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Considerações acerca da repetição da prova oral no processo penal

Considerações acerca da repetição da prova oral no processo penal

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Não se pode observar a forma como são colhidos os depoimentos no processo penal sem se impressionar com a desconfiança do Sistema em si próprio. Há alguns meses retornei ao trabalho numa promotoria criminal, após mais de três anos longe da rotina das audiências criminais. Imediatamente notei que demanda da Justiça Criminal continuava a ser os crimes contra o patrimônio, principalmente furtos e roubos. Curioso que como quem relê uma história já conhecida encontrei algumas surpresas desagradáveis nesse retorno.

A maior parte do produto do trabalho realizado nessas audiências resume-se à repetição do que foi produzido na Delegacia de Polícia. Ao espectador que desconhece os detalhes do Sistema Processual Penal, caso ele já tenha assistido aos atos na Delegacia de Polícia, somente surgirá a pergunta: Por qual razão essas pessoas que já disseram tudo que sabiam acerca desses fatos estão aqui a repetir tudo isso novamente?

O Superior Tribunal de Justiça responde a essa questão da seguinte forma "para que seja respeitado integralmente o princípio do contraditório, a prova obtida na fase policial terá, para ser aceita, de ser confirmada em juízo, sob pena de sob pena de sua desconsideração. Tal significa que, acaso não tipificada na fase judicial, a solução será absolver-se o acusado".(RESP 93464/GO, 6º T, Relator Min. Anselmo Santiago, 28/05/1998).

Esse entendimento é o majoritário hoje.

Tente imaginar uma coisa mais heroicamente absurda: o cidadão foi furtado ou roubado e terá que ir até órgãos públicos por algumas vezes, deparando-se com a pessoa que cometeu o crime e com os familiares dessa pessoa e terá que relatar a mesma história inúmeras vezes sempre de forma idêntica sem contradições, mesmo que já se tenha passado alguns anos desde o crime. Deve pensar a vítima: se meu testemunho ainda valer alguma coisa segundo as regras brasileiras, então com prazer ofereço ao Estado esse testemunho quantas vezes forem necessárias mesmo com prejuízo à minha segurança e ao meu trabalho.

O que deve afligir, igualmente, as vítimas são as detalhadas informações acerca de sua pessoa que constam do processo, tais como nome completo, endereço, profissão, telefone etc. Tudo isso à disposição dos réus e de seus patronos para consulta. Mais uma vez o Processo Penal se esquece de garantir a diminuição do ônus às vítimas dos crimes.

Entretanto, está consagrada no art. 5º, LV da Constituição Federal de 1988, a regra de que "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados e, geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ele inerentes".

Não se pode objetar que o inquérito policial também deve seguir essa regra, admitindo-se que por exceção ele tenha decretado o sigilo e, por conseguinte o contraditório e a ampla defesa sejam deferidos somente posteriormente.

Nesse sentido o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante nº2, com a seguinte redação:

"É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo e irrestrito aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório, realizado por órgão de competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa".

No que diz respeito à produção da prova testemunhal, a aplicação literal da Súmula Vinculante nº2/STF indica que a ampla defesa e o contraditório somente ocorrem após a colheita da prova, quando essa prova já está documentada.

Porém, o Supremo Tribunal Federal poderia ir além e permitir que o defensor tenha acesso ao momento da produção da prova testemunhal, sempre que isso não cause prejuízo às investigações. Na realidade, na maioria dos crimes contra o patrimônio, principalmente quando o autor do delito é preso em flagrante, a participação do defensor no momento da colheita das declarações da vítima e dos depoimentos das testemunhas não é prejudicial às investigações, que geralmente se exaurem ali.Em suma, as vantagens disso são patentes. Com efeito, o processo será mais célere, com menores ônus às testemunhas e principalmente às vítimas dos crimes. Assim, garantidos o contraditório e a ampla defesa no momento da produção da prova oral durante o inquérito policial, essa prova será válida no processo penal sem necessidade de repetição.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Ricardo Antonio de. Considerações acerca da repetição da prova oral no processo penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2834, 5 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18839. Acesso em: 16 abr. 2024.