcionalmente a lei pode conferir o poder potestativo à resilição pela vontade unicamente de uma das partes, como nos contratos de trabalho por prazo indeterminado na CLT, em que há a necessidade apenas da concessão do prévio aviso (SUSSEKIND, 1996).

No caso específico dos atletas profissionais de futebol, o artigo 21 da Lei n. 6.354/76 prevê que "é facultado às partes contratantes, a qualquer tempo, resilir o contrato, mediante documento escrito, que será assinado de próprio punho, pelo atleta, ou seu responsável legal, quando menor, e duas testemunhas".

Como a resilição, neste caso, é efetivada pela vontade de ambas as partes, a cláusula penal que foi livremente estabelecida no contrato pode vir a ser, também de forma livre, reduzida ou até suprimida, desde que seja de interesse dos envolvidos.

Como o artigo 28, § 2º, inciso II, da Lei n. 9.615/98 prevê que o contrato se extingue com o pagamento da cláusula penal, neste tipo especial de vínculo subsiste o direito potestativo das partes de extinguir unilateralmente o contrato de trabalho, desde que arque com o valor estipulado para o rompimento.

Desse modo, é possível também a resilição do contrato de trabalho quando qualquer das partes assim o desejar. Conforme entendimento acima registrado, a cláusula penal sempre será devida, inclusive pelo clube empregador, se for ele quem quiser resilir o liame empregatício.

4.2.3 Resolução do contrato de trabalho

O contrato de trabalho do atleta profissional de futebol também pode se extinguir no caso de inexecução faltosa das obrigações assumidas. É a despedida por justa causa. A falta pode ser tanto do empregado quanto do empregador, caso em que incidirá a figura conhecida na doutrina e na jurisprudência como "rescisão indireta".

As hipóteses de despedida por justa causa e de rescisão indireta previstas nos artigos 482 e 483 aplicam-se aos atletas profissionais de futebol por força do § 1º do artigo 28 da Lei Pelé. Mas a Lei n. 6.354/76 traz causas especiais para a extinção do contrato do trabalho do atleta profissional de futebol por culpa das partes.

Sobre a rescisão indireta,

Além das causas arroladas no art. 483 da CLT, o art. 31 da Lei n. 9.615, de 24.03.1998, autoriza o atleta a postular a rescisão indireta de seu contrato de trabalho, ficando inclusive livre para se transferir para outra agremiação, quando o empregador estiver em atraso com o pagamento de salário, no todo ou em parte, por período igual ou superior a três meses. São considerados salários, para estes efeitos, o abono de férias, o 13º, as gratificações, os prêmios e demais verbas inclusas no contrato de trabalho. A mora contumaz, ensejadora da rescisão indireta, configurar-se-á também nas hipóteses de não-recolhimento do FGTS e das contribuições previdenciárias (art. 31, §2º da Lei nº 9.615, de 1998). (BARROS, 2002, p. 91/92).

A eminente Alice Monteiro de Barros (2002, p. 93) entende, ainda, que

o atleta fará jus, além das verbas advindas da dispensa injusta, a uma multa rescisória equivalente ao disposto no artigo 479 da CLT, isto é, à metade da remuneração a que teria direito pelo tempo restante do contrato e, ainda, à liberação do passe. Caso seja o atleta o autor da prática faltosa, também incorrerá nesta multa, comprovado o prejuízo do empregador, tudo na forma do art. 31, § 3º da Lei nº 9.615/98.

Entretanto, não há como concordar com a doutrinadora. Com efeito, conforme já explanado acima, neste contrato especial de trabalho já há uma multa para o caso de extinção antecipada, que se aplica tanto quando o vínculo se rompe pela manifestação expressa da vontade, quanto na hipótese da existência de culpa de alguma das partes.

Assim, os artigos 479 e 480 da CLT não se aplicam aos contratos dos atletas profissionais de futebol, já que incompatíveis com este tipo especial de vínculo.

Esse é também o entendimento de parte da jurisprudência:

CLÁUSULA PENAL. ATLETA PROFISSIONAL. LEI PELÉ. A Lei nº 9.615/98 obriga a inclusão de cláusula penal em todos os contratos de trabalho firmados com atletas profissionais de futebol, tendo-se como equivocado o entendimento segundo o qual essa cláusula somente é devida pelo atleta que rescinde o contrato de trabalho antes do prazo determinado, visto que a exegese do art. 28 da Lei Pelé leva à conclusão de que é de aplicação bilateral, sendo devida no caso dos autos, em que o reclamado tomou a iniciativa de romper prematuramente o contrato de trabalho do reclamante. Recurso provido. (Número do processo: 01084-2006-201-04-00-3 (RO). Desembargador(a): CLEUSA REGINA HALFEN. Data de Publicação: 27/09/2007).

Há resolução do contrato de trabalho, também, quando o empregado não cumpre com suas obrigações do contrato, incorrendo ele em falta e ficando obrigado a pagar a multa da cláusula penal.

O art. 20 da Lei nº 6.354, de 1976, arrola as justas causas para a resolução do contrato de trabalho do jogador de futebol e sua conseqüente eliminação do futebol nacional. São elas: a improbidade, a grave incontinência de conduta, a condenação à pena de reclusão, superior a dois anos, transitada em julgado, e a eliminação imposta pela entidade de direção máxima do futebol nacional ou internacional. A Lei nº 9.615, de 1998 (Lei Pelé), não alterou essa questão. (BARROS, 2002, p. 93).

O ato de improbidade, também tipificado no artigo 482 da CLT, é conduta faltosa que provoca dano ao patrimônio empresarial ou de terceiro, em função de comportamento vinculado ao contrato de trabalho, com o objetivo de alcançar vantagem para si ou para outrem. Embora improbidade seja também mau procedimento, tem a peculiaridade, segundo a ótica justrabalhista, de afetar o patrimônio de alguém, em especial do empregador, visando, irregularmente, a obtenção de vantagens para o empregado ou terceiro ligado a ele (DELGADO, 2008).

A incontinência de conduta consiste na conduta culposa do empregado que atinge a moral, sob o ponto de vista sexual, prejudicando o ambiente de trabalho ou as obrigações contratuais (DELGADO, 2008).

O contrato de trabalho do atleta tem peculiaridades, entre elas o caráter muito amplo e intenso da subordinação, que se estende não só à atividade esportiva, incluindo treinos, concentração e excursões, mas também aos aspectos pessoais, como alimentação, bebidas, horas de sono, peso; aos aspectos mais íntimos, como o comportamento sexual; mais convencionais, como a vestimenta e a presença externa e, ainda, aos aspectos mais significativos como declarações à imprensa.

A extensão e a indiscrição do controle que existem nesse regime contratual é de ampla notoriedade, não podendo o atleta alegar engano sobre a intensidade da subordinação, tampouco a necessidade econômica de submeter-se ao rigor destas regras, mesmo porque trata-se de profissão insegura e fugaz. (BARROS, 2002, p. 94).

A autora complementa, registrando que "para os atletas, a incontinência de conduta é avaliada com mais rigor do que o critério adotado para os empregados em geral e poderá configurar-se mesmo fora das dependências da agremiação" (BARROS, 2002, p. 94).

Já a extinção do contrato pela condenação criminal em pena de reclusão superior a dois anos se dá não por alguma falta específica do empregado, mas pela impossibilidade de se continuar a prestação do labor (SUSSEKIND, 1996).

Conforme já afirmado, as hipóteses dos artigos 482 e 483 da CLT se aplicam aos contratos de trabalho dos atletas profissionais de futebol.

O rol a que alude o art. 20 da Lei nº 6.354, de 1976, é meramente exemplificativo. As outras justas causas arroladas no art. 482, da CLT aplicam-se ao jogador de futebol, mas só algumas delas autorizam a eliminação do futebol nacional. As outras faltas do art. 482, da CLT são: negociação habitual, desídia, embriaguez habitual ou em serviço, violação de segredo da empresa, indisciplina e insubordinação, abandono de emprego, ato lesivo da honra e da boa fama, praticada em serviço contra qualquer pessoa ou contra o empregador ou superiores hierárquicos. (BARROS, 2002, p. 95).

Continua a professora Alice Monteiro de Barros dizendo que:

Essas faltas, a que alude o art. 482, da CLT, podem autorizar a resolução do contrato de trabalho, por justa causa, sem acarretar a eliminação do futebol, com exceção do alcoolismo ou ingestão de outras drogas, que se apresente de forma freqüente, a ofensa física ou à honra e boa fama praticada contra colega de profissão, árbitro, auxiliares, ou mesmo torcedores, de uma forma reiterada ou contra superior hierárquico, mesmo fora do serviço. Estar últimas faltas, frise-se, podem acarretar, além da dispensa por justa causa, a eliminação do futebol. (2002, p. 96).

Vale ressaltar que, conforme explanações acima desenvolvidas, na hipótese de ocorrência de justa causa, seja por parte do empregado, seja por parte do empregador, incidirá apenas, pela parte culpada, o pagamento da multa contratual estipulada pelas partes, não se aplicando os artigos 479 e 480 da CLT.


5 DIREITOS E OBRIGAÇÕES DOS ATLETAS

Estudado o contrato do atleta profissional de futebol, sua forma e seus principais requisitos, o conhecimento sobre os direitos trabalhistas que possuem em seu labor é de suma importância. O presente capítulo será pautado pelos aspectos concernentes às férias, ao labor extraordinário, intervalos, concentração e viagens, comparando a regra específica dos jogadores de futebol com as dos demais empregados, previstas na CLT.

5.1 Férias

A CF/88 garante a todos os trabalhadores urbanos e rurais, no inciso XVII do artigo 7º, o gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal.

Não há sequer falar que os jogadores profissionais de futebol não fazem jus a este direito, porquanto a Carta Magna brasileira o estabelece para todos os trabalhadores, independentemente do ramo de atividade.

Sussekind (2008) ensina sobre a importância deste direito a todos os empregados:

Após um ano de trabalho contínuo,não obstante a limitação das respectivas jornadas e a compulsoriedade dos descansos semanais e em feriados, é evidente que já se acumularam no trabalhador toxinas não eliminadas convenientemente; que a vida dos seus nervos e de todo o organismo já sofre as conseqüências da fadiga; que, finalmente, inúmeros fenômenos psíquicos foram ocasionados pelo cotidiano das tarefas executadas com o mesmo método e no mesmo ambiente de trabalho. A psicotécnica confirma esse quadro, registrando que depois do quinto mês de trabalho sem férias o rendimento do empregado começa a cair, sobretudo em se tratando de serviço no qual predomine o emprego das funções cerebrais. (p. 848).

No ramo do futebol profissional, não é só o rendimento físico que é exigido ao extremo, mas também intensa atividade cerebral em jogadas, posicionamento, rápido raciocínio no drible etc. Assim, não é por ser o futebol predominantemente um esporte que se pode afastar o direito a férias dos profissionais da área.

Na CLT, o direito às férias vem regulado nos artigos 129 a 152. Em termos gerais, a cada ano de serviço o empregado terá direito a 30 dias de férias, que é reduzido de acordo com as faltas ao serviço, até o mínimo 12 dias de férias quando o empregado tiver faltado de 24 a 32 dias. O empregado que faltar mais de 32 dias de serviço perde integralmente o seu direito a férias. As férias são concedidas a critério do empregador nos 12 meses subseqüentes à obtenção do benefício (artigo 134 da CLT) e, por força da norma constitucional, deverá ser pago o adicional de 1/3.

Especificamente quanto ao atleta profissional de futebol, prevê o artigo 25 da Lei n. 6.354/76 que o jogador terá direito a um período de férias anuais remuneradas de 30 dias, que coincidirá com o recesso obrigatório das atividades de futebol.

O atleta tem direito a férias anuais de 30 dias, as quais deverão coincidir com o recesso das atividades do futebol, geralmente em janeiro (art. 25 da Lei n. 6.423, de 77). A Lei não faz alusão a dias úteis, supondo-se, então, que sejam corridos. Assim que o empregado retornar das férias, ele recomeça seu treinamento. (BARROS, 2002, p. 90).

Percebe-se, de logo, que ao atleta profissional de futebol não se exige o período de 12 meses de trabalho e, tampouco, há o prazo de 12 meses após a aquisição do direito para o gozo do benefício. As férias são anuais e no mesmo período do recesso das atividades futebolísticas, independentemente do tempo de trabalho do jogador. Se o recesso for em janeiro e o atleta tiver sido contratado em dezembro do ano anterior, mesmo com um mês já terá o direito a 30 dias de férias.

É de se ressaltar, também, que não vige, neste ramo, a possibilidade de se diminuir o período de férias conforme o empregado tiver faltado ao serviço, nos termos do artigo 130 da CLT. Repita-se, as férias do atleta profissional de futebol são anuais e sempre de 30 dias.

O adicional de 1/3, por ter previsão constitucional, é devido também ao atleta profissional de futebol, da mesma forma que aos empregados regidos pela CLT.

Peculiaridade interessante, contudo, reside no parágrafo único do artigo 25 da Lei n. 6.354/76, que estabelece que durante os 10 dias seguintes ao recesso é proibida a participação do atleta em qualquer competição com ingressos pagos. "O objetivo do legislador foi conceder esse prazo para que o atleta tivesse condições de recuperar progressivamente a sua forma física" (BARROS, 2002, p. 90). Nada impede, contudo, que o atleta participe de jogos-treinos ou de apresentação ou em competições onde não são cobrados ingressos.

5.2 Jornada

A limitação diária de jornada é uma conquista histórica. Hodiernamente no Brasil existe a luta para uma maior limitação de 44 horas semanais para 40 horas semanais.

O tema da jornada ocupa, em conjunto com o tema referente ao salário, posição de nítido destaque no desenvolver da história do Direito do Trabalho. Salário e jornada sempre foram, de fato, os temas centrais e mais polarizantes brandidos ao longo das lutas trabalhistas que conduziram à construção e desenvolvimento desse ramo especializado do Direito. (DELGADO, 2008, p. 832).

A jornada está intimamente ligada, também, à saúde do trabalhador, pois quanto maior o tempo que o empregado tiver para recuperar suas energias, melhor será seu rendimento profissional no dia seguinte.

Consoante previa o artigo 6º da Lei n. 6.354/76: "O horário normal de trabalho será organizado de maneira a bem servir ao adestramento e à exibição do atleta, não excedendo, porém, de 48 (quarenta e oito) horas semanais, tempo em que o empregador poderá exigir fique o atleta à sua disposição".

Contudo, este dispositivo restou expressamente revogado em 26/03/2001, por força dos artigos 93 e 96 da Lei n. 9.615/98.

Sobre o limite de jornada do atleta profissional de futebol. Barros (2002) entende que "dadas as peculiaridades que envolvem esta função, entendo que as normas a respeito de limitação de horas semanais, a partir de 26 de março de 2001, não mais serão aplicadas ao profissional do futebol" (p. 88).

Fato é que, mesmo anteriormente a revogação do artigo 6º da Lei n. 6.354/76, o limite semanal de trabalho dos atletas profissionais de futebol já havia sido reduzido por força do inciso XIII do artigo 5º da CF/88.

Não há qualquer motivo para excluir o limite constitucional de jornada de trabalho aos atletas profissionais de futebol, já que o artigo 7º da CF/88 concede este direito a todos os trabalhadores urbanos e rurais, independentemente do ramo a que se dediquem. Assim, o inciso XIII do artigo 7º da CF/88 limita a jornada de trabalho do atleta profissional de futebol a 8 horas diárias e 44 horas semanais.

Não nos parece defensável a tese de que os atletas profissionais de futebol não estariam sujeitos aos limites constitucionais de jornada simplesmente em virtude das peculiaridades que permeiam sua atividade. Se assim fosse, deveríamos ter uma regra específica para os mineiros, para os portuários etc. O preceito constitucional é claro ao dispor que o limite de 8 horas diárias e 44 semanais é direito de todos os trabalhadores urbanos e rurais, não excepcionando a aplicação desta regra aos atletas. Registre-se que a CF facultou a compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva, sem, no entanto permitir o extrapolamento dos limites legais ali fixados. (GRISARD, 2004, p. 28).

Por força do artigo 28 da Lei n. 6.354/76 a CLT é aplicada aos atletas profissionais de futebol no que for compatível.

Assim, a norma do artigo 74, §2º, da CLT, acerca da obrigatoriedade do controle da jornada é aplicada aos atletas profissionais de futebol, assim como a Súmula n. 338 do TST, que trata do ônus de manter o registro de horários quando houver mais de 10 empregados.

Não há falar, contudo, na aplicação do inciso I do artigo 62 da CLT, pois o trabalho prestado por um jogador profissional de futebol não é incompatível com o controle de jornada. O inciso II tampouco se aplica a esta categoria, pois os atletas profissionais não podem ser considerados gerentes.

Será considerado labor extraordinário, portanto, todas as horas laboradas depois da 8ª diária e 44ª semanal, incluindo-se nesse tempo todo aquele em que o jogador permanece à disposição do empregador.

As Leis n. 6.354/76 e n. 9.615/98 nada referem acerca do adicional noturno aos atletas profissionais de futebol. Todavia, a CLT é aplicada a este liame empregatício quando não houver incompatibilidade (artigo 28 da Lei n. 6.354/76), motivo pelo qual quando as atividades do atleta-empregado se derem entre 22h e 5h é devido o adicional noturno e a hora especial noturna de 52 minutos e 30 segundos, nos termos do artigo 73 da CLT.

Com efeito,

o trabalho executado à noite, além de provar o trabalhador de horas normalmente destinadas à recreação e ao sono, é antifisiológico, esgotador e perigoso para a saúde, se praticado habitualmente, requer um esforço maior do que o realizado durante o dia, sendo que o emprego da luz artificial torna o trabalho mais penoso e prejudica a vista. (SUSSEKIND, 1996, p. 810).

Ademais, a remuneração do trabalho noturno superior a do diurno é norma insculpida no artigo 7º, inciso IX, da CF/88 e alcança a todos os trabalhadores urbanos e rurais, inclusive o atleta profissional de futebol, inexistindo razoabilidade em excluir esse direito aos jogadores, notadamente quando as partidas são realizadas em horário considerado noturno.

Há de se fazer ressalvas, contudo, quanto ao tempo que será considerado jornada de trabalho ou tempo à disposição do empregador.

Como já visto alhures, o artigo 6º da Lei n. 6.354/76 estabelecia que "o horário normal de trabalho será organizado de maneira a bem servir ao adestramento e à exibição do atleta, não excedendo, porém, de 48 (quarenta e oito) horas semanais, tempo em que o empregador poderá exigir fique o atleta à sua disposição."

Sem adentrar na questão do limite da jornada, que já foi objeto de estudo anteriormente, a questão a ser analisada é que este dispositivo estabeleceu o que será considerado horário normal de trabalho, se referindo apenas ao tempo de adestramento e exibição do atleta.

Por sua vez, o artigo 7º fixou que:

O atleta será obrigado a concentrar-se, se convier ao empregador, por prazo não superior a 3 (três) dias por semana, desde que esteja programada qualquer competição amistosa ou oficial e ficar à disposição do empregador quando da realização de competição fora da localidade onde tenha sua sede.

Ao não incluir o tempo de concentração no dispositivo acerca do horário do trabalho, o legislador quis excluir da jornada este tempo em que o atleta se resguarda para a partida iminente.

Portanto, face às peculiaridades da profissão de atleta profissional e pelo fato de a concentração ter sido deliberadamente excluída pelo legislador do art. 6º da L. 6.354/76, conclui-se que não é computado como jornada suplementar as horas em que o empregado estiver concentrado. (ZAINAGHI, 2003, p. 146).

Não há negar que o tempo em que o atleta permanece concentrado está efetivamente à disposição do empregador, cumprindo suas ordens, inclusive de cunho pessoal, como com o que se alimentar, que horas dormir, acordar etc. Contudo,

a concentração não pode ser equiparada ao tempo em que o empregado permanece à disposição do empregador, trabalhando ou executando ordens (art. 4º da CLT). A concentração é um costume peculiar ao atleta e visa resguardá-lo para a obtenção de melhor rendimento na competição. Nesta oportunidade, o empregador poderá exigir que o atleta alimente-se adequadamente, observe as horas de sono, abstenha-se de ingerir bebidas alcoólicas e treine. Não vemos como equiparar a concentração a tempo à disposição para fim de hora extras, sequer para efeito de prontidão ou sobreaviso, pois se a razão jurídica das normas que ensejaram tais direitos não é a mesma, igual não poderá ser a solução. (BARROS, 2002, p. 88).

A jurisprudência não é uníssona para qualquer dos lados, seja pela contagem do tempo de concentração na jornada, seja pela sua desconsideração, em face da peculiaridade do emprego.

Pela letra fria do artigo 4º da CLT, o tempo de concentração deve ser considerado como de tempo à disposição, e assim já foi decidido:

HORAS EXTRAS – JOGADOR DE FUTEBOL – É devido o pagamento de horas extras ao jogador de futebol por todo o período que ficou em concentração, sem compensação de horário, à disposição do empregador. (TRT 9ª Região. RO 1.079/81. Ac. 236/82. Rel. Min. Indalécio Gomes. Julgado em 18/02/1982, apud GRISARD, 2004, p. 28).

Entretanto, a doutrina se inclina para uma interpretação um pouco mais distante da letra da lei e mais atenta à realidade, levando a uma boa parte da jurisprudência decidir dessa forma:

HORAS EXTRAS – JOGADOR DE FUTEBOL – PERÍODO DE CONCENTRAÇÃO – A concentração é obrigação contratual e legalmente admitida, não integrando a jornada de trabalho, para efeito de pagamento de horas extras, desde que não exceda de 3 dias por semana. Recuso de Revista a que se nega provimento. (TST – 4ª Turma. RR 405.769 – SP – Rel. Min. Antonio José de Barros Levenhagen. Julgado em 29/03/2000, apud GRISARD, 2004, p. 28).

Parece-se que tem que se ter em mente, de qualquer modo, que o período de concentração poderia ser feito, até, na própria residência do atleta. Ocorre que nem todos possuem a mesma disciplina e, se não se concentrassem junto com os colegas e com uma refeição balanceada, acabariam por prejudicar a sua própria saúde e seu rendimento profissional. A concentração, assim, é especialmente benéfica ao empregado, pois em uma circunstância em que todos os contratos são firmados por prazo determinado, a queda no rendimento pode ser sinônimo de desemprego para o trabalhador.

Mais razoável, portanto, o entendimento de que o período de concentração não integra a jornada de trabalho, sendo apenas um período de resguardo para a realização da partida, desde que, é claro, não supere o período de três dias por semana.

De qualquer modo, o tempo de treinamento durante a concentração não pode ser excluído da jornada, pois o artigo 6º da Lei n. 6.354/76 expressamente inclui no horário normal de trabalho o tempo destinado ao "adestramento" do atleta. A concentração deve ser entendida como aquela em que o atleta, ao invés de se dirigir à sua residência, permanece no clube ou em outro local determinado para se preservar para a partida iminente.

Os deslocamentos entre o local da concentração e o da partida ou entre diferentes cidades para a realização de um jogo, de outra banda, não pode ser considerado tempo de concentração. Ainda, o tempo de deslocamento somente poderá ser considerado na jornada de trabalho na hipótese do § 2º do artigo 58 da CLT, isto é, tendo o empregador fornecido o transporte e o local da prestação ser de serviço ser de difícil acesso ou não fornecido por transporte público.

5.3 Intervalos intrajornadas, entrejornadas e repouso semanal remunerado

A concessão de intervalos, assim como a limitação de jornada, é norma que visa à saúde do trabalhador.

Os períodos de descanso conceituam-se como lapsos temporais regulares, remunerados ou não, situados intra ou intermódulos diários, semanais ou anuais do período de labor, em que o empregado pode sustar a prestação de serviços e sua disponibilidade perante o empregador, com o objetivo de recuperação e implementação de suas energias ou de sua inserção familiar, comunitária e política. (DELGADO, 2008, p. 919).

O artigo 28 da Lei n. 6.354/76 prevê que "aplicam-se ao atleta profissional de futebol as normas gerais da legislação do trabalho e da previdência social, exceto naquilo que forem incompatíveis com as disposições desta lei".

Nada há na lei supracitada ou mesmo na Lei Pelé acerca dos intervalos intrajornadas, motivo pelo qual resta plenamente aplicável aos atletas profissionais de futebol o disposto no artigo 71 da CLT:

Art. 71 - Em qualquer trabalho contínuo, cuja duração exceda de 6 (seis) horas, é obrigatória a concessão de um intervalo para repouso ou alimentação, o qual será, no mínimo, de 1 (uma) hora e, salvo acordo escrito ou contrato coletivo em contrário, não poderá exceder de 2 (duas) horas.

§ 1º - Não excedendo de 6 (seis) horas o trabalho, será, entretanto, obrigatório um intervalo de 15 (quinze) minutos quando a duração ultrapassar 4 (quatro) horas.

§ 2º - Os intervalos de descanso não serão computados na duração do trabalho.

§ 3º O limite mínimo de uma hora para repouso ou refeição poderá ser reduzido por ato do Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, quando ouvido o Serviço de Alimentação de Previdência Social, se verificar que o estabelecimento atende integralmente às exigências concernentes à organização dos refeitórios, e quando os respectivos empregados não estiverem sob regime de trabalho prorrogado a horas suplementares.

§ 4º - Quando o intervalo para repouso e alimentação, previsto neste artigo, não for concedido pelo empregador, este ficará obrigado a remunerar o período correspondente com um acréscimo de no mínimo 50% (cinqüenta por cento) sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho.

Dessa forma, é obrigatória a concessão de intervalos dentro de cada jornada de trabalho do atleta, sendo de 15 minutos quando a jornada diária for entre 4 e 6 horas e, se a jornada for superior a 6 horas, se 1 a 2 horas, também para descanso e alimentação. O tempo de intervalo que não for concedido deverá ser remunerado com o acréscimo de 50%, por força do §4º acima transcrito.

Já o descanso durante as partidas não possui características de intervalo para repouso e alimentação, se assemelhando mais com o tempo de descanso previsto no serviço de mecanografia do artigo 72 da CLT. Ora, o descanso entre os dois tempos de uma partida serve tão-só para o atleta recuperar as suas forças e continuar o seu trabalho nos próximos 45 minutos. É tempo à disposição do empregador e conta na jornada de trabalho, não sendo intervalo não remunerado para repouso e alimentação (BARROS, 2002).

Do mesmo modo, não há como afastar a aplicação do artigo 66 da CLT aos atletas profissionais do futebol, lhes assistindo o direito a um intervalo de no mínimo 11 horas consecutivas para descanso entre duas jornadas. Deveras,

Não se tem notícia de que seja exercido controle sobre tais intervalos, todavia, é totalmente lícito ao atleta, quando verificar que seu direito está sendo ofendido, pleitear o pagamento das horas laboradas durante o período que seria destinado a descanso. (GRISARD, 2004, p. 28).

O repouso semanal remunerado, por força da Lei n. 605/49, também é direito do atleta profissional de futebol, até porque a Constituição Federal, no inciso XV do artigo 7º, prevê dentre os direitos de todos os trabalhadores urbanos e rurais o descanso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos.

O descanso semanal (ou repouso semanal) define-se como o lapso temporal de 24 horas consecutivas situado entre os módulos semanais de duração do trabalho do empregado, coincidindo preferencialmente com o domingo, em que o obreiro pode sustar a prestação de serviços e sua disponibilidade do empregador, com o objetivo de recuperação e implementação de suas energias e aperfeiçoamento em sua inserção familiar, comunitária e política. O descanso ou repouso semanal (d.s.r. ou r.s.r.) é período de interrupção da prestação de serviços, sendo, desse modo, em geral, lapso temporal remunerado. (DELGADO, 2008, p. 939).

Em uma rotina em que os treinamentos ocorrem durante a semana e os jogos nos finais de semana, inclusive em domingos, não é difícil se desconfiar que o descanso semanal deixa de ser corretamente concedido aos atletas. Contudo, o Direito lhes assiste neste ponto, fazendo jus a um dia por semana para repouso.


6 REMUNERAÇÃO E SALÁRIO

Um dos requisitos essenciais de qualquer vínculo de emprego é a onerosidade. Isto é, a relação entre as partes nasce com o intuito do empregado em ser economicamente contraprestado pelos seus serviços. Ao conjunto de parcelas que retribuem o trabalho desenvolvido dá-se o nome de remuneração ou de salário (DELGADO, 2008).

As expressões remuneração e salário corresponderiam, assim, ao conjunto de parcelas contraprestativas recebidas pelo empregado, no contexto da relação de emprego, denunciadoras do caráter oneroso do contrato de trabalho pactuado (DELGADO, 2008, p. 683).

O artigo 457 da CLT prevê que:

Art. 457. Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.

O salário, pois, é a retribuição dos serviços prestados pelo empregado, por força do contrato de trabalho, devido e pago diretamente pelo empregador. A remuneração, por sua vez, é resultante da soma do salário percebido e dos proventos auferidos de terceiros, habitualmente, pelos serviços executados por força do mesmo contrato (SUSSEKIND, 1996).

Contudo, nos contratos dos atletas profissionais de futebol, além do salário regularmente estipulado, são devidas outras verbas inerentes a este liame contratual e, por isso, clamam por estudo neste trabalho.

Vale ressaltar que o artigo 24 da Lei n. 6.354/76 veda ao clube o pagamento, como incentivo, em cada partida, prêmio ou gratificação superior à remuneração mensal. Mas essa regra é de difícil controle, já que o pagamento pode provir de outro clube interessado no resultado ou até de um torcedor fanático ou qualquer outra pessoa (BARROS, 2002, p. 79).

Há, ainda, a possibilidade de o jogador se recusar a trabalhar quando seus salários estiverem atrasados, incluindo-se no conceito de salário, para este fim, as gratificações, os prêmios e demais verbas inclusas no contrato de trabalho, nos termos do artigo 31, § 1º, da Lei n. 9.605/98.

Neste capítulo estudaremos as luvas, o bicho e o direito de arena e o direito de imagem, que são pagamentos normalmente realizados aos atletas profissionais.

6.1 Luvas

O artigo 12 da Lei n. 6.354/76 estabelece que "entende-se por luvas a importância paga pelo empregador ao atleta, na forma do que for convencionado, pela assinatura do contrato".

As luvas traduzem importância paga ao atleta pelo seu empregador, "na forma convencionada, pela assinatura do contrato"; compõem a sua remuneração para todos os efeitos legais. Elas podem ser em dinheiro, títulos ou bens, como automóveis. Seu valor é fixado tendo em vista a eficiência do atleta antes de ser contratado pela entidade desportiva. (BARROS, 2002, p. 80).

As luvas são, assim, uma espécie de fundo de trabalho, muito semelhante ao "ponto", no direito comercial. É um valor pago para que determinado jogador assine o contrato com o clube. Assemelha-se, também, ao "ágil" do mercado automobilístico do fim dos anos de 1990. Quando um determinado produto (ou profissional) é difícil de se conseguir, o interessado acaba sendo obrigado a desembolsar uma quantia extra para a obtenção do negócio.

O artigo 31, §1º, da Lei n. 9.605/98, ao definir salário para fins de rescisão indireta, referiu expressamente que é considerado salário as gratificações, os prêmios e demais verbas inclusas no contrato de trabalho.

Assim, o valor estipulado a título de luvas integra o salário para todos os fins e o seu não pagamento dá azo à rescisão do contrato por culpa do empregador.

A jurisprudência se manifestou sobre o assunto:

CONTRATO DESPORTIVO. ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL. LUVAS. NATUREZA JURÍDICA. As luvas, cujo termo em sentido figurado não é exclusivo do direito desportivo, mas também do Direito Comercial - locação comercial -, instituto com o qual também guarda semelhança inclusive no tocante à sua finalidade, pois nesta o valor do 'ponto' (fundo de comércio) aproxima-se do valor da propriedade do imóvel, implica em dizer que "em certo sentido, as luvas desportivas importam reconhecimento de um fundo de trabalho, isto é, o valor do trabalho desportivo já demonstrado pelo atleta que determinada associação contratar" , tudo consoante lição do mestre José Martins Catharino. A verba luvas, portanto, não se reveste de natureza indenizatória, porquanto é sabido que a indenização tem como pressuposto básico o ressarcimento, a reparação ou a compensação de um direito lesado, em síntese, compensa uma perda, de que na hipótese não se trata, na medida em que a verba recebida a título de luvas tem origem justamente na aquisição de um direito em face do desempenho personalíssimo do atleta, ou seja, o seu valor é previamente convencionado na assinatura do contrato, tendo por base a atuação do atleta na sua modalidade desportiva. Recurso de Revista conhecido e provido. (TST. PROCESSO: RR 418392 1998. PUBLICAÇÃO: DJ - 09/08/2002. Relator: JUIZ CONVOCADO VIEIRA DE MELLO FILHO.

Não há como, portanto, considerar os valores alcançados a título de luvas como de natureza indenizatória, pois sua natureza remuneratória é patente.

6.2 Bicho

O bicho é aquela remuneração paga ao atleta pelo desempenho em um jogo ou em uma competição específica. Ela se assemelha muito à gorjeta e não tem valor pré-determinado.

Sustenta-se que a nomenclatura "bicho" surgiu com as primeiras apostas sobre o futebol profissional quando este iniciava e guarda uma correção com o chamado jogo do bicho.

A importância intitulada "bicho", pela linguagem futebolística, é paga ao atleta, em geral, por ocasião das vitórias ou empates, possuindo natureza de prêmio individual, resultante de trabalho coletivo, pois visa não só compensar os atletas, mas também estimulá-los; essa verba funda-se em uma valorização objetiva, conseqüentemente, dado o seu pagamento habitual e periódico tem feição retributiva. (inteligência do art. 31, § 1º, da Lei n. 9.615, de 24.3.98). Os bichos são fixos e variáveis, podendo, excepcionalmente, ser pagos até mesmo em caso de derrotas, quando verificado o bom desempenho da equipe. (BARROS, 2002, p. 80).

MARTINS (2008) ensina que:

Bicho é a importância paga pelo clube ao jogador por vitórias ou empates. Normalmente, é pago aos atletas que participaram da partida, mas pode ser paga a todos os atletas. Visa estimular os atletas pelo resultado positivo na partida. Pode representar salário-condição, pois depende do atingimento do objetivo determinado pelo clube. Pode representar gratificação, por ser liberalidade do empregador ou espécie de prêmio pelo desempenho coletivo da equipe. É uma espécie de gratificação ajustada. Se o bicho é pago com habitualidade, tem natureza salarial, devendo compor a remuneração do empregado e sofrer a incidência do FGTS.

O "bicho" pode ser alcançado à equipe tanto pelo próprio clube como por terceiros (torcedor, outro clube interessado em algum resultado, patrocinador) e, por esse motivo, é equivalente às gorjetas do empregado comum.

Considerando que as gorjetas integram a remuneração, nos termos do artigo 457 da CLT, o "bicho" forma, pela média, base para FGTS, horas extras, 13º salário e férias, sendo que o seu não pagamento por três meses importa na rescisão indireta do contrato de trabalho, nos termos do art. 31, § 1º, da Lei Pelé.

6.3 Direito de Arena e Direito de Imagem

Já colocaram dúvidas acerca da existência dos direitos da personalidade, as quais acabaram sendo superados com a evolução da doutrina.

Os direitos da personalidade são direitos que decorrem da proteção da dignidade da pessoa humana e estão intimamente ligados à própria condição humana. Embora a violação a esses direitos possa ter repercussões patrimoniais, são direitos que se distinguem dos direitos patrimoniais, porque estão ligados à pessoa humana de maneira perpétua. (SCHIAVI, 2007).

Na seara do contrato de trabalho dos atletas profissionais de futebol, a exploração da imagem dos jogadores se dá de duas formas. A primeira, chamada de direito de arena, é inerente ao próprio contrato de trabalho por disposição legal, que se refere à transmissão das imagens de jogos de que participem. Esta exposição da imagem do atleta não há como evitar, pois a atividade é equiparada a do artista e voltada à exibição aos torcedores.

A segunda forma de exploração da imagem dos jogadores é pela cessão do uso da imagem para fins comerciais. Isto se dá mediante contrato específico entre o clube (ou outro interessado) e o atleta para a promoção comercial de camisetas, bonés e até para atrair mais torcedores ao estádio.

Note-se que o direito de arena está ligado à exibição do atleta em partidas e a segunda pela simples utilização da imagem do atleta na promoção comercial que foi contratada e independe da realização de partidas. Assim, o direito de arena e o direito de imagem (ou de uso da imagem), embora ambos se refiram à exploração da imagem do atleta, não se confundem.

Com efeito, o direito de arena vem previsto no artigo 42 da Lei Pelé:

Art. 42. Às entidades de prática desportiva pertence o direito de negociar, autorizar e proibir a fixação, a transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculos ou eventos desportivos de que participem.

§ 1º Salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço total autorizado, como mínimo, será distribuído, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo ou evento.

Segundo ZAINAGHI (1998, p. 148), "arena é palavra que significa areia. O termo é usado nos meios esportivos, tendo em vista que, na antiguidade, no local onde os gladiadores se enfrentavam, entre si ou como animais ferozes, o piso era coberto de areia".

O direito de arena decorre, assim, da transmissão ou retransmissão da imagem do atleta em eventos desportivos, cuja negociação é feita pelo clube com as emissoras de rádio e TV, pertencendo aos atletas 20%, pelo menos, do que for aferido no negócio.

Em conseqüência, a exploração econômica das imagens do esporte modificou sobremaneira as relações entre os protagonistas do espetáculo desportista e os meios audiovisuais. O "desportista profissional" é o ator do espetáculo e sua imagem é essencial e inevitável. Surge em função dessa atuação o direito do desportista participar do preço, da autorização, da fixação, transmissão ou retransmissão do espetáculo esportivo público com entrada paga, ao qual se denomina direito de arena. (BARROS, 2002, p. 85).

Manifestando-se sobre o direito à imagem, ensina BITTAR (1995, p. 87):

Consiste no direito que a pessoa tem sobre a sua forma plástica e respectivos componentes, distintos (rosto, olhos, perfil, busto) que a individualizam no seio da coletividade. Incide, pois, sobre a conformação física da pessoa, compreendendo esse direito um conjunto de caracteres que a identifica no meio social. Por outras palavras, é o vinculo que une uma pessoa à sua expressão externa, tomada no conjunto, ou em parte significativas (como boca, os olhos, as pernas, enquanto individualizadores da pessoa).

O direito da imagem é personalíssimo, mas o uso da imagem pode ser cedido mediante contrato civil. O direito ao uso da imagem pode ser livremente negociado pelo atleta com o clube ou com qualquer patrocinador ou entidade, que, mediante determinado pagamento, poderá utilizar a imagem do atleta para promoções de produtos ou de marcas. Exemplo claro disso é o contrato que o jogador Ronaldinho Gaúcho possui com a Nike. Em suma, é um contrato de publicidade.

Questão controversa surge acerca da natureza jurídica deste contrato de cessão de uso da imagem do atleta.

ZAINAGHI (2004, p. 36) entende que:

A cessão do direito de imagem, só existe em virtude da profissão de atleta, isto, é, os clubes celebram com o jogador (uma pessoa jurídica por este constituída), um contrato pelo qual irão ‘trabalhar’ a imagem do atleta, ou seja, vão divulgá-la, inclusive ligando-a à venda de produtos. Ora, se o ferido contrato é celebrado entre clube e atleta em virtude da relação de trabalho, parece-nos evidente a fraude e conseqüente nulidade de tais pactos (...)Não temos qualquer dúvida de que o pagamento efetuado em razão do direito de imagem tem natureza jurídica salarial.

A matéria é complexa, pois o direito de imagem tem natureza diferente das obrigações das partes do contrato de trabalho, uma vez que integra um direito da personalidade do atleta que pode ou não ser cedido. Não há contraprestação laboral pelo atleta ao ceder a utilização de sua imagem ao empregador. Desse modo, não há como um contrato de cessão de imagem (desde que regularmente firmado e não com o objetivo de fraudar os direitos trabalhistas) ter natureza salarial.

Salário é a contraprestação devida ao empregado paga diretamente pelo empregador em razão da prestação de serviços. Nos termos do artigo 457, da CLT: "compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber".

Na definição clássica de CATHARINO (1997, p. 90), salário é "contraprestação devida a quem põe seu esforço pessoal à disposição de outrem em virtude do vínculo jurídico de trabalho, contratual ou instituído."

Dos conceitos acima referidos, a cessão do direito de imagem não se confunde com o salário. Mas é bem verdade que se não há o contrato de trabalho, também não há o contrato de cessão de imagem. Vale lembrar, todavia, que o contrato de cessão do uso da imagem necessariamente não precisa ser feito com o próprio empregador, sendo comum vermos contratos de jogadores com terceiros, como Nike, Reebok etc.

É de se registrar, todavia, que os contratos para exploração da imagem vêm sendo utilizados por clubes para burlar a legislação trabalhista, anotando-se pequeno valor no contrato de trabalho do atleta e o restando da remuneração em um contrato fajuto de imagem (ZAINAGHI, 2003). A Justiça do Trabalho tem nulificado estes contratos nitidamente fraudados, pela aplicação do artigo 9º da CLT.

Por oportuno, colaciono as seguintes ementas de jurisprudência:

DIREITO DE IMAGEM. INTEGRAÇÃO AO SALÁRIO. O pagamento de quantia fixa mensal a título de direito de imagem, independentemente do uso efetivo da imagem constitui salário disfarçado e integra a remuneração do atleta (TRT/5. ACÓRDÃO Nº 1767/08. 4ª. TURMA. RECURSO ORDINÁRIO Nº 01522-2006-035-05-00-9-RO. RELATOR: Desembargador VALTÉRCIO DE OLIVEIRA.

DIREITO DE IMAGEM EMPRESA DE FACHADA FRAUDE - ÔNUS DA PROVA PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO DO JUIZ ARTIGOS 131 E 333 DO CPC DIFERENÇA. Quando o magistrado decide com base no contexto da prova, atento à sua quantidade e/ou qualidade, por certo que sua decisão está diretamente ligada ao princípio do livre convencimento consagrado no artigo 131 do CPC e não no princípio distributivo do onus probandi . No caso em exame, o Regional reconheceu a natureza salarial dos valores pagos pelo uso da imagem do reclamante, ao concluir que se constitui fraude à legislação do trabalho a conduta da reclamada que impôs ao reclamante a participação em empresa de prestação de serviços de fachada, para recebimento de quantias, que originalmente lhe eram pagas diretamente e em igual montante, após análise da prova produzida pelas partes e não sob o fundamento de quem deveria produzi-la e não o fez. Agravo de instrumento não provido. (TST. NÚMERO ÚNICO PROC: AIRR - 50622/2002-900-03-00. PUBLICAÇÃO: DJ - 07/03/2003. Relator: MILTON DE MOURA FRANÇA).

Sublinho que não há vedação de se firmar com o atleta um contrato para exploração comercial da sua imagem. O que é ilícito é utilizar um pretenso contrato civil para fraudar a relação de emprego.

De qualquer forma, foi possível definir as diferenças entre o direito de arena e o direito de imagem, que não se confundem e podem subsistir numa mesma relação.


7 CONCLUSÃO

Após este estudo aprofundado do contrato de trabalho do atleta profissional de futebol, com absoluta certeza a segurança ao se lidar com casos atinentes ao tema aumentou.

Com a pesquisa sobre as formas de extinção deste contrato especial de trabalho pude perceber o quão frágil é a relação entre o clube e o atleta, que só de longe lembram o regime anterior, do passe, quando o atleta permanecia vinculado ao clube mesmo após o término do seu contrato.

A fixação de uma cláusula penal reduzida ou mesmo a não renovação de um contrato podem culminar com a perda de jogadores promissores, craques, que são facilmente seduzidos pelos dólares do exterior, assim com ocorreu com Ronaldinho Gaúcho e o Grêmio.

A falta de pagamentos de salários, inclusive luvas, bichos e direito de arena, do mesmo modo pode acarretar a liberação do atleta para contratar com outro clube.

É fácil perceber a importância de uma assessoria jurídica preparada para um clube de futebol, pois qualquer orientação dada sem o necessário conhecimento pode significar a perda de milhões de reais pela rescisão contratual de jogadores valiosos no mercado futebolístico.

Posso afirmar que o trabalho atingiu o objetivo principal, qual seja, esclarecer essas minúcias do contrato de trabalho do atleta profissional de futebol e deixar a mim e a quem ler melhor preparado para a hipótese de se deparar com um caso concreto.

A escassez de material doutrinário e jurisprudência foi, não um desestímulo, mas um incentivo para buscar a melhor interpretação da Lei Pelé.


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URNAU, Evandro Luis. Peculiaridades dos contratos de trabalho dos atletas profissionais de futebol. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2794, 24 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18561. Acesso em: 19 abr. 2024.