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Vida, segurança e felicidade.

Visão crítica da violência na sociedade moderna

Vida, segurança e felicidade. Visão crítica da violência na sociedade moderna

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A violência, considerada como uso da força bruta, contrária ao direito e à justiça, traduz um comportamento humano que promove danos às três esferas normativas: moral, jurídica e religiosa.

Sumário: 1. Introdução. 2. Violência real e segurança desejada. 3. Identificação das principais causas da violência. 4. A Moral, o Direito e a Religião: confusão, distinção, separação e confusão. 5. O Bem Comum. 6. Conclusão.


1.Introdução

A maravilhosa revolução tecnológica experimentada por nossa geração desvenda o impressionante destino de grandeza a que estamos convocados. Somos capazes de fazer o bem. Continuamos aptos para auxiliar um cego a transpor uma rua qualquer e dominamos a ciência a ponto de transplantar uma córnea que lhe devolva a visão.

Somos capazes de fazer o mal. Matamos. Em vez da borduna, usamos antraz. Castramos a liberdade. Às vezes, no lugar de ameaças de torturas, instalamos câmeras, sem abandonar definitivamente o uso daquelas. Substituímos a constrição na praça pública pela exibição pelos meios de comunicação de massa. Violentamos a propriedade. Subtraímos bens de terceiros. Empregamos sofisticados equipamentos eletrônicos, reunimos dados sobre alguém e praticamos extorsões mediante seqüestro seguidas de morte.

"O homem é animal social. Realiza-se na vida comunitária. Tem aptidão para evoluir construindo uma sociedade fraterna e, ao mesmo tempo, é capaz de se destruir e aos demais. Racional, quer o bem que a inteligência desvenda. Falível, faz o mal que o desnatura" [01]. Esse ser grandioso infringe a moral, perpetra crimes e comete pecados.

Formado de corpo e espírito, tem vontade, inteligência, memória e imaginação. A sua inteligência apreende a verdade e a sua vontade incide sobre o bem. Dispondo-se à consecução da verdade revelada pela sua inteligência, o ser humano se realiza. Despreocupado com a verdade e desvinculado da realização do bem, fracassa.

Livre, nos limites da cognição da verdade e concretização do bem, aperfeiçoa-se. Não é livre para fazer o mal. Tendendo a se tornar o que é – alguém chamado à perfeição –, o ser humano não tem liberdade para se destruir. Atingir essa perfeição implica conduta positiva. Para ser, precisa formar-se para o bem. Exige a prática firme e constante de atos adequados ao ser humano. A perfeição gera felicidade.

A investigação científica deve promover a felicidade humana.

A moral, longe de exigir passividade e inércia, opera com a idéia de estimular o homem a tornar-se o que deve ser, feliz porque virtuoso [02]. A descorrespondência entre a vida humana e a moral gera a violação dos deveres éticos, frustra a realização integral do ser humano individualmente considerado e impede o pleno progresso social pela omissão da conduta comunitariamente esperada. A "Moral respeita, quer tenha uma referência religiosa ou laica como seu fundamento, aos deveres de cada um para consigo mesmo e para com a sociedade, numa perspectiva de dignidade e/ou solidariedade" [03].

O direito, buscando a justiça – atribuição do devido a cada qual – também deve tornar feliz esse ser humano. Sabe-o animal político. Seleciona os bens jurídicos mais importantes e fixa sanções para as hipóteses de certos ataques voluntários aos mesmos. Trabalha com a noção de pena para estimular condutas socialmente adequadas e desestimular comportamentos contrários à vida comunitária. Em face do crime, trava-se uma luta. Privilegia-se o que busca a verdade e pratica o bem. Pune-se o que se desinteressa da verdade e perpetra o mal [04]. Previne-se e se reprime. Deve-se contar com as forças morais para o sucesso do direito [05].

Como ser racional e livre, operando com base na inteligência e na vontade, o ser humano realiza-se em face da Verdade e do Bem. Em termos absolutos, a Verdade e o Bem estão em Deus. Moral e político, o ser humano também é religioso.

"Asseverar que o homem é uma pessoa, quer dizer que no fundo de seu sêr ele é um todo mais do que uma parte, e mais independente que servo. É esse mistério de nossa natureza que o pensamento religioso designa, afirmando que a pessoa humana é a imagem de Deus. O valor da Pessoa, sua liberdade, seus direitos, pertencem à ordem das coisas naturalmente sagradas, marcadas pelo sinete do Pai dos seres, e que têm nele o termo de seu movimento. A pessoa tem uma dignidade absoluta porquanto está em uma relação direta com o absoluto, no qual somente ela pode encontrar sua plena realização; sua pátria espiritual é todo o universo dos bens que têm um valor absoluto, que refletem de algum modo um Absoluto superior ao mundo e que são atraidos por ele" [06].

A transgressão dos deveres religiosos pode gerar o pecado que, para a sua configuração, requer o pleno conhecimento e a deliberada vontade de transgredir a lei divina. Como Deus reúne em si a Verdade e o Bem absolutos, o pecado significa o maior atentado que um ser humano pode praticar contra si mesmo. Em se tratando de matéria grave, o pecador priva-se da caridade e da graça santificante que, em princípio, somente poderá ser retomada com o sacramento da penitência.

Nada obstante as ordens normativas em foco – moral, jurídica e religiosa – serem distintas [07], as mesmas guardam similitude no plano formal com a noção de culpabilidade e, na esfera substancial, como concreto obstáculo à possibilidade do ser humano atingir a sua perfeição porque se desvia da verdade e do bem e, portanto, incapacitam-no de ser feliz.

A violência, considerada como uso da força bruta, contrária ao direito e à justiça, conduta impetuosa, agitada, tumultuosa, irascível e irritadiça, intensa e veemente [08], traduz um comportamento humano que promove danos àquelas três esferas normativas: moral, jurídica e religiosa [09].


2.Violência real e segurança desejada

Racional, o ser humano é também social. Realiza-se na comunidade. A vida comunitária permite-lhe a otimização de suas potencialidades a partir da reunião dos indivíduos e lhe enseja a comunicação vital para o seu equilíbrio. É na vida de relação social que emerge a violência que, lesionando ou ameaçando de dano os bens dos demais, dificulta a consecução do bem comum e desnatura o violento.

Fracassam as relações humanas porque os conflitos não se resolvem, dando lugar à violência dirigida à satisfação das pretensões [10].

A doutrina constata que esses conflitos originam-se de relações interpessoais defeituosas caracterizadas por falta de compreensão, mal entendidos, prejuízos, etc. Diagnostica quatro tendências humanas que originam o mal social: orgulho de não ceder, debilidade e medo, desmesura nos desejos e ignorância [11].

Essa constatação poderia reforçar a idéia de que o crime acompanha o homem como a sua sombra, mas esses conflitos podem ser evitados. Constantemente procuramos que não ocorram, até porque somos incapazes de viver sob a pressão constante da violência. Há três instrumentos bem distintos para a obtenção de um mínimo de segurança social: a força, o direito e o amor.

Em face desses instrumentos, sustenta-se a existência de cinco formas de solucionar os conflitos humanos:

"1) La fuerza bruta destructiva (11.3), es decir la violencia pura (terrorismo, asesinato, etc.), en la que una de las partes es puramente pasiva.

2) La lucha violenta, es la que ambos pelean, y que se rige por la lei del más fuerte (8.8.6) para imponer la fuerza de uno sobre la de outro, y apropriarse de sus biens (13.5). Por ejemplo, la guerra.

3) La lucha no violenta, regida por una ley y unas regras racionales, que se convierte en trabajo y esfuerzo, por ejemplo la porfía entre un abogado y un fiscal ante el juez por ganar un caso, la libre competencia en el mercado, etc. Lo decisivo aquí es asegurar el respeto a la ley, la justicia y el derecho (11.6). Es el tipo de lucha más corriente.

4) La lucha meramente competitiva, en la cual el conflicto es fingido, total o parcialmente, y no responde a una estricta necesidad. Se trata de un encauzamiento lúdico de la fuerza e la agresividad, por ejemplo, el juego y el deporte (15.8).

5) La concordia (7.4.3), es decir, el acuerdo de voluntades, que en los cuatro casos anteriores es opuesta y discordante. Esto es ya un acto próprio del amor: desaparece el conflicto, y la lucha consiguiente, porque se llega a un acuerdo amistoso. Los actos propios del amor (7.4) hacen nacer la concordia" [12].

Os dois primeiros níveis de violência, no plano formal, são imorais, antijurídicos e pecaminosos.

Argumenta-se que o modo de equacionar o problema da força sem lei, que é a violência, consiste no restabelecimento do diálogo, do amor e da ternura e, de forma radical, em humanizar a luta entre os interesses em conflito, outorgando à lei o lugar que realmente lhe corresponde na vida humana.

Assim, a vida humana será segura, isto é, livre de ameaças, medos e perigos que podem arruinar o trabalho, a cultura, as obras, as instituições e as relações que os homens pacientemente teceram até à formação do mundo humano [13], dentro do qual aspiram levar uma vida digna dos mesmos [14].

Para tanto, as diversas ordens de regramento – moral, jurídica e religiosa –, harmonicamente concebidas, devem operar de forma distinta, porém conjugada, para obtenção de seus respectivos escopos: ensejar a realização pessoal de cada um, manter a paz social e possibilitar a salvação das almas que, em face da natureza da ordem religiosa, podem ser unificados em objetivo único: conhecer, amar e servir a Deus.


3.Identificação das causas da violência

O ser humano não é o perverso de Hobbes, mas não é o inocente de Rousseau. É uma criatura capaz de realizar o bem e apta para fazer o mal. Angustia-se porque muitas vezes faz o mal que não quer e deixa de fazer o bem que objetivava [15]. Sem pretensão de esgotar o tema, há algumas causas evidentes da violência.

3.1.A Miséria

A pobreza não é a causa única da violência, mas a miséria absoluta degrada o ser humano, dificulta o exercício da virtude, cria bolsões em que o direito não vigora e obsta o exercício religioso [16].

Enquanto um pequeno número de pessoas empanturra-se com alimentos exóticos, uma crescente multidão de famintos baila ao som do próprio estômago vazio. Aqueles também gastam fortunas em spas. Estes vivem sob os espasmos da subnutrição que os impede de alcançar um nível mínimo de cultura.

"São Tomás de Aquino exprime o ensinamento da tradição através desta idéia, tantas vezes citada: 'É impossível praticar a virtude se não se possui um mínimo de bem-estar'. E é preciso fazer notar que o santo não reivindica somente o necessario para cada um, sem o qual só resta morrer, mas o bem-estar indispensável ao pleno desenvolvimento da vida. O desenvolvimento do espírito, a educação moral e até as aspirações religiosas estão praticamente vedadas a quem não estiver livre das preocupações materiais. Esses bens superiores exigem uma vida desafogada. Que uma categoria de homens esteja privada de cultura intelectual, científica e artística, que esta seja exclusivamente determinada pelo luxo ou pela miséria de nascença, é uma situação que, antes de suscitar a cólera dos homens, desafia a justiça divina: é proibida no reino de Deus" [16].

Esses miseráveis são excluídos do mundo moderno por absoluta carência de meios pessoais e materiais. Aqueles afortunados substituem a nobreza do trabalho pela escravidão à matéria e adestram as novas gerações com o estímulo exclusivo do lucro. Fomentam o materialismo e o hedonismo. "Péguy fazia remontar a decadência do mundo moderno ao dia em que os pais começaram a recompensar os seus filhos estudantes abrindo-lhes uma caderneta de poupança. Substituíram a mola do dever pela do interesse" [17].

Uns porque têm tudo e outros porque não têm nada: todos no mesmo barco sem rumo ... Uns e outros sem bem-estar. Fala-se em uma "Pós-Miséria", pulsa "nos bailes funk uma brutal corrente de desejo, a violência como fome de expressão. Não é mais inferioridade; é diferença. Na época do Cinema Novo, a causa era a 'estrutura social'; depois, na contracultura dos anos 70, havia uma atração fatal pelos marginais-heróis e, hoje, temos o mistério da 'anomia', do nada. Deus morre ali, Marx morre; eles é que estão elaborando a própria "teoria" [18].

Talvez seja igualdade; as festas nos bairros nobres também descambam para a violência – matam-se indígenas que dormem e se assaltam entregadores de pizza –, aspiram a mesma droga, consomem-se corpos humanos como se fossem peças de açougue e não há mais sonhos... Aqui parece que Deus não nasceu e Marx nunca existiu...

Igualam-se até no vestuário. Melhor diria, na falta de vestuário... tornam-se públicas e se desnaturam. "Há uma relação entre a intimidade pessoal e corporal. <<As duas vão a par, porque a pessoa é corpo e espírito. (...) Como a pessoa é indissociavelmente corporal, para criar um espaço de intimidade espiritual, de riqueza interior pessoal, tem de se criar um âmbito de intimidade corporal>>. Por isso, uma das fórmulas para conseguir que uma pessoa destrua a sua dignidade é fazer com que perca a sua intimidade e, em primeiro lugar, a corporal" [19].

3.2.A Mídia

Coisificadas, como nos tempos bárbaros, as pessoas são sacrificadas no altar da mídia. Não é incomum presenciar uma vida humana – tão maravilhosa que vale todo o universo – ser destruída por alguns segundos de "glória". E a televisão, que é uma concessão pública, passível de controle estatal, capaz de promover uma profunda renovação ética, cultural e artística, em nome da audiência fomenta a imoralidade, a criminalidade e a descrença.

Maquiavélica, a televisão faz tudo para vender [20]. Não prima pela moralidade. "Sem discutirmos aqui as boas intenções dos directores de programas, pode-se afirmar que a televisão – mais do que nenhum outro meio de comunicação social – é em geral, ordinária. Não pedimos desculpa pela expressão. É o que se diz de qualquer ambiente em que as mulheres andam descompostas e onde se fazem constantes referências ao sexo. E se alguém o contestar, é porque ele próprio já perdeu o sentido da decência. Ora, é notório que quase não há anúncio, telenovela, ou série que não apresente intimidades carnais e insinuações eróticas, e com enorme frequência relatam-se inclusivamente historietas escabrosas. Com frequência também aparecem graves senhores, aparentando ares científicos, a defender ideias erróneas e práticas imorais. Enfim, a televisão torna-se um rio infecto, cujas águas, se não forem doseadas e filtradas, envenenam os homens" [21].

Massifica o ser humano que, perdendo a individualidade, priva-se da identificação consigo mesmo, com o próximo e, principalmente, com Deus. Produz uma confusão entre comum e normal. Todos fazem, a televisão mostra, logo é "normal" que se faça desta forma e, com isto, o erro transmuda-se em verdade, o mal em bem, o injusto em justo e a fé em descrença.

A mídia em geral e a televisão em particular incentivam a violência e a criminalidade. Na Europa – apurados os negativos efeitos da permissividade – opera-se profunda renovação dos critérios pertinentes ao conteúdo dos espetáculos. Na França, a Ministra da Família, Ségolène Royal, sustenta que é "preciso, de fato, que as famílias francesas, a exemplo das alemãs, organizem um contrapoder para enfrentar a política permissiva das televisões, política que contribui na propagação de uma visão degradante da mulher, incita os jovens à violência sexual e a outros atos que levam à criminalidade precoce" [22].

Os pesquisadores americanos apuraram que os "adolescentes que assistem a mais de uma hora de televisão por dia são propensos a ficar violentos muito mais do que o adolescente que fica menos tempo diante do aparelho", há clara vinculação entre atos agressivos e submissão à televisão, apresentando-se nitidamente a conclusão de que a violência praticada é a pura imitação do que se exibe na mídia [23].

Uma pesquisa feita pela ONU no Brasil e pela UNESCO no mundo inteiro indica que a "TV brasileira exibe 20 crimes por hora em desenhos animados; mapeamento estatístico da ONU em seis emissoras abertas detecta 1.432 crimes em uma semana de desenhos animados; um total de 93% das crianças do mundo têm acesso a um aparelho de televisão; essas crianças passam pelo menos 50% mais tempo ligadas a esse meio de comunicação do que em qualquer outra atividade não escolar".

Prosseguindo, "as crianças passam em média três horas diárias assistindo televisão; os meninos são, em particular, fascinados pelos heróis agressivos disseminados pela mídia. Alguns deles, como O Exterminador, de Arnold Schwarzenegger; quase um terço das crianças que vive em ambientes agressivos acredita que a maioria das pessoas são más; e, 44% das crianças não conseguem diferenciar a realidade do que vêem na telinha" [24].

No século passado, Monteiro Lobato pregou que se não acabássemos com as formigas, estas acabariam com o Brasil. Se não redirecionarmos a mídia, definindo liberdade e responsabilidade, a mídia não permitirá o desenvolvimento nacional.

Na atualidade, para abrigar os réus condenados, seria preciso dobrar o número de vagas nas penitenciárias. Como não é possível um guarda para cada pessoa, um juiz de direito para cada dois cidadãos e uma vaga prisional por habitante, não será o direito capaz de produzir paz social [25].

No plano religioso a mídia produz um efeito devastador. Começando pelo sensacionalismo, adultera a realidade e tende a tratar superficialmente de temas importantes, não mostrando a verdade das coisas ao tempo em que omite a sua bondade ou maldade. Portanto, não satisfaz a inteligência e a vontade humana. Confunde a Fé e a Teologia com a Sociologia e a Psicologia, pretendendo substituir a Verdade Absoluta por temerárias conclusões lastreadas em singelas sondagens de opiniões.

Submete Deus ao formidável critério do "achismo". Aplica aos homens e às instituições da Igreja os critérios da Política. "Assistimos, constantemente, ao espectáculo de comentadores desprovidos da mais mínima formação doutrinal e sem o mais leve rasgo de Fé, tecerem considerações sobre temas eclesiais, discursos do Papa ou actuações dos Bispos, de modo que a confusão impera nas suas cabeças, contagiando as dos seus ouvintes e telespectadores" [26].

Incentiva o uso de álcool que também é uma fonte de violências [27]. Estimula o uso de tabaco que pode dar ensejo à experimentação de maconha [28]. É direta a relação entre drogas e violência [29]. Induz ao sexismo sem amor, precoce, fora do casamento, entre pessoas do mesmo sexo, deturpados por meios químicos e mecânicos, propaga o "sexo seguro com risco de morte" e, para dizer o menos, corporifica o uso de uma pessoa por outra, motivados unicamente pela satisfação de baixos instintos. Trocando amor pelo apossamento brutal, gera violência [30].

3.3. A Desestruturação da Família

Uma das principais causas de aumento das violações éticas, criminais e pecaminosas é a desestruturação das famílias.

Dois dos grandes paradoxos da sociedade pós-moderna referem-se à Família e à Justiça. Nunca se escreveu tanto sobre essas Instituições. Jamais se registrou uma doutrina tão contraditória sobre os seus conceitos básicos. Constata-se uma impressionante falta de sintonia entre as investigações científicas e a vida do cidadão comum. A perplexidade, a ausência de respeito aos valores essenciais da pessoa e o oportunismo no exercício do poder cada vez mais concentrado, refletindo-se na aparente perda do sentido da vida humana, enunciam um estado caótico da sociedade que promoveu o mais profundo desenvolvimento tecnológico da história do homem.

Criou-se uma sociedade tecnicamente aperfeiçoada que, olvidando o prisma antropológico do ser humano, produziu uma comunidade angustiada com a sua própria segurança, amedrontada e infeliz. Fez-se uma geração que usa a tecnologia para brutalizar a privacidade dos seres humanos [31]. Transformaram-se as moradias em prisões. As prisões são incapazes de deter adultos ou adolescentes. Os criminalistas invocam o direito penal mínimo. Os populares bradam pela maximização das sanções. A mídia – co-responsável pelo aumento de violência –, incentiva uma repressão irracional que fomenta o caos [32].

E a Justiça Penal não foi concebida para enfrentar esse estado de coisas. O Direito Penal clássico opera como "ultima ratio". Pressupõe que instâncias informais de contenção da criminalidade (religião, clube, escola, família) cumpram o seu papel. Os comportamentos que vencessem estes obstáculos seriam reprimidos pelo Direito Penal [33].

Ocorre que, substituídas as grandes religiões pelas crenças sem fé, que proliferam nas esquinas do mundo; transformados os clubes em espaços livres em que cada associado tem o seu regulamento particular, curiosamente pleno de direitos e desprovido de dever algum; transmudadas as escolas em pseudos-centros de liberação, como se houvesse liberdade para fazer o mal, e, maltratada a família em sua essência – estabilidade, fidelidade e singularidade –, foram suprimidos os contensores informais de criminalidade. Chega ao Direito Penal um conjunto de condutas que não pode conter em face da quantidade e da qualidade.

Como dissemos, não poderia haver um guarda, um promotor de justiça, um advogado e um juiz de direito para cada cidadão. Mesmo que houvesse um número suficiente desses agentes públicos, a complexidade dos fatos delituosos fermentados no cadinho da corrupção descontrolada inocuiza a Justiça Penal. A ineficácia judiciária suscita o recurso à eficiência privada. A auto-defesa exercida pelo mais forte costuma extrapolar para o abuso. As chacinas, as áreas proibidas à polícia, a submissão dos populares ao crime organizado, as reservas de mercado das elites em geral, isto é, o poder marginal, faz o que quer, como bem entende.

Nesse quadro, em que o Estado mostra-se incapaz de controlar a criminalidade violenta, insere-se a família. Desprotegida, porque o sistema que é incapaz de conter os crimes bárbaros perdeu a sensibilidade para cuidar dos delitos mais leves. Despreza uma eventual lesão corporal leve e se torna um coadjuvante daquele aumento de criminalidade, pois a vítima do crime, leve ou grave, quer a satisfação devida. Ignorada, torna-se uma criminosa em potencial e, desatendida como ofendida, irrompe no sistema como autora de fatos graves, perpetrados por vingança ou em defesa pessoal. A injustiça revolta o homem.

Desprotegida e perplexa, pois constata que a violência crescente é imune ao sistema tecnológico de segurança. Pouco adiantam grades e sensores, blindagens e câmeras, babás e vigias, quando os crimes mais violentos ocorrem nas escolas e nas casas. A crise não é jurídica. É da família. O direito não pode ignorar a crise da família. A ciência jurídica não pode resolver questões estranhas ao seu âmbito. O direito não pode omitir as contribuições para preservar a família. Esse ramo do conhecimento, não sem razão, chamou-se jurisprudência. Isto é, a ciência que consiste em tomar desassombradamente o partido do bem e da justiça. O partido de uma Justiça de Família mais justa [34].

3.3.1. A Família e o Direito

A família é uma instituição de direito natural. O instinto sexual, a peculiaridade do amor materno, a tendência de projeção do homem para o futuro e as necessidades humanas gerais conformam-na. A dependência dos descendentes em face dos ascendentes gera a natural autoridade dos últimos sobre os primeiros. A família é universal e existiu mesmo entre os povos mais próximos da vida natural. Por ser tão próxima da natureza, as leis desta impõe-se com uma carga de exigência superior à necessária ao funcionamento de outras instituições. Violar as leis naturais ao tratar da família significa assumir o risco de retorno à barbárie [35].

Os principais diplomas de direito internacional consagram essas idéias, explicitando que homens e mulheres têm o direito de "contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução. O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado" [36].

Essa é a tendência das Constituições modernas [37], sendo que o texto brasileiro dispõe que a "família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado (art. 226, "caput"). A doutrina interpreta a lei maior no sentido de que a instituição familiar compreende a sociedade conjugal, legitimamente constituída, vinculando as pessoas em face do casamento, parentesco e afinidade.

Os criminalistas sustentam que a pessoa é formada na família. Nesta se aprendem os valores imprescindíveis à vida em comunidade (bons costumes, respeito pela propriedade, solidariedade, etc.). Tratam-na como forja essencial da moralidade, trabalho e sacrifício. Enfatizam que é uma instituição que não se pode substituir. Concluem que o amor dos pais, o carinho do lar, o conjunto de elementos essenciais ao nascimento e crescimento do ser humano é que geram e formam cidadãos úteis à vida em sociedade [38].

O Código Penal Brasileiro instituiu um título para tratar dos crimes contra a família e o dividiu em quatro capítulos: crimes contra o casamento, crimes contra o estado de filiação, crimes contra a assistência familiar e crimes contra o pátrio poder, tutela ou curatela. Há diversos delitos relacionados com o Direito de Família e o Direito Processual traça diversas regras pertinentes à instituição familiar. Em face da crise da família, avulta a importância dos crimes contra crianças e adolescentes, bem como da legislação pertinente ao idoso [39].

A divisão enciclopédica do direito pode trazer uma visão desfocada da unidade jurídica. Trata-se de algo semelhante ao que ocorreu na ciência médica. A progressiva e profunda especialização trouxe dificuldades para a visão de conjunto e o tratamento isolado do paciente subtraiu os dados advindos de pessoa vinculada à uma família. Renova-se a importância da clínica geral e da medicina de família. Para um enfoque sistemático da família em nosso direito parece oportuno fixar os pontos básicos dessa instituição.

A estabilidade, a singularidade e a fidelidade parecem-me os pontos nucleares da Família. A promulgação de normas que atendam a esses preceitos e a operacionalidade da justiça que lhes outorgue o devido relevo podem contribuir para o bem comum, fixando-se uma ordem jurídica estável em que a dignidade da pessoa humana seja preservada e criadas as condições mínimas para o desenvolvimento de cada um, segundo as suas potencialidades.

3.3.2. Estabilidade

O direito não pode impor a um casal que viva uma relação infernal, que promova a sua desgraça e o sofrimento daqueles que convivem com o mesmo. Por outro lado, não é satisfatório que a preservação do matrimônio fique na dependência do humor de imaturos que, concebendo o casamento como algo descartável, contraiam-no com a idéia preconcebida de o desfazer em face da menor dificuldade. Em princípio, o casamento deve ser, no mínimo, estável.

A estabilidade é necessária a todo contrato, mesmo às avenças desprovidas da nobreza do casamento. Quando alguém compra uma caneta "nonblanc" do camelô da praça e se afasta com esse objeto, acredita que o vendedor não tenha direito de alcançá-lo e lhe tomar o objeto falsificado porque concluiu que o pagamento em moedas não traz a mesma facilidade que dinheiro de papel. Por que seria diferente com o casamento?

Lares que se desfazem mal acabada a festa de casamento. Homens e mulheres que não querem enfrentar a menor dificuldade para se aprimorar e contribuir para o crescimento do cônjuge. Impressionante desconhecimento da constituição antropológica do ser humano e do matrimônio: homens e mulheres são imperfeitos. Unindo-se, não se tornam melhores ou piores em face do vínculo. Casando-se, tornam-se um só corpo e um só espírito: a prova cabal é a vida dos separados e divorciados que continuam a agir em função do cônjuge do qual se afastaram.

Não se compreende que, casando, o cônjuge assume a responsabilidade pelo aperfeiçoamento do outro. A sua realização pessoal consiste na contribuição decisiva para a felicidade do outro. Existe para este. É um ser para o outro. As relações na ordem do ser revestem-se do requisito da estabilidade. Buscar no matrimônio a satisfação própria, a satisfação dos próprios instintos, significa pretender de uma instituição aquilo que a mesma, ontologicamente, não pode conceder. Implica deixar a ordem duradoura do ser, para assumir o esquema efêmero do meramente apetecível que, portanto, satisfeito, esgota-se em si mesmo.

Desconcertos de tal ordem rompem os vínculos familiares, instituem novas relações, geram filhos, colocam crianças e adolescentes sob autoridades distintas, ensejam a viabilidade de jovens agirem egocentricamente e no vácuo gerado pela falta de ambos os pais. Como as separações não trazem automaticamente a felicidade para quem quer que seja, abrem-se os caminhos para as depressões, para a perda do sentido da vida e se chega à banalização da sexualidade. Passam a faltar os modelos de pais e mães. Os vícios, legais ou ilegais, as condutas ilícitas para os manter, a escalada das violações, geram um estado propício à criminalidade que fragiliza todo o tecido social.

Células fundamentais e viciadas promovem um tecido social marcado pela instabilidade, insegurança, aproveitamento do fraco pelo mais forte, crimes inomináveis e tantos infratores, que passam a faltar as cadeias. Como não há dinheiro para construir novas, concedem-se benefícios que não intimidam. Infratores incontrolados instalam o pânico social.

Sociedades que já passaram por estas crises estão se renovando com a clara opção pelo casamento estável. Abre-se a possibilidade de contrair matrimônio com o vínculo da indissolubilidade. Esta gera uma predisposição para enfrentamento das dificuldades conjugais. Deixa-se a esfera do "descartável" e do "soft". Instala-se uma sociedade voltada para os valores clássicos, consciente de que não se vencem as grandes batalhas sem luta decidida [40].

Toda legislação que promova a estabilidade dos contratos em geral e do casamento em particular deve ser incentivada. A legislação penal que contribui para o casamento monogâmico, a sua constituição sem erro ou ocultação de impedimentos, perante autoridade legítima e mantendo a fidelidade dos contraentes deve ser estimulada.

3.3.3. Fidelidade

A fidelidade é uma exigência ética universal e irrenunciável que tem sua origem no direito natural. Trata-se de uma forma particular de justiça. Todo relacionamento humano depende da mesma. Traz a idéia de estabilidade, de transparência e de reciprocidade. A falta de fidelidade pode gerar crescimento econômico, mas acarreta a marginalização dos infiéis [41]. Adultério é a violação da fidelidade conjugal.

Trata-se de tema polêmico a descriminalização do adultério. Filio-me à corrente de que se trata de um tipo criminal a ser mantido pelos Códigos Penais. A fidelidade é essencial ao relacionamento humano. Trata-se de bem jurídico importante e que deve ser resguardado também pela sanção penal [42].

É um grave erro legislar com base exclusiva no direito comparado. A degradação ética de povos tidos por evoluídos não pode guiar as legislações das nações emergentes. Há povos que se auto-intitulam civilizados e que exploram descaradamente as nações pobres, violam os mais comezinhos direitos à intimidade da pessoa humana, cultivam a mais "marrom" das imprensas, manipulam a justiça para qualificar de direitos humanos os interesses políticos marcados pelo oportunismo, promovem o mais repugnante incentivo ao uso de tóxicos de que se tem notícia na história da humanidade, vivem em comunidades dominadas pelo silêncio e pela corrupção que atacam a própria democracia.

Percebem que, à força de conceitos equivocados, criaram uma sociedade velha e infeliz. Estão retornando aos valores clássicos. A sua experiência deveria ser analisada para se evitar a incidência nos mesmos erros.

Não se pode legislar com base na existência de poucos processos em andamento sobre determinado fato criminoso. Se o bem jurídico é digno de proteção penal, deve ser mantido o tipo respectivo. Havendo necessidade, será empregado. Veja-se que há normas que, nada obstante raramente empregadas, evidenciam a posição axiológica do ordenamento jurídico. Não se pode correr o risco de exteriorizar a idéia de que para o Direito Penal não é importante a fidelidade conjugal ou que a bigamia não é criminalmente punível.

Tanto assim é que, apesar da pouca incidência do crime de auto-lesão para receber indenização ou seguro (art. 171, § 2º, inc. V, CP), o tipo foi mantido pelo Anteprojeto de Código Penal de 1999 (art. 199, § 1º, inc. V). Os recentes casos de auto-mutilação mostram que se houvéssemos descriminalizado essa conduta, não haveria possibilidade de os reprimir criminalmente.

O próprio Anteprojeto de Código Penal de 1999 indica o quanto é importante a fidelidade. Tanto que modela o tipo de "administrador infiel" (art. 204) e, também, do empregado infiel (art. 231, inc. IX). Segue a legislação lusitana que também transferiu a proteção da fidelidade do campo conjugal para o mundo negocial (art. 224, CP).

Não pune o adultério, mas sanciona a infidelidade dos negócios. Segundo a proposta de reforma brasileira, se um homem trai a esposa, não se lhe pode impor sanção penal. Todavia, se for sócio da mesma, e deixar de praticar um ato de interesse da empresa, para obter alguma vantagem econômica, ergue-se o Direito Penal para o punir. Não se pode ser infiel no comércio. Ao Direito Penal proposto é indiferente o adultério.

É-lhe indiferente o adultério em uma fase em que a delicadeza do amor humano, a sua profunda interação entre o homem e a mulher, a beleza indescritível de dois que se tornam um, estão prisioneiras do medo brutal de que a entrega possa significar o contágio letal. Não poucas vezes o legislador parece olvidar que os adultérios que não figuram nas estatísticas criminais com esse "nomen juris", elevam os índices de assassinatos e lesões corporais.

Não se pode falar em desnecessidade de delitos, perda de interesse, proteção por outros ramos jurídicos, apoucado número de processos ou proteção exclusivamente civil para bens jurídicos tão nobres, que o próprio legislador reformista cuida de elevar à categoria de tipos penais, inclusive para a proteção de interesses materiais.

Um Código Penal que não evidencie um tratamento adequado dos bens jurídicos – como as propostas que punem mais gravemente quem porte um ovo de tartaruga, do que aquele que destrua um nascituro – é um Código Penal que mais parece uma promoção pessoal de um político do que uma Lei.

3.3.4. Singularidade

Casamento é casamento. União estável é união estável. Tratam-se de relações distintas e com denominação diversa. A disciplina jurídica das mesmas é específica. A confusão de conceitos e a tentativa de equiparação de realidades distintas não beneficia a ciência jurídica e não melhora a situação dos sujeitos dessas relações.

A Constituição Federal considera a família a base da sociedade e lhe outorga especial proteção estatal. A união estável forma uma "entidade familiar" que merece proteção simples. Fossem iguais e o texto não lhes atribuiria denominação diversa.

Algo é aquilo que é, e não outra coisa, uma essência. Portanto, irrepetível. Cognoscível por exame específico. Diante do juízo de imperfeição de algo, faz-se uma análise demonstrativa de que aquilo que é em concreto, não atingiu o seu modelo ideal, porque lhe faltam alguns acidentes. Postos sob observação, aquilo que reúne todos os seus acidentes e, portanto, é perfeito, não pode ser considerado igual a um segundo ser que, por sua vez, não é perfeito porque deixou de apresentar todos os seus acidentes. São diferentes.

A família é uma substância, perfeita, acabada. Forma-se pelo casamento. A união estável é mero acidente. Aquele é regido pela indissolubilidade natural. Esta pela estabilidade. A família é uma instituição fundamental à sociedade. É a base dessa. A união estável é uma entidade [43]. Se a Constituição Federal dispõe que se deve fomentar a conversão da união estável em casamento, é claro que não os equipara.

O termo "conversão" robora essa assertiva, pois se trata de uma forma jurídica de aproveitar um ato, privado de elemento essencial, em outro, desde que para o modelo evolua, preenchendo os requisitos faltantes. Boa parte da doutrina considerou que a união estável não se equipara ao casamento [44].

A jurisprudência criminal ainda não conta com um número suficiente de casos para que se possa concluir que repeliu a equiparação da união estável com o casamento, para fins penais. Há diversos julgamentos salientando a diferença dos institutos (RHC 1.761–MG, STJ, 6ª T., Rel. Min. José Cândido, m. votos, j. 25.8.1992; RJTJESP 135/399; RT 713/357 e 739/605; JTJ 158/308).

Para incriminação, em face do princípio da legalidade, não é possível acolher a equiparação entre união estável e casamento.

Divórcio, separações judiciais indiscriminadas, equiparação de concubinato a casamento, falta de unidade na direção interna da instituição familiar, desprestígio da autoridade dos pais em face dos filhos, substituição da formação destes por adestramento compartilhado com a televisão, inexistência de controle dos pais em face dos sistemas educacionais, maculam a família. Estendem-se para as demais famílias. Células doentes. Tecido social enfermo [45]. Tecido social enfermo interferindo em células doentes. Perversa cadeia... Imoralidade, crime e pecado...

3.4.O Sistema Legal e a Violência

Vivemos numa sociedade de massas, concentrada na área urbana, sob o império da "Nova Inquisição" instalada pela mídia que, por sua vez, reduz a humanidade à aldeia global, provocando a perda da individualidade do ser humano, a sua falta de compreensão social, gerando a troca do moral pela extração de vantagem em tudo, o direito pelo sentimento de anomia e a fé pelo mito.

No plano legislativo não se edita um código de normas criminais que traduza o avanço nacional e propicie a segurança na administração da justiça. Realizam-se reformas pontuais, pouco debatidas pelo Congresso Nacional, inspiradas na volatilidade das opiniões calcadas em situações fugazes e, portanto, desprovidas de uma científica noção de justiça.

O Código Penal e o Código de Processo Penal foram editados quando em vigor a Constituição Federal de 1937, sob a Ditadura Vargas. Houve uma profunda renovação democrática no País que editou um novo texto constitucional, extremamente evoluído na proteção efetiva dos direitos e garantias do homem.

A atividade legislativa é angustiante. Desde o Governo Fernando Collor até o Governo Fernando Henrique Cardoso, passando pela gestão Itamar Franco, editaram-se normas que, comprovadamente, em vez de promover a paz social e ensejar a repressão da criminalidade, geraram o caótico estado que vivenciamos.

Maltratou-se a individualização das penas e se negou ao homem a esperança de liberdade, aplicando-lhe penas que deveriam ser cumpridas integralmente em regime fechado, mesmo quando pericialmente apurada a sua ressocialização. Não estimulava a opção pelo bem, mas incentivava a falta de interesse pelo mérito. Ignorava o clássico preceito cristão de que se pode reprovar a conduta, mas se deve amar o autor do crime, incentivando-se a pronta recuperação.

Nada obstante as severas críticas dos doutrinadores, prosseguiu-se com uma feérica atividade legiferante que, satisfazendo a mídia e ludibriando a nação, promoveu a perda do controle da criminalidade. O excessivo rigor das reprimendas, violando o princípio constitucional da proporcionalidade, muitas vezes gera efeito contrário ao objetivado pelo legislador. É tão alta a sanção que o Poder Judiciário hesita na sua aplicação concreta.

O Estado tem dificuldades para controlar o sistema prisional. Muitos estabelecimentos penitenciários são chefiados por organizações criminosas. Experimentados carcereiros chocam-se com a corrupção e a violência presentes nas cadeias.

"O sistema carcerário é dantesco. Os presídios são bárbaros, não há colônias agrícolas ou industriais suficientes e inexistem casas de albergados. A execução das sanções criminais costuma piorar os condenados. Gasta-se muito para destruir seres humanos. As fugas escandalosas passaram à rotina do sistema penitenciário. A polícia ostenta índices alarmantes de corrupção e violência. Os salários oferecidos são muito baixos. Não se promove a formação adequada e a reciclagem modernizadora. Muitas vezes os inquéritos policiais são conduzidos por escrivães de polícia. Oficiais militares que investigaram e prenderam teriam que se submeter aos funcionários civis subalternos que, legalmente, não deveriam presidir o procedimento. Os carcereiros executam funções investigativas" [46].

Não há uma política de auxílio à família do preso e, muito menos, um acompanhamento do egresso, facilitando-lhe o retorno ao trabalho e o auxiliando a reassumir uma vida estável.

Some-se a legislação penal e as normas jurídicas que tratam da família e se terá um quadro bastante objetivo da causa do aumento da violência. O sistema legal contribui para o aumento da criminalidade.

3.5.O Meio Ambiente e a Violência

O homem é um ser composto de corpo e espírito. Tem necessidades materiais. Projeta-se no mundo criado. O meio circundante é extremamente importante para que o ser humano possa viver em paz consigo mesmo e tratar pacificamente o seu semelhante.

Os grandes centros urbanos onde vivem a imensa maioria das pessoas não parecem concebidos para tratar adequadamente do homem.

Uma arquitetura desconfortável, a destruição das florestas, a desnaturação das paisagens, a substituição da terra por asfalto, a poluição, a sujidade, a absoluta falta de espaços urbanos para o descanso e o lazer, a degradação do campo visual, tanto pela falta de estética quando pela corrupção dos anúncios, acrescidas do excessivo emprego de máquinas, cada vez mais velozes e pilotadas por condutores estressados, a inexistência de um sistema de transporte seguro, limpo, ordenado e, por fim, os amadores prestadores de serviços sociais, neurotizam os homens.

Até mesmo na Idade Média havia uma preocupação com a construção de espaços urbanos que permitissem as reuniões, o descanso, as exposições artísticas, tão importantes para o equilíbrio psicossocial do homem. Praças arejadas, sombreadas, ornamentadas por extensos jardins, refrescadas por encantadoras fontes que produzem relaxantes sons, propiciavam aos seres humanos a conservação da racionalidade que se refletia no mais adequado convívio.

Em nosso tempo, rápido e pouco humano, as regras mínimas de convivência são substituídas por egocentrismo que premia somente quem chega antes. Ignora-se que as mulheres e os homens são iguais em direitos e obrigações, mas constitucionalmente diferentes. O desprezo pela feminilidade começa pela inobservância de pequenas normas de cortesia e termina com as gravíssimas transgressões sexuais.

A conformação arquitetônica das metrópoles produz violência. O Direito tem vocação para ordenação jurídica dos planos diretores das cidades. Na atualidade, não poucas cidades brasileiras foram transformadas em caóticas concentrações de rebanhos humanos que vivem mal em alguns pontos, no submundo em outras áreas, sem proteção do Estado, mas pagando proteção ao crime organizado e pedágio aos traficantes. Tratam-se de focos de violência crescente que precisam de tratamento imediato para um mínimo de segurança social.

Nietzche sustentou que a cidade é um mau lugar para se viver, pois há uma excessiva tensão nos seus habitantes, o que também foi considerado por Santo Tomás: na realidade não se cometem muitos pecados porque os instintos naturais levem aos mesmos; a maior parte dos pecados advém de incentivos externos, oriundos da mórbida curiosidade humana e que provocam uma excessiva excitação das paixões [47].

Imagine-se tudo isso numa globalização sem consciência da fraternidade e se terá uma imensa possibilidade de institucionalização da violência

3.6.As drogas

Como vimos o ser humano busca a verdade e o bem e, portanto, aperfeiçoando-se, o indivíduo não é livre para fazer o mal. Existindo para se tornar o que é – alguém chamado à perfeição –, o homem não tem liberdade para se destruir. Atingir a perfeição implica atitude positiva. Ser é formar-se para o bem. Requer a prática firme e constante de atos adequados ao fim do homem. A perfeição gera felicidade.

A droga é um dos mais claros fatores de crescimento da criminalidade em nosso tempo.

Todas as ciências devem promover a felicidade do homem. O direito, visando a justiça – dar a cada um o que lhe é devido –, deve tornar feliz o ser humano.

6.3.1.Paradoxos contemporâneos

A vida é um bem jurídico primordial. A sua conservação é essencial. Preservar a saúde do corpo e da mente de cada pessoa é imprescindível para que a sociedade se mantenha hígida.

A história não conhece um período em que tanto se prestou culto ao corpo como a nossa. A indústria, o comércio e os meios de comunicação rendem vassalagem cada vez mais intensa ao padrão mítico eleito. Paradoxalmente, os meios de comunicação, o comércio e a indústria produzem um formidável atentado à vida e à saúde da população. Também inédito.

Opera-se uma hedionda degradação do meio ambiente. Uma geração inteira está sendo massacrada pelo mau uso da natureza. A sociedade de massas produz um fabuloso ataque à privacidade que macula a própria vocação comunitária do homem. A perda do sentido da vida e o desprezo aos valores clássicos da humanidade geram a relativização que culmina com o indiferentismo.

Nesse caldo cultural fermenta a experimentação precoce de álcool e de tabaco. A "teoria da escalada", tão bem escamoteada pelos pregoeiros do mal, promove o consumo de drogas que, num átimo, percorre o extremo das "leves" para as "pesadas". O resultado é a destruição daquele ser destinado à perfeição. Instala-se o drama individual e social.

Caoticamente, não poucos que apregoam a nocividade das drogas, são sócios nos lucros dos fabricantes de tabaco e álcool que acabam estimulando o uso daquelas. Muitos que alardeiam a necessidade de preservação de instituições clássicas para ordenação social, editam normas que desestruturam as famílias e estimulam a juventude a ignorar a importância da vida humana, o que destrói importantes contensores do emprego de entorpecentes.

Alguns outros, ignorando o direito natural e o direito positivo, decidem com base no "direito livre" que trariam em sua consciência e, portanto, não se trata de liberdade e muito menos de direito. Retiram dos cidadãos a segurança jurídica e os estimulam ao uso da força ou da astúcia. Minam a autoridade responsável que é útil para se evitar o emprego de tóxicos.

Essa desordem, aliada a outros fatores, contribui para que a autodestruição do homem, inclusive pelo emprego de drogas, assuma proporções gritantes.

3.6.2.Prevenção geral

É essencial que se clame com todas letras que as drogas destroem o ser humano. O cigarro, o álcool e alguns remédios, abusiva e precocemente consumidos em larga escala, estão servindo para iniciar as pessoas no uso de drogas "leves" que abrem o caminho para as drogas "pesadas" e acabam na destruição dos seres humanos.

O valor perene do trabalho precisa ser resgatado como fundamental à realização do homem. Este magnífico poder de atuar no mundo como realidade criada e não acabada, que pode melhorar a partir da contribuição individual de cada pessoa, é o grande motor para agregar os homens e as mulheres na instigante tarefa de aperfeiçoar a realidade, em vez de se destruírem porque a situação é crítica. Um ser humano realiza-se quando é capaz de fazer coisas pequenas que, somadas, melhoram o seu campo de relações sociais.

Consoante adiantara, a televisão manipula a vontade e degrada as pessoas. Transmite a falsa noção de que todos perderam a razão e que os valores fundamentais para o homem não são vividos pela maioria dos viventes. O seu enorme potencial não está sendo empregado para educar os brasileiros para a cidadania.

Trocou-se a maravilhosa harmonia do som pelo ruído e não se percebe que muitos jovens, submetidos ao barulho daquilo que se chama de música moderna e não passa de "bate estaca", escravizados pelos fones de ouvido, perdem a audição no primeiro momento e a capacidade de pensar e de se relacionar a seguir.

Os videogames, livre e intensamente utilizados, não distraem. Instigam à violência. Não sublimam coisa alguma. Estimulam a que se faça na vida real aquilo que espelha o virtual. Muitos brinquedos operam com a utilização brutal do pânico para a pseudo-distração. Aniquilam a sensibilidade humana. Os seus usuários passam a exigir emoções cada vez mais fortes, extrapolam os limites humanos e passam a empregar meios nocivos para substituir as emoções sadias.

É tempo de retorno aos brinquedos que forjaram tantas gerações de pessoas felizes. Brincadeiras que ajudam o controle motor, a sociabilidade, a calma, a noção de ordem, a competição amena e não excludente e o respeito mútuo. As crianças que não cantam, mas ouvem os berros agressivos de máquinas pérfidas, buscam emoções cada vez mais estapafúrdias e se tornam presas fáceis de "embalos" que levam à morte.

3.6.2.Prevenção jurídica

Cumprida, a Constituição da República encerra um notável modelo jurídico, apto à prevenção do uso de drogas, posto que desde seu preâmbulo, institui um Estado Democrático, voltado ao bem-estar do homem e tendo como fundamento a dignidade humana e o valor social do trabalho, objetivando a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (arts. 1º e 3º).

No título dos direitos e garantias individuais, abre um capítulo para disciplinar os direitos e deveres individuais e coletivos, instituindo o princípio da legalidade que consagra um governo de leis no lugar de um governo de reis (art. 5º, inc. II). Todo o trabalho relativo à repressão e prevenção do uso de entorpecente deve ser feito consoante à Constituição da República e às leis infra-constitucionais que sempre deverão estar em consonância com a Carga Magna, precipuamente nessa visão protetiva do ser humano, como sujeito de direito.

Por decorrência, todo o tratamento da questão pressupõe um profundo respeito ao homem, estando clarificada a noção de que as condutas inadequadas podem ser reprovadas e devem ser reorientadas, mas a pessoa deve ser integralmente preservada (art. 5º, inc. III). Naturalmente, há de se proteger a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, tomando-se a especial cautela de que todos os atos pertinentes à preservação da vida e da saúde dos seres humanos sejam marcados pela discreção, respeito e proteção integral (art. 5º, inc. X).

O uso de entorpecente configura uma violação ao bem jurídico atinente à saúde pública, é um mal que deve ser reprovado, sempre com vista à recuperação do usuário que, portanto, não pode ser tratado de forma que jamais possa resgatar a estima pública necessária à sua saúde psicológica.

Nesse mesmo titulo, a Constituição da República trata dos direitos sociais (art. 6º e segs.), aduzindo que se refere à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à segurança, à proteção da infância e à assistência aos desamparados. Impõe ao Estado Democrático o dever de cuidar para que os direitos sociais sejam uma realidade concreta. A omissão estatal nesse campo, conforme salientado quando mencionada a miséria, é um dos fatores de crescimento da criminalidade em geral e da toxicofilia em particular.

Particularizando, a Carta Magna prevê que a obrigação estatal de fomentar políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos. Garante o acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (art. 196). Como ficaria distante de seus deveres, o Estado que se limitasse a criar impostos para a saúde que fossem destinados a outras áreas, pregasse a prevenção de doenças letais com a distribuição de preservativos inócuos e se limitasse à recuperação de drogados com a entrega de seringas descartáveis.

O Estado deve promover a prevenção do uso de entorpecente como prioridade e fomentar, com o emprego de todos os meios de comunicação à sua disposição, a participação da comunidade para a realização do bem de todos e de cada um dos seres humanos (art. 198, incs. II e III). Ao sistema de saúde compete uma participação responsável, programada e com a publicação de seus resultados na produção e utilização de entorpecentes (art. 200, inc. VII).

No campo da assistência social, o Estado deve proteger a família, a maternidade, a infância, a adolescência e a velhice (art. 203 e incs.). A educação, direito inalienável, visará o pleno desenvolvimento da pessoa, o seu preparo para o exercício da cidadania e a sua qualificação para o trabalho (art. 205). O Estado deve pagar adequadamente os professores e os funcionários escolares. Os professores precisam ser bem formados e permanecer em contínua reciclagem.

A autoridade do professor, faz-se necessário o truismo, é essencial à boa formação do aluno. Liberdade não se confunde com libertinagem. O ócio destrói o educando. A instituição de programa em que se avança sem exames criteriosos infunde a falsa noção de que é possível fazer algo sem saber coisa alguma. Deforma o aluno.

A educação sexual deve ser dada em primeiro lugar na família. Jamais a escola poderia se aventurar na abordagem de tema que é essencial ao ser humano com a brutalidade de aposição de preservativos em cabos de vassoura. Trata da importante questão do sexo ignorando a dignidade da pessoa humana. Cuidar de sexo sem amor é transformar o ser humano em animal.

Ensinar Ética como se fosse um conjunto de proibições formuladas por carolas é um erro que pode prejudicar toda uma geração. O Estado deve proclamar que a Ética refere-se ao ser do homem, à sua perfeição, o que implica a educação para a aquisição de virtudes, como atos firmes e constantes na prática do bem. Que destino poderia ter um país que divulgasse a falsidade de que o "negócio é tirar vantagem de tudo"?

A Constituição da República preocupa-se com o ensino religioso que, na sua execução, reclama uma atenção especial, pois as grandes religiões também se constituem em um dos mais poderosos instrumentos de prevenção ao uso de drogas (art. 210, § 1º). Ciência e fé se harmonizam para a formação global e feliz do ser humano.

Cada centavo que é retirado da educação e encaminhado para outros fins deveria ser considerado um atentado à pátria (art. 212). O acesso à cultura e a incrementação das atividades culturais servem claramente à prevenção do uso de entorpecente (art. 215). Pornografia não é cultura. A leitura dos clássicos que formaram tantas gerações de jovens é de ser retomada. O desporto é essencial à formação do jovem (art. 217). Se os órgãos próprios fossem transformados em centros de criminalidade e falta de ética, que efeitos poderiam causar na juventude?

A comunicação social poderia contribuir decisivamente para o bem comum e para a prevenção do uso de entorpecentes. Os empresários que exploram a televisão devem ser pessoalmente responsabilizados pelo mau uso das respectivas concessões. Um meio de comunicação que se mostra capaz de, instantânea e profundamente, alterar e induzir comportamentos humanos, assume o concreto dever social de formar bem as pessoas.

Ninguém quer uma televisão vetusta a ditar regras de moral, mas também é inaceitável uma "telinha" exclusivamente voltada para as protuberâncias femininas e que coisifica a mulher e o homem.

Sendo uma concessão, a responsabilidade dos agentes políticos também deve ser claramente definida. Por que permitir que os canais de televisão maculem toda a sociedade, desde que direta ou indiretamente privilegiem determinados setores políticos?

3.6.3.Prevenção individual

É essencial à prevenção do uso de entorpecentes que cada ser humano seja pessoal e individualmente considerado. É imprescindível que se individualize para que se respeite e ame. Ninguém se sentirá respeitado ou amado abstratamente.

Individualizado, respeitado, cada ser humano deve ter consciência de que pode atingir a sua perfeição. Deve aperfeiçoar-se. Para que seja, é preciso que melhore. Violar as suas regras naturais é não se realizar. É não ser. A realização plena de cada ser humano é importante para todos os demais. Vivendo em sociedade, todos devemos cooperar para o bem comum. A partir de pequenas coisas.

A ação boa deve ser estimulada. A conduta errada deve ser reprovada. A pessoa, em si, sempre deve ser amada e respeitada.

A reprovação à conduta errada pressupõe uma clara noção de autoridade. Esta é um bem. Há coisas objetivamente erradas e é dever das autoridades promover o bem. A autoridade deve agir com responsabilidade, promover a perfeição humana e não se perder no autoritarismo. Um dos pontos que deve clarificar é que as drogas são um mal. Destroem a saúde individual e pública.

Enfatizar a maravilha que é a realização de cada ser humano. Para o mesmo e para o todo. Cultivar essa natural aspiração ao perfeito significa fortificar as raízes que sustentarão as pessoas de bem. Deveriam ser desprezados aqueles que, desconsiderando os mais importantes cientistas da modernidade, dissessem que é saudável aquilo que é nocivo.

Ativar os mecanismos para a recuperação dos usuários. Respeitar a dignidade da pessoa humana. Mostrar interesse pessoal pelo usuário. Perseverar e incutir a perseverança. Compreender as recidivas. Manter a esperança. Imagine-se um sistema punitivo que acreditasse apenas na repressão e retribuísse com pena tarifada, ignorando os recuperados.

Os esforços individuais para se livrar da dependência devem sempre ser elogiados. Incentivados. Não é fácil vencer e crescer sempre.

Prevenir é amar e educar. Crer no ser humano. Crer na Constituição de um País. Obedecê-la.

Nada é mais belo na vida que a realização de uma pessoa. Todas as ciências estão voltadas para o seu aperfeiçoamento. A perfeição implica a felicidade. Prevenir, para que você e eu sejamos felizes [48].

3.7.Considerações parciais

Por mais que se tente ordenar a identificação das principais causas da violência na atualidade, incorre-se no risco de apresentar um verdadeiro "samba do crioulo doido". Sonhamos com uma valsa vienense, orquestrada por um maestro alemão, tocada num café parisiense, bolsos recheados como os americanos e com a alegria de uma praça italiana... Sonhamos...

Há de ter um sentido nossa vida.

"Quando me perguntam acerca das causas do sentimento de falta de sentido ou do vácuo existencial, costumo responder com a seguinte fórmula: ao contrário do animal, o homem não tem instintos que lhe dizem o que tem de fazer; e ao contrário do que acontecia em séculos passados, o homem de hoje já não conta com tradições que lhe dizem o que deve fazer; assim, muitas vezes parece já não saber o que quer" [49].

A moral, o direito e a religião trabalham com a idéia de paz em face da necessidade de aperfeiçoamento humano. A noção de paz envolve uma ordem tranqüila. Essa ordenação das coisas enseja que o homem se conheça, conheça o próximo e conheça a Deus. Como esse mesmo homem dirige-se à verdade e ao bem, encontra em Deus toda a Verdade e todo o Bem. Portanto, a moral, o direito e a religião devem propiciar a consecução do objetivo principal do ser humano, a felicidade.


4.A Moral, o Direito e a Religião: confusão, distinção, separação e confusão.

A atual falta de organicidade entre as três ordens – moral, jurídica e religiosa –, explica porque o homem moderno não sabe o que tem de fazer para se realizar. Evidente que são ordens que não podem ser confundidas, mesmo porque autônomas e completas, mas o reconhecimento da necessidade de distinção não pode gerar a separação na prática, pena de se voltar à confusão primitiva [50].

A separação isola. Isolando as três ordens, o homem pode formular um direito positivo que, desprovido de base ética, em vez de propiciar o desenvolvimento do homem e a sua abertura para Deus, promova uma desordem social na qual reinará o poder do mais forte. Instituiria aquela força bruta destrutiva que mencionamos no início.

A confusão mistura. Misturando, desorienta a operacionalidade daquelas três ordens. A distinção dos campos estatal e eclesial não significa que o Estado não deva se interessar pelo máximo bem ansiado pelo homem, Deus.

Distintas, mas harmônicas, as três ordens operam adequadamente quando possibilitam ao ser humano saber quem é, quem é o seu próximo e quem é Deus.

4.1. Confusão.

Na antigüidade a união entre os povos fazia-se pelo vínculo religioso. Os romanos professavam culto religioso que era um misto de inúmeros outros cultos, radicalmente diversos uns dos outros, que permitiam a convivência de Roma com os outros povos. Os romanos empregavam com habilidade esse conhecimento e sempre que necessário tinham uma fórmula para demonstrar os seus vínculos com os povos que lhes interessavam.

"Aos latinos, Roma apresentava as suas tradições sobre Rômulo; aos sabinos, a sua lenda de Tarpéia e de Tácio; para os gregos, alegava os velhos hinos que, em honra da mãe de Evandro, possuía e que já não compreendia, mas persistia em cantar. Guardava, do mesmo modo, com o mesmo carinho, a memória de Enéias, porque, se por Evandro podia Roma chamar-se parente dos peloponésios, por Enéias era-o de mais de trinta urbes espalhadas pela Itália, Sicília, Grécia, Trácia e Ásia Menor, todas elas tendo Enéias por fundador, ou sendo colônias de urbes por este fundadas, todas possuindo, conseqüentemente, culto comum a Roma. Pode ver-se nas guerras que Roma fez na Sicília contra Cartago, e na Grécia contra Filipe, o partido que soube tirar deste antigo parentesco" [51].

Essa confusão nada mais significava que a redução da divindade à consecução de fins humanos, sem contar que o utilitarismo implicava a adoção de crenças contraditórias entre si, gerando uma das sociedades mais devassas da história da humanidade que, nada obstante a genialidade demonstrada no campo da engenharia, da guerra e do direito, ruiu com incrível estardalhaço.

O inconveniente dessa confusão pode ser visualizado a partir da conduta de um homem que, conhecendo a verdade e o bem, não é capaz de optar por estes, mas pretende se safar do julgamento moral, com mera lavagem das mãos. Não aplica o Direito e a Justiça para classificar corretamente a mais profunda ação apostólica que o mundo conheceu e a conduta do autor de um latrocínio. Tinha tantas crenças que participou da morte do Homem-Deus.

4.2. Distinção

O Cristianismo põe fim à sociedade antiga em que o Estado e a Religião acham-se confundidos.

Encerra o "tempo dos deuses domésticos e das divindades políadas. Esta religião gerara o direito: as relações entre os homens, a propriedade, o patrimônio, o processo, tudo fora regulado, não por princípios de eqüidade natural, mas pelos dogmas dessa religião, só atendendo às necessidades do seu culto. Fora ainda esta religião que estabelecera um governo entre os homens: o do pai na família, o do rei ou do magistrado na cidade. Tudo procedia da religião, isto é, da opinião que o homem formara da divindade. Religião, direito, governo, confundiam-se e mais não eram que a mesma coisa vista sob três aspectos diversos" [52].

Instala-se uma distinção entre as três ordens enunciadas. A partir da frase de Jesus Cristo – "Dai, pois o que é de César a César, e o que é de Deus a Deus" [53] – separa-se a religião do governo.

"Foi a primeira vez que tão nitidamente se distinguiu Deus do Estado. Porque César, nesta época, era ainda o sumo pontífice, o chefe e o principal órgão da religião romana, o guarda e o intérprete das crenças, quem reunia em suas mãos o culto e o dogma. Em César, a sua própria pessoa era sagrada e divina, porque um dos aspectos da política dos imperadores era precisamente o de, ao quererem reaver os atributos da realeza antiga, não terem esquecido o caráter divino que a antigüidade atribuíra aos reis-pontífices e aos sacerdotes-fundadores. Mas sucede que Jesus Cristo quebra essa aliança que o paganismo e o império procuravam reatar, e proclama que a religião já não é o Estado, e obedecer a César já não é o mesmo que obedecer a Deus" [54].

No aspecto moral, distingue claramente práticas judaicas pertinentes à higiene em face do culto religioso. A conduta pessoal de Jesus Cristo e dos seus seguidores evidencia de forma paradigmática que, a par dos preceitos religiosos, norteavam-se pela ética, não se deixando servir dos bens de terceiros, mas trabalhando para manter o próprio sustento.

Culminando esta notável doutrina, ainda de forma modelar, o próprio Homem-Deus cumpre com deveres legais, pagando impostos que a todos obrigava. Numa clara distinção das ordens mencionadas, cumpre eticamente um dever moral, desincumbe-se da regra jurídica e na esfera religiosa exercita o poder de apanhar moeda na boca de um peixe.

3.6.Separação

A distinção entre moral, direito e religião ensejou uma longa, progressiva e notável evolução do homem. Na atualidade, a partir de idéias iluministas, chegou-se à separação das mesmas, isolando-as e se produzindo um estado de coisas que, em vez de promover a paz, gera a violência.

A moral é vista como limitação à liberdade individual quando é justamente a sua prática que libera o ser humano de suas qualidades negativas e o habilita ao bem e à verdade. Há um modo digno de viver e as pessoas devem ser formadas para incorporar esses valores que, praticados, permitem a sua realização pessoal ao tempo em que contribuem para o bem dos demais. A falsa noção de moral impede que o homem tenha aquele referencial acerca do que deve fazer.

"Às vezes, a nossa civilização duvida disto. Não tem a certeza de que exista um modo de viver moral, digno do homem. E, por isso, não sabe educar: sabe instruir, isto é, informar a criança sobre muitas questões; sabe informá-la sobre as órbitas dos planetas, o metabolismo da clorofila ou a Revolução francesa. Mas não sabe dizer-lhe o que deve fazer com a sua vida" [55].

Adestra-se uma criança a manusear um preservativo de látex, inserindo-o num cabo de vassoura, mas não se a forma acerca da magnificência do amor humano, da beleza indescritível da união de um homem e de uma mulher que, no matrimônio, tornam-se uma só carne, auferindo a extraordinária capacidade de formar outrem, colaborando com o próprio Deus na criação de cada pessoa.

Elabora-se um direito positivo desvinculado do direito natural clássico que, além de carente da eticidade essencial à sua constituição, pode se voltar contra a própria religião.

"Esto nos muestra, en outro sentido, la disociación que se puede producir entre el derecho positivo – ley promulgada por autoridad competente – y el derecho natural, que en el decir de Cicerón está inscripto en el corazón del hombre, y por él sabe (el hombre) lo que está bien y lo que está mal. En rigor de verdad, según Santo Tomás de Aquino, la ley positiva que contraría el derecho natural, no es propiamente ley, sino un acto de violencia. De hecho, también pueden crearse delitos, o sea describirse conductas penalmente reprochables, que a la luz del derecho natural no serían violatorias del orden jurídico, como sucede en ciertos países, por ejemplo com respecto a la práctica del culto religioso" [57].

Protege-se um ovo de tartaruga, mas se permite a morte de uma criança concebida. Pune-se alguém, mas não se lhe permite um benefício legal, ainda que ressocializado no curso do cumprimento da sanção, porque o direito positivo impede. Olvidando-se a presunção de inocência, prende-se o acusado por mais tempo do que o razoável [58].

Ignorando que a distinção entre o Estado e a Religião não implica isolamento, acaba-se por olvidar que a própria Constituição da República foi promulgada "sob a proteção de Deus" (preâmbulo da Carta Magna de 1988). A César ao que é de César, e, a Deus o que é de Deus, mas toda regra deve permitir que César chegue a Deus. A distinção entre as ordens referidas não significa que o Estado deva ser pagão.

No vácuo provocado por esta separação, ocorrem alguns paradoxos. O Estado Brasileiro é laico. Todavia, a laicidade vale muito mais para a Igreja Católica Apostólica Romana, única fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo. No Congresso Nacional operam as "bancadas protestantes", contrata-se "medium" para fazer chover no território nacional e não poucas solenidades oficiais cultuam "mães de santo".

Adota-se uma corrente iluminista que não concebe o homem como criatura de Deus e se promulga uma legislação que considera o direito de liberdade de forma tão abstrata que acaba não respondendo às necessidades do homem comum, de carne e osso, sempre submetido à liberdade do mais forte fazer tudo o que pretende. Deixa-se a dignidade do trabalho humano à força do mercado e se renova a exploração do homem pelo capital.

Num primeiro momento, sacrificou-se o homem com a Revolução Industrial. Nosso tempo registra o sacrifício do homem pela indiscriminada utilização da máquina informatizada, alargando a produção e relegando ao mais completo oblívio populações inteiras sem trabalho digno.

Como se o homem fosse um inocente, deixam à livre negociação os bens essenciais à realização humana. Liberdade absoluta, para fazer ou não fazer. Advém a evidente exploração do homem pelo homem. Edita-se lei para a proteção do consumidor e as grandes entidades financeiras não querem se submeter às mesmas. Uma velhinha pode ser revistada por um guarda truculento à porta do banco, mas estão impunes os autores dos grandes escândalos financeiros que lesaram o patrimônio de inúmeros pobres. O sistema previdenciário nacional está falido porque houve uma continuidade de "rombos" praticados por seus responsáveis.

Um Estado sem ética, sem direito e sem Deus como esse, promove violência.

3.7.Confusão

Nesse contexto, volta-se à confusão dos tempos antigos. Há um deus para cada situação. Uma seita em cada esquina. Um dogma para gosto. Uma opinião para cada verdade objetiva. Instala-se uma religião sem Deus. Deus que não está no baile "funk"... Foi substituído pela mitologia... Nega-se Deus e se olvida o demônio. Este que é inteligente, porque mais velho, gosta que dele se esqueçam, age com mais desenvoltura...

Pensa-se que a moral é contra a liberdade, restringe, castra, somos todos absolutamente livres, sem limite algum. Somos irresponsáveis. Não há mérito em face de boas ações. Inexiste demérito. Exilou-se o livre arbítrio. Tudo posso, ninguém pode me impedir de realizar meus gostos e anseios. Começo realizando meus sonhos e termino com os dramáticos pesadelos de uma imoralidade crescente que não enseja a menor segurança na vida social. Perdemos a confiança em todos. É preciso que uma lei penal proteja a fidelidade entre os sócios.

A fidelidade no casamento não pode ser exigida pelo Direito Penal. Pune-se o exercício do culto religioso em alguns países. Em outros, pode-se enxovalhar publicamente Santos e Santas, objetos de culto e instituições. Prende-se quem desgalha uma árvore para fazer chá medicinal, e não se pune devidamente a prática de aborto. Encarcera-se a serviçal que furta uma lata de leite, e se cultua um governante que coleciona milhões de reais sobre a mesa do escritório. Pretende-se equiparar casamento à união estável, atribuir a condição de casados a homossexuais e permitir separações de casais sem causa jurídica. Ainda se reconhece o casamento como instituição essencial?

Um governante justifica como gasto com educação a verba pertinente à propaganda de sua gestão – como se as boas obras não fossem espontaneamente divulgadas –; o povo não tem acesso à saúde pública, mas seringas são distribuídas a dependentes de drogas, preservativos espalhados em profusão e métodos abortivos são empregados oficialmente. Criam-se seres humanos na proveta e os menos interessantes são derramados no ralo. A vida humana vale pouco para o Estado, nada vale para o jurisdicionado. Completa-se o círculo vicioso. Todos somos presa fácil da violência.

Essa confusão revela-se objetivamente no campo moral com o individualismo, o indiferentismo, o consumismo e o hedonismo.

Na esfera jurídica há substituição da atribuição do devido a cada um pela consecução violenta ou não daquilo que cada um julga que seja seu, voltando-se à justiça pelas próprias mãos num primeiro momento e pela violência pura e simples num segundo estágio. Obedeço apenas à lei que me convém. Livre para tudo, guio-me pelo sensível e pelo gozo de tudo que me apraz. Transformo liberdade em irresponsabilidade e permito que a mídia idiotize a pessoa humana [59]. Idiotas não sabem preservar a paz social.

Nesse vale-tudo, a concentração abusiva das riquezas não encontra mecanismos de promover a justa distribuição dos bens. Numa sociedade estruturalmente pecadora, inexiste o império do direito. As leis são ineficazes, não são acatadas e, paradoxalmente, quando for maior a quantidade de leis, verificar-se-ão mais violações e mais anarquia [60].

Além disso, pode se constatar que, quanto mais severa for a lei, mais graves serão as violações. O discurso atual do movimento de lei e ordem, se traduzido em normas que punam mais intensamente e na criminalização de novas condutas, implicará o aumento da violência. Não é o direito que poderá alterar esse estado de coisas.

Por fim, uma religião sem Deus não pode salvar alguém. Deus é o Senhor da História. A história de um povo que desprezar a Deus é uma triste história. O Estado não precisa fazer uma profissão de fé. É distinto da Igreja. O Estado não pode administrar, legislar ou julgar como se Deus não existisse. Isolaria as ordens que devem ser desenvolvidas com harmonia. Instalaria o caos. Seria incapaz de promover o bem comum [61].


4.O Bem Comum

Como vimos, sem justiça, as relações interpessoais verdadeiramente humanas desaparecem, pois o que manda é a força, e ao final, a violência, a força sem lei. Se há justiça e o direito se funda em um discernimento do justo, pode começar o diálogo e surgir a benevolência, e em conseqüência, o comum. A primeira forma de cultura é o direito, e a sua vigência significa superar a barbárie: assim foram civilizados os homens [62].

Como o homem é social, o bem de cada um em particular está relacionado com o bem de todos. O bem de todos tem sentido em face de cada pessoa humana individualmente considerada. Trata-se de uma estrutura que permite a consecução da felicidade.

Pressupõe o respeito pela dignidade da pessoa humana [63] cujos direitos fundamentais e inalienáveis devem ser tratados de forma a ensejar uma concreta vida individual e social conducente à plena realização de cada indivíduo em particular. Implica a viabilidade do exercício das liberdades naturais imprescindíveis ao desenvolvimento das potencialidades de cada um: ação conforme à reta consciência, proteção da vida particular e liberdade ordenada ao bem de todos.

Além disso, faz-se necessária a satisfação das necessidades básicas do ser humano. O tomismo menciona não um mínimo imprescindível, mas um estado geral de bem estar propício à virtude. A pessoa humana precisa de alimento, vestuário, saúde, trabalho, educação, cultura, informação, lazer, privacidade, orientação, respeito...

Carece de segurança, de paz, pois a injustiça revolta o homem. O homem precisa viver segundo uma ordem justa e estável.

"O bem comum está sempre orientado ao progresso das pessoas: "A organização das coisas deve subordinar-se à ordem das pessoas e não ao contrário". Esta ordem tem por base a verdade, edifica-se na justiça, é vivificada pelo amor" [64].

A formação da reta consciência desse homem individual implica a idéia clara da moral. Os pós-modernos imaginam a moral como algo negativo, um conjunto de vedações, arbitrariamente imposto por chefetes de plantão, limitadora da liberdade individual.

Na concepção tomista a moral "é o ser do homem, doutrina sobre o que o homem é e está chamado a ser. Sim, porque para Tomás a moral é entendida como um processo de auto-realização do homem; um processo levado a cabo livre e responsavelmente e que incide sobre o nível mais fundamental, o ser do homem: "Quando porém se trata da moral, a ação humana é vista como afetando, não a um aspecto particular, mas a totalidade do ser do homem...; ela diz respeito ao que se é enquanto homem" [65].

Este homem individual, desassombradamente vocacionado para tomar o partido do bem e da verdade, capaz de se auto-destruir e aos demais, vivendo em sociedade, precisa de estímulos jurídicos às condutas que o realizem e de reprovações das condutas que o inviabilizam. O Direito somente poderá alcançar os seus fins se considerar os preceitos éticos que permitem ao homem a sua evolução. Traçar mecanismos jurídicos que, respeitando a dignidade humana, promova o bem estar para o desenvolvimento de cada um, dentro de um ambiente pacífico.

Um sistema legal que desprezasse essa concepção do homem e não regulamentasse adequadamente o direito de família, por exemplo, transformar-se-ia num caótico propulsor do aumento da criminalidade.

"Há mais de 50 anos, Pitirim Sorokin escreveu que, nas famílias, 'as quebras de fidelidade se tornaram moda, conduzindo a um extraordinário aumento do divórcio e das <<livres>> relações sexuais'. Não surpreende, pois, que a criminalidade haja crescido de maneira vistosa em toda parte. O que, sim, surpreende é que a prática político-criminológica não se haja dado conta de (ou decidido) revitalizar a família. Ao revés, além de promover-se, de comum, um áxio-supressão positiva (p. ex., as seguidas referências ao cabimento da descriminalização do adultério), tem-se não apenas incentivado formas não-naturais de simulacros da família (junções estáveis ou instáveis, homossexuais etc.), mas até incorrido em omissões referentes a desinformações e deformações em matéria de valores familiares" [66].

Ainda que se alcance um bom nível de evolução ética e jurídica, certos comportamentos humanos não podem ser equacionados à luz da moral ou do direito.

Algumas pessoas, reunidas no pátio de um estabelecimento penitenciário, tomam banho de sol, após o café da manhã. Sacam de estiletes e empunham pedaços de pau. Matam um dos companheiros de presídio. Degolam-no e iniciam jogo de futebol. A cabeça da vítima é a bola...

Essa violência que o moralista e o jurista não conseguem evitar pode ser obstada por uma velhinha sem instrução que saca do avental um terço e, segurando a mão de Maria, reza...

Há na vida humana uma dimensão sobrenatural que precisa ser alcançada para que o homem seja feliz. O mistério da cruz – permissão divina ao sofrimento purificador –, atrai o homem à renovação de sua fé, à sua formação doutrinal religiosa, à obediência aos dogmas, à freqüência aos sacramentos, ao reconhecimento de sua miserável condição de pecador – faço o mal que não quero e omito o bem que desejo –, ensejando-lhe a plena libertação a partir da ciência de que Deus se fez homem para que o homem se tornasse Deus.

Completa-se a harmonização das ordens enfocadas. Está inscrito na intimidade humana o preceito de fazer o bem e evitar o mal. Regra que vale para aquelas três ordens e exige formação moral de cada pessoa, submissão à norma jurídica promulgada segundo o direito natural e abandono em Deus para O conhecer, amar e servir.

"Muitos, na verdade, esperam da religião que ela lhes dê a felicidade por meio de prodígios ou por não sei que encantos mágicos. Cristo, porém, liberta-nos de imaginações pueris. Não prometeu milagres, mas revelou-nos a força maravilhosa de que os homens dispõem para se tornarem felizes. Seu ensinamento é, na realidade, um fator incomparável de progresso humano. A reforma do mundo seguir-se-á à reforma pessoal de cada um: será uma conseqüência natural. E isto não é apenas um ponto de vista marginal do Evangelho. O futuro da humanidade é um dos aspectos do reino messiânico, não na forma de um milenarismo suspeito, mas pela impregnação lenta da doutrina das Bem-aventuranças no coração dos homens" [67].


5.Conclusão

Como ser racional e livre, operando com base na inteligência e na vontade, o ser humano realiza-se em face da verdade e do bem. Em termos absolutos, a Verdade e o Bem estão em Deus. Moral e político, o ser humano também é religioso.

"A pessoa tem uma dignidade absoluta porquanto está em uma relação direta com o absoluto, no qual somente pode encontrar sua plena realização" [68].

É na vida de relação social que emerge a violência que, lesionando ou ameaçando de dano os bens dos demais, dificulta a consecução do bem comum e desnatura o violento.

A miséria, a mídia, a desestruturação da família, o sistema legal, o meio ambiente e a droga constituem causas de violência.

A Moral, o Direito e a Religião devem ser distintos, mas não separados. A confusão ou a separação geram uma desordem que provoca a violência.

É necessário revitalizar o bem comum que pressupõe a dignidade da pessoa humana, a satisfação das necessidades básicas do homem e a consolidação de uma ordem jurídica justa e estável.

A vida, a segurança e a felicidade, nos planos moral, jurídico e religioso, podem ser integralmente realizadas com a obediência estrita a duas pequenas regras: Amar a Deus sobre todas as coisas, e, Amar o próximo como a nós mesmos.


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Notas

  1. Jaques de Camargo Penteado, A Família e a Justiça Penal, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1998, p. 9.
  2. "La virtù si distingue dalla buona azione per il fatto che opera una permanente e profonda conformazione morale di tutto l'essere umano. Inoltre la virtù, a differenza dell'a abitudine che diminuisce la libertà a causa dell'assuefazione che produce, scaturisce sempre dalla libera attività umana attraverso l'esercizio continuato di atti buoni. Perció l'acquisto di una virtù – frutto di un principio superiore, la ragione, che muove a compiere atti, che si tramuteranno poi in abiti, sul fondamento della conoscenza immediata dei princìpi universali della morale – significa sempre per l'uomo un progresso nella sua interiore perfezione. È la virtù che fa l'uomo (vir): essere uomo, di conseguenza, significa essere virtuoso. La virtù morale, perfezione dell'uomo, diventa in certo qual modo il fine della vita umana" (Michelangelo Peláez, Etica, Professioni, Virtù, Milano, Ares, 1995, p. 11).
  3. Paulo Ferreira da Cunha e Ricardo Dip, Propedêutica Jurídica – Uma Perspectiva Jusnaturalista, Campinas, Millennium, 2001, p. 21.
  4. Veja-se a importância da boa fé para o desenvolvimento das relações jurídicas. "A boa fé traduz um estádio juscultural, manifesta uma Ciência do Direito e exprime um modo de decidir próprio de certa ordem sócio-jurídica" (António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, A Boa Fé no Direito Civil, 2ª reimpressão, Coimbra, Almedina, 2001, p. 18).
  5. A pena é o instrumento jurídico para combate ao crime. Não temos uma vacina contra o delito. Com esta, ter-se-ia um efeito perverso: destruir o livre-arbítrio? Mas, não "ideamos esta hipótesis por burla ni com ironía; al contrario, lo mismo que no osaríamos excluir un milagro de la ciencia, ni siquiera en esta materia, nos sonríe y sostiene la fe en un lento, pero seguro progreso de las fuerzas morales, que constituyen la más eficaz defensa contra el delito" (Francesco Carnelutti, Teoría General del Delito, Madrid, Revista de Derecho Privado, 1941, p. 1).
  6. Jacques Maritain, Os Direitos do Homem e a Lei Natural, 2ª ed., Rio de Janeiro, José Olympio, 1947, p. 12.
  7. Um desejo pode gerar um pecado ou uma violação moral, mas não constituirá crime enquanto não for exteriorizado em atos concretos que lesem ou ameacem de lesão um bem jurídico protegido por um tipo legal de delito.
  8. Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Novo Aurélio – Século XXI, 2ª impressão, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999, p. 2076.
  9. A destruição da vida humana – típica forma de violência que ofende o principal bem do homem – incidirá na tríplice ordem normativa: trata-se de conduta imoral, de crime e de pecado.
  10. Ricardo Yepes Stork, Fundamentos de Antropologia – Un ideal de la excelencia humana, 2ª ed. corrigida, Pamplona, Ediciones Universidad de Navarra, 1996, p. 306 e segs.
  11. Ricardo Yepes Stork, op. et loc. cit.
  12. Ricardo Yepes Stork, op. cit., p. 307.
  13. "Além do medo generalizado que provoca na sociedade, na qual não há hoje quem não tenha sido vítima – ou algum parente ou amigo próximo – de algum ato criminoso recentemente, a expansão da criminalidade também tem prejudicado o crescimento econômico do País. Segundo pesquisa realizada pela Câmara Americana de Comércio em 2001, a insegurança foi um dos fatores que mais desestimularam os investidores externos a aplicar seus recursos no País (...) Só no ano passado foram roubados 380 mil automóveis no Brasil, o equivalente a 21% da produção total da indústria automobilística no mesmo período (...) Embora disponha de belezas naturais, milhares de quilômetros de praias, a maior floresta tropical do mundo, dezenas de cidades históricas e grandes festas populares, o Brasil só recebeu 3 milhões de turistas, em 2001. É o mesmo número de pessoas que visitaram o Uruguai, um país pequeno e sem grandes atrações" (Jornal da Tarde, 26.02.2002).
  14. Ricardo Yepes Stork, op. cit. et loc. cit.
  15. Carta de São Paulo aos Romanos 7, 15-24.
  16. "Todos se preocupam quase unicamente com as revoluções, calamidades e ruínas temporais. Mas, se vemos as coisas à luz da fé, o que é tudo isso em comparação com a ruína das almas? Pode-se dizer com razão que tais são hoje as condições da vida social e econômica, que se torna muito difícil a uma grande multidão de homens ganharem o único necessário, a salvação eterna. Nós, a quem o Príncipe dos Pastores constitui Pastor e Guarda destas inumeráveis ovelhas, remidas com o seu sangue, não podemos contemplar a olhos enxutos o gravíssimo perigo que elas correm. Senão que, lembrados do nosso dever pastoral, com solicitude paterna, meditamos continuamente no modo de as ajudar, chamando em auxílio o zelo incansável dos que a isso estão obrigados por justiça ou caridade. Pois que aproveita aos homens poderem mais facilmente ganhar o mundo inteiro com uma distribuição e uso mais racional das riquezas, se com isso mesmo vêm a perder a alma? Que aproveita ensinar-lhes os princípios da boa economia, se com avareza sórdida e desenfreada se deixam arrebatar de tal maneira pelo amor dos próprios bens que, "ouvindo os mandamentos do Senhor, fazem tudo ao contrário"? (Papa Pio XI, Quadragesimo Anno, 4ª ed., São Paulo, Paulinas, 2001, p. 71).
  17. Georges Chevrot, O Sermão da Montanha, São Paulo, Quadrante, 1988, p. 47.
  18. Georges Chevrot, op. cit., p. 45.
  19. Arnaldo Jabor, Nas periferias, a 'pós-miséria' cria outro país, O Estado de São Paulo, São Paulo, 16 de abril de 2002, Caderno 2, p. D10.
  20. Ana Sánchez de la Nieta, A Moda entre a Ética e a Estética, Lisboa, Ediciones Palabra, 2000, p. 58.
  21. "O publicitário Marcello Serpa, da Almap/BBDO, decidiu derramar sensualidade e cerveja na nova ação da Antarctica. No clima do polêmico filme 9 e 1/2 Semanas de Amor, ele recorreu à música Stormy Weather, da americana Etta James, para reforçar o slogan "Com Antarctica é mais gostoso". A marca perdeu terreno nos últimos meses para a concorrente Kaiser, a das mulheres e atores globais, ficando na quarta posição do mercado liderado por Skol e seguido de Brahma, marcas da carteira da AmBev como a Antarctica. A nova campanha faz parte do orçamento da empresa em marketing previsto para este ano, de R$ 350 milhões. Hoje, a Antarctica, de acordo com a Ambev, tem uma participação de 15,6% em valor no mercado, apesar de ter 10,9% na fatia de consumo. Num segmento em que cada ponto porcentual vale R$ 80 milhões cada gotinha perdida conta e muito, mesmo que dê muito frescor à publicidade" (Banho de Cerveja, O Estado de São Paulo, São Paulo, 29 de março de 2002, p. B11).
  22. Hugo de Azevedo, Fé, Liberdade e Cultura, Lisboa, Rei dos Livros e Prumo, 1991, p. 62.
  23. Napoleão Saboia, França: cruzada contra filmes de sexo e violência, O Estado de São Paulo, São Paulo, 14 de março de 2002, p. A13).
  24. Mais de uma hora de TV ao dia pode provocar violência, O Estado de São Paulo, São Paulo, 29 de março de 2002, p. A9.
  25. Mapeamento estatístico da ONU. Nos desenhos animados, a Globo mostrou 259 crimes, o SBT 753 e a Cultura 65. As televisões são concessões públicas. A Cultura é oficial. Pagamos para incentivar a criminalidade.
  26. "A construção de cadeias deve continuar, mas é preciso ser acompanhada de investimentos nas áreas de educação, lazer, assistência social, policiamento preventivo, infra-estrutura urbana e outras, fundamentais para a transformação do meio onde vive a parcela da população de baixa renda" (Bandidos nas Ruas, editorial, O Estado de São Paulo, São Paulo, 26 de março de 2002, p. A3).
  27. Luis Sotomayor, Os Pais perante a Rádio e a Televisão, Lisboa, Rei dos Livros e Prumo, 1988, p. 80.
  28. "Um tapa aqui, outro empurrão ali. Esse tipo de violência doméstica entre o casal nem chega aos serviços de saúde, mas faz parte da vida de muitos norte-americanos. O consumo de bebidas alcoólicas marca presença nos momentos da agressão" (Luciana Miranda, Bebida provoca agressões. E mulher bate mais, O Estado de São Paulo, São Paulo, p. A11).
  29. "Nesse caldo cultural fermenta a experimentação precoce de álcool e de tabaco. A "teoria da escalada", tão bem escamoteada pelos pregoeiros do mal, promove o consumo de drogas que, num átimo, percorre o extremo das "leves" para as "pesadas". O resultado é a destruição daquele ser destinado à perfeição. Instala-se o drama individual e social" (Jaques de Camargo Penteado, Drogas: Breves Linhas sobre a Prevenção e o Tratamento, Revista dos Tribunais, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, vol. 781, p. 480).
  30. Carlos Fernandes Sandrin e Jaques de Camargo Penteado, Drogas – Imputabilidade e Dependência, São Paulo, Associação Paulista do Ministério Público, 1994, p. 1.
  31. "Nestes últimos tempos, aumentou a corrupção dos costumes de que é um dos mais graves índices uma desmesurada exaltação do sexo; ao mesmo tempo, pela difusão dos meios de comunicação social e dos espectáculos, ela tem vindo a invadir o campo da educação e a infectar a mentalidade geral. Se é verdade que, num tal contexto, tem havido educadores, pedagogos ou moralistas que puderam contribuir para fazer compreender e integrar na vida os valores próprios de um e outro sexos, outros, em contraposição, propuseram concepções e modos de comportamentos contrários às verdadeiras exigências morais do ser humano, indo mesmo até ao ponto de favorecer um hedonismo licencioso" (Declaração Sobre alguns pontos de ética sexual, Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, 29.12.1975, nº 1).
  32. Jaques de Camargo Penteado, Sociedade Vigiada, Notandum, Madrid/São Paulo, Mandruvá, 1998, v. 2, p. 57.
  33. "Muitas vezes a imprensa passa por cima desses direitos, para veicular o sensacionalismo que procura maiores índices de audiência. Quem se demorar a ouvir programas matutinos das rádios de qualquer de nossas cidades irá conviver com a mais chula propaganda da violência. São programas que se prendem às manifestações particulares do fenômeno da criminalidade e tratam apenas da esfera circunscrita ao crime praticado por pessoas pertencentes às camadas populares" (Hélio Bicudo, Imprensa e Justiça in Justiça Penal 4, coord. Jaques de Camargo Penteado, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997, p. 113).
  34. Francisco de Assis Toledo, Dez Anos de Reforma Penal in Justiça Penal 2, coord. Jaques de Camargo Penteado, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1994, p. 15.
  35. "Berço da vida e do amor, onde o homem ‘nasce’ e ‘cresce’, a família é a célula fundamental da sociedade. Deve reservar-se a essa comunidade uma solicitude privilegiada, sobretudo quando o egoísmo humano, as campanhas contra a natalidade, as políticas totalitárias, e também as situações de pobreza e de miséria física, cultural e moral, bem como a mentalidade hedonista e consumista conseguem extinguir as fontes da vida, e onde as ideologias e os diversos sistemas, aliados a formas de desinteresse e de falta de amor, atentam contra a função educativa própria da família" (João Paulo II, Vocação e Missão dos Leigos na Igreja e no Mundo, 7ª ed., São Paulo, Paulinas, 1990, p. 110).
  36. Jacques Leclercq, A Família, São Paulo, Quadrante/USP, p. 9.
  37. Declaração Universal dos Direitos do Homem, 10.12.1948, art. XVI. A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem dispõe que a família é fundamental à sociedade (art. VI). O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos menciona que á família é núcleo natural e fundamental da sociedade (art. 23). No mesmo sentido o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (art. 10). De igual teor o Pacto de São José (art. 17).
  38. A Constituição de Portugal cuida da família no título dos "Direitos, Liberdades e Garantias", classifica-a como fundamental à sociedade que a deve proteger e ensejar a realização pessoal dos seus membros e as leis infra-constitucionais protegem a "família monogâmica baseada no casamento como fundamento ético-social da vida em sociedade" (art. 67). A Constituição italiana reconhece a família como sociedade natural fundada no matrimônio (art. 29). A Constituição da Espanha determina que os poderes públicos assegurem a proteção social, econômica e jurídica da família (art. 39).
  39. E. Magalhães Noronha, Direito Penal, 4ª ed., São Paulo, Saraiva, 1969, v. 3, p. 290.
  40. Jaques de Camargo Penteado, A Família e a Justiça Penal, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1998.
  41. "Para los defensores del matrimonio opcional, la creación de un vínculo indisolubre electivo sería una fuente de incentivos para que cada persona pondere con atención su decisión inicial de contraer matrimonio. Además, sería un estímulo para que cada contrayente realice el máximo esfuerzo para lograr que su matrimonio funcione" (Rafael Navarro-Valls, Matrimonios blindados, Aceprensa, Madrid, Adosa, 1997, v. 32, p. 2).
  42. Michelangelo Peláez, Etica – professioni – virtu, Milano, Ares, 1995, p. 76.
  43. A Lei 11.106/2005 revogou o art. 240, do Código Penal Brasileiro, que punia o adultério.
  44. Entidade indica tudo que "existe, real ou efetivamente, ou mesmo por idéia ou ficção legal" (De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, 12ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1996, v. 2, p. 174).
  45. Jaques de Camargo Penteado, op. cit., p. 110.
  46. Jaques de Camargo Penteado, A Família e a Justiça Penal in A Família na Travessia do Milênio, coord. Rodrigo da Cunha Pereira, Belo Horizonte, Del Rey, 2000, p. 353.
  47. Jaques de Camargo Penteado, Acusação, Defesa e Julgamento, Campinas, Millennium, 2001, p. 325.
  48. Josep Pieper, Las Virtudes Fundamentales, 3ª ed., Madrid, Rialp, 1990, p. 256.
  49. Jaques de Camargo Penteado, Drogas: Breves Linhas sobre a Prevenção e o Tratamento, Revista dos Tribunais, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, v. 781, p. 479.
  50. Viktor E. Frankl, Sede de Sentido, São Paulo, Quadrante, 1989, p. 12.
  51. O vocábulo "separação" vem do latim, separatione, significando a disjunção (do que estava junto ou ligado), desunir, apartar, isolar. O termo distinguir também procede do latim, distinguere, implicando a ação de diferençar, discriminar, discernir, caracterizar, determinar, especificar (Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Novo Aurélio – Século XXI, 3ª ed., 2ª impressão, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999, p. 1839 e 695).
  52. Fustel de Coulanges, A Cidade Antiga, São Paulo, Martins Fontes, 1995, p. 369.
  53. Fustel de Coulanges, op. cit., p. 393.
  54. Marcos 12, 16-17.
  55. Fustel de Coulanges, op. cit., p. 396.
  56. Juan Luis Lorda, Moral: A Arte de Viver, São Paulo, Quadrante, 2001, p. 22.
  57. Carlos José Mosso, Derecho, Moral y Vida, Buenos Aires, Cruzamente, 1997, p. 102.
  58. Jaques de Camargo Penteado, Tempo da Prisão: Breves Apontamentos, Revista da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, São Bernardo do Campo, 2002, vol. 8, Ano 6, p. 231.
  59. "Quando os meios de comunicação consideram o ser humano estúpido demais para poderem servir-lhe alguma coisa de substancial, estão a caminho de estupidificá-lo. Aliás, esta é a melhor maneira de fazer do homem um ser estúpido: não tomá-lo a sério, sub-estimá-lo" (Viktor E. Frankl, op. cit., p. 16).
  60. Carlos José Mosso, op. cit., p. 100.
  61. "Perante o progresso de uma cultura que aparece divorciada não só da fé cristã mas até dos próprios valores humanos, bem como perante uma certa cultura científica e tecnológica incapaz de dar resposta à premente procura de verdade e de bem que arde no coração dos homens, a Igreja tem plena consciência da urgência pastoral de se dar à cultura uma atenção especial" (João Paulo II, op. cit., p. 123).
  62. Ricardo Yepes Stork, op. cit., p. 314.
  63. "A dignidade pessoal é o bem mais precioso que o homem tem, graças ao qual ele transcende em valor todo o mundo material. A palavra de Jesus: ‘Que serve ao homem ganhar o mundo inteiro, se depois perde a sua alma?’ (Mc 8,36) implica uma afirmação antropológica luminosa e estimulante: o homem vale não por aquilo que ‘tem’ – mesmo que ele possuísse o mundo inteiro – , mas por aquilo que ‘é’. Não são tanto os bens do mundo que contam, mas o bem da pessoa, o bem que é a própria pessoa" (João Paulo II, op. cit., p. 99).
  64. Catecismo da Igreja Católica, nºs 1905 a 1912.
  65. Luiz Jean Lauand, Ética e Antropologia, São Paulo, Mandruvá, 1997, p. 9.
  66. Ricardo Dip, A Função Axiológica do Direito Penal in Crime e Castigo, Ricardo Dip e Volney Corrêa Leite de Moraes Jr., Campinas, Millennium, 2002, p. 218.
  67. Georges Chevrot, op. cit., p. 29.
  68. Jacques Maritain, op. et loc. cit.

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PENTEADO, Jaques de Camargo. Vida, segurança e felicidade. Visão crítica da violência na sociedade moderna. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2838, 9 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18872. Acesso em: 18 abr. 2024.