Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/19372
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Princípios do Direito da Energia

Princípios do Direito da Energia

Publicado em . Elaborado em .

Após a descentralização do sistema de geração, transmissão, distribuição e consumo, a energia só pode ser juridicamente entendida como dependente da tecnologia e dos recursos naturais.

SUMÁRIO: 1 Introdução – 2 O contexto de surgimento do Direito da Energia – 3 Descentralização e transnacionalização – 4 Inclusão e exclusão energética – 5 Energia e tecnologia – 6 Princípios do Direito da Energia – 7 Segurança no aprovisionamento energético – 8 Eficiência energética – 9 Não-retrocesso na utilização de tecnologias – 10 Acesso universal à rede de distribuição de energia – 11 Liberdade energética – 12 Considerações finais – 13 Bibliografia

Resumo: O Direito da Energia se consolidou como disciplina jurídica na Europa do final do século XIX. Mas apesar dos esforços da teoria jurídica, a sua autonomia disciplinar sempre foi ameaçada pela falta de princípios próprios. A partir da semântica ecológica da década de setenta, o Direito da Energia passa a incorporar também referências à sustentabilidade ambiental. Atualmente – e especialmente após a descentralização do sistema de geração, transmissão, distribuição e consumo de energia –, a energia só pode ser juridicamente entendida como dependente da tecnologia e dos recursos naturais. Essa tríplice referência jurídica, ecológica e tecnológica permite pensar em princípios específicos ao Direito da Energia: o princípio da segurança no aprovisionamento energético, da eficiência energética, do não-retrocesso na utilização de tecnologias, do acesso universal à rede de distribuição de energia e, por fim, o princípio da liberdade energética.

Palavras-chave: Direito da Energia; princípios; tecnologia; recursos naturais.

Abstract: Energy law was consolidated as a judicial subject at the end of the 19th century. But, despite all the efforts from the judicial theory, your disciplinary autonomy was always in danger because of the lack of its own principles. With the ecologic semantic from the 70's, the Energy Law also started to incorporate ambient sustainability concepts. Nowadays – especially after the decentralization of the generation, transmission, distribution and energy consumption's system – the energy can only be judicially understood as dependent from the technology and the natural resources. Those triple judicial, ecological and technological references allow us to think about Energy Law's specific principles: the principle of safety in the energy upgrading (or advance), the principle of energy efficiency, the principle of the technological use's improvement, the principle of universal access to the energy distribution's web and, finally, the principle of energy freedom.

Key-words: Energy Law, principles, technology, natural resources.


1 Introdução

As transformações sociais provocadas pela máquina a vapor foram enormes. Mas enquanto as sociedades industriais do século XIX enfrentavam o problema da "máquina", a sociedade mundial contemporânea enfrenta o problema do "vapor". A sociedade contemporânea se depara com os limites ecológicos do desenvolvimento e isso produz uma orientação diferente no modo de relacionamento da sociedade com o ambiente. Antes era a máquina que tinha que ser aperfeiçoada para produz mais trabalho, com mais velocidade, com mais potência e com mais automatização. Agora as máquinas têm que ser aperfeiçoadas para continuarem a produzir trabalho com economia de energia. Isso significa um deslocamento significativo na orientação da sociedade: a orientação se desloca, daquele otimismo tecnológico da conquista do universo, para uma expectativa de otimização econômica da relação entre a sociedade e seu ambiente natural.

Essa expectativa atinge em cheio o Direito da Energia. A questão energética colocada para o direito não está mais apenas nas relações entre produção, transmissão, distribuição e consumo de energia. Agora a energia tem que ser pensada também como a) um recurso natural escasso que coloca como problema a própria continuidade operativa da sociedade como um todo; b) e ao mesmo tempo como um produto cuja utilização não pode agravar a situação ecológica do planeta. E isso significa: exigências de sustentabilidade ambiental.

No que segue, pretende-se enfrentar a questão da colocação de princípios no campo do Direito da Energia, de modo a possibilitar a institucionalização jurídica de referências sistêmicas com a ecologia, a economia e a política. Em outras palavras, pretende-se analisar a semântica da energia para extrair dela princípios capazes de mediar a abertura das decisões jurídicas a referencias ecológicas, econômicas e políticas. E para ser atingindo esse nível de abstração, serão utilizados alguns aportes da teoria dos sistemas sociais autopoiéticos de Niklas Luhmann.


2 O contexto de surgimento do Direito da Energia

O Direito da Energia surgiu na Europa, no final do Século XIX, a partir de um problema que hoje os juristas chamam de "colisão de preceitos fundamentais". Naquele contexto histórico de liberalismo político e econômico, a propriedade privada era entendida como uma garantia fundamental. Mas ao mesmo tempo – e sob o pano de fundo de um deslumbre diante dos avanços tecnológicos da ciência positivista –, a energia elétrica encontrou uma rápida absorção na economia. Sob um clima de otimismo tecnológico, o problema que se colocava em termos jurídicos era, então, o de como satisfazer o direito à livre iniciativa dos empreendimentos de eletricidade e a demanda crescente de energia elétrica se, ao mesmo tempo, a satisfação dessa demanda exigia a violação do direito de propriedade para a passagem de linhas de transmissão de energia? Do final do Século XIX até a primeira década do Século XX, todos os esforços da teoria jurídica foram concentrados no sentido de estabelecer as condições legais sob as quais a violação do direito de propriedade privada, pela passagem das linhas de transmissão de energia elétrica, não caracterizaria uma violação (Armissoglio, 1889, p. 2; Pipia, 1900, p. 321; Baldi, 1908, p. 4; Istel & Lémonon, 1914, p. 261). Esse mesmo esforço da teoria jurídica aparece também no Brasil do início do Século XX (Mendonça, 1939, p. 5; Valladão, 1904, p. 5).

O objetivo do Direito da Energia, nesse período histórico, é justificar procedimentos legais que legitimam exceções à propriedade privada, à liberdade individual e à inviolabilidade do domicílio. Daí o interesse generalizado dessa doutrina em afirmar a natureza jurídica de direito público das instalações elétricas, para conectá-la ao interesse público que logo se sobrepõe ao particular. Decorrência dessa construção são as servidões de passagem como meios de instrumentalização jurídica da necessidade de restringir direitos de propriedade para a passagem de redes de energia; as concessões públicas para o exercício da livre iniciativa em empreendimentos de energia elétrica; bem como questões ligadas a tarifas e tributos sobre a energia, contratos de compra e venda, responsabilidade civil por danos decorrentes de eletrocussão, além de discussões sobre a natureza jurídica da energia elétrica para fins de tipificação penal do furto. Toda discussão da doutrina jurídica, aqui, ressalta, na forma da necessidade de se assegurarem os direitos à propriedade privada, à liberdade, à inviolabilidade do domicílio e etc., as condições jurídicas para excepcionar esses direitos. E o eixo argumentativo é duplo: um externo, baseado no clima de otimismo dos desenvolvimentos tecnológicos, e outro interno, baseado no interesse público.

Antes da eletricidade, as matrizes energéticas estavam baseadas na queima de combustíveis vegetais e fósseis, como o carvão e derivados de petróleo, além da energia do trabalho humano e animal. Esses tipos de energia não suscitavam problemas novos para o direito, porque eventuais conflitos decorrentes tanto da sua produção, como do transporte e consumo, cabiam exatamente nas formas contratuais tradicionais do direito privado. Os problemas jurídicos surgiram somente com a energia elétrica, já que a sua produção, transporte e distribuição afetava o dogma da liberdade privada. O que chama a atenção nesse período de passagem do Século XIX ao Século XX é que toda a argumentação utiliza referências predominantemente econômicas. As justificativas das construções jurídicas utilizam sempre o valor "desenvolvimento" (Blaevoet, 1930; Canby, 1966; Ippolito, 1969; Mandelbaum, 1963). Nessa semântica, colocar-se contra os empreendimentos de geração de eletricidade seria o mesmo que colocar-se contra o desenvolvimento. Nessas condições, o dogma da propriedade privada logo cedeu espaço à exigência econômica do desenvolvimento baseado na energia elétrica. Isso permitiu que, no Brasil da era Getúlio Vargas (1930-1945), o Direito da Energia se abrisse à discussão política das alternativas entre nacionalização, socialização, estatização ou municipalização da geração de energia (Cavalcanti, 1939, p. XCIV). Essa oportunidade, contudo, não foi aproveitada pela teoria do Direito da Energia. A discussão política a respeito da energia ficou a cargo do Estado, especialmente do Exército, sob o nome de geopolítica [01].

Com os desenvolvimentos de tecnologias de energia nuclear na década de cinquenta, o Direito da Energia – que até então tinha por objeto apenas as questões tangenciadas pela energia elétrica – passou a incorporar também em seu âmbito disciplinar a energia elétrica gerada pela fissão nuclear, pela queima de combustíveis vegetais ou minerais fósseis (carvão, petróleo e derivados), pelo aproveitamento da força mecânica dos ventos (energia eólica) e das águas (energia hidráulica) e pelo aproveitamento da energia solar. Mas a despeito dessa ampliação do seu âmbito disciplinar, o Direito da Energia manteve-se sob sua base de referência predominantemente econômica. As únicas exceções, que apontam para uma referência política, estão nas questões da eletrificação rural (Aranha, 1973, p. 6-18; Bueno, 1970, p. 44) e nas questões – surgidas após a criação do sistema de eletricidade interconectado em nível nacional (década de trinta) – das possibilidades de concessão do serviço de geração/distribuição de energia a empresas estrangeiras e de exportação de energia elétrica a países vizinhos (Brito, 1966, p. 5-14; Cancio, 1968, p. 80-86). A questão que se coloca sob essa semântica do Direito da Energia é a de como o direito pode contribuir para o desenvolvimento econômico.

Somente no início da década de setenta começam a surgir as primeiras referências à comunicação ecológica dos Club’s norte-americanos de preservação ambiental. Até mesmo a edição do Código Florestal de 1965, que instituiu severas exigências de preservação florestal, foi justificada na necessidade de estimular a redução do consumo de energia baseado na lenha – que na época importava em 40% da produção energética brasileira – e garantir os insumos da indústria de celulose e papel através de incentivos ao reflorestamento (Leite, 1997, p. 211). Somente a partir da década de oitenta o Direito Ambiental passa a integrar a agenda das preocupações do Direito da Energia. E do mesmo modo como o Direito da Energia justificou, mediante uma série de condições legais, uma exceção ao direito de propriedade privada, também o então novo Direito Ambiental justificou, mediante condições procedimentalizadas na forma de licenciamentos, uma exceção à livre iniciativa energética. Agora os impactos ambientais devem ser mitigados e compensados. Ao lado da referência econômica do Direito da Energia, surge também uma referência ecológica, que vai se apresentando cada vez mais forte e autônoma em relação às inconstâncias políticas da Reforma Econômica do período 1964-1974 ou às inconstâncias econômicas das duas crises do petróleo no período de 1974-1985. Mas apesar de todas as inconstâncias políticas e econômicas do Século XX, o Direito da Energia manteve-se centrado, predominantemente, nos mesmos temas do contexto do seu surgimento: desapropriação, servidão, concessão, contratos, tarifas, tributos, responsabilidade civil e furto de energia. As questões relativas ao Direito Ambiental ganharam capítulos nos textos de Direito da Energia. Mas somente sob a forma de condições, requisitos, pressupostos normativos, que uma vez cumpridos, possibilitariam a continuidade do desenvolvimento do setor de energia. A semântica ecológica aparece, no Direito da Energia, sob a forma de exigências de compatibilização, conciliação, integração, harmonização e etc., do desenvolvimento econômico com a preservação do meio ambiente [02]. E essa semântica da harmonização perdura até hoje, inclusive nos textos de Direito Ambiental.


3 Descentralização e transnacionalização da produção de energia

Um impacto significativo no Direito da Energia brasileiro surgiu na década de noventa, não só pela regulamentação Constitucional da ordem econômica, pelo Código do Consumidor e pelas legislações na área do meio ambiente, mas principalmente em razão das privatizações e do início do processo de desregulamentação do setor elétrico. O Programa Nacional de Desestatização (PND) do Governo Fernando Henrique Cardoso iniciou com a MP 115, convertida na Lei 8.031/90, a qual foi revogada pela Lei n. 9.491/97. A inclusão das empresas federais no PND se deu pelo Decreto n. 1.503/95. Após, entrou em vigor a Lei n. 8.631/93, que extinguiu o nivelamento geográfico das tarifas e os 10% mínimos de retorno garantido sobre os ativos (Contas de Resultados a Compensar e Reserva Nacional de Compensação de Remuneração). Essa lei institucionalizou um novo mercado energético ao distinguir entre tarifas de suprimento (atacado: entre geradores e distribuidores, incluído o custo de utilização da linha de transmissão) e tarifas de distribuição (varejo: entre distribuidores e consumidores finais, variando o preço segundo classe residencial, industrial ou comercial). Logo após entrou em vigor a Emenda Constitucional n. 5/95 e a Lei n. 8.987/95, que regulamentou o art. 175 da CF/88 e instituiu os princípios básicos da concessão de serviços públicos, incluindo a previsão dos critérios gerais de manutenção do equilíbrio econômico e financeiro da concessão. Outro passo foi dado pela Lei n. 9.074/95, que renovou as concessões existentes e permitiu novas concessões, condicionadas a um desmembramento claro das atividades de geração, transmissão e distribuição. As tarifas então foram distribuídas conforme o segmento do mercado (geração, transmissão e distribuição) e a tarifa de suprimento original foi dividida em tarifas de geração e de transmissão. Essa mesma lei prorrogou por mais 20 anos as concessões de usinas em construção, exigindo explicações e providências, bem como a participação compulsória de no mínimo um terço de capital privado. Além disso, foi criada uma espécie de princípio da não-exclusividade das concessionárias de distribuição de energia elétrica sobre seus consumidores. Os arts. 15 e 16 exigem, agora, que os consumidores possam optar pela compra de energia elétrica de uma ou de outra concessionária de distribuição. A única exceção é a do art. 16 da Lei 8.987/95, que permite a exclusividade se houver inviabilidade técnica ou econômica justificada. Outro princípio que se extrai daqui é o do direito universal de acesso à energia, no sentido de conexão à rede de distribuição, tanto para os consumidores como para fornecedores e distribuidores.

A partir desse processo de desregulamentação/privatização do setor elétrico, o Brasil optou, baseado na experiência das commissions norte-americanas, pela institucionalização de organizações semi-estatais, denominadas Agências Reguladoras. A Lei n. 9.427/96 criou a Aneel. E nesse mesmo ano, a Eletrobrás contratou a consultoria da empresa inglesa Coopers & Lybrand para projetar o novo mercado livre de energia no Brasil. Apesar de inúmeras controvérsias políticas (Goldenberg & Prado, 2003), foram essas recomendações que resultaram na Lei n. 9.648/98, que reestruturou a Eletrobrás e criou o ONS (Operador Nacional do Sistema Interligado), o MAE (Mercado Atacadista de Energia Elétrica) e a ASMAE (Administradora de Serviços do Mercado Atacadista de Energia Elétrica), bem como o Comitê Coordenador do Planejamento da Expansão do Sistema.

Esse processo também ocorreu no âmbito da energia fóssil. Desde o Decreto-Lei n. 395/38, que nacionalizou a indústria de refinação do petróleo importado ou nacional, a União exercia monopólio sobre o petróleo. A Lei 2.004/53 manteve o petróleo no monopólio exclusivo da União e a Constituição de 1967 o confirmou. Em todo esse período, o petróleo manteve-se nacionalizado. A exploração e refino só poderiam ser realizados por empresas públicas. A Emenda Constitucional 9/95 quebrou esse monopólio, permitindo a contratação, pela União, de empresas estatais ou privadas para a realização das atividades dos I a IV do art. 177. A lei que regulamenta essas condições é a Lei n. 9.478/97 – a Lei da Política Energética Nacional – que revogou a Lei n. 2.004/53 e institui o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo – atualmente "Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis", face a inclusão dos biocombustíveis na política energética nacional pela Lei n. 11.097/05. Antes da emenda 9/95, o monopólio sobre o petróleo poderia ser exercido através de instituição criada por lei federal, justificada na indispensabilidade da atividade por motivo de segurança nacional e de necessidade de organização do setor. A própria Constituição anterior (art. 169) colocava com exclusividade a lavra de petróleo. Com a Emenda 9/95, a exploração, refino, transporte e distribuição de petróleo passou a poder ser realizada por empresa privada, mediante concessão. Atualmente, o petróleo e derivados são explorados pela Petrobrás, em associação estratégica com empresas privadas estrangeiras como a Chevron, Texaco, Exxon Móbil, Shell, TotalFinaElf, El Paso, Unocal, Statoil e Partex (Paula, 2002, p. 121).

A única atividade de produção de energia elétrica que se manteve sob monopólio exclusivo da União, no Brasil, foi a energia nuclear. E atualmente, surgem novas tecnologias para o aproveitamento de fontes alternativas de energia, como a eólica, a solar (térmica e fotovoltaica), a geotérmica e uma série de novas fontes baseadas no aproveitamento de biomassa – os biocombustíveis. Quer dizer, ao lado de tecnologias de produção de energia centralizadas no Estado, desenvolvem-se atualmente tecnologias de produção de energia à margem do Estado. E isso significa o início de um processo de descentralização e transnacionalização radical da produção energética. Especialmente porque, no cenário atual mundial, essas tecnologias alternativas já se apresentam competitivas e economicamente viáveis (Comissão Europeia, 2007), além de satisfazerem as expectativas ecológicas da sociedade. Em outras palavras, diferentemente de todos os desenvolvimentos do Direito da Energia do Século XX, o sistema mundial de energia tende, hoje, a uma forma de organização sem precedentes na história: a produção energética tende a uma descentralização, diante da qual podem ser observadas múltiplas oportunidades: a) uma política energética de estímulo a essa descentralização – como é o caso da União Europeia (Comissão das Comunidades Europeias, 2007) e EUA (U.S.Departament of Energy, 2000); b) uma política energética de resistência a essa descentralização – como ocorre na Bolívia e Venezuela [03]; c) ou ainda uma política energética orientada a oportunidades econômicas, baseada em um cenário favorável ao aproveitamento dos recursos naturais internos diante de uma demanda mundial de energia e outra nacional por desenvolvimento – como ocorre com a política da energia dos biocombustíveis do Brasil (Brasil, 2007).


4 Inclusão e exclusão energética

O que chama a atenção nesse cenário atual da política energética global é que, independentemente das opções políticas possíveis, o desenvolvimento das tecnologias de produção alternativa de energia implica em uma descentralização radical da geração de energia e, por isso, uma pluralização da matriz energética nacional e mundial. Constitui-se, assim, um sistema complexo de produção, transporte, distribuição e consumo de energia, que ultrapassa os tradicionais modelos jurídicos de definição normativa das condições de inclusão/exclusão energética. Se antes a inclusão energética exigia a observância de regras jurídicas oficiais para a participação em uma rede pública de distribuição de energia, agora a inclusão energética exige a observância de regras não oficiais, criadas de modo descentralizado, no âmbito de organizações não-estatais transnacionais – como por exemplo algumas cooperativas de economia solidária e grupos de empresas ou condomínios industriais com auto-suficiência energética.

Enquanto um sistema de produção dependia da energia centralizada na rede pública de distribuição, com os avanços das tecnologias de produção alternativa de energia essa dependência tende à diminuição. E isso significa uma exigência de se ultrapassar a observação da produção oficial do Direito da Energia pelo Estado, para observar também a produção espontânea de normas nesses sistemas periféricos ao sistema energético central do Estado. Em outras palavras, na medida em que os processos produtivos da sociedade estão fortemente conectados à disponibilidade energética, a descentralização da produção energética cria possibilidades de transnacionalização dos processos produtivos. Para o Direito da Energia, isso significa a exigência de um cruzamento da linha de fronteira que separa o direito Estatal do direito criado espontaneamente em setores não-estatais, que possivelmente apresenta-se em relação de concorrência com o direito oficial dos Estados-nação.

Essa descentralização da relação de inclusão/exclusão energética produz, também, uma descentralização dos modos de relacionamento da sociedade com os recursos naturais. E isso significa que o conceito de energia se torna uma peça teórica chave para a observação do modo através do qual a sociedade contemporânea se relaciona com o seu ambiente. Quando toda a energia disponibilizada para o consumo estava centralizada em uma rede pública de distribuição, as novas tecnologias de produção de energia só poderiam ser pensadas enquanto fossem compatíveis com essa rede pública (Scheer, 2000, p. 214). Um projeto de geração de energia limpa, por exemplo, só seria viável na medida em que a tecnologia resultante fosse compatível com a rede pública. Mas na medida em que a legislação autoriza a autoprodução de energia em sistemas privados, abre-se a possibilidade de se pensar no desenvolvimento de novas tecnologias limpas de produção de energia, não mais dependentes da compatibilidade com a rede pública de distribuição.

Os impactos disso são enormes: na economia, os fatores de produção clássicos – capital e trabalho – ganham outro sentido: capital tecnológico e energia. E agregando-se a esses fatores de produção a informação e os recursos naturais, o foco da observação econômica os processos sociais comunicativos se desloca, do lucro, para as condições de possibilidade da sustentabilidade dos processos mesmos. Isso significa uma mudança de visão a respeito do sentido do desenvolvimento. A economia de mercado, ligada aos processos produtivos de organizações empresariais, passa a constituir uma sensibilidade cognitiva à questão da energia. E a energia não pode, nesse contexto, ser entendida como algo desconectado da tecnologia e dos recursos naturais. Pois os limites da geração de energia são limites tecnológicos e ambientais. Um território que dispõe de condições ambientais favoráveis à geração de energia – como é o caso do território brasileiro e da América Latina em geral – só poderá conquistar autonomia energética se dispor, também, de tecnologia. E do mesmo modo, um território que dispõe de tecnologia para geração de energia – como é caso da Europa ocidental – só poderá conquistar autonomia energética se dispor, também, de recursos ambientais.

Por isso que inclusão energética pressupõe disponibilidade tecnológica. E também por esse motivo, a disponibilidade ambiental para a geração de energia não significa nada enquanto não se dispõe, também, de tecnologia [04]. Em outras palavras, não existe autonomia energética enquanto não existir autonomia tecnológica. A potência cafeeira e açucareira do Brasil do Século XIX não difere muito, desse ponto de vista, do otimismo da opinião pública a respeito das possibilidades de geração de energia a partir da biomassa e de outras fontes alternativas de energia. Energia e tecnologia são, portanto, conceitos inseparáveis no contexto atual da política energética mundial. Alguns fornecem os recursos naturais disponíveis, outros exploram economicamente esses recursos e ditam as regras. Os que fornecem acabam se submetendo às exigências, tecnologicamente justificadas, dos que detêm a tecnologia. A diferença entre a situação de um e do outro está, portanto, no domínio da tecnologia. E para isso o direito presta uma importante contribuição: é ele que garante o direito de propriedade das tecnologias, na forma das patentes, distinguindo entre proprietários e não-proprietários, vale dizer, entre inclusão e exclusão no sistema de produção-transmisão-distribuição-consumo de energia.


5 Energia e tecnologia

A expressão "energia" tem muitos sobrenomes. Os quais se expandem inclusive para completar referências de sentido no âmbito da comunicação religiosa, das chamadas parapsicologias e de inúmeras outras referências esotéricas do conceito. Desde o que ocorre no Sol até o que ocorre dentro de um chuveiro elétrico, a energia está na base de referência da construção dessas explicações científicas. E trata-se de um conceito que se utiliza em diversos contextos comunicativos. Desde a energia do amor para contextos interpessoais, até a energia elétrica para contextos de mercado, de engenharia, de tecnologia e etc. Pode-se falar, então, de um denominador em comum? Pode-se observar um único conceito de energia a partir dessa diversidade de referências?

Seguindo o script teórico de Niklas Luhmann, pode-se utilizar o cálculo da forma de Spencer Brown (1979) e perguntar pelo re-entry (o fundamento paradoxal) da forma em si mesma [05]. Pode-se perguntar, por exemplo, o que fica excluído quando se faz referencia à energia (forma de diferença) e o que sobra quando se aplica essa forma em si mesma (re-entry). Se a energia for colocada como diferença da estagnação, por exemplo, pode-se ver que na re-entry dessa forma se encontra o paradoxo da energia estar fundamentada na natureza – a energia existe ontologicamente na natureza, no sol, nos relâmpagos de uma tempestade, na força cinética, eletrostática e etc. – e, ao mesmo tempo, estar fundamentada na necessidade humana. Buscar um fundamento aqui, então, só pode apontar para Deus ou para a natureza como dádiva.

Por isso, seguindo a matemática da forma de Spencer Brown, pretendemos colocar a energia como diferença da tecnologia. Com efeito, a forma "energia/tecnologia" parece ser o modo mais adequado para se observar a atual dinâmica comunicativa da energia da sociedade contemporânea. Energia e tecnologia são os dois lados de uma mesma forma de diferença, são os dois lados de um paradoxo autoconstitutivo. Pois para produzir energia é necessário dispor de tecnologia. Mas ao mesmo tempo só se dispõe de tecnologia quando já se tem energia. A energia pressupõe tecnologia, que por sua vez pressupõe energia. A questão do início ou do fim desse cálculo auto-indicativo – a auto-recursão "energia/tecnologia" – se resolve com o conceito de autopoiese: ocorre o que ocorre, sem uma origem absoluta ou uma finalidade necessária.

O paradoxo da energia então é resolvido, no direito, através da transcendentalização econômica do "bem" energia. Em outros termos, para o direito, o fundamento da energia está na referência às necessidades básicas de subsistência da humanidade, ou seja, a energia tem um fundamento econômico. Do mesmo modo, o paradoxo da energia se resolve, no sistema econômico, através da transcendentalização ecológica da energia. Para a economia, o fundamento da energia está na referência ecológica, quer dizer, na referência à continuidade/descontinuidade das operações econômicas. A energia serve, assim, de fundamento econômico para o Direito da Energia e, ao mesmo tempo, de fundamento ecológico para a economia. Por isso a energia constitui um elo de ligação entre direito, economia e ecologia, quer dizer, constitui um medium de comunicação, que recepciona formas de acoplamento estrutural.

E ultrapassando as referências aos sistemas jurídico e econômico, pode-se observar como o sentido da energia se constitui de modo diferente conforme se passa de um sistema de referência para outro. Assim, do ponto de vista da ecologia, o sentido da energia já aparece sob a distinção entre sobrevivência e decadência. Uma decisão ecológica, orientada cognitivamente (hetero-referência) à energia, não vê a energia tal como o sentido que a ela se atribui no campo da economia ou do direito. Enquanto na contextura jurídica a energia é um bem juridicamente tutelado como uma questão de interesse público, na economia a mesma energia aparece como um elemento externo ao sistema econômico (pagamento/não-pagamento), que deve ser levado em consideração a partir de uma relação entre custo e oportunidades. E a mesma energia, do ponto de vista da ciência, aparece já sob o sentido constituído sob o código "verdade/falsidade". A "policontexturalidade" [06] está nisto: dependendo do sistema/função a partir do qual se observa a energia, o seu sentido muda. E muda de modo contingente, quer dizer, os diversos sentidos possíveis da energia não são necessariamente incompatíveis entre si e, ao mesmo tempo, são igualmente fundamentais. A questão então é: como o Direito da Energia pode se organizar na forma de princípios que lhe garantam autonomia e, ao mesmo tempo, sensibilidade a essa multiplicidade de referências sociais possíveis?


6 Princípios do Direito da Energia

O direito precisa de princípios. Se ele não os encontra em semânticas sociais consolidadas, ele os cria nas práxis mesma das decisões judiciais. Prestando contas a Kurt Gödel, pode-se definir um princípio como uma referência externa que serve para resolver um problema de referência interno. A incompletude do teorema exige um ir além, exige um transcendentalizar-se, exige um suplemento ou uma Différend no sentido de Derrida (2004, p. 203; 2007, p. 109). No âmbito do direito, essa gödelização do paradoxo da auto-referência é algo normal: instituem-se princípios do mesmo modo que a lógica clássica institui o terceiro excluído. Mas ao fazer isso, o terceiro excluído já passa a ser incluído, quer dizer, já passa a constituir-se na forma de um paradoxo que exige uma constante busca de referências exteriores, uma constante energia de assimetrizações, de desdobramentos do paradoxo. Ao se pensar em princípios, portanto, não nos referimos simplesmente àquilo que o direito positivo mesmo institui como princípios, mas sim àquilo que as decisões jurídicas mesmas dão como um suposto inquestionado de validade universal. Por isso que a pergunta por princípios jurídicos deve ser, em última análise, uma pergunta pelo contra o quê se usam princípios.

Nessa perspectiva, um breve retrospecto semântico de princípios atribuídos pela doutrina jurídica especificamente ao Direito da Energia – quer dizer: sem correspondentes nos demais ramos do direito – pode ser encontrado somente a partir de 1900. Em um contexto de liberalismo econômico e político, Pippia (1900, p. 320) pensou em um princípio específico para reger o Direito da Energia: "Un primo principio dev’essere proclamato in modo solenne ed indubbio: quello dell’abolizione di ogni monopolio, dell’assoluta nulità di ogni concessione esclusiva e privilegiata". Para Pippia, a energia elétrica apresenta uma imensa utilidade social e por isso se deveria favorecer a descentralização, limitando a aglomeração de várias pessoas a um só estabelecimento. Só assim os benefícios da energia elétrica poderiam ser distribuídos, não ficando submetidos aos caprichos do concessionário: "Il principio della libertà dell’industria e dei commerci deve, in materia di elettricità, essere affermato senza riserve nè restrizioni. Dalla concorrenza deli impianti elettrici, dal loro evolutivo e progrediente svolgimento devono trarsi i massimi benefici per l’economia publica e la prosperità nazionale" (Pipia, 1900, p. 321). Esse movimento foi semelhante no Brasil do início do Século XX, no qual não havia monopólio na geração e distribuição de energia, embora houvesse um monopólio no consumo da energia pelo Estado [07].

Outro princípio, no contexto da doutrina jurídica brasileira da década de sessenta, pode ser lido em Vilhena (1968), quando propõe a tutela da não-interrupção do fornecimento regular de energia ao consumidor. No mais, as autodescrições do Direito da Energia não se preocuparam muito com a construção de princípios próprios durante o Século XX. A preocupação estava ligada mais à questão da autonomia disciplinar baseada em temáticas relacionadas à energia do que em princípios próprios [08]. Assim, apesar das divergências teóricas na organização das subdivisões, a unidade do Direito da Energia e, por isso, a sua identidade disciplinar no campo jurídico, ficava garantida pela referência àquela base unívoca de sentido que desempenhava a semântica da tecnologia (Álvares, 1968; Feitosa, 1972). E desse modo, as autodescrições do Direito da Energia possibilitaram a colocação de si mesmas em uma forma seletiva e ao mesmo tempo abrangente, capaz de incluir conceitos que vão desde "um conjunto de regras que disciplinam os resultados tecnológicos de aplicação da eletricidade ao meio social" (Álvares, 1974a, p. 158), até a articulação de relações como esta: "direito e energia são suportes do trabalho tecnológico e econômico no contexto grandioso da siderurgia, nenhum dispensando o outro" (Álvares, 1974b, p. 59).

Uma solução elegante como esta esconde o fato de, no fundo, haver um deslocamento do âmbito de referência, da energia, para os resultados tecnológicos. O que chama a atenção é que, apesar disso, nem a energia, nem a tecnologia são objetos do Direito da Energia. Mas sim o resultado tecnológico do uso da energia na sociedade. Observa-se claramente que, para driblar a auto-referência da relação "energia/tecnologia", essas descrições criam um suposto inquestionado de que a forma jurídica seria o mecanismo de ontologização do objeto tecnológico [09]. Só atualmente é que podemos extrair, a partir de uma comparação entre as expectativas semanticamente consolidadas no campo da energia e as correspondências normativas em outras áreas do direito, a existência de princípios específicos do Direito da Energia. Assim, além dos princípios da continuidade, modicidade tarifária e adequação do serviço, comum a todos os serviços públicos concessionados (art. 175 da Constituição Federal e 22 do Código do Consumidor) [10], podemos também inferir alguns princípios específicos do Direito da Energia, como por exemplo os princípios da segurança no aprovisionamento energético, eficiência energética, não-retrocesso na utilização de tecnologias, acesso universal à rede de distribuição de energia, além do princípio da liberdade energética (no sentido de liberdade de escolha do fornecedor).

Cada um desses princípios estabelece uma mediação entre as operações auto-referenciais do sistema jurídico e uma contextura do ambiente social. A segurança no aprovisionamento energético, por exemplo, estabelece uma mediação comunicativa ente direito e ecologia, a eficiência energética conecta o direito à economia da sociedade, o não-retrocesso na utilização de tecnologias acopla o direito ao sistema científico, o acesso universal à rede de distribuição de energia permite a entrada de referências políticas no direito e, por fim, a liberdade energética oportuniza a conexão das decisões jurídicas sobre energia/tecnologia com a semântica jurídica da sociedade moderna. Além desses princípios, na comunicação da União Europeia aparece também uma referência a sistemas de organização, a qual é realizada através do princípio da descentralização da produção e unificação do mercado energético.

Naturalmente, a constituição desses princípios jurídicos – que, gize-se, servem para tornar decidíveis as decisões que, sem eles, não seriam possíveis –, pressupõe como pano de fundo uma sociedade mundial organizada na forma da diferenciação funcional (Luhmann, 2007, p. 589; Luhmann & De Giorgi, 2003, p. 302). Somente uma sociedade funcionalmente diferenciada disponibiliza contextos de decisão diferentes e, ao mesmo tempo, igualmente essenciais.


7 Segurança no aprovisionamento energético

Esse princípio estabelece uma abertura ecológica do direito. Parte do suposto de que assegurar o aprovisionamento energético pressupõe continuidade das operações autopoiéticas de cada sistema social implicado. E continuidade autopoiética só se assegura mediante sustentabilidade ambiental. Do ponto de vista interno do sistema jurídico, muitos recursos energéticos são escassos na natureza e a sua utilização é fonte de poluição. Nessa perspectiva, o princípio da segurança no aprovisionamento energético aponta para a necessidade de planejamento das decisões sobre política energética, tendo em conta o cumprimento das condições necessárias para uma autonomia energética. Isso significa, em outras palavras, planejar a autonomia energética para evitar a dependência de uma matriz de aprovisionamento às flutuações econômicas, políticas e militares da sociedade mundial.

Em outras palavras, esse princípio nos diz, normativamente, que apesar de todas as inconstâncias e descontinuidades políticas, econômicas, militares, tecnológicas, regionais e etc., as decisões da sociedade a respeito da energia "devem" levar em consideração o longo prazo, a solidez do desenvolvimento, os vínculos com o futuro, enfim, a sustentabilidade. A pergunta-chave para verificar o cumprimento ou descumprimento desse princípio é: quais são os prováveis impactos energéticos da decisão no futuro? Quais são seus possíveis efeitos colaterais? Ou ainda, em uma perspectiva luhmanniana (1996), o que os decisores observam como "risco" (que merece ser enfrentado para não se perder oportunidades irreversíveis) que os afetados observam como "perigo" (para o qual se está submetido e que, por isso, não vale a pena)?

Na conjuntura atual, esse princípio corresponde à exigência de não se depender exclusivamente de poucas fontes de energia. Tanto a diversificação de fornecedores, quanto a diversificação das fontes naturais e, principalmente, a diversificação tecnológica, são estratégias que se inserem no contexto normativo que decorre desse princípio da segurança no aprovisionamento energético. Diversificar as fontes energéticas significa aumentar o número de alternativas possíveis. Isso permite não apenas uma garantia de escolha emergencial entre as possibilidades energéticas, com também permite uma maior autonomia do consumidor em face das pressões tecnológicas e financeiras de alguns detentores das tecnologias ou de recursos naturais relacionados ao fornecimento de energia. Essa relação é fácil de ser compreendida: quando um país depende, por exemplo, da energia produzida somente pelo país vizinho, ele não tem outra alternativa senão submeter-se as suas exigências e aos humores do seu mercado. Como também um país que possui recursos energéticos naturais, mas que depende, por exemplo, da tecnologia de produção de energia disponibilizada apenas por poucos países, situação na qual a relação de dependência se confirma mediante a submissão, face a inexistência de outras alternativas, às condições de licenciamento para uso da tecnologia mediante o pagamento de royalites.

No âmbito da União Europeia, esse princípio aparece sob a forma da "Segurança a longo prazo do abastecimento energético" (Europa, 2007), cujo conteúdo normativo está na exigência de "não depender excessivamente de um pequeno número de países para o aprovisionamento ou compensar tal dependência com uma cooperação estreita com países como a Rússia (uma fonte importante de combustíveis fósseis e, potencialmente, de electricidade) e os países da região do Golfo em matéria de investimento e transferência tecnológica" (Europa, 2007). Isso implica no planejamento do próprio mercado de energia, de modo a garantir juridicamente mais concorrência para beneficiar os consumidores e planejamentos baseados em áreas geográficas ou em setores julgados como estratégicos para a alocação de recursos.

Além desse aspecto de sustentabilidade mercadológica da energia, o princípio da segurança no aprovisionamento energético aponta também para uma sustentabilidade ambiental. A preocupação com um planejamento mercadológico do aprovisionamento energético não é suficiente: o princípio exige também uma diminuição progressiva da emissão de CO2, através da substituição dos combustíveis fósseis por alternativas mais limpas. Naturalmente, "Isto pressupõe uma mudança ambiciosa no sentido das energias eólica (especialmente ao largo), hídrica, solar e de biomassa e dos biocombustíveis obtidos a partir de matéria orgânica. O passo seguinte poderá ser tornar-se uma economia baseada no hidrogênio" (Europa, 2007).

A segurança do aprovisionamento energético também tem relações íntimas com o princípio da continuidade na prestação do serviço público essencial. Na Argentina também se fala de "obligación de suministro" no sentido de manter um serviço sem interrupções e em condições eficientes (Fuente, 1970, p. 9). Por isso a suspensão ou interrupção no fornecimento de energia deve cumprir com condições juridicamente justificadas, como por exemplo um caráter de penalidade por problemas na conduta do consumidor (inadimplemento, utilização de equipamentos perigosos e etc.), bem como um caráter de prevenção ou correção da demanda ou do consumo (como nos casos de racionamento). Assim, no âmbito do Direito da Energia, até para se adequar a essa semântica da segurança no aprovisionamento energético, tem-se que distinguir entre a "suspensão provisória" para consertos e manutenção nas redes de distribuição e a "interrupção" do fornecimento de energia como técnica de punição de participantes do sistema de geração-transmissão-distribuição-consumo de energia.


8 Eficiência energética

Enquanto o princípio da segurança no aprovisionamento energético aponta para uma abertura do direito para referências ecológicas, o princípio da eficiência energética aponta para uma abertura a referências econômicas. Eficiência significa não-desperdício. A "oikonomie" grega já sabia disso. Em algum lugar da história, "oikos" e "nomos" se separaram. Aristóteles já vê essa separação na forma da diferença entre a economia doméstica – ou "economia do lar" – e a ciência das riquezas – ou a "arte de fazer fortuna". E em uma economia de mercado, a "oikos" da economia doméstica grega já não é mais tão importante. A importância dela aparece agora sob o título de "oikologie". Ecologia e economia então encontram, novamente, um ponto de convergência comum: a energia. E por isso a eficiência energética se liga, hologramaticamente, a essas as referências comunicativas da sociedade. Ela se constitui na forma de um meio de comunicação entre referências econômicas e ecológicas, quer dizer, entre referências à lucratividade evitando prejuízos e referências à sustentabilidade evitando a degradação. A predominância na semântica jurídica da energia, contudo, é a econômica. E o seu conteúdo normativo indica uma expectativa de racionamento de energia, de não-desperdício, de aproveitamento ótimo e etc. A qual, do ponto de vista ecológico, aparece sob a forma da redução de gases poluentes da atmosfera, da redução dos impactos ambientais de novas hidrelétricas, da redução dos riscos e perigos da radioatividade das usinas nucleares e etc.

Do ponto de vista das decisões jurídicas, a eficiência energética orienta a se decidir pelas expectativas que procuram meios inovadores de aproveitamento ótimo da energia na relação entre geração, transmissão, distribuição e consumo. Esse princípio nega, portanto, a dotação de validade a decisões que confirmam situações de desperdício de energia. E nessas condições, pode produzir um resultado interessante nas decisões com impactos energéticos: tanto os consumidores podem aprender a economizar energia, como também os geradores não desperdiçarão investimentos em obras supérfluas do ponto de vista da eficiência energética. No campo da energia elétrica isso pode ser facilmente constatado através do fato de que toda a energia produzida é imediatamente consumida, não havendo a possibilidade de estocagem de energia elétrica. Isso significa a exigência de um planejamento energético no sentido do equilíbrio entre produção e consumo de energia, a partir do qual todo excesso é desperdício e toda escassez é motivo para novos planejamentos de eficiência.

Por outro lado – o lado da "tecnologia" da forma "energia/tecnologia" –, a eficiência energética aponta normativamente para a utilização de equipamentos mais eficientes do ponto de vista do consumo de energia e da relação custo/benefício. E não se trata apenas de uma certificação de eficiência energética por órgãos oficiais como, por exemplo, o Inmetro. A eficiência deve ser trabalhada para além dos equipamentos elétricos. Deve ser trabalhada também, por exemplo, no trânsito. Planejar melhor o tráfego. Incentivar o transporte coletivo e a utilização de biocombustíveis são medidas que cumprem com as expectativas normativas generalizadas sob a forma da eficiência energética. A informação do consumidor se torna uma estratégia decisiva para a orientação segundo esse princípio. A certificação do Inmetro no Brasil e o sistema de certificação de eficiência energética da União Europeia são bons exemplos. Mas a eficiência é algo que vai além de aparelhos elétricos, atingindo também veículos automotores, sistemas de transporte, engenharia de tráfego e etc. Do discurso político da necessidade de mais energia para o desenvolvimento – que legitima a assunção de riscos e a submissão a perigos incontroláveis de proporções catastróficas –, o princípio da eficiência energética pergunta pela necessidade de melhor aproveitamento da energia disponível e pela necessidade de tecnologias mais eficientes de geração-transmissão-distribuição-consumo de energia. Por isso que, ao lado do princípio da eficiência energética, pode-se validar também um princípio do não-retrocesso na utilização de tecnologias.


9 Não-retrocesso na utilização de tecnologias

Talvez um dos mais interessantes princípios do Direito da Energia – e exatamente porque encontra validade nos demais princípios, além de uma especial motivação na semântica ecológica da sociedade – seja o princípio do não-retrocesso na utilização de tecnologias. Esse princípio diz que uma determinada tecnologia de produção-transmissão-distribuição-consumo de energia não pode ser substituída por outra inferior do ponto de vista da eficiência energética. E isso significa que deve ser considerado não apenas a potência da energia, mas também todo o seu ciclo de vida, que passa pela produção de insumos, geração, transmissão, distribuição, consumo e inclusive o descarte de resíduos-gases-efluentes. A justificativa é a de que em cada etapa desse ciclo de vida da circulação da energia há geração de resíduos capazes de comprometer as exigências da semântica ecológica. Pensa-se, por exemplo, no CO2 decorrente do uso de energia fóssil, ou no descarte do urânio, ou ainda dos impactos ambientais das usinas hidrelétricas.

Não-retrocesso pode significar, portanto, a garantia de um espaço social economicamente viável somente para novas tecnologias capazes de superar as anteriores no aspecto da eficiência energética. E eficiência, como acima observado, não se limita à questão da potência, pois abrange também o consumo, a organização, o planejamento e a sustentabilidade dos processos de produção e consumo de energia. O controle da decisão a respeito do retrocesso ou não-retrocesso, contudo, é algo que somente pode ser realizado no âmbito da ciência. Por isso que esse princípio é o responsável pela institucionalização jurídica de uma mediação comunicativa – uma abertura – entre o direito e a ciência. O direito permite decidir a respeito da entrada de novas tecnologias de produção e consumo de energia no mercado, enquanto que a ciência – pela mediação das perícias técnicas nos procedimentos legais – informa à decisão jurídica a respeito do retrocesso ou não-retrocesso. As perícias, aqui, desempenham a função de acoplamento estrutural entre os sistemas do direito e da ciência (Rocha & Simioni, 2005).

Na práxis das decisões judiciais, o não-retrocesso na utilização de tecnologias orienta a se decidir pela abertura de mercado a tecnologias mais eficientes e, ao mesmo tempo, à imposição de barreiras normativas à manutenção de tecnologias obsoletas do ponto de vista da eficiência energética. Como isso pode ser feito na prática de uma sociedade que não tolera mais uma instância central de controle, trata-se de outro problema. Diga-se de passagem: trata-se do mesmo problema da aplicação do princípio do poluidor-pagador no âmbito do Direito Ambiental, para o qual as soluções propostas giram em torno da institucionalização jurídica de técnicas econômicas de regulação, como por exemplo taxações, tributação, incentivos fiscais, MDL’s do Protocolo de Kyoto e todos os demais recursos jurídicos que, inevitavelmente, apenas geram a alternativa entre assumir ou não o preço da sanção jurídica (Teubner, 1997; Willke, 2007; Simioni, 2006a).

Independente disso, ao menos no plano teórico se pode observar experiências interessantes no campo do licenciamento de produtos tóxicos. Novos agrotóxicos, por exemplo, só são licenciáveis para colocação no mercado de consumo se forem comprovadamente menos tóxicos que os atuais [11]. Uma experiência assim pode orientar a criação de instrumentos não econômicos de seleção das novas tecnologias mais eficientes que, ao mesmo tempo, obrigam as velhas tecnologias menos eficientes a cederem espaço. Quer dizer: só pode juridicamente entrar no mercado da energia uma nova tecnologia comprovadamente mais eficiente que as atuais. Porque senão, como justificar um retrocesso tecnológico se o baixo preço de uma tecnologia menos eficiente pode custar caro a médio e longo prazo? E longo prazo é exatamente o resultado da semântica – que nós indicamos como princípio – da segurança no aprovisionamento energético.

Fecha-se aqui um ciclo de legitimação circular desses princípios. A segurança no aprovisionamento energético justifica-se na necessidade de sustentabilidade do desenvolvimento. A eficiência energética justifica-se na necessidade de otimização energética decorrente das exigências de segurança no aprovisionamento energético. E por fim o não-retrocesso na utilização de tecnologias energéticas justifica-se na própria necessidade de eficiência energética, que se justifica na segurança no aprovisionamento, que se justifica na sustentabilidade do desenvolvimento, que já não precisa mais de justificação. Quer dizer, esses princípios se fundamentam reciprocamente. Cada um deles sustenta os demais. Uma espécie de "tangled hirarchie" (Hofstadter, 1999, p. 686), uma autotranscendência (Dupuy, 1999, p. 109 e 173), uma "lógica do suplemento" (Derrida, 2004, p. 203).


10 Acesso universal à rede de distribuição de energia

Além de uma referência ecológica institucionalizada pelo princípio da segurança no aprovisionamento energético e de outras referências econômicas e científicas institucionalizadas, respectivamente, pelos princípios da eficiência energética e do não-retrocesso na utilização de tecnologias, o direito exige também, em cada nova situação de decisão, a redescrição da semântica milenar da igualdade e da liberdade. Essa semântica é bastante forte no direito. Sua "presença" aponta tanto para a justiça distributiva aristotélica na forma da igualdade de todos os desiguais perante a lei, como para a razão prática kantiana da liberdade como expressão da normatividade. Esses princípios, portanto, só podem ser trabalhados normativamente, na forma de um "dever-ser" kantiano, justificados na construção política de uma "imagem" da opinião pública de cada época.

Nesse sentido político, pode-se dizer que a energia é uma condição do desenvolvimento. Ela possibilita que a sociedade crie e mantenha mecanismos de adaptação ao meio ambiente natural através do aquecimento, do arrefecimento, da alimentação dos meios de transporte e motores industriais, além da própria comunicação da sociedade. A inclusão social pressupõe, portanto, acesso universal à energia. Somente com energia se pode participar comunicativamente da sociedade contemporânea, quer dizer, uma sociedade que transcende os espaços das interações presenciais face-a-face. A falta de energia corresponderia a uma catástrofe social: interrompe a comunicação. E sem comunicação, os sistemas sociais deixam de funcionar, a economia quebra, a segurança se encerra, os hospitais já não podem fazer mais nada, o direito não se aplica mais, a política perde seus meios de vinculação generalizada de suas decisões e etc (Luhmann, 1997, p. 151). Por isso, em uma sociedade baseada na comunicação, o acesso de todos à energia é condição de participação nessa sociedade.

O caráter predominantemente político desse princípio fica evidente no âmbito da semântica energética da União Europeia, na qual esse princípio do acesso universal tem sido trabalhado no sentido da institucionalização jurídica de um mercado de energia competitivo, justificada na suposição de que a competitividade oportuniza uma otimização dos preços e das tecnologias de eficiência energética. Assim, nesse contexto político, a decisão da União Europeia é clara no sentido da competitividade energética: um "mercado da energia competitivo contribui para uma utilização eficiente da energia" (Europa, 2007). Já que o resto é coisa do passado: "No passado, os mercados nacionais de gás e electricidade eram ‘ilhas" isoladas dentro da UE, com o aprovisionamento e a distribuição em poder de monopólios. Os mercados estão hoje abertos à concorrência e desaparecem as fronteiras nacionais dos mercados da energia" (Europa, 2007). A ideia europeia é criar um mercado de energia no qual se encontram múltiplos fornecedores e consumidores. Garantindo, assim, o acesso universal dos fornecedores e consumidores a esse mercado na forma de um acesso à rede unificada de distribuição. O que se garante, portanto, não são os preços, mas o acesso à rede. Do ponto de vista dos fornecedores, no mercado de energia entra quem tem bom preço e qualidade no serviço. Então o próprio mercado passa a selecionar, segundo critérios próprios de inclusão e exclusão, quem participa desse mercado.


11 Liberdade energética

Outra semântica fortemente consolidada no nível das autodescrições jurídicas da sociedade é a da liberdade. Desde Kant se sabe que as limitações normativas são condições de liberdade. Uma paradoxal "liberdade necessária". E os valores desparadoxizantes apontam para diversas referências, dependendo da época, como por exemplo à perfeição da natureza no mundo Grego, à Deus no direito antigo, à virtude no mundo Romano, ao contrato social em Hobbes, aos interesses maiores de Jhering, à norma fundamental de Kelsen. Mas afastando-se de toda essa tradição metafísica, a liberdade energética se desloca para referências econômicas: liberdade energética significa liberdade do consumidor na escolha do fornecedor de energia.

No âmbito da União Europeia, essa liberdade encontra-se restrita à escolha do fornecedor de gás e de eletricidade. As expectativas são de que essa liberdade seja estendida para todos os consumidores de outras fontes de energia até meados de 2007. A justificativa está na própria decisão política pelo aumento da concorrência no mercado da energia [12]. No Brasil também existe a institucionalização jurídica desse princípio, mas com sua exigibilidade prática condicionada à viabilidade técnica. No caso dos combustíveis fósseis (gás natural e derivados do petróleo), é consabida a possibilidade de escolha do fornecedor. Podemos abastecer nosso veículo em um ou noutro posto de gasolina, como também podemos comprar gás de diversos fornecedores. No âmbito da energia elétrica, contudo, motivos técnicos impedem a aplicação prática dessa liberdade para os chamados "consumidores cativos" (residências, escritórios, pequenas indústrias e etc.). Apenas os "consumidores livres", que são os consumidores de grandes quantidades de energia elétrica (organizações empresariais e estatais, condomínios, associações), têm a permissão legal de participar do Mercado Atacadista de Energia (MAE), no qual todos os fornecedores vendem para todos os consumidores livres [13].

Em uma perspectiva de argumentação heterárquica – sem essa carga de valores supostos como universalmente evidentes –, contudo, a liberdade energética aponta para uma justificação mais sofisticada: ela procura evitar que a exclusão de um fornecedor do sistema não implique também em uma exclusão de consumidores. De modo que o princípio da liberdade energética procura, ao mesmo tempo, garantir o princípio do acesso universal à energia. Uma liberdade de escolha paradoxalmente condicionada à disponibilidade tecnológica, a qual permite participar da rede de transmissão e distribuição de energia. Então logo se pode ver que não há liberdade energética enquanto não houver descentralização do sistema de distribuição de energia. E por isso o sentido da "liberdade" energética se reconstrói de modo bastante diferente da "liberdade" no sentido da autonomia ou da emancipação do Século XVIII. Liberdade como liberdade de escolha do fornecedor mantém a dependência tecnológica, que é o outro lado – o lado autoconstitutivo – da forma de diferença "energia/tecnologia", no sentido de Spencer Brown (1979). Por isso que liberdade energética só existe quando há, também, disponibilidade tecnológica.


12 Considerações finais

A questão que se pode colocar agora é a da validade prática desses princípios. No plano teórico, a questão da validade dos princípios não suscita problemas. O problema surge quando, na práxis das decisões jurídicas, a validade de um princípio colide com a validade de outro. E a situação se torna um caso trágico (Atienza) ou um hard case (Dworkin) quando, para afirmar a validade de um princípio, tem-se que ao mesmo tempo negar a validade de outro. Para resolver esse problema, Habermas (2003) propôs uma reformulação da distinção de Klaus Günther (2004) entre discursos de fundamentação e discursos de aplicação. A integração entre princípios jurídicos se daria então na forma de um esgotamento normativo, a partir do qual a decisão selecionaria a norma mais adequada ao caso concreto, com vistas aos prováveis efeitos colaterais da decisão, sob o pano de fundo de uma constante submissão à crítica pública. Nessa perspectiva, integração entre princípios significa restrições recíprocas entre a normatividade desses princípios (Simioni, 2007). Significa, por exemplo, que o princípio da segurança no aprovisionamento energético não pode legitimar a urgência na construção de mais hidrelétricas com dispensa do Estudo de Impacto Ambiental para o licenciamento da atividade.

A integração dos princípios, portanto, não precisa mais ser realizada em abstrato, quer dizer, não precisa mais ser realizada no plano da fundamentação das normas jurídicas. Porque a integração pode ser realizada em concreto, no plano da aplicação das normas, sob a forma de condições – restrições recíprocas – que, uma vez cumpridas, legitimam a atividade. Naturalmente, isso pressupõe comunicação entre órgãos públicos, agências reguladoras e sociedade civil. Porque só a comunicação pode produzir coerência nas decisões. Só a comunicação pode constituir a identidade da organização, a partir da qual seus membros, pelo simples fato de serem membros, já não podem mais decidir arbitrariamente com base naquele famoso jargão que inicia com "no meu entendimento...". O sentimento de pertença a uma organização que tem por função a tomada de decisões importantes para a sociedade é o pressuposto da substituição do "eu entendo que..." pelo "nós, enquanto organização encarregada da tomada de decisões significativas para a sociedade, entendemos que...".

Por isso que tomamos um caminho diferente na descrição dos princípios do Direito da Energia: não buscamos a sua fundamentação em textos legais, que sempre permitem outros entendimentos igualmente possíveis. Mas sim construímos esses princípios a partir de uma semântica que se consolida na comunicação da sociedade mundial e que faz sentido também para outras áreas do direito. São princípios que estabelecem referências intersistêmicas, que fazem mediações, que desempenham a função de acoplamento com outras áreas do direito, com outras expectativas. Naturalmente, o nível de abstração sob o qual se leva isso adiante é inclemente. De qualquer modo, a sua utilidade ou inutilidade pode ser comprovada pelo que eles possibilitam observar na dinâmica comunicativa da sociedade e pelo que eles permitem decidir juridicamente.


13 Bibliografia

ÁLVARES, Walter Tolentino. Curso de direito da energia. Rio de Janeiro: Forense, 1978.

__________. Direito da energia. Belo Horizonte: Instituto de Direito da Eletricidade, 1974a, Vol. 1.

__________. Direito da Energia e tangenciamentos siderúrgicos. Revista do Instituto de Direito da Eletricidade, Belo Horizonte: Instituto de Direito da Eletricidade, n. 16, p. 48-72, jun. 1974b.

__________. O Sistema Nacional de Eletrificação e os imperativos jurídicos e tecnológicos. Revista de direito da eletricidade, Belo Horizonte: Instituto de Direito da Eletricidade, n. 3, p. 157-168, 1968.

ARANHA, Luiz Ricardo Gomes. Pressupostos uniformes para a política latino-americana de eletrificação rural. Revista do Instituto de Direito da Eletricidade, Belo Horizonte: Instituto de Direito da Eletricidade, n. 115, p. 6-18, set de 1973.

ARMISSOGLIO, F. Gli impianti elettrici per illuminazione e trasporto di forza motrice: studio giuridico. Torino; Roma; Firenze: Fratelli Bocca, 1889.

BALDI, Cesare. Le leggi sull’elettricità. Roma; Torino; Milano: Frateli Bocca, 1908.

BLAEVOET, Charles M. Des attentes a la propriété a raison des travaux publics notamment pour la production et la distribuition d’énergie électrique. Paris : Marcel Giard, 1930.

BOLÍVIA. Decreto Supremo de Nacionalización n. 28701, de 01.05.2006. Disponível em: http://www.apostamosxbolivia.org/axb/noticias/DecretoNalHidrocar.pdf. Acesso em 04.06.2007.

BRASIL. Comissão Executiva Interministerial. Relatório final do grupo de trabalho interministerial encarregado de apresentar estudos sobre a viabilidade de utilização de óleo vegetal – biodiesel como fonte alternativa de energia. Disponível em: http://www.biodiesel.gov.br/docs/relatoriofinal.pdf. Acesso em 20.05.2007a.

BRITO, Evamar. A energia elétrica no campo do Direito Internacional Privado. Revista de direito da eletricidade, Belo Horizonte: Instituto de Direito da Eletricidade, n. 2, p. 5-14, 1966.

BUENO, José Luiz Ladeira. Aspectos jurídicos da eletrificação rural no Brasil. Revista do Instituto de Direito da Eletricidade, Belo Horizonte: Instituto de Direito da Eletricidade, n. 12, p. 33-45, set de 1970.

CANBY, Eduard T. História da eletricidade. Lisboa: Livraria Moraes, 1966.

CANCIO, Leopoldo. El Centro Internacional de Arreglo de Diferencias Relativas a Inversiones. Revista de direito da eletricidade, Belo Horizonte: Instituto de Direito da Eletricidade, n. 3, p. 80-86, 1968.

CARDOSO, Fernando Henrique. Perspectivas: idéias e atuação política. São Paulo: Paz e Terra, 1983.

CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Introdução. In: MENDONÇA, Manoel Ignácio Carvalho de. Rios e águas correntes em suas relações jurídicas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1939.

COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPÉIAS. Livro Verde: estratégia Européia para uma energia sustentável, competitiva e segura. Bruxelas: COM (2006) 105 final. Disponível em: http://ec.europa.eu/energy/green-paper-energy/doc/2006_03_08_gp_document_pt.pdf. Acesso em 20.05.2007.

COMISSÃO EUROPÉIA. Energia para o futuro: fontes de energia renováveis. Livro Branco para uma Estratégia e um Plano de Acção comunitários. Bruxelas: EU, p. 5. Disponível em: http://ec.europa.eu/energy/library/599fi_pt.pdf. Acesso em 20.05.2007.

CONANT, Melvin A. A geopolítica energética. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1981.

DERRIDA, Jacques. Força de lei: o fundamento místico da autoridade. Trad. Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

__________. Gramatologia. 2ª ed. Trad. Miriam Chnaiderman e Renato Janine Ribeiro. São Paulo: Perspectiva, 2004.

DUPUY, Jean-Pierre. Aux origines des sciences cognitives. Paris : La Découverte, 1999.

ESPÓSITO, Elena. L’operazione di osservazione: costruttivismo e teoria dei sistemi sociali. Milano: Franco Angeli, 1992.

EUROPA. Panorâmica das actividades da União Européia: energia. Disponível em http://europa.eu/pol/ener/overview_pt.htm. Acesso em 20.05.2007.

FEITOSA, Maria de Lourdes F. Da autonomia do direito da eletricidade e da sua interdependência científica. Revista do Instituto de Direito da Eletricidade, Belo Horizonte: Instituto de Direito da Eletricidade, n. 14, p. 12-17, ago de 1972.

FREITAS, Tácito de. Petróleo: apesar de Mr. Link. Gernasa, 1964.

FUENTE, Ricardo de la. Principios que devem regir la compraventa de eletricidad. Revista do Instituto de Direito da Eletricidade, Belo Horizonte: Instituto de Direito da Eletricidade, n. 12, p. 3-17, set de 1970.

GOLDENBERG, José; PRADO, Luiz Tadeu Siqueira. Reforma e crise do setor elétrico no período FHC. Tempo Social São Paulo,  v. 15,  n. 2,  2003.

GÜNTHER, Gotthard. Life as poly-contexturality. Vordenker, fev/2004. Disponível em http://www.vordenker.de, acesso em 02.04.2007.

GÜNTHER, Klaus. Teoria da argumentação no direito e na moral: justificação e aplicação. Trad. Claudio Molz. São Paulo: Landy, 2004.

HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre faticidade e validade. 2ª ed. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, Vol. I.

HEISENBERG, Werner. Física e filosofia. 4ª ed. Trad. Jorge Leal Ferreira. Brasília: Unb, 1999.

HOFSTADTER, Douglas R. Gödel, Escher, Bach: an eternal golden braid. New York: Basic Books, 1999.

IPPOLITO, Marc. Contribution à l’étude du robléme énergétique communautaire. BibliotheÌque de droit international. t. 52. Paris: Librairie geìneìrale de droit et de jurisprudence, 1969.

ISTEL, Paul; LÉMONON, E. Traité juridique de l’industrie életrique : manuel pratique de législation, réglementation et jurisprudence en matière de prodction et distribution d’énergie électrique. 2ª ed. Paris : Marchal & Godde, 1914.

JAMMER, Max Concepts of force: a study in the foundations of dynamics. Mineola; New York: Dover, 1999.

LEITE, Antonio Dias. A energia do Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.

LUHMANN, Niklas. La sociedad de la sociedad. Trad. Javier Torres Nafarrate. Ciudad de México: Herder, Universidad Iberoamericana, Daad e Cátedra G. A. Humboldt, 2007.

__________. Observaciones de la modernidad: racionalidad y contingencia en la sociedad moderna. Trad. Carlos Fortea Gil. Barcelona: Paidós, 1997.

__________. Sociologia del rischio. Trad. Giancarlo Corsi. Milano: Bruno Mondadori, 1996.

__________; DE GIORGI, Raffaele. Teoria della società. 11ª ed. Milano: Franco Angeli, 2003.

MANDELBAUM, Arnould. Eletricidade: a história da energia. Trad. João Pires da Cruz. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1963.

MARINHO JR., Ilmar Penna. Petróleo: política e poder. Um novo choque do petróleo? Rio de Janeiro: José Olympio, 1989.

MENDONÇA, Manoel Ignácio Carvalho de. Rios e águas correntes em suas relações jurídicas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1939.

PAULA, Ericson de. (org.) Energía para el desarrollo de América del Sur. São Paulo: Mackenzie, 2002.

PIPIA, Umberto. L’elettricità nel diritto. Milano: Ulrico Hoepli, 1900.

PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. A globalização da natureza e a natureza da globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.

ROCHA, Leonel Severo; SIMIONI, Rafael Lazzarotto. Decisões jurídicas e setorialização. JurisPoiesis, Rio de Janeiro, ano 8, n. 8, p. 171-191, jul. 2005.

SCHEER, Hermann. Economía solar global: estrategias para la modernidad ecológica. Trad. Richard Gross y Maria Esperanza Romero. Barcelona: Galaxia Gutemberg, 2000.

SEABORG, Glenn T. El lado humano de la energia. Revista do Instituto de Direito da Eletricidade, Belo Horizonte: Instituto de Direito da Eletricidade, n. 14, p. 49-53, ago de 1972.

SILVA, Golbery do Couto e. Geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967.

SIMIONI, Rafael Lazzarotto. Direito Ambiental e Sustentabilidade. Curitiba: Juruá, 2006a.

__________. Direito e racionalidade comunicativa: a teoria discursiva do direito no pensamento de Jürgen Habermas. Curitiba: Juruá, 2007.

__________. Meio e forma em Niklas Luhmann. Conjectura: filosofia e educação, v. 11, n. 2, p. 133-162, jul./dez. 2006b.

SPENCER-BROWN, George. Laws of form. New York: Dutton, 1979.

TEUBNER, Günther. O Direito como sistema autopoiético. Trad. José Engrácia Antunes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.

US DEPARTAMENT OF ENERGY. The Changing Structure of the Electric Power Industry 2000: an update. Washington: U.S. Department of Energy, 2000.

VALLADÃO, Alfredo. Dos rios públicos e particulares. Belo Horizonte: 1904.

VENEZUELA. Ministerio del Poder Popular para la Comunicación y Información. Revolución energética en la Venezuela. Caracas: Minci, 2007.

VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. A técnica jurídica, a humanização no Direito do Trabalho e o Direito da Eletricidade. Revista de direito da eletricidade, Belo Horizonte: Instituto de Direito da Eletricidade, n. 3, p. 27-40, 1968.

WILLKE, Helmut. The tragedy of the State: prolegomena to a theory of the State in polycentric society. Disponível em: http://www.uni-bielefeld.de/soz/globalgov/Lit/Willke_Tragedy_State.pdf. Acesso em 02.04.2007.


Notas

  1. A influência dessa semântica militar – uma linguagem de guerra – na geopolítica da energia se condensou e se confirme até hoje (Conant, 1981; Silva, 1967; Porto-Gonçalves, 2006, p. 287-298).
  2. Destacam-se, na literatura jurídica nacional da energia da década de setenta, os textos de Seaborg (1972, p. 49-53) e Álvares (1974b, p. 48-72).
  3. Na Bolívia de Evo Morales Ayma, o "Decreto Héroes del Chaco" (Bolivia, 2007); e na Venezuela de Ugo Chaves, Venezuela, 2007.
  4. O Brasil já tem experiência com esse elitismo democrático-tecnológico: seguindo o padrão das políticas de desenvolvimento das multinacionais da segunda metade do Século XX – palavras-chave: autonomia de consumo e dependência tecnológica e financeira (Cardoso, 1983, p. 53) –, levou a Petrobrás a pagar 500 mil dólares para um geólogo americano, Walter Link, que em 1961 publicou um relatório – conhecido como o "Relatório Link" – aconselhando a busca de concessões para exploração de petróleo no estrangeiro. Porque segundo esse especialista, em solo brasileiro não havia fontes suficientes para uma produção em larga escala (Marinho Jr., 1989; Freitas, 1964).
  5. Para Spencer Brown (1979, p. 1): "We take as given the idea of distinction and the idea of indication, and that we cannot make an indication without drawing a distinctions. We take, therefore, the form of distinction for the form [na qual, portanto,] distinction is perfect continence" (1979, p. 1). O cálculo então inicia assim: "draw a distinction" (1979, p. 3). Sobre a apropriação desse cálculo no campo das ciências sociais, ver-se, especialmente, Espósito (1992).
  6. Conceito de Gotthard Günther (2007). Trazendo esse conceito para um contexto sociológico, policontexturalidade significa a existência simultânea de diversas contexturas do real, igualmente essenciais mas contingencialmente incompatíveis entre si.
  7. A Lei n. 1.145, de 31.12.1903, que fixava a despesa geral da República dos Estados Unidos do Brasil para o exercício de 1904, já previa em seu art. 23 a promoção, pelo Governo, do "aproveitamento da energia hidráulica para transformação em energia elétrica aplicada a serviços federais, podendo autorizar o emprêgo do excesso da fôrça no desenvolvimento da lavoura, das indústrias e outros quais fins, e conceder favores às emprêsas que se propusessem a fazer êsse serviço". Ou seja, a energia era um monopólio de consumo do Estado, podendo ele autorizar apenas os excedentes de energia no emprego privado. Assim também no Decreto n. 5.407, de 27.12.1904, que regulava o aproveitamento da força hidráulica para transformação em energia elétrica, consta, em seu art. 2º, § 4º, que somente "O excesso da energia elétrica que não tiver aplicação no serviço federal poderá ser empregado, com expressa autorização do Govêrno, no desenvolvimento da lavoura, indústria e outros fins". No ano seguinte, o Decreto n. 5.646, de 22.08.1905, confirmou essa norma no seu art. 2º, regra 3ª.
  8. Os primeiros intentos de construção conceitual do Direito da Energia surgiram a partir da necessidade de se definir a "natureza jurídica" da energia. A questão que se colocava era a da classificação jurídica da energia como bem ou coisa. E tratava-se de uma definição importante para o direito, porque dela dependia a decisão pelo instrumento contratual adequado: contrato de locação de coisa? Compra e venda? Prestação de serviço? Serviço público ou privado? A doutrina jurídica passa a construir, nessas condições, uma realidade jurídica paralela à realidade, por exemplo econômica, dos sistemas de organização da geração-transmissão-distribuição-consumo de energia. E ela fez isso através do recurso a uma estrutura hierárquica de organização disciplinar que não tem correspondência no ambiente do sistema jurídico, qual seja, a noção de "direito tecnológico" (Álvares, 1978, p. 15). Assim, com base na noção de direito tecnológico como núcleo conceitual geral, a doutrina do Direito da Energia pôde desdobrar analiticamente o Direito da Energia em subdivisões, conforme cada uma das fontes energéticas: direito da energia hidráulica, da energia nuclear, da energia fóssil e etc.
  9. Por exemplo, Álvares (1978, p. 20): "Por conseguinte, o objeto tecnológico que não tiver ainda a adequada forma jurídica não tem existência social e nem efetivação nesta área, donde a conclusão inevitável que o direito é a forma da tecnologia efetivar-se no meio social, como a tecnologia é a forma da manifestação prática da ciência no meio social."
  10. Importante destacar que princípios do serviço adequado, tarifas razoáveis e da garantia da estabilidade financeira das empresas hidrelétricas já se encontram positivados desde o Decreto-Lei n. 3.763 de 25.10.1941, que alterou o art. 178 do Código de Águas.
  11. Embora o art. 20 do Decreto 4.074/02, possivelmente inconstitucional por omissão, não exija, por exemplo, a comprovação, para o registro de novo agrotóxico no Brasil, de que o produto não seja proibido no país de origem – quer dizer: os estoques de agrotóxicos proibidos nos países do Norte ainda podem ser vendidos em países como o Brasil. Como ocorre também com o uso de Brometo de Metila, expressamente autorizado pelo Anexo I da NIMF-Norma Internacional de Medidas Fitossanitárias n. 15, da FAO-Food and Agriculture Organization/OMC, como medida fitossanitária para reduzir o risco de pragas em embalagens usadas no transporte internacional de cargas.
  12. O argumento oficial é este: "O aumento da concorrência envolve uma protecção adicional. Existem salvaguardas para proteger os consumidores contra as falhas de luz ou dos sistemas de aquecimento. Essas salvaguardas garantem que a diminuição dos custos por parte dos fornecedores concorrentes não se traduza numa falta de investimento, que os consumidores das regiões remotas ou com rendimentos baixos não sejam considerados demasiado insignificantes ou demasiado distantes para constituírem uma preocupação e que, no caso de um fornecedor desaparecer, haja sempre alguém para acudir de imediato" (Europa, 2007).
  13. O livre mercado de energia elétrica foi instituído pela Lei n. 9.648/98, a qual criou o MAE. A regulamentação veio pelo Decreto 2.655/98 (Acordo de Mercado) e a participação no MAE ficou a cargo da regulamentação da Resolução Aneel 249/98. A Aneel homologou o acordo e as regras de mercado na forma das Resoluções Aneel 18/99 e 290/00.

Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIMIONI, Rafael Lazzarotto. Princípios do Direito da Energia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2911, 21 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19372. Acesso em: 25 abr. 2024.