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A teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova adotada no novo Código de Processo Civil.

O modelo pautado na Justiça Processual

A teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova adotada no novo Código de Processo Civil. O modelo pautado na Justiça Processual

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A proximidade de vigência do novo CPC impõe uma mudança de olhares para o papel do processo, da ação e da jurisdição, que acabam por repercutir no realinhamento legal do modelo de distribuição de ônus da prova.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Direito Fundamental de Acesso à Justiça. 3. Fundamentos do Novo Código de Processo Civil: uma visão panorâmica. 4. Adaptação do Procedimento às Particularidades da Causa: o compromisso do processo civil brasileiro com a justiça processual. 5. Distribuição do Ônus da Prova: características gerais. 5.1. O Modelo Clássico Adotado no Código de Processo Civil de 1973; 5.2. A Distribuição do Ônus da Prova e o Novo Código de Processo Civil. 6. Conclusão. 7. Referências Bibliográficas


1. INTRODUÇÃO

Há algum tempo a doutrina tem defendido que o diploma processual civil deve ser visto como uma ferramenta importante em favor da realização de direitos fundamentais, materiais e processuais civis. Esta é a perspectiva do Estado constitucional moderno, que exige a leitura do direito fundamental de acesso à justiça, como direito a um processo justo, caracterizado pela materialização de uma tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva de direitos.

A partir do movimento de constitucionalização do processo civil, a ciência processual passou a girar em torno da necessidade/concepção de se assegurar resultados práticos para o jurisdicionado possuidor do direito material. A título de exemplo, cita-se o esforço legislativo desenvolvido por meio do Código de Processo Civil de 1973 para garantir o direito à tutela específica. [01] Hoje se reconhece que o fim do processo é a proteção efetiva dos direitos materiais postos em juízo. [02]

Essa leitura passou a ser desenvolvida por força de todo um estudo do processo pautado na justiça e nos próprios direitos fundamentais processuais, que influenciam sobremaneira o direito processual contemporâneo. Aos poucos os princípios processuais foram sendo inseridos nas Leis Fundamentais, como foi o caso da Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988, que expressamente estabeleceu, dentre eles, o acesso à justiça (art. 5º, XXXV), o devido processo legal (art. 5º, LIV), a ampla defesa (art. 5º, LV), o contraditório (art. 5º, LV) e a duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII).

O Projeto de Lei nº 8.046/2010, que trata do novo Código de Processo Civil Brasileiro, aprovado pelo Senado Federal no dia 15.12.2010, e que provavelmente nos próximos meses obterá sua aprovação na Câmara dos Deputados, prestigiou os princípios constitucionais do processo e toda a construção contemporânea do direito processual, tendo como meta realizar a justiça no plano concreto. Questões até então ausentes, a exemplo da distribuição dinâmica do ônus da prova, da admissibilidade de provas ilícitas [03] em ocasiões excepcionais, dentre outras, não deixaram de ser enfrentadas, evidenciando a preocupação que a ciência processual brasileira adquiriu ao longo do Estado constitucional brasileiro com a realização da justiça processual.

Por meio da leitura do §1º, da exposição de motivos do Projeto de Lei nº 8.046/2010, pode-se concluir que essa linha de raciocínio pautada na constitucionalização do processo norteou decisivamente os trabalhos da comissão de juristas encarrega de sua elaboração [04].

A doutrina se ressente de estudos voltados para o tema da distribuição dinâmica do ônus da prova, especialmente sob o viés desenvolvido no Projeto de Lei objeto deste estudo. Além do mais, a proximidade de vigência desse novo diploma processual civil, firmado mediante o compromisso com o acesso substancial à justiça, e demais valores de assento constitucional, impõe uma mudança de olhares para o papel do processo (função social, política e jurídica), da ação e da jurisdição, que acabam por repercutir no realinhamento legal do modelo de distribuição de ônus da prova. [05]

Nesta pesquisa pretende-se empregar maior atenção à distribuição do ônus da prova, enquanto técnica consentânea com a paridade de armas, sob um formato realmente substancial, que leva em conta as particularidades da causa, de maneira a garantir que a prestação jurisdicional seja pautada em um processo/procedimento justo, com arrimo no nosso modelo de Estado constitucional.


2. DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO À JUSTIÇA

Seguindo as pegadas da jurisdição constitucional contemporânea, o direito processual civil passou a prestigiar a concretização dos direitos discutidos em juízo, independentemente de estarem previstos expressamente na Lex Matter. O processo, outrora identificado com o plano substancial, passou a ser considerado ciência autônoma, bem como instrumento do Estado para a administração da justiça. Esta é a fase denominada "instrumentalidade". [06]

Essa nova sistemática processual, filiada às expectativas sociais do mundo contemporâneo, fez com que o processo civil brasileiro deixasse a sua postura indiferente de lado, e passasse a se comprometer com o resultado da demanda. Vários conceitos insculpidos na época da autonomia entre o direito processual e o direito material foram revistos, relativizados, enquanto outros foram resgatados ou criados, tudo em homenagem ao "novo enfoque de acesso à justiça". [07]

O acesso à justiça não pode ser concebido como uma garantia simplesmente formal, indiferente às dificuldades/barreiras encontradas pelos jurisdicionados durante a marcha processual. O acesso à justiça deve ser garantido em sua substância, de maneira efetiva, enquanto sinônimo de acesso à ordem jurídica justa. Busca-se assegurar a todos os jurisdicionados que se encontrem em situação jurídica de vantagem a tutela jurisdicional adequada e apta a espelhar a justiça no caso em concreto. Doutrinadores chegam a afirmar que o acesso à justiça é uma expressão do princípio do devido processo legal. [08]

O direito fundamental de acesso à justiça passa a ser considerado como um ônus do Estado decorrente da proibição da autotutela, bem como da filosofia axiológica imposta pelo Estado Democrático de Direito. [09] O princípio constitucional da jurisdição efetiva exige a concretização do direito material posto em litígio, ou seja, que o litigante vitorioso em uma demanda judicial possa usufruir, oportunamente, e de forma eficaz, o bem da vida do processo. Diferente pensar levar-nos-ia a aceitar que a Constituição Federal apenas acolheria o simples acesso formal ao Judiciário, sem qualquer comprometimento com o resultado prático da causa.

Por estas razões, há quem entenda que "a cláusula do devido processo legal" se refere a um processo efetivo, garantidor do direito à tutela jurisdicional efetiva, em sentido estrito. Isto é, toda a prestação jurisdicional deve ser pautada pela preocupação fundamental em proporcionar uma solução prática e efetiva para os litígios, atendendo aos anseios do jurisdicionado. [10]

Nessa mesma linha de raciocínio, a doutrina mais avisada tem defendido que o inciso XXXV, do art. 5º, da Constituição Federal, que estabelece o princípio do acesso à justiça, garante a todos o direito a uma prestação jurisdicional efetiva. O jurisdicionado teria direito não só a uma sentença judicial, mas também a todos os meios que possibilitem a real fruição do bem da vida perseguido. [11]

A própria exposição de motivos do Código de Processo Civil de 1973 demonstra a preocupação dos doutrinadores e legisladores com o tempo de duração do processo e com a realização da justiça, por intermédio da disponibilização processual de meios aptos a fornecer um acesso efetivo à justiça. [12] Contudo, como é do conhecimento da comunidade jurídica, o diploma processual civil brasileiro vigente já não mais consegue atender aos seus objetivos.

O processo passou a ser visto como um instrumento a serviço da justiça, com a finalidade precípua de fornecer à parte detentora do direito material em litígio o pleno exercício do seu direito de ação. A prestação jurisdicional adquiriu a função de proporcionar à parte o resultado equivalente ao que obteria caso o bem da vida lhe fosse entregue espontaneamente pelo adversário. A partir dessa ideologia ético-jurídica, tornou-se necessário que o processo fosse estruturado/municiado por procedimentos capazes de fornecer uma tutela jurisdicional em sua plenitude, independentemente da espécie de direito material posto em juízo. [13]

Entende-se que o Estado falha quando não proporciona a tutela efetiva ao jurisdicionado, independente de ter propiciado um julgamento tecnicamente muito bom. O que importa é a efetividade prática do julgado, que é o verdadeiro desideratum do acesso à justiça. [14] O direito a uma tutela efetiva não pode deixar de ser pensado como fundamental, mormente em face da própria proibição da autotutela, bem como porque constitui o direito de fazer valer os próprios direitos, razão pela qual tem sido proclamado como o mais importante dos direitos. [15]

Sensível à importância da efetividade da tutela para o Estado Democrático de Direito, o Legislador pátrio, por meio da Emenda Constitucional nº 45, incluiu o inciso LXXVIII, no art. 5º, da Constituição Federal: "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação". Isso porque se reconhece que o acesso à justiça e, por via de conseqüência, a prestação jurisdicional, exige que a resposta jurisdicional seja dada em tempo justo, sem que sua duração (tempo do processo) se assemelhe à denegação de justiça.

Sobre o direito fundamental de acesso à justiça, merece referência a abordagem de Pérez [16], segundo o qual:

El derecho a la tutela jurisdiccional despliega sus efectos en tres momentos distintos: primero, en el acceso a la Justicia; segundo, una vez en ella, que sea posible la defensa y obtener solución en un plazo razonable, y tercero, una vez dictada sentencia, la plena efectividad de sus pronunciamientos. Acceso a la jurisdicción, proceso debido y eficacia de la sentencia.

É oportuno salientar que a exigência de um processo sem dilações indevidas, isto é, de uma resposta do Estado para a solução dos conflitos em tempo adequado, não significa justiça acelerada. Deve-se agir com moderação, tendo em mira que a aceleração da prestação jurisdicional que se traduza em diminuição de garantias processuais e materiais, como do devido processo legal e da ampla defesa, pode gerar uma "justiça" pronta, mas materialmente "injusta", enquanto que, de outro lado, como bem diz Canotilho [17], "(...) a justiça tardia equivale a uma denegação da justiça".

Essa reflexão é de grande importância, vez que, em várias situações, a busca pela duração razoável do processo contende com outros direitos processuais fundamentais. Desse modo, enfatiza-se que razões de economia processual não podem servir como fundamento para restrição aleatória de garantias processuais, pelo menos tendo como prisma o nosso modelo constitucional de processo. Sobre esse ponto, preleciona Duarte [18]:

Sempre que for impossível se compatibilizar uma prestação jurisdicional célere e a aptidão do processo para o alcance de resultados justos (o que só é possível se forem observados aqueles direitos processuais fundamentais), tem-se que se deve preferir uma injustiça temporal da solução (pela excessiva duração), à respectiva injustiça material.

Diante dessa sistemática instrumental, adequada à concepção de supremacia do texto constitucional e, conseqüentemente, à necessidade de concretização de suas normas, corroborada pela percepção da importância do direito material para o direito processual, depreende-se que o tempo do processo deve ser utilizado de forma racional, de modo a distribuir os ônus do tempo da demanda equanimente entre as partes, nos limites do razoável, sem se esquecer das necessidades inerentes à sobrevivência do próprio direito postulado, sob pena de violar o direito fundamental de acesso à justiça. De outro ponto, os princípios da ampla defesa e do contraditório devem ser garantidos, devendo guardar estreita relação de afinidade com o princípio do acesso à justiça, não permitindo que, em nome daqueles, partes possam exercer o seu direito de defesa além dos limites impostos pela Constituição Federal, salvaguardando assim a utilidade do próprio objeto litigioso do processo [19].


3. FUNDAMENTOS DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: UMA VISÃO PANORÂMICA

Compulsando a doutrina contemporânea do direito processual, infere-se que o movimento de constitucionalização do processo civil, que direcionou o olhar do processualista nos dias de hoje para a realidade do direito material, sob a perspectiva de se realizar justiça no plano concreto, passou a ser representado por vários termos, dentre os quais, como bem lembra Duarte [20], destacam-se o direito de "Acesso à Justiça", ao "processo equitativo", ao "devido processo legal"; e, no cenário internacional, "debido proceso", "due process of law", "giusto processo"e"faires verfahren". Todas essas expressões aludem a uma mesma situação substancial: o direito do jurisdicionado a uma "justiça processual".

A duração razoável do processo, princípio constitucional expressamente previsto por meio da emenda constitucional n. 45/2004, que inseriu o inciso LXXVIII, no art. 5º, mas que antes mesmo vinha sendo reconhecido como princípio constitucional, só que por meio de uma leitura extensiva do inciso XXXV, do art. 5º, que trata especificamente do acesso à justiça, tem despertado a algumas décadas dos processualistas uma reflexão toda especial em torno de uma necessária adaptação dos procedimentos judiciais a essa nova percepção da realidade jurisdicional: não há processo justo quando a tutela jurídica não é entregue em tempo adequado.

A morosidade da prestação jurisdicional tornou-se um dos temas mais importantes do processo civil contemporâneo. Em um primeiro momento, seja no cenário internacional ou nacional, investiu-se nas formas alternativas de solução de conflitos, a exemplo da arbitragem, mediação e autocomposição, sendo estas duas últimas, registre-se, por demais prestigiadas no Projeto de Lei nº 8.046/2010, que trata do novo Código de Processo Civil Brasileiro. [21]

Mas a idéia de se adaptar os procedimentos judiciais visando-se alcançar uma prestação jurisdicional justa, inclusive sob o aspecto temporal, passou também a tomar lugar de destaque nos debates doutrinários. Corrente doutrinária tem defendido inclusive a possibilidade de o magistrado ajustar procedimentos judiciais, quando as particularidades da causa assim exigir, levando-se em conta o direito do jurisdicionado de ter um procedimento adequado às suas necessidades de cunho material. [22]

Contudo, uma preocupação salta aos olhos de parte significativa da doutrina. De um lado, oferecer um procedimento extremamente célere, atento à necessária distribuição do ônus com a duração do processo entre as partes; mas, de outro, oferecer um procedimento injusto, materialmente falando, inapto a permitir, a todos os jurisdicionados, a fruição das garantias constitucionais do processo. A tensão girava essencialmente em torno da preservação de um julgador imparcial e do contraditório. [23]

Isso porque as necessidades conjunturais de determinado momento histórico (a exemplo do grande fluxo de demandas, do número limitado de juízes e dos altos custos do aparelho judiciário) podem proporcionar o redimensionamento de determinados direitos processuais fundamentais, de modo a ocasionar a sua supervalorização, como tem sido notado no caso do direito à duração razoável do processo. Em alguns casos essa preocupação do legislador com a celeridade processual chega a ponto de determinar a compressão da garantia de participação do jurisdicionado, de contraditório. [24]

Em resposta, a doutrina processual mais moderna justifica a legitimidade da relação juiz versus legislador, sob o prisma da "efetividade da participação em contraditório na formação da decisão judicial". Ou seja, tendo em vista que o poder judicial é exercido por meio do procedimento, sendo este garantidor da efetiva e igualitária participação das partes, estaria sendo indubitavelmente legítima ou democrática a atividade jurisdicional. Ter-se-ia, por meio desse entendimento, uma mudança do discurso legitimador da jurisdição, que estaria afirmado na prevalência dos direitos fundamentais do processo sobre o texto de lei. [25]

Aduzindo, por conta dessa relação com os direitos fundamentais processuais, torna-se necessária, em caso de conflitos entre princípios, como no caso de choque entre a duração razoável do processo e o contraditório, que sejam utilizados todos os mecanismos disponíveis na hermenêutica constitucional, inclusive fazendo uso do critério/princípio da proporcionalidade. Todavia, não se pode perder de vista que, em tese, havendo colisão entre o direito de acesso à justiça (ou o contraditório) e o direito à duração razoável do processo, o primeiro deve em tese prevalecer, já que dele depende inegavelmente a justiça material e a própria legitimidade da prestação jurisdicional do Estado.

Ao passo em que se deve compreender o processo civil, e a própria interpretação do diploma processual, a partir dos direitos fundamentais, tem-se também igualmente a compreensão de que as normas processuais devem ser interpretadas conforme os valores e os princípios constitucionais. E esse foi o ponto de partida do Projeto de Lei nº 8.046/2010: associar/vincular o Código de Processo Civil à idéia de Estado Democrático de Direito e ao modelo constitucional do processo civil. De forma inovadora, inseriram-se princípios constitucionais do processo no próprio diploma processual, deixando clara sua feição de desdobramento da Constituição, conforme se infere da leitura dos primeiros artigos do referido projeto. [26]


4. ADAPTAÇÃO DO PROCEDIMENTO ÀS PARTICULARIDADES DA CAUSA: O COMPROMISSO DO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO COM A JUSTIÇA PROCESSUAL

Como dito, a leitura contemporânea do princípio do acesso à justiça exige uma compreensão não apenas formal, mas especialmente substancial desta garantia. Entende-se que o direito de acesso à justiça contempla o direito à tutela jurídica efetiva, do ponto de vista temporal e material. Relaciona-se o acesso à justiça ao direito ao procedimento adequado às particularidades da causa (às necessidades de plano material), desde que sejam asseguradas as garantias processuais, destacadamente o contraditório (ou participação). Entende-se a trilogia do direito processual (ação, jurisdição e processo) sob o slogan da justiça processual.

Atualmente, consoante doutrina majoritária, não se permite a adaptação do procedimento às necessidades da causa, salvo quando o próprio legislador, por meio de técnica processual aberta, como é o caso da antecipação da tutela, prevista no art. 273, do Código de Processo Civil de 1973, autoriza tal medida, sempre se levando em consideração a necessidade de municiar o sistema processual de remédios eficazes para enfrentar as enfermidades das relações sociais da vida moderna, caracterizas por sua pluralidade e dinamismo. [27]

Entretanto, cônscio na impossibilidade de o legislador antever todas as particularidades das relações de direito material e processual, o Projeto de Lei nº 8.046/2010 consagra a possibilidade de o magistrado adaptar concretamente o procedimento às necessidades da causa, conforme:

Art. 107. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:

(...)

V – adequar as fases e os atos processuais às especificações do conflito, de modo a conferir maior efetividade à tutela do bem jurídico, respeitando sempre o contraditório e a ampla defesa;

Ou seja, por meio da previsão legal sobredita, o juiz terá o poder-dever de adequar as fases e os atos processuais às especificações do conflito, visando sempre a efetividade da tutela jurídica, desde que sejam garantidos o princípio do contraditório e da ampla defesa. Essa previsão legal importará em um olhar diferente do juiz para a causa. O magistrado terá o dever de perquirir a respeito das particularidades da causa, inclusive com relação ao equilíbrio da relação processual, aos aspectos relacionados à produção de prova, dentre outros.

A possibilidade de adaptação do procedimento por parte do juízo deverá levar em consideração uma leitura da causa sob a ótica dos princípios processuais fundamentais, que exigem um procedimento pautado nas características e necessidades da causa. Todavia, frise-se de passagem, apenas em situações excepcionais, em que a justiça processual reste comprometida com a manutenção do procedimento previsto em lei, é que o juiz estará autorizado a realizar a adaptação do procedimento.

O legislador não outorgará ao juiz a possibilidade de criar livremente seus próprios procedimentos. Muito pelo contrário, o procedimento continuará sendo questão de ordem pública. O que mudará é que, malgrado seja questão de ordem pública, o procedimento deverá ser adaptado às necessidades da causa, por força da garantia de acesso efetivo à justiça, de uma justiça processual.

Para que o juiz tenha o poder-dever de adaptar o procedimento, conforme a proclamação infraconstitucional, de sintonia constitucional, deverá tal providência pretender conferir maior efetividade à tutela do bem jurídico, respeitando sempre o contraditório e a ampla defesa. Pretende-se com isso extrair todas as potencialidades do procedimento para a justa solução da causa. Essa norma processual aberta tem a virtude de permitir que o procedimento se adapte às peculiaridades do direito material. Primeiro olha-se para a tutela do direito material, somente depois se analisa as técnicas processuais necessárias para a sua proteção. [28]

Ainda sobre essa linha de raciocínio, dois dispositivos do Projeto de Lei nº 8.046/2010 se destacam:

Art. 5º. As partes têm direito de participar ativamente do processo, cooperando entre si e com o juiz e fornecendo-lhe subsídios para que profira decisões, realize atos executivos ou determine a prática de medidas de urgência.

Art. 7º. É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz velar pelo efetivo contraditório em casos de hipossuficiência técnica.

Diante da leitura desses dois dispositivos previstos no projeto, conclui-se que não haverá mais espaços para uma condução indiferente por parte do juiz. A imparcialidade não poderá mais ser utilizada como justificativa para uma neutralidade do magistrado em face das particularidades das partes e da própria causa. Os poderes assistencialistas necessariamente serão encorpados e os magistrados passarão a ter o dever de exercê-los, levando-se em consideração as necessidades da demanda.

Por conta disso, infere-se que o direito fundamental de acesso à justiça, como já vinha sendo defendido por parte da doutrina, a partir da vigência do Novo Código de Processo Civil, representará um acesso formal e material, isto é, terá um cunho de justiça processual, com arrimo no nosso modelo constitucional de processo civil. Nessa argúcia, a possibilidade de adaptação dos procedimentos restará assegurada desde que sejam atendidos os fins constitucionais do processo, especialmente no tocante às garantias processuais.


5. DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA: CARACTERÍSTICAS GERAIS

Em princípio, o ônus da prova é do autor, vez que caberá a ele a responsabilidade de provar os fatos alegados na petição inicial. Quanto ao réu, este pode se limitar a negar a verdade dos fatos afirmados pelo autor, tendo em vista que o ônus da prova pertence àquele que alega os fatos, e não àquele que os negam (probatio incumbit ei qui dicit non ei qui negat). [29]

Denomina-se ônus da prova a conduta processual exigida da parte para que o juiz admita a verdade dos fatos alegados por ela. Decorre do risco que o litigante corre de não conseguir provar os fatos articulados por ele e, portanto, não demonstrar a existência do direito material disputado em juízo. [30]

Consoante Carnelutti, ônus não se confunde com obrigação, porque esta se caracteriza por impor a quem não realiza um determinado ato uma sanção jurídica (execução ou pena), enquanto o ônus gera apenas a perda dos efeitos úteis do próprio ato. [31] O ônus da prova serve para definir a parte da relação processual que deverá responder pela ausência de prova dos fatos necessários ao conhecimento da verdade. São regras de julgamento que somente incidem nas hipóteses em que as partes não conseguem provar os fatos (ou pelo menos convencer o magistrado acerca da existência deles), sendo assim de aplicação subsidiária. [32]

O ônus da prova se relaciona ao risco de um resultado desfavorável que a parte se sujeita, caso não produza a prova do fato aduzido. Nessa argúcia, "o descumprimento desse ônus não implica, necessariamente, um resultado desfavorável, mas o aumento do risco de um julgamento contrário". Isso porque o ônus da prova não se vincula a um resultado favorável, mas sim ao fato da produção da prova proporcionar uma maior probabilidade de convencimento do magistrado a respeito dos fatos articulados. [33]

Havendo prova dos fatos alegados, não será nem mesmo relevante apurar qual das partes a produziu. [34] O que importa é que a verdade dos fatos restou demonstrada nos autos, possibilitando assim o magistrado julgar a demanda sem aplicar a regra de julgamento de ônus da prova.

Consoante a doutrina, o ônus da prova classifica-se em ônus subjetivo ou formal e ônus objetivo ou material.

O primeiro é uma regra de conduta ordinariamente dirigida às partes, as quais tomam conhecimento acerca da incumbência de produzi-la, a exemplo do que acontece com o autor de uma demanda ao saber que a ele cabe o ônus de provar o fato constitutivo. Ocorre que nem sempre a verdade dos fatos aparece nos autos, ou, quando aparece, as partes não conseguem convencer o magistrado a respeito da existência dela. [35]

Nessa hipótese, em que não há prova dos fatos, como o magistrado não pode se esquivar de julgar, já que é vedado o non liquet, surge aí o ônus da prova objetivo ou material, que é uma regra de julgamento dirigida ao juiz, destinada a indicar como o magistrado deve julgar o caso, já que as partes não provaram os fatos narrados. [36]

Superada a caracterização da distribuição do ônus da prova, ocasião em que se definiu se tratar de regra de julgamento, bem como que sua aplicação é subsidiária, apenas na hipótese das partes não conseguirem provar os fatos, ocasião que o juiz se depara com uma situação de perplexidade sobre a causa (dúvida), chega-se ao momento de abordar sobre os dois modelos de distribuição (estática e dinâmica).

5.1. O Modelo Clássico Adotado no Código de Processo Civil de 1973

Após terem sido abordados os principais aspectos pertinentes à distribuição do ônus da prova, passa-se a tratar do Sistema Legal do Ônus da Prova, previsto no Código de Processo Civil de 1973.

O art. 333, aplicando o princípio dispositivo, reparte o ônus da prova entre os litigantes da seguinte forma. Ao autor, atribui-se o ônus de provar o fato constitutivo do seu direito. Ao réu, atribui-se o ônus de provar o fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

Se o réu contesta negando tão somente o fato em que se baseia a pretensão autoral, o ônus probatório recai sobre este. Nessa hipótese, mesmo sem qualquer iniciativa probatória, o réu ganhará a causa, se o autor não demonstrar a veracidade dos fatos constitutivos do seu direito _ Actore non probante absolvitur reus. De outra banda, quando o réu apresenta resposta pautada em defesa indireta, argüindo fato capaz de alterar ou eliminar as conseqüências jurídicas do fato invocado pelo autor na petição inicial, a regra inverte-se, já que, ao se arrimar em fato modificativo, extintivo ou impeditivo do direito autoral, o réu implicitamente admite como verídico o fato narrado pelo autor na petição inicial. [37]

Nesse toar, o sistema processual brasileiro, ao definir que a cada parte cabe provar o que alegou, ou contra provar a matéria alegada e provada pelo seu adversário, adotou uma concepção estática do ônus da prova. Isto é, a distribuição do ônus da prova, segundo o Código de Processo Civil de 1973, define-se abstrativamente, levando-se em conta apenas as hipóteses legais, sem sofrer qualquer tipo de influência ou interferência da situação em concreto posta em juízo. [38]

Constata-se, portanto, que o Código de Processo Civil vigente não compreendeu o ônus da prova de modo que as particularidades da causa pudessem, em determinadas hipóteses, alterar a regra comum de distribuição de ônus da prova. Adotando-se a Teoria Clássica (Estática) de distribuição do ônus da prova, as particularidades da causa foram ignoradas, demonstrando assim uma total desarmonia com o modelo constitucional do direito processual civil, pautado na concepção substancial do direito fundamental de acesso à justiça _ justiça processual, que exige uma leitura do processo, de seus procedimentos e de suas técnicas, consoante as particularidades da causa.

5.2. A Distribuição do Ônus da Prova e o Novo Código de Processo Civil

Como dito, a Teoria Clássica da distribuição do ônus da prova, adotada pelo Código de Processo Civil de 1973, ao ignorar as particularidades da causa, não se encaixa no modelo constitucional brasileiro do processo civil, comprometido com a justiça processual. Por conta dessa premissa, tem-se destacado e ganhado espaço na doutrina nacional a Teoria da Distribuição Dinâmica do Ônus da Prova, que toma por filho um modelo de distribuição pautado na dinâmica da própria relação jurídica processual em análise, podendo-se a ela se adequar/ajustar, com o fito de melhor atender às especificidades da causa em apreço.

Consoante a Teoria da Distribuição Dinâmica do Ônus da Prova, o ônus da prova não decorre de uma definição em abstrato do legislador. O ônus deve ser desempenhado pela parte que, conforme as particularidades do caso em concreto, possui as melhores condições de provar os fatos, de trazer aos autos a verdade sobre os fatos narrados. Por meio dessa teoria, a análise a respeito de quem tem o ônus de produzir a prova fica a cargo do magistrado, enquanto gestor da prestação jurisdicional. [39]

Sobre o tema, merece reflexão passagem de Theodoro [40]:

Fala-se em distribuição dinâmica do ônus probatório, por meio da qual seria, no caso concreto, conforme a evolução do processo, atribuído pelo juiz o encargo de prova à parte que detivesse conhecimentos técnicos ou informações específicas sobre os fatos discutidos na causa, ou, simplesmente, tivesse maior facilidade na sua demonstração. É necessário, todavia, que os elementos já disponíveis no processo tornem verossímil a versão afirmada por um dos contendores e defina também a nova responsabilidade pela respectiva produção.

Não se pretende por meio da Teoria Dinâmica do ônus da prova revogar o sistema do direito positivo, mas sim complementá-lo, ou melhor, adaptá-lo aos princípios informadores do ideal de justiça processual proclamados no nosso texto constitucional, que persegue incessantemente a verdade real. [41]

Entende-se como sendo essa teoria a mais acertada, tendo-se como norte o sistema processual civil contemporâneo, que se direciona para a perspectiva de que "a prova incumbe a quem tem melhores condições de produzi-la, à luz das circunstâncias do caso concreto. Em outras palavras: prova quem pode". [42]

A doutrina cita como exemplo de aplicação da Teoria Dinâmica do Ônus da Prova a hipótese de inversão do ônus da prova, prevista no inciso VIII, do art. 6º, do Código de Defesa do Consumidor, adstrita às hipóteses de relação de consumo. Por conta desse preceito legal, o magistrado tem o poder de redistribuir o ônus probandi, invertendo-o, quando presentes no caso em concreto os requisitos autorizadores (verossimilhança e hipossuficiência) da medida paritária. [43]

Essa linha de entendimento se afina ao que já fora tratado nessa pesquisa quando se abordou os princípios do acesso à justiça e do contraditório, redimensionados sob a ótica do nosso modelo de Estado constitucional, comprometido com a realização da justiça no plano concreto. O modelo pautado na perseguição por uma tutela adequada, idealizador de um processo (procedimento e técnicas) justo, exige uma preocupação toda especial com a paridade de armas no processo. E esse é o caso do modelo do direito processual civil brasileiro.

Aderindo aos reclamos da doutrina favorável à dinâmica da distribuição do ônus da prova, o Projeto de Lei nº 8.046/2010, que trata do novo Código de Processo Civil Brasileiro, trouxe essa já defendida possibilidade de dinamização do ônus da prova, conforme:

Art. 261. O ônus da prova, ressalvados os poderes do juiz, incumbe:

I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

Art. 262. Considerando as circunstâncias da causa e as peculiaridades do fato a ser provado, o juiz poderá, em decisão fundamentada, observado o contraditório, distribuir de modo diverso o ônus da prova, impondo-o à parte que estiver em melhores condições de produzi-la.

§1º. Sempre que o juiz distribuir o ônus da prova de modo diverso do disposto no art. 261, deverá dar à parte oportunidade para o desempenho adequado do ônus que lhe foi atribuído.

§2º. A inversão do ônus da prova, determinada expressamente por decisão judicial, não implica alteração das regras referentes aos encargos da respectiva produção.

Compulsando os preceitos sobreditos, depreende-se que o magistrado terá o poder de dinamizar o ônus da prova, determinando a sua inversão, quando presentes os requisitos autorizadores da medida/técnica de proteção. A inversão beneficiará a parte que não tem as melhores condições de produção da prova dos fatos. A dinamização do ônus da prova, anunciada no projeto do novo código, conduzirá a fase probatória a uma posição de destaque no cenário processual, como dito, comprometido com a realização da justiça. A preocupação doutrinária com o ajustamento ou adequação do procedimento às peculiaridades da causa, sem sobra de dúvidas, impulsionaram a comissão designada para elaborar o novo Código a adotar a Teoria da Distribuição Dinâmica do Ônus da Prova no processo civil brasileiro.

Ao se debruçarem sobre essa dinâmica probatória, Marinoni e Mitidiero [44], com a correção que lhes caracteriza, prelecionam que a dinamização do ônus da prova estará condicionada à presença de requisitos (condicionantes) materiais e processuais, conforme:

Observamos, ainda, que a dinamização do ônus da prova só pode ocorrer mediante o atendimento de suas condicionantes materiais e processuais: do ponto de vista material, requer-se a demonstração de que o caso concreto não pode ser solucionado, sem grave ofensa à paridade de armas, à luz da regra que distribui de maneira fixa o ônus da prova, e que a parte contrária àquela que teria o encargo de provar pode desempenhar o encargo probatório com maior facilidade. Do ponto de vista processual, requer-se fundamentação específica e atribuição do encargo probatório com a correlata oportunidade de provar, tudo, obviamente, precedido de amplo diálogo pelas pessoas do juízo.

Os referidos autores ainda ressaltam que a distribuição dinâmica do ônus da prova não deve ficar reservada às hipóteses de insuficiência técnica. Isso porque, em algumas situações específicas, que se relacionam ao direito material ou ao próprio caso litigioso, pode-se necessitar desse mecanismo para se garantir a paridade de armas entre os litigantes ("equalização da posição das partes em juízo"). [45]

Analisando a disposição prevista no Projeto de Lei nº 8.046/2010, a respeito da distribuição dinâmica do ônus da prova, infere-se, que o legislador proporcionará ao nosso ordenamento jurídico um sistema processual civil, no tocante ao ônus da prova, flagrantemente comprometido com a "paridade de armas", com o contraditório (formal e substancial), com o direito fundamental de acesso à justiça, com a busca incansável por um processo de resultados essencialmente justos. Redimensiona-se a distribuição do ônus da prova conforme o modelo constitucional do processo civil brasileiro, que se preocupa insistentemente em adaptar a técnica processual (forma, veículo) às particularidades do direito material (conteúdo, bagagem), com o fito de se alcançar a justiça (material e processual) no caso em concreto.


6. CONCLUSÃO

A doutrina nacional e estrangeira vem defendendo ao longo dos últimos anos que o processo civil deve ser reconhecido como uma ferramenta importante para a realização/concretização dos direitos fundamentais. Dessa forma, o processo civil estaria em perfeita harmonia com a perspectiva do Estado constitucional moderno, que exige a leitura do direito de acesso à justiça, sob a ótica de um processo justo, caracterizado pela materialização de uma tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva de direitos.

A partir do movimento de constitucionalização do processo civil, a ciência processual brasileira passou a conceber o processo judicial sob o prisma dos resultados práticos à prestação jurisdicional, da proteção efetiva dos direitos materiais postos em juízo. O processo passou a ser visto como veículo a serviço da justiça, que tem a finalidade de fornecer à parte detentora do direito material em litígio o pleno exercício do seu direito. Tornou-se necessário que o processo seja estruturado/municiado por procedimentos e técnicas capazes de fornecer a tutela jurisdicional em sua plenitude, independentemente da espécie de direito material posto em juízo.

Essa vertente encontra-se prestigiada sobremaneira no Projeto de Lei nº 8.046/2010, que trata do novo Código de Processo Civil Brasileiro. De sua leitura, infere-se claramente o destaque dado aos princípios constitucionais do processo e a toda construção contemporânea do direito processual, que, sobretudo a partir da adaptabilidade do procedimento, tem como meta indelével a realização da justiça no plano concreto da demanda. Todavia, a possibilidade de adaptação dos procedimentos deve está reservada para os casos em que sejam atendidos, por meio dessa providência, os fins constitucionais do processo, especialmente os relacionados às garantias processuais.

Nessa esteira, o Projeto de Lei nº 8.046/2010 adotou a Teoria Dinâmica da Distribuição do Ônus da prova, considerada mais acertada e consentânea com a perspectiva constitucional do direito processual, em detrimento da Teoria Estática, prevista no Código de Processo Civil de 1973, vez que permite e exige que o ônus da prova recaia sobre aquele que tem melhores condições de provar os fatos, de acordo com as particularidades da causa. Ou seja, no âmbito da distribuição do ônus da prova, sem sombra de dúvidas, percebe-se que o Projeto assumiu expressamente o compromisso com a realização da justiça no plano concreto.

Essa perspectiva se afina perfeitamente ao estudo contemporâneo dos princípios do acesso à justiça e do contraditório, que, com se sabe, atualmente experimentam um redimensionamento amparado no nosso modelo de Estado constitucional, comprometido com a realização da justiça no plano concreto. Em defesa dessa justiça, o modelo do direito processual brasileiro passou a buscar alternativas que assegurem o fornecimento da tutela jurisdicional adequada, por meio de processos (procedimentos e técnicas) justos.

Analisando a disposição prevista no Projeto de Lei nº 8.046/2010, a respeito da distribuição dinâmica do ônus da prova, infere-se, que o legislador visualizou disponibilizar um sistema processual pautado na "paridade de armas", no contraditório (formal e substancial) e no direito fundamental de acesso à justiça. Redimensiona-se a distribuição do ônus da prova conforme o modelo constitucional do processo civil brasileiro, que se preocupa insistentemente em adaptar a técnica processual às particularidades do direito material, com o fito de se aplicar a justiça no caso em concreto.


7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Notas

  1. A respeito dessa linha de raciocínio: "Hoje os direitos já não podem mais ser medidos tão somente pelo metro da pecúnia. Existem direitos, os chamados novos direitos, que só podem ser tutelados na forma específica. Muitos deles inclusive só podem ser realmente protegidos preventivamente. Os direitos de personalidade, o direito ao meio ambiente, o direito à saúde, o direito ao ensino são exemplos vivos" (MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. O Projeto do CPC: crítica e propostas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 25).
  2. Nesse sentido: "Um dos grandes serviços que o processualista prestou ao direito e à justiça nas últimas décadas foi a enérgica afirmação do comprometimento axiológico das instituições processuais: ele repensou o significado e a medida da indiferença inicial a que obrigado o juiz, o qual na realidade precisa estar iluminado pela visão dos resultados sócio-econômicos e políticos que a sua decisão poderá conduzir" (DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 41).
  3. Art. 257, do Projeto de Lei nº 8.046/2010. As partes têm direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar fatos em que se funda a ação ou a defesa e influir eficazmente na livre convicção do juiz.
  4. Parágrafo único. A inadmissibilidade das provas obtidas por meio ilícito será apreciada pelo juiz à luz da ponderação dos princípios e dos direitos fundamentais envolvidos.

  5. Conforme: "Um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o reconhecimento e a realização dos direitos, ameaçados ou violados, que têm cada um dos jurisdicionados, não se harmoniza com as garantias constitucionais de um Estado Democrático de Direito".
  6. A respeito das funções políticas, sociais e jurídicas do processo civil contemporâneo, ler: DINAMARCO, op. cit.
  7. DINAMARCO, op.cit., p. 22.
  8. Expressão utilizada pelos autores Cappelletti e Garth, para designar essa atual fase do direito processual civil, comprometida com o oferecimento de resultados práticos para o jurisdicionado, por intermédio da jurisdição pública (CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1988, p. 08).
  9. Nesse sentido: CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 19. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, v. I, p. 40.
  10. MARINONI, Luiz Guilherme. O Direito à Tutela Jurisdicional Efetiva na Perspectiva da Teoria dos Direitos Fundamentais. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 378, 20 jul. 2004, p. 1-2. Disponível em: http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=5281. Acesso em: 03 mai. 2005.
  11. DIDIER JÚNIOR, Fredie. Direito Processual Civil: Tutela jurisdicional individual e coletiva. 5. ed. Volume I. Salvador: Edições Juspodivm, 2005, p. 38.
  12. MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e Tutela dos Direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 179-180.
  13. Capítulo III - Método da Reforma – Exposição de Motivos do Código de Processo Civil – Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
  14. CUNHA, Leonardo José Carneiro. A Fazenda Pública em Juízo. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2005, p. 182.
  15. DINAMARCO, op.cit., p. 593.
  16. MARINONI, op.cit., nota 09, p. 184-185.
  17. PÉREZ, Jesús González. El Derecho a La Tutela Jurisdiccional. 3. ed. Madrid – Espana: Civitas, 2001, p. 57.
  18. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. 2. reimp. Coimbra – Portugal: Coimbra, 2003, p. 499.
  19. DUARTE, Ronnie Preuss. Garantia de Acesso à Justiça: os direitos processuais fundamentais. Coimbra: Coimbra, 2007, p. 211-214.
  20. MARINONI, op.cit., nota 11, p. 184.
  21. DUARTE, op.cit., p. 12.
  22. A idéia é contribuir para o descongestionamento do aparato estatal, na perspectiva de que a decisão judicial imperativa fique reservada para as hipóteses excepcionais.
  23. Nessa vertente: MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 429.
  24. CAPPELLETTI, op. cit., p. 163. Também a respeito da preocupação que a doutrina tem demonstrado com uma preocupação desenfreada em se assegurar a celeridade em detrimento das demais garantias processuais, cita-se passagem de Canotilho: "Note-se que a exigência de um processo sem dilações indevidas, ou seja, de uma protecção judicial em tempo adequado, não significa necessariamente ‘justiça acelerada’. A aceleração da proteção jurídica que se traduza em diminuição de garantias processuais e materiais (prazos de recurso, supressão de instâncias excessiva) pode conduzir a uma justiça pronta mas materialmente injusta" (CANOTILHO, op.cit., p. 499).
  25. DUARTE, op.cit., p. 218.
  26. MARINONI, op.cit., nota 22, p. 433.
  27. MARINONI, nota 01, p. 15-16.
  28. Sobre o tema, merece destaque: "A idéia de construção do procedimento no caso concreto não deve ser vista apenas como corolário do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva – roupagem contemporânea do velho direito subjetivo de ação -, o qual outorga ao cidadão o direito de construir a ação adequada ao caso concreto, mas também como fundamento da legitimidade do exercício da própria jurisdição. É um equívoco supor que o procedimento, para legitimar a jurisdição, deve se desenvolver de forma mecânica, obedecendo rigorosamente às linhas traçadas pelo legislador, sem dar à parte e ao juiz qualquer poder de adequação" (MARINONI, op.cit., nota 22, p. 429). Sobre o tema, ver também: "A tutela jurisdicional tem de ser adequada. No Estado Constitucional esta adequação deve ser levada a cabo tanto pelo legislador infraconstitucional, primeiro destinatário deste direito fundamental, como pelo órgão jurisdicional, haja vista a existência de controle difuso de constitucionalidade entre nós (judicial review)" (MARINONI, op.cit., nota 01, p. 22).
  29. MARINONI, op.cit., nota 01, p. 88-89.
  30. MONTENEGRO FILHO, Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010, v. I., p. 433-434.
  31. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 48. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, v. I, p. 486. Sobre o ônus da prova, registra-se passagem de Santos: "Ônus – do latim onus – quer dizer carga, fardo, peso. Onus probandi traduz-se apropriadamente por dever de provar, no sentido de necessidade de provar. Trata-se apenas de dever no sentido de interesse, necessidade de fornecer a prova destinada à formação da convicção do juiz quanto aos fatos alegados pelas partes" (SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. II, p. 358).
  32. CARNELUTTI, Francesco. A Prova Civil. Tradução Lisa Pary Scarpa. 4. ed. Campinas: Bookseller, 2005, p. 255.
  33. A respeito da natureza jurídica das regras de distribuição do ônus da prova, registra-se: "As regras do ônus da prova não são regras de procedimento, não são regras que estruturam processo. O ônus da prova é regra de juízo, isto é, de julgamento, cedendo ao juiz, quando da prolação da sentença, proferir julgamento contrário àquele que o ônus da prova e dele não se desincumbiu" (DIDIER JÚNIOR, op.cit., p. 76).
  34. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil: Processo do Conhecimento. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, v. II, p. 265.
  35. ALVIM, J. E. Carreira. Teoria Geral do Processo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 266. Sobre esse ponto, ver também: "Diante da inexistência de dúvida, realmente não há razão para o juiz invocar a regra do ônus da prova como regra de decisão e, nessa perspectiva, é correta a conclusão de que a regra do ônus da prova somente deve importar em caso de dúvida" (MARINONI, op.cit., nota 33, p. 263).
  36. DIDIER JÚNIOR, op.cit., p. 73.
  37. Ibdem., p. 73.
  38. THEODORO JÚNIOR, op.cit., p. 487. Nessa mesma linha de raciocínio, destaca-se: "O réu pode defender-se simplesmente negando os fatos trazidos pelo autor, quando sobre ele, a princípio, não pesa qualquer ônus de fazer prova – sem excluir a possibilidade de contraprova abaixo mencionada. Trata-se da chamada defesa direta. Mas, se trouxer fatos novos (defesa indireta), aptos a modificar o direito do autor, extingui-lo ou impedir que ele nasça, cabe-lhe o encargo legal de prová-los, afinal de contas é seu interesse que esse direito não seja reconhecido" (DIDIER JÚNIOR, op.cit., p. 77).
  39. Ibdem., p. 79.
  40. MARINONI, op.cit., nota 01, p. 102-103.
  41. THEODORO JÚNIOR, op.cit., p. 488.
  42. Ibdem., p. 488.
  43. DIDIER JÚNIOR, op.cit., p. 93-94.
  44. DIDIER JÚNIOR, op.cit., p. 94. De modo diverso, corrente doutrinária, capitaneada por Marinoni e Mitidiero, defende que a inversão do ônus da prova não se confunde com a distribuição dinâmica do ônus da prova: "É preciso perceber que a dinamização do ônus da prova não significa inversão do ônus da prova. Não se podem confundir ambos os institutos. A dinamização é atribuição ex novo do ônus da prova em atenção às circunstâncias da causa. Por ela não se distribui de "modo diverso" o ônus da prova. Distribui-se de forma originária. Só se pode distribuir de modo diverso aquilo que já está distribuído. É impróprio fazer alusão a "modo diverso" a respeito da dinamização do ônus da prova. A dinamização do ônus da prova ocorre mediante declaração judicial. A inversão, mediante constituição, porque há alteração de algo já instituído. É impróprio, portanto, falar em inversão do ônus da prova a propósito da dinamização" (MARINONI, op.cit., nota 01, p. 104).
  45. MARINONI, op.cit., nota 23, p. 103-104.
  46. Ibdem., p. 74-75.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO JÚNIOR, Arnaldo de Aguiar; RODRIGUES, Adriana Bonfim. A teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova adotada no novo Código de Processo Civil. O modelo pautado na Justiça Processual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2840, 11 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18880. Acesso em: 23 abr. 2024.