Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/19066
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Os tratados internacionais na vigência do Estado Novo

Os tratados internacionais na vigência do Estado Novo

Publicado em . Elaborado em .

Nessa época nebulosa, predominou no relacionamento do país com os demais Estados nacionais o nacionalismo estatal ante à atividade econômica, assim como a aversão brasileira ao fascismo externo.

RESUMO: O Estado Novo brasileiro, período histórico também conhecido como Terceira República, corresponde ao período no qual se manifestaram aspectos negativos para o país, por coincidir com o desencadeamento da Segunda Guerra Mundial, a censura, a tortura, a instituição da pena de morte e a personalidade do chefe maior da nação na pessoa de Getúlio Vargas que embora sereno, se revela como um verdadeiro ditador. Mais do que outros momentos da nossa história contemporânea, o Estado Novo aparece como uma época nebulosa, onde a ação nefanda de seus dirigentes o torna um dos mais obscuros da história do Brasil. No entanto, aspectos positivos aparecem e por este trabalho pretende-se apresentar, sem solução de continuidade, o relacionamento do país, nesse período, com os demais Estados nacionais, mediante a inclusão das normas de ordem econômica, política e jurídica oriundas dos Tratados e acordos internacionais, para, consectariamente, concluir-se pelo predomínio do nacionalismo estatal ante à atividade econômica, assim como a aversão brasileira ao fascismo externo.

Palavras-chaves: Estado Novo, integração econômica, Estado nacional.


1. Introdução

Após o término da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), começaram a se fortalecer na Europa as tendências políticas contrárias aos ideais burgueses nascidos no século XVIII representados pelo liberalismo e a democracia. A ideologia burguesa passou a ser criticada tanto pela direita (fascismo e nazismo) como pela esquerda (marxismo). A primeira crítica não era revolucionária e buscava através de um regime ultranacionalista, belicoso e ditatorial, uma saída para a crise do capitalismo de 1929, sem, contudo, o destruir. A segunda, revolucionária, preconizava a superação do capitalismo, com a tomada do poder pela classe operária e a transformação da sociedade, almejando o fim da propriedade privada dos meios de produção e da exploração do trabalho assalariado.

Apesar da inegável afinidade entre o regime instituído pelo golpe de 1937, e o regime dos Estados fascistas europeus, certas características peculiares destes não apareceram na formação do Estado Novo brasileiro. O golpe de 1937, não representou a vitória de um partido organizado (a participação dos integralistas era adjetiva), nem teve apoio ativo das massas. Careceu, por outro lado, de força e coerência ideológica. A instauração do Estado Novo foi um golpe de elites político-militares contra elites político-econômicas.

Nesse sentido, o governo brasileiro editou um decreto em 2 de dezembro de 1937, por meio do qual se dissolveu todos os partidos políticos, à consideração de que essas agremiações eram artificiosas combinações de caráter jurídico e formal e tinham objetivos meramente eleitorais.

Desse modo, a repugnância dirigia-se claramente aos partidos políticos tradicionais herdados da República Velha [01] - expressões dos interesses locais e incapazes, portanto, de promover a unidade nacional. Por isso, nesse decreto, se afirmou que os partidos não correspondiam aos reais sentimentos do povo brasileiro [02], pois não possuem conteúdo programático nacional [03].

No entanto, essa reclamação não se dirigia a Ação Integralista Brasileira e à Aliança Nacional Libertadora [04], pois ambas haviam superado os partidos até então existentes por trazerem "conteúdo programático nacional". Entretanto, contra a AIB e a ANL, as reclamações seriam outras: elas espelhavam ideologias e doutrinas contrárias aos postulados do novo regime. Assim, todos os partidos eram inadequados. A instauração do Estado Novo foi, então, a solução ideal, pois fora fundado em nome da nação para atender às suas aspirações e necessidades, devendo estar em contato direto com o povo. De sorte que, o pano de fundo da ideologia do Estado Novo foi o mito da nação e do povo, Na realidade, esse foi o momento em que, através da ditadura, se procurou suprimir os localismos e viabilizar um projeto realmente nacional.

A identificação entre nação e povo, e ambos com o ditador, sem a distância interposta dos partidos, o Estado Novo tinha a ilusão de que finalmente o povo governaria a si próprio e a nação se reencontraria. O ditador era então a encarnação viva do povo e da nação.

Com esse propósito, a Carta Outorgada em 1937 caracterizou-se pelo predomínio do poder Executivo, considerado o órgão supremo do Estado [05], usurpando até mesmo as prerrogativas do Poder Legislativo. Por meio dessa Carta Constitucional, o presidente da República foi definido como a autoridade suprema do Estado, que coordena a atividade dos órgãos representativos, de grau superior, dirige a política interna e a externa, promove ou orienta a política legislativa nacional, e superintende a administração do País [06].

Conforme o texto constitucional o Presidente da República passou a ter completo controle sobre os estados, podendo a qualquer tempo nomear interventores. Como não bastasse, Instituiu-se o estado de emergência, que permitia ao presidente suspender as imunidades parlamentares, prender, exilar e invadir domicílios; para completar, instaurou-se novamente a pena de morte e legalizou-se a censura para os meios de comunicação -- jornais, rádio e cinema. O mandato presidencial foi dilatado para seis anos.

O poder Legislativo seria composto pelo presidente da República, pelo Conselho Nacional (que substituiu o Senado) e pelo Parlamento Nacional (Câmara dos Deputados).

O Parlamento Nacional, com três a dez representantes por estado, seria eleito por voto indireto (vereadores das Câmaras Municipais e dez eleitores por voto direto).

O Conselho Nacional seria composto por um representante de cada estado, eleito pelas Assembleias Estaduais, e por dez membros nomeados pelo presidente, com mandatos de seis anos.

Sob inspiração do Estado corporativo do regime fascista italiano, a nova Constituição criou o Conselho da Economia Nacional, composto pelos representantes da produção - indicados por associações profissionais e sindicatos reconhecidos por lei -, com representação partidária de empregados e sob a presidência de um ministro de Estado. O Conselho da Economia Nacional tinha a função de assessoria técnica, visando obter a colaboração das classes, a racionalização da economia e a promoção do desenvolvimento técnico. Tudo isso significava também que o Estado iria intervir e dirigir a economia nacional.

A Carta Outorgada de 1937 deveria ter sido submetida a um plebiscito, como previa o seu texto, mas o ditador se fez por esquecer esse compromisso.

Outrossim, criou-se o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), em 1938 com a finalidade de dar ao Estado um aparato burocrático racionalizador da administração pública. Em suma, tratava-se de modernizar a burocracia.

Segundo Hélio de Alcântara Avellar [07], esse órgão tinha a função de pôr fim ao caráter político do recrutamento do funcionalismo, partindo do imperativo técnico da neutralidade do serviço e do servidor público, além de generalizar o sistema de mérito, isto é, o recrutamento dos servidores passou a ser feito mediante a avaliação da capacidade, através de concursos e provas de habilitação.

Como visto, todos os ramos da atividade estatal, seja no campo político, administrativo, social, econômico e jurídico, se submetiam ao controle do governo. Daí porque dizer-se que o Estado Novo assumiu o caráter de estado totalitário [08].

Essa situação já se retratava com a edição da Constituição de 1934, decorrente da chegada de Getúlio Vargas ao poder, foi marcada pela falsa harmonia entre o liberalismo e o intervencionismo, trazendo dispositivos consagrados pelo Direito Internacional Público após a Primeira Guerra Mundial.

Na época o Brasil qualificou os atos de guerra definidos como crime, obrigando os dirigentes da política internacional a examinar todas as consequências de um eventual decreto de combate. Impediu-se a guerra de conquista e a declaração de guerra antes da aplicação da arbitragem. Assim sendo, pode-se falar em ausência de inovação substancial em relação aos diplomas constitucionais anteriores.

A dissolução do Congresso Nacional com a construção do Estado Novo balizou a Constituição de 1937, a qual situou o país no mundo precedente à Segunda Grande Guerra, influenciado pelos regimes totalitários. É de fácil compreensão, destarte, o abandono do ‘recurso prévio do arbitramento’ para a solução dos conflitos internacionais e da ‘proibição da guerra de conquista’. Entra em vigor algo absolutamente contrário ao que dispunha a Carta de 1934, sendo possível especular-se sobre a ampliação forçada do território nacional, de forma implícita, já que as guerras de conquista eram repelidas pelo Direito Internacional Público.


2. A formação do Estado Novo - aspectos históricos.

Desde a Constituinte de 1933 e a promulgação da Constituição de 1934, o tenentismo [09] estava em declínio. Esse movimento, um dos mais radicais e reformistas da República Velha, foi também a mais séria tentativa de superar o domínio das oligarquias estaduais. Todavia, ideologicamente, o tenentismo era desprovido de coerência; da mesma forma, não tinha nenhum programa político suficientemente claro, que mobilizasse setores significativos da sociedade para a reorganização do país.

Em 1934, o tenentismo já tinha deixado de existir como movimento organizado. Em seu lugar, novas organizações políticas começaram a surgirem influenciadas pelos acontecimentos na Europa que, em seguida, culminaram com a eclosão da Segunda Guerra Mundial.

Esses acontecimentos enraizados na Europa decorreram de duas tendências políticas (ultra-reacionária e revolucionária) que estavam em luta acirrada durante o período entreguerras e refletiram-se no Brasil com a formação da Ação Integralista Brasileira (tendência fascista) e da Aliança Nacional Libertadora (tendência esquerdista). Ambos os partidos eram bem diferentes daqueles até então existentes, pois tinham um programa político bem delineado e haviam superado os antagonismos regionais, substituindo-os pelos antagonismos de classes. Portanto, já não eram agrupamentos políticos de defesa de um estado ou outro, de uma região ou outra. Ao contrário, defendiam claramente os pontos de vista de uma classe, independentemente da área geográfica.

No bojo dos acontecimentos europeus surgiu o integralismo - movimento tributário do fascismo italiano que, doutrinariamente, preconizava a formação de um governo ditatorial ultranacionalista, com base na hegemonia de um único partido, a Ação Integralista Brasileira (AIB), obediente a um único chefe.

Os fundamentos doutrinários da AIB encontravam-se no Manifesto à Nação Brasileira (1932), de autoria de Plínio Salgado, ex-integrante do Partido Republicano Popular. Nele, o autor fazia a defesa da "Pátria, Deus, Família", isto é, do "chauvinismo", da "civilização cristã" e do "patriarcalismo".

A Aliança Integralista Brasileira encontrava apoio na oligarquia tradicional, na alta hierarquia militar, no alto clero, em suma, nos setores mais conservadores da sociedade dominante época.

Tal como o seu modelo europeu, a AIB utilizava-se do ódio aos comunistas para elevar a tensão emocional de seus partidários. O "perigo vermelho [10]" era visto por toda a parte, o que mantinha a permanente vigilância e o fervor partidário.

Entre 1932 e 1935, quando os efeitos da crise de 1929 (grande depressão) se faziam sentir com intensidade e as agitações esquerdistas começavam a tomar corpo, os integralistas formaram, como na Itália, grupos paramilitares que agiam com violência para dissolver as manifestações esquerdistas.

A Aliança Nacional Libertadora, frente antifascista – fortaleceu-se com a ascensão do totalitarismo de direita, quase por toda parte, o que motivou a formação de frentes antifascistas, com predomínio dos partidos comunistas em todos os países. Aliás, a Terceira Internacional (Komintern) - reunião dos partidos comunistas de todo o mundo - preconizava essa tática na luta antifascista, isto é, aglutinava todos aqueles que, por uma razão ou outra eram contrários ao fascismo. Surge, então, o Partido Comunista do Brasil, fundado no início dos anos 20, que adotou essa mesma linha.

A formação da frente anti-integralista resultou na Aliança Nacional Libertadora. Luís Carlos Prestes [11], que rompera com o tenentismo para converter-se ao marxismo, foi eleito presidente de honra da ANL, passando, assim, rapidamente à cúpula dirigente do Partido Comunista do Brasil.

A Aliança Nacional Libertadora cresceu vertiginosamente, despertando, em conseqüência, o receio das camadas dirigentes. O próprio presidente Getúlio Vargas, a fim de fortalecer o seu poder, serviu-se da ANL. Depois, através de intervenção policial, invadiu suas sedes e mandou prender seus líderes. Enfim, impediu a atuação da ANL na legalidade, forçando-a a passar para a clandestinidade.

Por causa da repressão da polícia, o PCB, movido pela ala radical, acabou optando pelo método insurrecional, dando origem à intentona comunista.

A rebelião eclodiu prematuramente (23/11/1935) ocasião em que o batalhão militar em levante se uniu aos populares, organizando o Comitê Popular Revolucionário. A repressão foi imediata, com o apoio da Polícia Militar e de fortes contingentes armados enviados pelos fazendeiros. Dois dias depois a insurreição foi esmagada.

Em 1932 explodiu a chamada "revolução constitucionalista" de 9 de julho em São Paulo. Aquela "revolução" não passou de uma revolta patrocinada pela oligarquia paulista a pretexto de exigir do governo federal a reconstitucionalização do país. De fato, os coronéis ansiavam por reassumir o poder através de eleições controladas por eles. Contudo, a Era Vargas foi o ponto final na política da República Velha.

O movimento foi derrotado. Vargas se sentiu pressionado a conceder a realização das eleições para uma Assembleia Constituinte em 5 de maio de 1933. A Constituição entrou em vigor em 16 de julho de 1934, juntamente a isso o Congresso realizou eleições indiretas e Vargas seguiu no poder, agora como presidente constitucional.

O período é marcado por polarização ideológica, de um lado a ANL (Aliança Nacional Libertadora) que integra comunistas, liberais, socialistas e cristãos, de um lado, e a AIB (Ação Integralista Brasileira), movimento inspirado pelo nazi-fascismo.

A ANL é posta fora da lei em 11 de julho de 1935. Sua extinção provocou a reação de setores militares identificados com seu programa político. Nesse contexto eclodiu em novembro de 1935 a chamada "Intentona Comunista" liderada por Luis Carlos Prestes [12], esta, contudo, se limitou ao levante de algumas guarnições militares. Contava com o apoio do Kremlin [13], mas com escasso apoio popular no Brasil e violenta repressão por parte do Estado varguista, foi sufocado sem grande dificuldade.

Durante a preparação do golpe, a pretexto de combater os levantes comunistas, Getúlio Vargas decretou estado de sítio [14], que se prolongou até o ano de 1937. Era o que Vargas necessitava para conduzir o país à ditadura. Era um pretexto, porque Getúlio Vargas sabia de antemão dos planos insurrecionais do Partido Comunista do Brasil através de elementos da polícia infiltrados no partido. E serviu-se do levante comunista - mal concebido, mal planejado e mal executado, sem a mínima chance de vitória - para atingir objetivos pessoais. Utilizando o argumento da "ameaça comunista", preparou, pacientemente, seu próprio caminho.

As eleições marcadas para 1938 estavam se aproximando. A oligarquia paulista lança candidatura própria e o próprio governo indicara seu candidato. Vargas, entretanto, concebe a idéia de permanecer no poder e fecha o regime inaugurando o Estado Novo a pretexto de deter os planos de um golpe por parte dos comunistas, que queriam lançar o país a uma Guerra.

Por outro lado, nenhum dos partidários getulistas estavam em seus planos, pois ele, Getúlio Vargas, repita-se, pretendia continuar no poder. E tinha fortes argumentos para isso; contava com o apoio do chefe do estado-maior do Exército e do general Dutra, seu ministro da Guerra.

Nessa época o Congresso Nacional, sentindo as manobras golpistas de Vargas o impediu de renovar o estado de sítio. Para forçar a situação, Vargas simulou a farsa do Plano Cohen [15], de autoria duvidosa: tratava-se de um plano supostamente comunista, que visava ao assassinato de personalidades importantes a fim de tomar o poder. Segundo a versão dos interessados na farsa, o documento fora descoberto e entregue a Góis Monteiro [16] pelo capitão Olímpio Mourão Filho, membro integralista. O denominado Plano Cohen foi dado por Góis Monteiro, responsável pela divulgação alarmista por toda a imprensa.

Diante da ameaça vermelha [17], o governo pediu o estado de guerra [18], e o Congresso concedeu. Criaram-se assim as condições para o golpe. Getúlio buscou e conseguiu o apoio do governador de Minas, Benedito Valadares; no nordeste, a missão chamada Negrão de Lima [19], conseguiu a adesão de vários estados.

Os movimentos antagônicos apelaram para as Forças Armadas, pedindo a manutenção da legalidade, inutilmente, pois Getúlio Vargas, já havia determinado fosse redigida a nova Constituição. Constituição que veio a ser outorgada por decreto, instituindo o Estado Novo e como tal, se revela como uma verdadeira ditadura.

A pretexto de se colocar fim às agitações da época, Vargas decretou o fechamento do Congresso e anunciou a nova Constituição. Em 2 de dezembro de 1937, os partidos foram dissolvidos. Era o início do Estado Novo.

No dia 10 de novembro de 1937 Vargas deu o golpe ordenando o cerco do Congresso Nacional, determinando o seu fechamento e fazendo um pronunciamento onde anunciava a promulgação de uma nova Constituição que substituiria à de 1934. Tal Constituição já estava sendo elaborada a algum tempo inspirara na Constituição autoritária da Polônia, e como tal, naturalmente ficou conhecida como "A Polaca".

Essa Carta constitucional previa a extinção dos partidos políticos, colocando na ilegalidade inclusive a Ação Integralista Brasileira. Esta por sua vez tentou o golpe, tomando de assalto o Palácio Guanabara [20] no Rio de Janeiro em 11 de maio de 1938. Foi frustrada em seus propósitos.

Além da extinção dos partidos políticos, uma série de medidas foram tomadas para reprimir as oposições, tais como a nomeação de interventores para os Estados, censura aos meios de comunicação realizada pelo DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda). Este órgão também cuidava de difundir a ideologia do Estado Novo, censurando, arquitetando a propaganda do governo e exercendo o controle sobre a opinião pública.

Nos atos preparatórios do Golpe Getulista, segundo Edgard Carone [21] (1982:17),

as relações entre Integralismo e o presidente da República sempre foram pela força da própria doutrina do Signa, isto é, as de respeito do primeiro pelo segundo e de acatamento do segundo pelo primeiro. Éramos a única força nacional organizada; éramos um milhão e meio de brasileiros que opunham uma barreira ao comunismo e combatiam o partidarismo regionalista; éramos a inspiração criadora de fortes sentimentos cívicos e tudo isso coincidia com a linha política do presidente da República.

Nas horas de grandes manifestações coletivas dos cultos partidários, eram os integralistas que realizavam as apoteoses máximas da Pátria e que aclamavam as autoridades constituídas. Nas horas de perigo, eram os integralistas que, civis ou militares, estavam invariavelmente alertas.

A influência do integralismo na sociedade brasileira e nas Forças Armadas atingira amplíssimas áreas e tocava às profundidades dos corações. Os comunistas e os governadores dos Estados bem o sentiam. Desencadeava-se uma propaganda tenaz contra os princípios ensinados pelo Integralismo; os mesmo princípios políticos que serviam em grande parte à nova estrutura constitucional do país.

Do que foi até aqui abordado, o Estado Novo foi se estruturando com o tempo e as circunstâncias, não seguindo a um plano pré-estabelecido, o que ocorreu segundo o novo equilíbrio e desequilíbrio dos grupos que apoiaram o golpe que vão dos militares aos civis, os das diversas oligarquias ou dos integralistas. De sorte que é errado pensar-se que os fatores do golpe estivessem previamente preparados para organizar o Estado ditatorial [22].

A extinção dos partidos políticos, que era medida já realizada desde 10 de novembro de 1937, foi um decreto destinado a acabar com as pressões organizatórias dos partidários da ditadura a atingir, também, diretamente, os integralistas, que sonhavam em se tornar o Partido Único, o Partido Oficial do regime.

Conforme alhures expendido, com a outorga da Constituição de 1937, instaurou-se no Brasil um novo regime que apesar da inegável afinidade entre esse regime, instituído pelo golpe e o regime dos Estados fascistas europeus, certas características peculiares destes não apareceram na formação do Estado Novo. O golpe de 1937, segundo Locardes Sola [23],

não representou a vitória de um partido organizado (a participação dos integralistas era adjetiva), nem teve apoio ativo das massas". Careceu, por outro lado, de força e coerência ideológica. A instauração do Estado Novo foi - na opinião da mesma autora - "um golpe de elites político-militares contra elites político-econômicas.

Nesse sentido, o decreto de 2 de dezembro de 1937, que dissolveu todos os partidos, é bem elucidativo, na medida em que, pelas razões do decreto, os partidos políticos eram "artificiosas combinações de caráter jurídico e formal" e tinham "objetivos meramente eleitorais". A crítica dirigia-se claramente aos partidos tradicionais herdados da República Velha - expressões dos interesses locais e incapazes, portanto, de formar a "nação". Por isso no decreto se afirmou que os partidos não correspondiam "aos reais sentimentos do povo brasileiro", pois "não possuem conteúdo programático nacional". Essa última reclamação não era aplicável, no entanto, à AIB e à ANL, pois ambas haviam superado os partidos até então existentes por trazerem "conteúdo programático nacional". Entretanto, contra a a esses partidos, as acusações seriam outras: eles espelhavam ideologias e doutrinas contrárias aos postulados do novo regime. Assim, uma vez que todos os partidos eram inadequados, a instauração do novo regime foi a solução ideal, pois fora fundado em nome da nação para atender às suas aspirações e necessidades, devendo estar em contato direto com o povo.

Portanto, o pano de fundo da ideologia do Estado Novo foi o mito da nação e do povo, duas entidades abstratas que por si sós não significam absolutamente nada. Na realidade, esse foi o momento em que, através da ditadura, se procurou suprimir os localismos e viabilizar um projeto realmente nacional.

Identificando nação e povo, e ambos com o ditador, sem a distância interposta dos partidos, o Estado Novo tinha a ilusão de que finalmente o povo governaria a si próprio e a nação se reencontraria. O ditador era então a encarnação viva do povo e da nação.

Para justificar a edição do referido decreto, embora amparado no artigo 180 da Constituição ditatorial, considerou-se que além de outros objetivos, tinha por finalidade instituir um regime de paz social e de ação política construtiva, considerando-se, ainda, que o sistema eleitoral então vigente, era inadequado às condições da vida nacional, uma vez que baseado em artificiosas combinações de caráter jurídico formal, fomentava a proliferação de partidos, com o fito único e exclusivo de dar às candidaturas e cargos eletivos aparência de legalidade. Por esse mesmo decreto, considerou-se, ainda, que a multiplicidade de arregimentações partidárias, com objetivos meramente eleitoreiros, ao invés de atuar como fator de esclarecimento e disciplina da opinião, serviu para criar uma atmosfera de excitação e desassossego permanentes, nocivos à tranquilidade pública e sem correspondência nos reais sentimentos do povo brasileiro. e que os partidos políticos até então existentes não possuíam conteúdo programático nacional ou esposavam ideologias e doutrinas contrárias aos postulados do novo regime, pretendendo a transformação radical da ordem social, alterando a estrutura e ameaçando as tradições do povo brasileiro, em desacordo com as circunstâncias reais da sociedade política e civil. Por fim, considerou-se que o novo regime, fundado em nome da Nação, para atender às suas aspirações e necessidades, deve estar em contato direto com o povo, sobreposto às lutas partidárias de qualquer ordem, independendo da consulta de agrupamentos, partidos ou organizações, ostensiva ou disfarçadamente destinados à conquista do poder público.

Nesse intere, o integralismo, também, foi considerado contrário aos interesses do Novo regime, uma vez que composto de diversas facções e, ideologicamente, de diversas tendências. Dessa forma, a composição plural como resultado do seu crescimento e das consequentes combinações entre diferentes grupos que formaram a Ação Integralista Brasileira, dele fizeram parte.

Diante dessas circunstâncias, a Constituição de 1937, segundo o seu preâmbulo, se justifica para atender às legítimas aspirações do povo brasileiro, à paz social, profundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem resultantes da crescente agravação dos dissídios partidários que uma notória propaganda demagógica procura desnaturar em luta de classes e de extremação de conflitos ideológicos, tendentes, pelo seu desenvolvimento natural, a resolver-se em termos de violência, colocando a Nação sob a funesta iminência da guerra civil.

Ainda de acordo com o preâmbulo, a Carta ditatorial visava atender ao estado de apreensão criado no país pela infiltração comunista que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo remédios de caráter radical e permanente e que sob as instituições anteriores, não dispunha o Estado de meios normais de preservação e de defesa da paz, da segurança e do bem estar do povo.

Com o apoio das Forças Armadas e cedendo às aspirações da opinião nacional, umas e outras, justificadamente, apreensivas diante dos perigos que ameaçavam a unidade e da rapidez com que se vem processando a decomposição das instituições civis e políticas, pela Constituição, resolveu-se assegurar à Nação a sua unidade, o respeito à sua honra e à sua independência, e ao povo brasileiro, sob um regime de paz política e social, as condições necessárias, ao seu bem estar e a sua prosperidade.

Com esse espectro Getúlio Vargas manteve-se firme à frente do Estado angariando o apoio popular, sobretudo da classe trabalhadora, vindo a se fortalecer ainda mais quando, no curso do Estado Novo, em 1943 editou a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) que garantia a estabilidade do emprego depois de dez anos de serviço, descanso semanal, regulamentação do trabalho de menores, da mulher e do trabalho noturno; a criação da Previdência Social e a instituição da carteira profissional para maiores de 16 anos que exercessem um emprego; a jornada de trabalho foi fixada em 8 horas de trabalho, antiga reivindicação dos trabalhadores brasileiros.

Vargas objetivava com a política trabalhista, favorável aos operários, conquistar o apoio das massas populares ao governo. Tal política, paternalista e populista, buscava, ainda, anular as influências da esquerda, desejando transformar o operariado num setor sob seu controle, para ser usado pelo jogo do poder. A mesma política foi praticada à mesma época por Juan Domingo Perón na Argentina e Lázaro Cárdenas, no México.

Antes, porém, em 19 de março de 1931 foi criada a Lei de Sindicalização no Brasil, pela qual os estatutos dos sindicatos deveriam, a partir dessa medida, ser aprovados pelo ministério do Trabalho. Enfim, Vargas assumia o controle do movimento operário nos moldes da Carta del Lavoro de Benito Mussolini na Itália.

No campo da economia, a crise internacional de 1929 que, como vimos, atingiu em cheio a economia brasileira, diminuindo nossas exportações, aumentando nossos estoques de café e baixando o preço do produto. Por pressão dos coronéis paulistas, Vargas criou em 1931 o Conselho Nacional do Café que implementou a "política de sustentação" através da compra e queima dos excedentes que estavam estocados em depósitos do governo. Mesmo assim, houve a redução dos preços do produto no mercado internacional.

As dificuldades enfrentadas pelo setor agrícola conduziram o governo a investir no desenvolvimento industrial como saída para a nossa dependência externa.

A Segunda Guerra Mundial reduziu a oferta de artigos industrializados. Isso obrigou a substituição destas importações, fomentando o desenvolvimento das indústrias locais. Implementa-se ainda uma política de exploração das riquezas nacionais, com o Estado participando das atividades econômicas principalmente aquelas vitais que precisam de estímulo governamental para desenvolver-se, como a siderurgia e a do Petróleo.

As medidas econômicas tinham características nacionalistas, como a criação da Companhia Siderúrgica Nacional, que iniciou a construção da Usina de Volta Redonda com financiamentos norte-americanos. Isso se deu principalmente devido ao estreitamento das relações entre o Brasil e os Estados Unidos da América em 1942, para fazer face ao esforço de guerra. Neste mesmo ano veio ao Brasil uma Missão Técnica estadunidense que trabalhou em projetos como a Companhia Vale do Rio Doce, que explorava e exportava minérios, e a Hidrelétrica de Paulo Afonso. Vargas cria também o Conselho Nacional do Petróleo que objetivava diminuir a dependência brasileira do combustível, controlando o refino e a distribuição.

Contrariamente ao que todos os governantes fizeram antes dele e vêm fazendo depois dele, o governo Vargas conquistou a vinda de técnicos estrangeiros para incrementar a nossa economia. Todos os outros governantes brasileiros antes e depois de Vargas colocaram, em maior ou menor grau, a economia brasileira a serviço de interesses estrangeiros.

Em troca da ajuda norte-americana, o Brasil deu o seu apoio aos aliados na Segunda Guerra Mundial, rompendo relações diplomáticas com as nações do Eixo [24]. O afundamento de navios mercantes brasileiros por submarinos alemães – reza a lenda que teriam sido navios estadunidenses usando bandeiras nazistas para forçar o Brasil a ingressar na Guerra ao lado dos Estados Unidos, contrariamente ao que Perón, por exemplo, na Argentina fez, adotando a neutralidade e aproveitando para crescer. De todo o modo, sob Vargas, o Brasil se aproveitou muito bem da situação para desenvolver-se.

O Brasil declara guerra à Alemanha em 22 de agosto de 1942, enviando a FEB (Força Expedicionária Brasileira) para lutar na Itália. Sua participação não foi tão relevante para a vitória dos aliados, mas foi importantíssima para o final do autoritarismo no Brasil. Pracinhas que foram à Europa lutar contra regimes autoritários, voltam ao Brasil e aqui encontram um regime autoritário! Getúlio demonstrou-se favorável em 1943 à redemocratização do país, mas só quando a guerra tivesse se encerrado.

Em outubro de 1943 políticos de Minas Gerais, elaboram um manifesto repudiando o Estado Novo, o chamado "Manifesto dos Mineiros". Em 1944 começam a chegar relatórios sobre as tropas brasileiras na guerra que davam conta do desejo de redemocratização do país.

Em 28 de fevereiro de 1945 a Constituição de 1937 recebeu um ato adicional que possibilitava fixar a realização de eleições presidenciais.

Nesse período também se criaram três partidos políticos, a UDN (União Democrática Nacional) conservadora, direitista e anti-Vargas, o PSD (Partido Social Democrático) e o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), criados sob a inspiração de Vargas.

Em 22 de abril de 1945, foi concedida a anistia a todos os presos políticos que se opunham ao regime e a 28 de maio foi fixada a data das eleições para 2 de dezembro daquele ano.

A oposição temia que Getúlio inviabilizasse a realização das eleições presidenciais, como já fizera pelo menos duas vezes, em 1934 e 1938. Progredia a conspiração que desejava depor Getúlio Vargas, o que efetivamente ocorre a 29 de outubro de 1945, quando tropas do Exército cercam o Catete [25] e o obrigaram a renunciar. A presidência foi ocupada interinamente pelo presidente do Supremo Tribunal Federal e Vargas foi para o autoexílio.

Com isso, a aspiração da volta do país a um regime identificado com esse ambiente surgiu espontânea e sua solução seguiu um processo de orientação política cuidada e serenamente desenvolvida. O Chefe da Nação, a quem devemos consignar o primeiro tributo para a justiça histórica, apreendeu esse problema e acompanhou--lhe a progressiva marcha até que atingisse ao seu máximo de desenvolvimento na fase de debate e encaminhamento de solução, como atualmente o encontramos, com as liberdades plenamente asseguradas, a opinião agindo pelas suas vozes e forças, e as autoridades supremas do Estado comprometidas em configurarem os anseios e o pensamento da nação em fórmulas legais respeitáveis, que a todos venham satisfazer e amparar no plano prático do gozo da liberdade e do pleno exercício dos direitos políticos.

A opinião nacional encontra-se, portanto, e com razão, empolgada pela satisfação e confiança que todos marcham ao encontro de soluções para os problemas nacionais.

Na perspectiva de campanha e competições livres, mister se faz reafirmar que as democracias vivem mais de sua substância do que de suas formas. A substância será sempre o homem, com aquilo de esse4ncial que representa na vida coletiva os anseios de liberdade, a defesa dos seus justos interesses, o estímulo de sua vida em grêmio e as aspirações fecundas pela cultura e pelo ideal de perfeição. A fórmula é simplesmente a concretização destes imperativos nas expressões objetivas de lei, com seus ditames e garantias reguladoras.


3. Repercussão econômica internacional durante o regime do Estado Novo.

Não obstante os movimentos constitucionais mais recentes demonstrarem uma tendência à constitucionalização de princípios orientadores das relações internacionais de um país. Ao longo da História, as sociedades experimentaram a interação internacional desde o patamar interestatal até o moderno transnacionalismo, desarraigando-se gradualmente de laços estatais para a efetiva consecução de suas relações externas. As normas constitucionais concernentes à fixação do Brasil no cenário mundial fixadas pela constituição outorgada do Estado Novo, as relações internacionais distendem-se, apesar do Texto Maior autorizar, privativamente, ao Presidente da República "manter relações com os Estados Estrangeiros [26]", competindo, privativamente à União legislar sobre "comércio exterior, câmbio e transferência de valores para fora do país [27]". Essas prerrogativas não foram utilizadas por Vargas na forma de acordo ou tratado internacional, mas tão somente em relação às trocas comerciais que já existentes, acentuando-se em relação aos Estados Unidos da América. Isso se deve ao caráter político nacionalista de Vargas, conforme alhures abordado. Embora a constituição outorgada estabeleça princípios basilares de nossas relações internacionais, os quais têm o dever de aprimorar as relações do nosso país com o mundo, prezando pelo respeito aos direitos humanos, independência nacional e manutenção da paz mundial.

À época do Estado Novo as relações internacionais se encontravam bastante afetadas como consequência da crise do capitalismo mundial, em razão da quebra da Bolsa de Valores em Nova Iorque, em 1929, que trouxe uma crise sem paralelo ao capitalismo. O mundo capitalista faliu. A única nação que vivia fora da jogatina da Bolsa de Valores, a União Soviética, foi quem restou infensa à crise.

O principal produto da pauta de exportações brasileiras na ocasião era o café, considerado produto de sobremesa. E, à evidência, em situações de crise, as sociedades humanas economizam com o supérfluo. O café era, pois, um produto supérfluo, vindo as exportações brasileiras a sofrer vertiginoso decréscimo.

Com a expansão do capitalismo internacional, contrariamente à pretensão de Getúlio Vargas que claramente concebia esse fenômeno como uma ameaça em potencial ao Estado brasileiro. No entanto, por contrariar determinados anseios das classes excluídas, atendeu, todavia, algumas das reivindicações dos capitalistas vindo a acolmatar as demandas burguesas mais imediatas. A sua pretensão de minar um compromisso entre as classes sociais em prol dodesenvolvimento capitalista proporcionou que parcelas significativas das classes dominantes, bem como da classe média, tolerassem o trabalhismo de Vargas por um determinado período de tempo. Contudo, o apoio da burguesia é retirado quando se considera que a aproximação entre governo e trabalhadores representa-lhes uma ameaça. Neste ponto, ALMEIDA JR [28]. (1981:252), em pertinente comentário, ainda que com dúvida, observa:

que o conflito não diz respeito a modelos diferenciados de desenvolvimento econômico, e, aí, o ponto crucial da questão se centrava mais no âmbito da participação política das massas e na disposição da burguesia de não ceder diante das reivindicações cada vez mais ativas da classe operária.

O posicionamento político de Vargas colocava o governo em permanente tensão, ao que se deve acrescentar que o nacionalismo se mostrava uma bandeira capaz de ganhar a simpatia de uma ampla gama de segmentos sociais, a qual ia desde políticos tradicionais do interior até a classe operária urbana, passando pela classe média que se identificava com a modernização e a indústria.

Por outro lado, esse discurso também costumava estar associado a visões esquerdistas, o que poderia gerar apreensão nestes mesmos segmentos. Mesmo assim, a atividade industrial brasileira conheceu, durante o Estado Novo, uma crescente diversificação e expansão da produção.

Com efeito, pode-se dizer que a ação da indústria brasileira, na questão da substituição de matérias-primas estrangeiras por outras similares, extraídas dos produtos nacionais, como decorrência dos acontecimentos que deflagraram a Segunda Guerra Mundial, quando os estabelecimentos industriais brasileiros procuraram incentivar a produção agrícola para a retirada de fibras para seus produtos.

Na verdade a produção agrícola brasileira que outrora era destinada ao mercado externo, no regime do Estado Novo, voltou-se ao atendimento da produção e consumo nacional, a exemplo do açúcar no Nordeste, o algodão no Maranhão, a borracha na Amazônia, dentre outros.

No decurso do processo de diversificação da produção local, percebeu-se a necessidade de rever os impostos aduaneiros que incidiam sobre as matérias-primas necessárias à atividade industrial, já que os impostos cobrados à época se encontravam defasados na medida em que os interesses econômicos então prevalecentes eram totalmente diversos. Aflorou, portanto, em função do comércio exterior, da realidade brasileira e dos rumos que traçam a evolução da economia, a necessidade de se distinguir, no emaranhado das intenções subalternas das tarifas, o verdadeiro interesse da Pátria.

Durante o período da Primeira República os industriais brasileiros estiveram marginalizados do poder político e naturalmente do poder de decisão. Mesmo que muitos fazendeiros sejam industriais, são as oligarquias agrícolas e seus interesses que predominava. Após 1930 a marginalização política da burguesia continua a existir. Mas devido as necessidades concretas, pouco a pouco elementos da classe produtora passam a fazer parte de órgãos consultivos e se ligam a decisões econômicas governamentais, a exemplo do que ocorreu na formação do Conselho Federal de Comércio Exterior, em junho 1934 quando foram nomeados membros do da Associação Comercial e da Confederação Industrial do Brasil.

No Estado Novo, o nível de participação das classes produtoras torna-se importantíssimo, devido ao perigo da guerra ou, depois, com seu próprio advento, o governo necessitou da colaboração dos industriais e o contato entre ambos torna-se cordial e frequente.

Dentro dessa perspectiva realizou-se diversos Congressos visando a colaboração de industriais e comerciantes, mostrando o crescente poder decisório da classe e o aumento de seus interesses. Mesmo assim, embora essa classe tenha se tornado mais atuante no campo estatal, sua importância política é nula diante do ditador.

Calcado nessa perspectiva é que se pode entender a realização dos referidos congressos, dentre eles destaca-se o Congresso Brasileiro da Indústria realizado em 1944, ocasião em que se observou a realidade do nível de vida do provo brasileiro e as limitações da renda nacional, sobre a qual teria o sistema industrial que se apoiar em última instância, constatando-se que a evolução industrial de nenhum povo prescinde dos desligamentos de suas necessidades e de sua capacidade de utilizar os bens que resultam da produção. Essa realidade foi evidenciada, à medida que se expandiu a produção industrial e a insuficiente evolução econômica. Percebeu-se, pois, o imperativo de ordem nacional em apressar o processo dessa ampliação, já que não basta a consciência dessa necessidade.

Na lição de Carone [29] (1982:318-9),

Elevar o nível de vida implica em primeiro lugar, produzir, na era da superprodução e consequente competição, possuir essa máquina, ter um homem habilitado a maneja-la e estar na posse dos conhecimentos tecnológicos relativos à mesma. Produzir na era dos grandes investimentos, significa dispor de capitais e de créditos dentro e fora do país. Produzir na era da superprodução importa em construir grandes mercados, pelo menos internos e mesmo externos. Tais problemas trazem no bojo outros problemas, também altamente complexos, de que são exemplo, entre outros, o da fabricação em grande escala, do aço no país, o da exploração dos combustíveis, o da realização de uma imprescindível rede de transportes, o do preparo intenso de técnicos. Tudo isso, evidentemente, tem de ser posto em equação. Não pode ser esta uma obra do acaso ou da improvisação, nem de simples ação isolada dos indivíduos. Urge planificar, (...) dentro dos quadros da realidade brasileira, como das tendências da economia mundial de após guerra e da profunda interdependência das nações.

A par dessa situação, o órgão das atividades industriais, ao definir o sentido da planificação do Brasil, firmou entendimento segundo o qual a planificação deve ser feita à margem do autoritarismo do Estado, que nelas devem colaborar como órgão predominantemente incentivador. Neste caso a ação do Estado deve ser, pois, planificadora, supletiva e auxiliar. Cabe-lhe menos a autoridade de interferir pelo comando do que acentuar a sua influência no sentido de assegurar a permanência do desenvolvimento das atividades produtivas.

Destaca-se o posicionamento de CARONE (1982:319)

O meio legítimo de construir a riqueza pública e de alcançar a prosperidade mundial é o da iniciativa privada, calcada nos princípios de igual oportunidade para todos e de igualdade perante a lei, com abstenção, pelos Governos, de concorrer com a indústria e o comércio.

Por meio do Congresso da Indústria Brasileira, recomendou-se a realização de estudos de geografia econômica, com o objetivo de traçar um verdadeiro zoneamento industrial que permitia mais intenso e adequado aproveitamento dos nossos recursos de matéria prima, de combustível, de transporte e de núcleos de população. Com isto, reconheceu-se que um país de estrutura econômica, como o nosso, são essenciais as indústrias de transformação referentes à alimentação, ao vestuário e à habitação, indústrias que cumpre ampliar e aperfeiçoar na escala das necessidades dos mercados brasileiros e sul-americanos.

Dada a prioridade dos problemas, com a planificação industrial brasileira, com os limites do intervencionismo do Estado para assegurar o apoio à iniciativa privada, verdadeira fonte de todas as riquezas; a geografia industrial e as indústrias de base ou as indústrias de transformação, considerados os fatores da plainificação, com sua ordenação no espaço e no tempo; a mão de obra, a legislação social e a fiscal, a energia, os combustíveis, os transportes e a organização do crédito; o reajustamento da produção industrial às necessidades do período antes e pós guerra; os fatores de encarecimento e as medidas para baixar o preço de custo; até as questões transcendentes das normas de política industrial, em harmonia com os interesses das demais classe produtoras e com as necessidades do consumo, tudo foi ventilado na industrialização durante o Estado Novo.

Sobressai o problema da mobilidade psicológica e da legislação social na parte que diz com os objetivos de ampliação do nosso parque industrial. O Estado Novo, por meio do seu órgão diretivo destacou a necessidade de se dar ao trabalhador o estímulo de segurança e de confiança, pelas garantias de uma adequada legislação social, com flexibilidade suficiente para adaptar-se ao estado de transição imposto pela planificação econômica do País. Incumbe, assim, ao Estado, garantir um ambiente de confiança nas atividades produtivas assegurando ao empregado direito ao trabalho e facilitando providências de aumento do seu poder aquisitivo, mediante abstenção de política monetária inflacionária.

3.1 A atividade industrial no Brasil durante o Estado Novo

No Brasil, a indústria deu seus primeiros passos ainda no século XIX. A economia cafeeira, dominante nesse período, dinamizou as atividades urbanas, estimulou a imigração européia e gerou um empresariado nacional com capacidade de investir em alguns setores industriais. Os imigrantes trouxeram hábitos de consumo de produtos industrializados e alguma experiência como operários. Aos poucos formou-se um mercado interno que se ampliou, no final do século XIX, com a abolição da escravidão e com a intensificação do processo de imigração.

Indústrias de alimentos, calçados, tecidos, confecções, móveis e bebidas se espalharam rapidamente, sobretudo no estado de São Paulo, centro da atividade cafeeira e principal porta de entrada dos imigrantes. Apesar de todos os avanços da industrialização, a economia ainda era comandada pela produção agrícola, especialmente de café.

No início do século XX, a indústria continuou a crescer e a aumentar sua participação na economia brasileira. Algumas indústrias eram estrangeiras, mas predominavam as nacionais, na maioria desenvolvidas por imigrantes, a partir de pequenas oficinas artesanais.

Contudo, a marcha inicial do crescimento industrial deu-se com a edição da Lei Eusébio de Queirós assinada em 1850 que proibia o tráfico de escravos, e que trouxe duas conseqüências importantes para o desenvolvimento industrial, tais como i) os capitais que eram aplicados na compra de escravos ficaram disponíveis e foram aplicados no setor industrial; ii) A cafeicultura que estava em pleno desenvolvimento necessitava de mão-de-obra. Isso estimulou a entrada de um número considerável de imigrantes, que trouxeram novas técnicas de produção de manufaturados e foi a primeira mão-de-obra assalariada no Brasil. Assim constituíram um mercado consumidor indispensável ao desenvolvimento industrial, bem como força de trabalho especializada.

O setor que mais cresceu foi o têxtil, favorecido em parte pelo crescimento da cultura do algodão em razão da Guerra de Secessão dos Estados Unidos, entre 1861 e 1865.

Na década de 1880 ocorreu o primeiro surto industrial quando a quantidade de estabelecimentos passou de 200, em 1881, para 600, em 1889.

Esse primeiro momento de crescimento industrial inaugurou o processo de Substituição de Importações.

Entre 1914 e 1918 ocorreu a Primeira Guerra Mundial e, a partir dai, vamos constatar que os períodos de crise foram favoráveis ao nosso crescimento industrial. Isso ocorreu também em 1929 com a Crise Econômica Mundial e, mais tarde, em 1939 com a 2ª Guerra Mundial, até 1945.

Nesses períodos a exportação do café era prejudicada e havia dificuldade em se importar os bens industrializados, estimulando dessa forma os investimentos e a produção interna, basicamente indústria de bens de consumo.

A crise mundial de 1929 abalou profundamente o mundo capitalista, Entre 1929 e 1932 houve uma redução de 50% na produção industrial dos Estados Unidos. Muitos trabalhadores perderam seus empregos, retraindo ainda mais o mercado de consumo. A produção agrícola também não encontrava compradores. Muitas empresas e bancos faliram e os investidores do mercado de capitais (compra e venda de ações) viram os seus títulos transformarem-se em papéis como outros quaisquer, sem nenhum valor.

Num primeiro momento, a depressão econômica teve efeito devastador também para o Brasil. O país tinha estruturado toda a sua economia com base no mercado externo e dependia das exportações de um único produto: o café, que no final da década de 1920, representava cerca de 70% das exportações brasileiras. A crise econômica agravou, em parte, a insatisfação política e Getúlio Vargas que tomou o poder através de um golpe de Estado contra o domínio da oligarquia agrária, que tinha comandado o país na primeira fase da República (1889-1930).

O Brasil não deixou de exportar o café, mas a quantidade exportada caiu mais de 80%, e caiu também seu preço no mercado internacional. Como o café era ainda a principal fonte brasileira de divisas, no início o governo Vargas manteve uma política de proteção à lavoura ao desvalorizar a moeda nacional para que o produto chegasse com valor mais competitivo no mercado externo.

O quadro da economia do país, de um modo geral, não estimulava o desenvolvimento industrial. Mas a crise abriu uma brecha que uma parte dos empresários soube aproveitar. O violento corte nas importações de bens de consumo criou uma conjuntura favorável ao investimento na produção da indústria nacional. As indústrias brasileiras passaram a ocupar, em boa parte, o mercado que antes era praticamente abastecido só pelos produtos importados. Foi a partir daí que a industrialização transformou-se num setor importante da economia e alcançou taxas de crescimentos superiores ao setor agrário. Por essa razão, afirma-se que o primeiro momento da industrialização brasileira baseou-se na substituição de importações pela produção interna.

Além disso, o Estado brasileiro passou a estimular os empresários industriais que, em 1931, já se haviam organizado em São Paulo, com a criação da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). O governo, ao mesmo tempo em que facilitava a importação de máquinas e equipamentos industriais, dificultava a entrada de produtos que pudessem concorrer com os da indústria nacional. Com essas medidas, a economia diversificou-se tanto no setor industrial como no setor agrário. Ao lado das indústrias têxteis e alimentícias apareceram outros setores, como cimento, aço, materiais de transportes e de extração mineral.

A primeira metade da década de 1940, ainda no governo Vargas, na vigência do Estado Novo, foi decisiva para a criação de uma infra-estrutura industrial, com a fundação da Companhia Siderúrgica Nacional, da Companhia Vale do Rio Doce, da Companhia Nacional de Álcalis, da Fábrica Nacional de Motores e outras. Todas essas empresas tinham participação majoritária do capital estatal.

Imperava no país o capitalismo monopolista comandado pelo Estado que detinha o controle da atividade produtiva com maior rentabilidade o que se revela como barreira aos investimentos estrangeiros. Desse modo, na vigência do Estado Novo, Getúlio Vargas não firmou nenhum tratado ou acordo internacional na área do Comércio exterior, mormente porque sua política pautava-se em exacerbado nacionalismo.

Predominava no país a indústria de bens de consumo que já abastecia boa parte do mercado interno. O setor alimentício cresceu bastante, principalmente com a exportação de carne que ultrapassou o setor têxtil. A economia do país continuava, no entanto, dependente do setor agroexportador, especialmente o café, que respondia por aproximadamente 70% das exportações brasileiras.

Contudo, a atividade industrial foi marcada, consideravelmente pela Revolução de 1930, com Getúlio Vargas, que operou uma mudança decisiva no plano da política interna, afastando do poder do estado oligarquias tradicionais que representavam os interesses agrários-comerciais. Getúlio Vargas adotou uma política de industrialização do país com a substituição de mão-de-obra imigrante pela nacional. Essa mão-de-obra era formada no Rio de Janeiro e São Paulo em função do êxodo rural em razão da decadência da produção cafeeira, em vista à crise mundial de 1929, além de movimentos migratórios de nordestinos. Vargas investiu forte na criação da infra-estrutura industrial, sobretudo a indústria de base e energia. Destacando-se a criação do i) Conselho Nacional do Petróleo (1938); ii) da Companhia Siderúrgica Nacional (1941); iii) da Companhia Vale do Rio Doce (1943); e, iv) da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (1945).

Dentre os fatores que contribuíram para o desenvolvimento industrial a partir de 1930 e a vigência do Estado Nova, destacam-se i) o grande êxodo rural, devido a crise do café, com o aumento da população urbana que foi constituir um mercado consumidor; ii) a redução das importações em função da crise mundial e da 2ª Guerra Mundial, que favoreceu o desenvolvimento industrial, livre de concorrência estrangeira.

Esse desenvolvimento ocorreu principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, definindo a grande concentração espacial da indústria, que permanece até hoje.

Uma característica das indústrias que foram criadas desde a 1ª Guerra Mundial é que muitas delas fazem apenas a montagem de peças produzidas e importadas do exterior. São subsidiárias das matrizes estrangeiras.

No início da 2ª Guerra Mundial o crescimento diminuiu porque o Brasil não conseguia importar os equipamentos e máquinas que precisava. Isso ressalta a importância de possuir uma Indústria de Bens de Capital.

Apesar disso as nossas exportações continuaram a se manter acarretando um acúmulo de divisas. A matéria-prima nacional substituiu a importada. Ao final da guerra já existiam indústrias com capital e tecnologia nacionais, como a indústria de autopeças.

O Conselho Federal de Comércio Exterior, fundado em 1934, renovado em 16 de dezembro de 1937 e em 17 de março de 1939, foi criado inicialmente para ajudar o desenvolvimento do comércio exterior e servir de órgão administrativo interno. A partir do Estado Novo a sua importância e a extensão de suas medidas aumentaram. Fazem parte do seu Conselho desse órgão membros dos ministérios e das associações industriais e comerciais. O objeto fundamental desse organismo era que se tornasse uma instância deliberativa máxima para as decisões concernentes ao desenvolvimento e nacionalização dos ramos industriais e econômicos em geral. É assim pode-se enumerar algumas conseqüências de suas decisões, tais como: i) o instituto do Sal nasce com seu beneplácido; ii) são protegidas as duas fábricas nacionais de vidro; iii) instituição do plano contra a concorrência estrangeira.

Na verdade, o Estado Novo transformou esse órgão num mecanismo de análise e decisão, onde se pretende encarar as necessidades internas e externas da Nação como um bloco e não isolamento - segundo os interesses dos grupos ligados às atividades específicas.

Assim, o Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, considerando a conveniência de dar ao Conselho Federal de Comércio Exterior a organização que lhe permita melhor atender as suas finalidades até que se instalasse o Conselho da Economia Nacional de que trata o artigo 57 da Constituição [30], como organismo autônomo ligado diretamente ao Presidente da República.

Concebe-se, no entanto, ainda que no final da vigência do Estado Novo, houve uma abertura à participação dos agentes econômicos na tomada de decisão, adquirindo feições de um Estado Democrático.

Com isso, no Estado democrático, os partidos políticos e movimentos sociais, assim como os setores produtivos reivindicam veementemente a transparência, a publicidade, a visibilidade do poder público, assim como a participação na gestão da coisa pública, demandando inovação de formas e conteúdos da ação política como antídoto eficiente contra os malefícios praticados pelos agentes públicos.

A propósito, admite Lafer [31], (1994:233), que:

É por este motivo que, por obra do legado kantiano, no como são tomadas as decisões numa democracia, o princípio da visibilidade do poder é constitutivo, pois permite a informação sem a qual todos não podem formar uma opinião apropriada sobre a gestão da coisa comum, para, desta maneira, exercer seu poder de participação e controle.

No período correspondente aos dois últimos anos do Estado Novo verifica-se a concepção de Getúlio Vargas como adepto do Estado social, no plano dos direitos, que foram regulamentados, especialmente pela Consolidação das Leis Trabalhista de 1943, além dos atos reguladores da ordem econômica e social. Mesmo assim, permaneceu o Estado liberal, na medida em que delimitou-se a atuação do poder político, da organização política e das garantia dos direitos individuais, deixando a ordem econômica por conta do mercado livre. Com isto pode-se falar que o Brasil se tornou em um Estado hibrido na reta final da ditadura varguista. Isto porque, tanto o Estado social quanto o Estado Liberal pode ser politicamente democrático ou anti-democrático, o que não interessa a este estudo, embora o Estado social se caracteriza por estabelecer mecanismos jurídicos de intervenção nas relações privadas econômicas, nas dimensões legislativa, administrativa e judicial, para a tutela dos mais fracos, tendo por objetivo final a realização da justiça social. Pontificou, incontestado, desde as Constituições mexicana de 1917 e alemã de 1919 até o início da década de oitenta do século vinte, quando passou a sofrer o assalto crescente do neo-liberalismo, patrocinado pelas nações centrais, e da globalização econômica, amplificada pela revolução da informática.

O Estado social, ainda na ditadura do Estado Novo, foi vítima de seu próprio sucesso, diz Gomes Canotilho [32], para o qual as constituições "socialmente amigas" sofrem as críticas amargas da "crise de governabilidade", do "flagelo do bem", do "fim da igualdade", da "bancarrota do Estado". Tal perplexidade está sendo aguçada, como vimos acentuando, pela globalização econômica, na medida que aprofunda a tendência pela substituição do Estado de bem-estar para o Estado regulador, enquanto for necessária essa função de garantia das regras do jogo das forças econômicas hegemônicas e Getúlio Vargas foi compelido a se submeter a essas forças.


Conclusão

Ao longo deste trabalho foi abordado o contexto político e econômico brasileiro e seus reflexos no plano interno e externo durante a vigência do Estado Novo, no que diz respeito a sua influência sobre a movimentação de capitais que fluem dos países centrais para a periferia do sistema na forma de financiamentos, empréstimos e investimentos diretos. Também foi feito um apanhado ainda que superficial dos aspectos da composição da sociedade brasileira e os interesses que em geral podem ser associados às classes sociais que a compõe. A seguir passou-se a tratar do governo: a existência de uma estratégia de desenvolvimento, e os seus aspectos de continuidade e mudança.

Pode-se dizer que o governo Vargas atuou de acordo com o ideário desenvolvimentista, ou seja, visando promover o desenvolvimento. Com vistas a isto adotou estratégias (não formalizadas) que vêem na industrialização a forma de superar o subdesenvolvimento. Para promovê-la caberia a intervenção do Estado na economia, seja diretamente através de investimentos públicos, seja indiretamente, estabelecendo incentivos para investimentos, cujo capital seria predominantemente nacional.

Outra idéia que perpassa estas estratégias é a de acelerar o processo de industrialização revertendo o mais lapidarmente possível a situação de atraso em que o pais se encontrava. Estes são, do ponto de vista da estratégia de desenvolvimento do governo, os aspectos que permanecem.

As principais mudanças, que passam a ocorrer já a partir dofinal de I930 decorrem de uma flexibilidade para com o capital estrangeiro, especialmente os recursos oriundos dos Estados Unidos no que diz respeito à sua intenalização e movimento. Assim, o governo foi abrindo mão do controle sobre estes capitais, ao mesmo tempo em que se dedica cada vez mais à criação, na economia nacional, de condições favoráveis à sua atração. Ou seja, progressivamente passa a atuar conforme os interesses do capital externo para com a economia nacional, e aproveita a conjuntura externa da maneira mais adequada possível em relação aos seus objetivos. Logicamente isto não ocorre de forma linear e sem percalços, como demonstram as dificuldades encontradas para obtenção dos financiamentos.

Por outro lado, a literatura consultada indica que a burguesia industrial tem uma postura ideológica adequada aos seus interesses econômicos. Em que pese haver a defesa da industrialização, ela encontra dificuldades para superação de particularismos e imediatismos que dividem as suas posições e a mantém fragmentada, impedindo que este projeto industrializante se torne hegemônico.

Nesse contexto, podem ser vislumbradas algumas motivações para o seu apoio ao governo e sua retirada, conforme este se mostre mais próximo ou se afaste do atendimento de alguns interesses mais imediatos que lhe são caros, de modo que, há uma qualificação positiva da intervenção do Estado que se legitima pela própria participação da burguesia nas esferas decisórias do governo, o que não a impede de protestar quando percebe a intervenção como invasão do seu espaço econômico. Coerente com esta orientação geral de conduta nota-se que a aproximação de Vargas do operariado, devido às particularidades do seu modo político de agir provoca o descontentamento da burguesia industrial, a qual não chega a romper com o governo.

Também é digno de nota o fato de a atuação da burguesia sugerir que a sua prioridade reside em obter vantagens imediatas a partir da utilização dos "favores" do governo, por meio de incentivos, mesmo que isto se desse em detrimento de outros seguimentos sociais, ou da sociedade como um todo em um período de tempo mais dilatado. Isto também se revela na ausência de uma perspectiva nacionalista da burguesia em seu horizonte ideológico, que é substituído pela retórica da necessidade de apoio do capital estrangeiro para o desenvolvimento da indústria nacional, mesmo que a ela se destinem as atividades secundarias, as quais são satisfatoriamente lucrativas em um ambiente de acentuado crescimento.

Por fim, na vigência do Estado Novo, a classe operária brasileira concebeu o mais relevante reconhecimento dos direitos sociais ao ver assegurado os seus direitos trabalhistas, o que torna a figura do ditador amplamente popular perante a maioria da população.


Referências Bibliográficas

ALMEIDA .IR.. Antônio M. Do declínio do Estado Novo ao suicídio de Getúlio Vargas. In I ALOISIO. Bons (ora.). Historia geral da civilização brasileira. Sao Paulo DIEFEF. 1981.

ANDRADF. Reais de ('.. Brasil: a economia do capitalismo selvagem. Lua nova. n. 57. 2002.

ARAÚJO, Rubens Vidal. Os Vargas. Globo, Rio de Janeiro: 1985.

BASTOS. Pedro P. Independência em progresso: fragilidade financeira. vulnerabilidade comerciai e crises cambiais no Brasil i 1S90-195-ÍI. ( ampmas. I "NIOAMP. Tese de doutorado. 2001.

. Qual era o projeto econômico varguistaV Sào Paulo: XIV Encontro Nacional de

Economia Polirica. 2009.

BARBOSA. Agnaldo de S.. Interpretações sobre a burguesia industrial brasileira: um breve balanço. Estudo* de Sctioiogia Iraraquara. n 15. 2005. p. s\-\ l

BOSCTÍl. Renato R.. Elites industriais e democracia. Rio de Janeiro: Edições Graal. 1979.

BRUM. Argemiro J.. C) desenvolvimento econômico brasileiro. Petropolis: Vol.es. 1985.

BUENO, Eduardo. Brasil: uma história - cinco séculos de um país em construção. Leya, São Paulo: 2010.

CARONE, Edgar. A terceira república - corpo e alma do Brasil. DIFEL, 2ª ed. São Paulo: 1982.

GARONH, Hdgard. A república liberal I - instituições c classes sociais (1945-1964) Sào Paulo: DIFEL. 1985.

DRAIBF. Soma M.. Rumos e metamorfoses: um estudo sobre a constituição do Estado e as alternativas da industrialização no Brasil. 1930-1960. Km de Janeiro Pa/ e I erra. 2004

FARIA. Vilmar. Mudanças i/a composição do emprego e na estrutura das ocupações. In BACFÍA. Edniar e KI.ITN. Ilerbert S.. A transição incompleta: Brasil desde 1915. Rio de Janeiro: Pa/e Terra. !9Xo.

FFRXAXDI.S. Floresian. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. Sào Paulo: d lobo. 2006.

FONSFCA. Pedro C. D.. Vargas: o capitalismo em construção. Sào Paulo: Brasiliense. 1999.

_ . Nem ortodoxia nem populismo: o segundo governo Vargas e a economia política brasileira. Mimeo. 2009.

Fl.TUWDO. Celso. lm projeto para o Brasil Rio de Janeiro: Saga. P»ó8.

O Mito do Desenvolvimento Econômico Rio de Janeiro Pa/ e Terra. I°7 I

Criatividade e Dependência na Civilização Industrial Rio de Janeiro Pa/ e Terra. I97S

Em Busca de .Novo Modelo. Sào Paulo: Pa/ e I erra. 2002.

. Raízes do Subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Civili/açao Brasileira. 200. v

IANNI. Octavio. Estado e capitalismo. Sào Paulo: Biasiliense. IVS9

I.ESSA. Carlos. 15 anos de política econômica. Sào Paulo: Brasibense. 1('82.

I.FOPOI.Dl. Maria A P. Política e interesses na industrialização brasileira: as associações industriais, política econômica e o estado. Sào Paulo: Pa/ e Teria. 2000


Notas

  1. Período da história brasileira que antecedeu ao Estado Novo.
  2. Preâmbulo da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 10 de novembro de 1937.
  3. Ib in idem
  4. Partidos políticos brasileiros, criados antes da instauração do Estado Novo.
  5. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10.11.1937, art. 73.
  6. Ib in idem.
  7.  
  8. Segundo o dicionário. Aurélio. Escolar da Língua Portuguesa. Totalitário, Adj. Diz-se do governo, país ou regime em que um grupo centraliza todos os poderes políticos e administrativos, não permitindo a existência de outros grupos ou partidos políticos.
  9. Movimento político-militar que tentou superar as oligarquias cafeeiras estabelecida no estado de São Paulo.
  10. Denominação dada às ações dos adeptos do Partido Comunismo do Brasil.
  11. Importante líder comunista brasileiro.
  12. Importante líder comunista brasileiro
  13. Palácio do governo da então URSS, hoje do governo Russo.
  14. Situação que leva à suspensão de determinadas garantias constitucionais por determinado período de tempo.
  15. Na realidade, o Plano Cohen fora forjado no interior do próprio governo para justificar perante a opinião pública nacional e internacional a sua permanência e o fechamento autoritário que promovia. Veja-se o histórico: Em 30 de setembro de 1937, quando se aguardavam as eleições presidenciais marcadas para janeiro de 1938, a serem disputadas por José Américo de Almeida e Armando de Sales Oliveira, ambos apoiadores da revolução de 1930, foi denunciado, pelo governo de Getúlio, a existência de um suposto plano comunista para tomada do poder. Esse plano ficou conhecido como Plano Cohen, e depois se descobriu ter sido forjado por um adepto do integralismo, o capitão Olímpio Mourão Filho, o mesmo que daria início à Revolução de 1964. Há várias versões e dúvidas sobre o Plano Cohen: Os integralistas negam ainda hoje participação deles no golpe de estado do Estado Novo, atribuindo ao general Góis Monteiro a transformação de um relatório feito pelo Capitão Mourão em um documento oficial: O dito Plano Cohen. Com a comoção popular causada pelo Plano Cohen, com a instabilidade política gerada pela Intentona Comunista, com o receio de novas revoluções comunistas e com as seguidas vezes em que foi decretado estado de sítio no Brasil, foi sem resistência que Getúlio Vargas deu um golpe de estado e instaurou uma ditadura em 10 de novembro de 1937, através de um pronunciamento transmitido por rádio a todo o País.
  16. Entusiasta correligionário de Getúlio Vargas.
  17. Temor decorrente da ação dos partidários comunistas.
  18. O Estado de guerra ou estado de emergência, de acordo com os artigos 166 a 170 da Constituição de 1937 poderia ser declarado, pelo Presidente da República, em todo território do País ou na porção do território particularmente ameaçado em caso de ameaça externa ou iminência de perturbações internas ou existência de concerto, plano ou conspiração, tendente a perturbar a paz pública ou por em perigo a estrutura das instituições, a segurança do Estado ou dos cidadãos, desde que se torne necessário o emprego das forças armadas para a defesa do Estado.
  19. Movimento de apóio ao governo de Getúlio Vargas.
  20. Sede do governo do Estado do Rio de Janeiro.
  21. CARONE, EDGARD. A terceira república - corpo e alma do Brasil, DIFEL, 2ª ed., São Paulo: 1982, p. 17.
  22. CARONE, EDGARD. A terceira república - corpo e alma do Brasil, DIFEL, 2ª ed., São Paulo: 1982, p. 26.
  23.  
  24. Pacto entre a Alemanha nazista e a Itália fascista, cuja aliança foi formada por esses países mais o Japão, em 1936. Esses países defendiam sistema político idênticos.
  25. Então Palácio do Governo brasileiro
  26. CEUB, Art. 74
  27. CEUB, art. 16
  28. ALMEIDA .JR. Antônio M. Do declínio do Estado Novo ao suicídio de Getúlio Vargas. In Aloísio. Bons (ora). Historia geral da civilização brasileira. São Paulo: DIFEL. 1981. p. 252
  29. CARONE, ob cit. p. 318.
  30. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 10.11.1937, art. 57.
  31. V. ob. cit., p- 233.
  32. CANOTILHO

Autor

  • José James Gomes Pereira

    Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Piauí. Curso de Formação de Oficiais pela APMPE em Paudalho, Pernambuco. Especialista em Direito Processual Penal pela Universidade Federal do Ceará. Desembargador no e. Tribunal de Justiça do Estado do Piauí. Especialista em História Política do Piauí pela Universidade Estadual do mesmo estado. Professor Universitário. Mestre pela Universidade Católica de Brasília – UCB. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universida del la Museo Argentino - UMSA e Pós-Doutorando em Direito Constitucional. Università deglí Studí Messína. Itália.

    Textos publicados pelo autor

    Fale com o autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, José James Gomes. Os tratados internacionais na vigência do Estado Novo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2866, 7 maio 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19066. Acesso em: 23 abr. 2024.