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Legitimidade e eficácia da jurisdição constitucional.

A necessária adequação ao modelo jurídico adotado

Legitimidade e eficácia da jurisdição constitucional. A necessária adequação ao modelo jurídico adotado

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Verificar a independência de quem exerce essa jurisdição e sua origem democrática, bem como a sua compatibilidade com o sistema jurídico adotado, serve para amadurecer a discussão e fortalecer a ordem constitucional.

Resumo

Com o surgimento do constitucionalismo e do Estado de Direito moderno, os sistemas jurídicos se viram diante da necessidade de proteger a ordem constitucional, verificando-se que dela decorria uma jurisdição mais elevada e que deveria receber especial atenção. Entender a jurisdição constitucional envolve não apenas saber da sua importância para a eficácia normativa da Constituição, mas também em determinar que órgão será incumbido dessa atividade, a sua função dentro do constitucionalismo contemporâneo e a sua adequação com o modelo jurídico adotado.

Palavras-chave

Jurisdição. Constitucional. Função. Exercício. Modelo.


INTRODUÇÃO

O constitucionalismo representou um grande avanço na proteção dos direitos individuais e, principalmente, trouxe consigo o meio mais eficaz para o controle dos atos estatais, combatendo o absolutismo.

Esse novo panorama institucional, no entanto, é passível de ataques e violações, inclusive pelos membros do próprio Estado, por vezes colocado a serviço dos interesses individuais e mercadológicos. Certos momentos de instabilidade institucional e constitucional são observados, ocasionados por pressões de grupos interessados em se perpetuar no poder ou dele fazer uso para a promoção de seus assuntos.

O Estado de Direito moderno, portanto, é submetido a tais pressões, que podem levar à ocorrência de conflitos entre os poderes e a abalos na ordem jurídico-constitucional. Daí ser pertinente o estudo quanto à jurisdição constitucional e sobre a forma mais legítima e eficaz de seu exercício, visando à proteção das colunas erguidas com o Estado de Direito.

Verificar a independência de quem exerce essa jurisdição e sua origem democrática, bem como a sua compatibilidade com o sistema jurídico adotado, serve para amadurecer a discussão e fortalecer a ordem constitucional.


1.A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL NA ESTRUTURA DO ESTADO DE DIREITO

O entendimento acerca da importância da Constituição para o estabelecimento de um Estado que se possa designar de Direito deve passar, inexoravelmente, pelo estudo da evolução do próprio Estado e do desenvolvimento do pensamento constitucional. Este avanço paulatino, especialmente da ideia girada em torno de uma ordem que o constituísse, culminou no desenvolvimento do pensamento constitucional [01] e no surgimento do Estado Moderno.

A modernização estatal e a afirmação do Estado de Direito teve de passar pelo amadurecimento das instituições e da forma de pensar a figura do poder. Pelas luzes lançadas acerca dos objetivos a serem alcançados pelo Estado, bem como da consciência de que ele somente surge a partir da vontade de todos, recebendo da coletividade uma delegação de poderes, se tornou possível chegar a uma visão mais elevada quanto à importância de uma ordem que limitasse o uso e o exercício dessas prerrogativas transferidas.

Tornou-se necessário, pois, alcançar um sistema que viabilizasse a realização do interesse público, mas que também protegesse a esfera individual de cada pessoa submetida ao comando do Estado. Era preciso entender que a permissão, dada pelo indivíduo, a um poder central que governasse a vida da comunidade, não era absoluta, nem tinha a natureza totalitária. Tal transferência de poder deveria ocorrer na medida extremamente necessária para a manutenção da concórdia e da paz social, não se olvidando do respeito que o próprio Estado deveria destinar aos seus súditos.

O equilíbrio político deveria se tornar uma meta, não se admitindo que a preocupação com o interesse coletivo anulasse a esfera do indivíduo, nem que este, por seu turno, desprezasse a importância do bem-estar da comunidade. Para chegar a esse sistema equilibrado, necessário seria instituir um Estado não absoluto nem arbitrário, mas que conseguisse somar a proteção dos interesses gerais com o respeito à essencialidade do ser humano.

Essa consciência começou a ser atingida quando o Estado passou a ser organizado a partir de uma ordem que o constituísse, elaborando-se comandos que dissessem previamente como seria exercido o poder, além de dizer quais os direitos da pessoa humana que deveriam fundamentar a vida em sociedade.

Da definição acerca da organização estatal, ao ser expresso como se daria a sua atuação, definindo-se o regime de governo, suas funções e limites, imperativo seria designar os órgãos representativos do Estado e a repartição de suas competências e atribuições, evitando o atropelo e a insegurança no exercício do poder. Tal sistema, portanto, serviria a dois escopos: o primeiro de constituir (criar) o próprio Estado, definindo-o na ordem interna, além de expressar o rol de direitos que possibilitasse a proteção à pessoa humana, e o segundo de balizar e limitar o próprio exercício do poder estatal.

Mas esse sistema, ao prever os órgãos estatais e as atribuições de cada um deles, deveria ele mesmo receber uma dupla proteção: uma em face dos atos, notadamente dos próprios órgãos e poderes do Estado, que atentassem contra os seus comandos, e outra quanto às adaptações necessárias em relação às mudanças que fossem ocorrendo na sociedade com o passar dos anos.

A opção encontrada foi a de elaborar uma Lei Fundamental, ou seja, uma determinação maior que instituísse e fundamentasse o Estado e a sociedade para a qual era destinada. Esse comando passou a ser designado de Constituição. [02] Surgia, assim, o fenômeno do constitucionalismo. Por meio dele, "em vez de os indivíduos estarem à mercê do soberano, eles agora possuem direitos contra ele, imprescritíveis e invioláveis. [...]. O Estado Constitucional é o que entrega à Constituição o prosseguir a salvaguarda da liberdade e dos direitos dos cidadãos, depositando as virtualidades de melhoramento na observância dos seus preceitos, por ela ser a primeira garantia desses direitos" (MIRANDA, 2009, p. 167).

A Constituição, por conseguinte, tinha como meta controlar e limitar o exercício do poder pelo Estado e dar guarida à esfera pessoal dos indivíduos e dos interesses coletivos. Esse objetivo poderia ser resumido numa só palavra: segurança. É bem verdade que tal segurança, num primeiro momento, teve por meta assegurar a doutrina liberal e a ascensão da burguesia ao patamar de classe hegemônica dentro da estrutura social. [03] Mesmo com essa vicissitude, foi este paradigma que abriu as portas para a afirmação do Estado de Direito pelo estabelecimento da ordem constitucional.

Com a prática constitucional, observou-se, no entanto, que, mesmo estando no patamar mais elevado do sistema jurídico, a Constituição poderia ser violada ou ter a sua interpretação desvirtuada. Concluiu-se, então, que a ordem constitucional deveria ser protegida, recebendo especial atenção do Estado tanto no sentido de não ser violada quanto de ser constantemente revitalizada. Esse trabalho de proteger e revitalizar a Constituição levou ao surgimento e desenvolvimento da jurisdição constitucional.

O vocábulo jurisdição tem sentido amplo, significando "dizer o direito". O termo, no entanto, é comum e equivocadamente aplicado apenas para o trabalho do Poder Judiciário, como se somente ele pudesse exercer jurisdição. A palavra, no entanto, não pode ser usada apenas para designar a função judicial, pois, por seu amplo significado, jurisdição pode ser definida como poder para ouvir e determinar uma causa ou causas, considerados em geral ou com referência a um caso particular; autoridade de um poder soberano de governar e legislar; faculdade de aplicar as leis e de julgar.

Note-se que a jurisdição pode ser exercida tanto na elaboração das leis quanto na sua aplicação, seja pelo Poder Executivo, seja pelo Legislativo ou pelo Judiciário, isto é, o direito pode ser dito de várias formas e por vários órgãos diferentes.

Não se confunda, todavia, jurisdição com função jurisdicional típica. Dentro do princípio da separação dos poderes, notadamente por sua tripartição, a função típica de dizer o direito, isto é, a função jurisdicional, geral e típica, é exercida pelo Poder Judiciário. No dizer de José de Albuquerque ROCHA, "a jurisdição é, justamente, a função estatal que tem a finalidade de garantir a eficácia do direito em última instância no caso concreto, inclusive recorrendo à força, se necessário". Seu objetivo é de "manter o ordenamento jurídico quando este não foi observado espontaneamente pela sociedade", observando-se que esta função é exercida, "preponderantemente", pelo Poder Judiciário (2003, p. 78).

Ao fazer uso da palavra preponderantemente, o referido autor segue justamente a linha acima exposta, qual seja, de que a jurisdição geral (resolução de casos concretos) é tipicamente designada ao Judiciário, nada impedindo, porém, que uma jurisdição especial (abstrata ou de casos concretos) seja criada e colocada aos cuidados de um tribunal ou órgão estatal fora da esfera do Poder Judiciário.

Nesse sentido especial é que se situa a jurisdição constitucional. Sendo a Constituição uma garantia e uma direção da garantia (MIRANDA, 2009, p. 167), deve o seu conteúdo ser protegido, além de ser necessária que a sua interpretação seja uniformizada, bem como revitalizados os seus sentidos. Na condição de garantia de direitos dos indivíduos em face da atividade estatal, a Constituição também deve ser protegida contra violações oriundas do próprio Estado. Assim, a jurisdição constitucional diz respeito ao controle de constitucionalidade dos atos concretos ou abstratos (normativos) do Estado.

É aqui, nesse ponto, que residem a importância e as razões da jurisdição constitucional dentro da estrutura do Estado. Sem essa proteção, o Estado careceria de legitimidade e os direitos individuais seriam constantemente violados, estabelecendo-se a verdadeira anarquia. Justamente para que a Constituição possa continuar cumprindo as suas funções – manter o consenso, legitimar a ordem jurídico-constitucional, dar garantia e proteção, estabelecer a ordem e a ordenação e efetivar a organização do poder político – é que a jurisdição constitucional deve atuar com competência e acerto por meio de seu órgão encarregado (CANOTILHO, 2003, pp. 1438-1441).

Acerca da função jurisdicional do Estado, reproduz-se o ensinamento de Jorge MIRANDA (2009, p. 388):

Na função jurisdicional define-se o Direito (jus dictio) em concreto, perante situações da vida (litígios entre particulares, entre entidades públicas e entre particulares e entidades públicas, e aplicação de sanções), e em abstracto, na apreciação da constitucionalidade e da legalidade de actos jurídicos (máxime, de actos normativos).

Assim, a jurisdição pode ser exercida tanto no plano concreto quanto no da abstração, sendo que esta última ocorre no controle de constitucionalidade dos atos normativos e legislativos do Estado. Logo, a jurisdição constitucional é exercida tanto no âmbito da concretude (atos omissivos e comissivos do Estado) quanto na abstratividade (controle de constitucionalidade de leis e atos normativos).

Em consequência, tornou-se pertinente saber como operacionalizar essa proteção, definindo-se quem seria, dentro da estrutura estatal, a pessoa ou o órgão legitimado para exercer a jurisdição constitucional e se a sua atividade se limitaria ao âmbito da abstração ou se poderia julgar com base em casos concretos. Antes de definir essa operacionalização, contudo, necessário seria entender qual a função da jurisdição constitucional.

1.1A função da jurisdição constitucional

Ultrapassado o estudo quanto ao surgimento do constitucionalismo para o estabelecimento do Estado de Direito, saindo do absolutismo e passando para a proteção dos indivíduos em face dos atos estatais, bem como entendida a importância da jurisdição constitucional na estrutura do Estado como meio de manter essa organização, busca-se agora entender a função dessa jurisdição.

A doutrina estabelece várias funções, expondo variadas classificações, transitando de autor para autor, mas sem perder a sua essencialidade efetivamente constitucional. Neste trabalho serão apresentadas as posições de J.J. Gomes Canotilho, Garcia de Enterría e André Ramos Tavares.

Para CANOTILHO, pode-se definir a justiça constitucional como o "complexo de actividades jurídicas desenvolvidas por um ou vários órgãos jurisdicionais, destinadas à fiscalização da observância e cumprimento das normas e princípios constitucionais vigentes" (2003, p. 892).

Em seu pensamento, a jurisdição constitucional tem as seguintes funções (CANOTILHO, 2003, pp. 892-894):

- Garantia contra atos administrativos, políticos e legislativos do Estado, aferindo-se a sua "conformidade material e formal segundo o parâmetro superior da constituição";

- Exercício do judicial review no caso de conflito entre duas leis no caso concreto, devendo o juiz preferir a lei superior (= constituição) e afastar a incidência da lei inferior;

- Solução de conflitos entre poderes do Estado;

- Conhecimento e julgamento de atos atentatórios à constituição cometidos por órgãos supremos do Estado;

- Controle final da regularidade de procedimentos de formação de órgãos constitucionais eleitos por sufrágio direto e universal;

- Amparo para a defesa de direitos fundamentais, sendo a jurisdição da liberdade;

- Controle, de forma abstrata e concentrada, da constitucionalidade das leis, independentemente da existência de casos concretos submetidos aos tribunais.

No entender de Garcia de Enterría, a jurisdição constitucional possui competências e não funções [04] (apud VIEIRA, 2008, pp. 54, 55), sendo elas:

- Controle de constitucionalidade das leis mediante recurso processual oriundo de processo judicial;

- Processamento e julgamento de recursos processuais interpostos por particulares em processos judiciais visando à proteção dos direitos fundamentais;

- Julgamento dos conflitos constitucionais;

- Controle preventivo de constitucionalidade seguindo o modelo francês (controle político).

A classificação apresentada por André Ramos Tavares traz as seguintes funções a serem exercidas pela jurisdição constitucional (apud VIEIRA, 2008, pp. 56-60):

- Interpretação da Constituição e emissão de enunciados constitucionais, não apenas interpretando, mas completando a Constituição;

- Controle de constitucionalidade dos atos estatais com a proteção aos direitos fundamentais;

- Arbitramento para a resolução de conflitos entre os poderes constitucionais;

- Legislar positivamente por meio de decisões aditivas, redutoras e substitutivas das leis;

- Governativa e política na condução da res publica, prevalecendo, por esta função, a proteção dos direitos fundamentais sobre o princípio da separação dos poderes;

- Comunitarista na prevalência das necessidades da comunidade em relação ao direito estatal.

Analisando-se as classificações acima, observa-se que algumas das funções ou competências expostas pelos três estudiosos mencionados extrapolam o papel superior da jurisdição constitucional, dando-lhe atividades que podem desvirtuar a sua natureza. O órgão incumbido da jurisdição constitucional deve receber competências na exata medida para possibilitar a sua efetividade e eficácia.

Da classificação de Canotilho, critica-se a presença do exercício do judicial review e do controle das eleições, porquanto estas funções devem ser exercidas, de modo final, pelos órgãos judiciais competentes. Da classificação de André Ramos Tavares, critica-se a presença das funções governativa e comunitarista, porquanto não se deve confundir a jurisdição constitucional com assuntos relacionados a políticas públicas.

Havendo, nesses casos (do processo eleitoral e de políticas públicas), ameaças de instabilidade sociojurídica ou provocando conflitos entre poderes, tal situação danosa deve ser resolvida pelo órgão dentro da função genérica da arbitragem de conflitos ou, havendo agressões a preceitos constitucionais, caberá à jurisdição constitucional agir para protegê-los.

Apesar de não se concordar com a presença expressa das funções governativa e comunitarista, não se pode olvidar de que a jurisdição constitucional tem o seu viés político. Isto porque, se os atos estatais, sejam eles legislativos ou administrativos, podem ser submetidos ao controle de constitucionalidade, é óbvio que acabará ocorrendo a injunção política sobre os poderes do Estado.

De Canotilho, entende-se que a melhor função é a de controle, de forma abstrata e concentrada, da constitucionalidade das leis, independentemente da existência de casos concretos submetidos aos tribunais. De André Ramos Tavares, elogia-se a supremacia da proteção dos direitos fundamentais sobre o princípio da separação dos poderes.

A exposição de Enterría, por sua vez, parece a mais equilibrada, porquanto limita as funções da jurisdição constitucional a aspectos estritamente constitucionais.

Após analisar as classificações existentes acerca das funções da jurisdição constitucional, chegou-se à conclusão de ser temerário arrolar e especificar as hipóteses possíveis do trabalho dessa jurisdição. O motivo é que, na verdade, não é possível definir um rol taxativo de funções, mas apenas uma função geral, que leva ao controle exercido pela jurisdição constitucional, e dois objetivos decorrentes.

Como função geral, pode-se dizer que o mesmo se relaciona à proteção da ordem constitucional vigente. Esse pressuposto deixa completamente em aberto as possibilidades de exercício da jurisdição constitucional, não se esquecendo que essa abertura deve mesmo existir diante da supremacia da ordem constitucional e das inúmeras possibilidades de violação que humanamente não podem ser textualmente previstas. [05]

Correspondente a esse pressuposto ou função geral, haverá, sempre, dois escopos: 1) efetuar o controle de constitucionalidade em atos legislativos ou administrativos, formal e material, preventivo ou repressivo, inclusive no tocante a emendas ou propostas de emendas sobre o texto constitucional, independentemente da existência de casos concretos submetidos aos tribunais, no caso de ser detectado um vício ou vislumbrada a possibilidade de existir algum vício de inconstitucionalidade. Essa inconstitucionalidade pode existir por atentado a qualquer dispositivo da Constituição, seja ele de direito fundamental ou não. Desse modo há uma redundância em dizer que é função da jurisdição constitucional proteger os direitos fundamentais, porquanto este escopo já se encontra no bojo do controle de constitucionalidade; e 2) proteger a ordem constitucional pelo arbitramento e apaziguamento de conflitos entre poderes.

Também é redundante estabelecer como função a de interpretar e revitalizar a constituição, pois em qualquer decisão ou juízo emitido pela jurisdição constitucional estará ela fazendo este trabalho, sempre procurando atender aos anseios e à ebulição social. [06]

Somado a essa única função e a esses dois objetivos, deve-se mencionar, no âmbito procedimental, a necessidade de um juízo prévio de admissibilidade, a ser feito pelo órgão constitucional; a inexistência de processo judicial anterior (a jurisdição constitucional seria exercida somente de maneira originária); e a definição dos legitimados. Quanto à legitimação, deve ser trazida à roda do debate a discussão acerca de se o órgão encarregado poderia agir de ofício diante da inércia e do desinteresse político dos legitimados, fundamentando-se na supremacia da ordem constitucional e na proteção a ser dada à estabilidade institucional e jurídica.

Entendida a importância da jurisdição constitucional e a função a ser por ela desenvolvida, adentra-se no estudo sobre a quem incumbe o exercício da jurisdição constitucional.


2.O EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL

O poder sempre encantou e desencantou a humanidade. Os conflitos e a busca de autoridade, bem como os desvios no exercício do poder, a corrupção, o corporativismo, a busca de espaço político e de influência, sempre permearam a história humana. Esse fato ocorre destacadamente no seio do Estado, porquanto, na condição de figura central e absorvedor dos temas coletivos, representa ele a posição de evidência e de destaque dentro da sociedade.

Por conta desse precedente, seria estranho se inexistissem conflitos e disputas por posições dentro da estrutura estatal. Tendo em vista a defeituosidade inerente ao ser humano, nascido de forma egoísta, sozinha e individualista no ventre materno, além de criado com todos os caprichos e atenção, ou recebendo essa dose de egoísmo da própria sociedade ou das dificuldades porventura enfrentadas no decorrer da vida, observa-se que essa individualidade e a busca de seus próprios interesses acabam ocasionando desvios em sua conduta.

Sendo a classe política extraída dentre o povo, composto justamente por essas pessoas inerentemente defeituosas, não causa espanto que ela carregasse consigo certa dosagem de egoísmo.

Ao ser criado o Estado, por esta classe política, há o conluio e as manobras para o estabelecimento e a promoção pessoal sob o manto do poder público, buscando os governantes sempre uma maior concentração de poderes nas mãos.

Estes desvios no exercício do poder levaram, na história humana, ao desprezo para com os indivíduos e ao absolutismo estatal. O constitucionalismo aparece para combater esse modelo de Estado e, mesmo após estabelecido o Estado de Direito, limitar essa ânsia de poder e de influência. A jurisdição constitucional, por sua vez, tem por função garantir e efetivar esses limites, podendo ratificar ou não um ato estatal.

Como dito no título anterior, não se pode esperar que a jurisdição constitucional não possua seu liame político. Afinal, suas decisões podem ter reflexos nos assuntos políticos. O que não pode ocorrer é se tornar centro de manobras políticas.

A política, de fato, não pode ser apartada da jurisdição constitucional, mas o que mudou, a partir do constitucionalismo, foi a posição de supremacia que passou da pessoa do governante para o Direito. A política teve de sucumbir aos interesses da ordem social, tendo em vista que passou a não mais ter a "liberdade dos monarcas ou parlamentos absolutistas, mas se sujeitava, ela própria, a vinculações jurídicas que deveriam garantir a justiça do direito criado pelo Estado" (GRIMM, 2006, p. 119).

Apesar de a origem do Estado não estar condicionada a nenhum ato jurisdicional, sua manutenção e estabilidade estão implicitamente ligadas ao trabalho da jurisdição constitucional, desde que ela seja legítima e exercida a contento, com competência, com qualidade, com lisura, sem jogo de interesses, nem influências externas. Que não seja corrompida. Que seja eficiente, célere, debelando rapidamente, por assim dizer, qualquer sinal de fogo destruidor que possa pôr em risco a estabilidade estatal ou social.

Criado o poder na estrutura do Estado Moderno e estabelecido o constitucionalismo e a supremacia da ordem constitucional, passando-se a entender que esta trouxe consigo a sua própria jurisdição, surgiu a questão sobre que pessoa ou órgão estatal deveria receber a incumbência de efetuar o controle de constitucionalidade.

Passou-se a indagar sobre quem deveria exercer esse controle, se essa designação deveria recair sobre um dos poderes estatais (legislativo, executivo ou judiciário), ou sobre o chefe do executivo, ou sobre um órgão colegiado diverso dos poderes típicos do Estado. Independentemente de quem recebesse a incumbência, seria necessário que as pessoas envolvidas tivessem a indispensável imparcialidade e independência, mantendo-se o mais afastado possível das influências políticas e dos interesses escusos. A jurisdição constitucional deve, portanto, se prender a uma "instância neutra, mediadora e imparcial na solução dos conflitos constitucionais" (BONAVIDES, 2003, p. 318).

Outro importante elemento para o correto exercício da jurisdição constitucional é a independência do órgão dela encarregado. Esta independência, conforme a abordagem do professor José de Albuquerque ROCHA, significa "a negação de sujeição a qualquer poder", enquanto que a imparcialidade implica em que o "juiz deve manter uma postura de terceiro em relação as partes e seus interesses". Tanto a independência quanto a imparcialidade "são meios para a realização de um mesmo valor: a sujeição do juiz unicamente à lei" (1995, pp.28, 30).

Deve-se frisar, contudo, que a imparcialidade não se confunde com a neutralidade, que se torna uma retórica na medida em que nenhum ser humano está imune à escala de valores que acompanham a sua vida. Mas isto não impede que o julgamento seja imparcial.

Entre a teoria e a realidade, entretanto, fazendo com que a independência e a imparcialidade se transformem em algo real, efetivo e eficaz, exige-se o implemento de "mecanismos capazes de impedir a atuação dos fatores reais do poder, principalmente os de natureza político-econômica, influentes, como sabemos, em qualquer processo decisório, portanto, também no judicial" (ROCHA, 1995, p.29).

Paulo BONAVIDES indica ainda um problema que ronda a jurisdição constitucional: a questão da legitimidade. Para ele, é preciso fazer a distinção entre a legitimidade da jurisdição constitucional e a legitimidade no exercício dessa jurisdição. E acrescenta: "A primeira é matéria institucional, estática, a segunda axiológica e dinâmica; aquela inculca adequação e defesa da ordem constitucional, esta oscila entre o direito e a política" (2003, p. 318).

É indiscutível a legitimidade da jurisdição constitucional, tendo em vista ser extraída da própria Constituição. No entanto, é questionável a legitimidade do seu exercício dependendo do órgão e do sistema escolhido, bem como de sua composição e forma de acesso.

De fato, a legitimidade do próprio sistema, como um todo, necessita de salvaguarda. Falando acerca da legitimidade da norma jurídica – que envolve os textos constitucionais por serem as normas primeiras do ordenamento – Arnaldo VASCONCELOS, estabelecendo o ponto de toque com a justiça (no sentido duplo de lei e aplicação da lei), abordando a legitimidade do poder institucional do Estado, faz menção à "primazia da instância da justiça sobre a instância da legitimidade", concluindo que "é a verificação da ausência de justiça, que conduz ao reexame da autoridade do poder institucional" (2002, p. 257).

A justiça, assim como a legitimidade, é instância de valor, sendo que a justiça deve ser verificada tanto na elaboração quanto na aplicação da norma jurídica (VASCONCELOS, 2002, p. 233). A resultante desses dois momentos acaba servindo também como fator de avaliação da legitimidade institucional do poder. Tais instâncias de valor – justiça e legitimidade – envolvem também a Constituição, posto ser a Norma Jurídica Maior do ordenamento. O exercício de qualquer poder, para ser legítimo, tem de estar equidistante entre dois polos: do anarquismo, que advém do individualismo exacerbado, e do despotismo, onde figura o poder ilimitado, a lei de um só para todos (2002, p. 236).

A legitimidade e a justiça, por sua vez, são instâncias valorativas que devem caracterizar a jurisdição constitucional, porquanto seus posicionamentos tenham influência sobre a sociedade. Isto porque, a ordem constitucional não cria, estrutura e representa apenas o Estado, sendo reflexo de toda a pluralidade social (DINIZ, 2002, pp. 180-191).

Essa grande responsabilidade e a elevadíssima função social da jurisdição constitucional tornam complexa a definição do sistema e do órgão dela encarregado, sendo necessário verificar a sua compatibilidade com o sistema jurídico adotado, além de ser imprescindível verificar a psicologia, a história e a tendência política do povo, para somente depois definir qual o melhor modo de organizar e definir o exercício dessa jurisdição.

Desse modo, passa-se à análise dos dois sistemas jurídicos que mais se notabilizaram na história da humanidade: o americano, com a common law, e o europeu continental, com o civil law.


3.MODELOS DE JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL

Na história da humanidade, é possível observar que foram desenvolvidos vários sistemas jurídicos, todos aplicados no interior dos diversos Estados, como o direito canônico, o direito hindu e o direito judaico. "Os diversos direitos exprimem-se em múltiplas línguas, segundo técnicas diversas, e são feitos para sociedades cujas estruturas, crenças e costumes são muito variados", sendo que, entre eles há elementos variáveis e elementos constantes do direito, além de possuir, cada sistema, suas características próprias, como certo vocabulário, certos conceitos, categorias, técnicas, concepção da ordem social, modo de aplicação, função própria (DAVID, 1998, p. 15).

Apesar de existirem variados sistemas jurídicos, poucas foram as famílias do direito que se desenvolveram, notabilizando-se os grupos da common law e da civil law, além da família dos direitos socialistas (DAVID, 1998, p. 17).

A jurisdição constitucional, por sua vez, na condição de área jurídica de resolução de conflitos constitucionais, precisa estar adaptada e em consonância com o sistema jurídico adotado. A existência de incongruências entre a jurisdição constitucional e o sistema no qual está inserida, pode levar à falta de legitimidade e à inefetividade de suas ações.

Daí ser importante abordar os dois mais adotados modelos de jurisdição constitucional, o americano (na common law) e o europeu (na civil law), porquanto os mesmos seguiram seus respectivos modelos jurídicos. Também pertine observar se é possível misturar a jurisdição constitucional de um com o modelo jurídico do outro. Primeiramente, devem-se verificar os dois modelos e suas escolhas de jurisdição constitucional.

Acerca dos modelos de jurisdição constitucional, tem-se o modelo de fiscalização política, do tipo francês, ainda seguindo os dogmas do constitucionalismo da França dos séculos XVII e XIX; o modelo de fiscalização judicial (judicial review) desenvolvido pelos Estados Unidos, a partir de 1803; e o modelo de fiscalização jurisdicional concentrada em um Tribunal Constitucional ou austríaco ou europeu (MIRANDA, 2009, p. 499).

O assunto tem plena ligação com o princípio da separação dos poderes e com o princípio democrático, além da confiança ou desconfiança histórica no trabalho do judiciário.

3.1Modelo americano: controle constitucional difuso pelo Poder Judiciário

No direito americano, o controle de constitucionalidade é realizado de modo difuso, ou seja, todos os juízes podem ser provocados a se pronunciar sobre a constitucionalidade das leis, cujo efeito do provimento se limitará às partes envolvidas. Essa difusão do controle, porém, é juridicamente coerente com o sistema adotado naquele país, no caso, a common law, modelo que dá maior margem de interpretação aos magistrados, tendo em vista se basear nos precedentes judiciais.

Como todos os juízes, no sistema americano, são competentes para o exercício da jurisdição constitucional, frisa-se que o julgamento por eles efetuado "parece estar em um meio termo entre o trabalho de um juiz ordinário e o de um juiz constitucional" (ROSENFELD, 2007, p. 227).

O constitucionalismo americano nasceu da certeza de que a Constituição é a expressão direta da vontade popular, a encarnação do pacto social. Baseado na organização federativa, caberia à Constituição a função de regular as relações existentes dentro da federação.

No exercício do poder estatal, os americanos, diferentemente dos europeus, sempre confiaram mais no judiciário do que nos outros poderes, especialmente no legislativo. Vários fatores contribuíram para isso, como a doutrina do chamado "realismo jurídico" (que destacava o papel ativo do juiz na criação do direito); o aparecimento histórico do juiz como superior ao legislador; a desconfiança para com a assembleia inglesa, cujas leis eram consideradas arbitrárias pelos americanos; e a influência da common law inglesa, que é direito de origem judicial, apesar do declínio do judiciário na Inglaterra, fato não ocorrido em suas ex-colônias americanas após a independência.

O fato é que o modelo americano de controle de constitucionalidade não se deu por meio de estudos e da análise consciente acerca da melhor opção, mas sim de forma natural diante da prática de seus juízes (ROCHA, 1995, pp. 89-92).

De acordo com a família jurídica da common law, predomina sobre a lei a interpretação judicial. Por mais rica que seja a atividade do legislador, seus comandos necessitam de uma ratificação judicial, passando pelo crivo da aplicação prática. Com isso, há a supervalorização do trabalho dos juízes.

No direito americano essa proeminência e difusão judicial, que levou a uma grande confiança no poder judiciário, têm ainda outras razões. Uma de raiz sociológico-colonial, outra de natureza geográfica e a última de natureza jurídica.

A epígrafe sociológico-colonial diz respeito à inexistência de juristas, nas colônias americanas, especialmente no século XVII, o que inviabilizava a sistematização e adaptação da common law. Havia, portanto, a escassez de juristas e de magistrados devidamente treinados e com uma formação jurídica adequada. Num primeiro momento, como solução para o problema, pensou-se em realizar uma codificação, o que desnaturaria o pensamento jurídico inglês. No século XVIII, todavia, mudou-se o pensamento acerca da solução a ser dada ao problema, especialmente pelo surgimento da necessidade de um direito mais evoluído e amadurecido, que destinasse proteção às liberdades contra o absolutismo. A independência americana se deu neste mesmo século (XVIII) e trouxe consigo o ideal de autonomia do direito americano.

Juntando-se a independência com o movimento que já vinha se desenvolvendo no sentido de modificar a visão jurídica, valorizar a magistratura e formar os juristas próprios da América, mudou-se por completo o desenho jurídico americano. A resultante desse movimento de valorização da magistratura foi a difusão e a confiança no trabalho judicial, delegando-lhe, inclusive, a jurisdição constitucional.

A razão de natureza geográfica, que levou à difusão do trabalho judicial, é o fato da dimensão continental dos Estados Unidos da América que, diferentemente da Inglaterra, não poderia ter seus poderes muito centralizados.

E o motivo de cunho jurídico diz respeito à forma federativa de Estado, que permitia e exigia a difusão do poder, sendo também diferente da forma unitária do Estado inglês (DAVID, 1998, pp. 360-366).

Esses fatores contribuíram para a difusão, a valorização e a confiança no trabalho judicial americano. Mas o principal elemento justificador, que viabiliza essa difusão, incluindo a forma de interpretar e aplicar as leis, é o sistema da common law, que dá considerável margem de liberdade ao juiz para exercer seu mister jurisdicional.

A difusão do controle de constitucionalidade americano, contudo, não impede que determinado assunto seja decidido em última instância pela Suprema Corte. Mas esta, no uso de seu juízo de admissibilidade, pode não apreciar o caso, fazendo com que prevaleça a decisão derradeira do tribunal a quo. A Suprema Corte, no entanto, é órgão componente do Poder Judiciário, não tendo a mesma natureza do Tribunal Constitucional europeu.

Assim, no sistema americano é dado ao Poder Judiciário, de forma difusa, exercer o controle de constitucionalidade, havendo, para o correto desempenho dessa função, a liberdade interpretativa deixada pelo sistema da common law.

3.2Modelo europeu: tribunal constitucional (austríaco ou europeu)

Diferentemente do caso norte-americano, na Europa o judiciário passou a ser alvo de desconfianças, tendo ocorrido a sobrevalorização da atividade legislativa. Em vez de haver o controle judicial sobre a legislação, ocorre que o judiciário é que passou a ser alvo de limitações. Este fenômeno se deu, principalmente, com relação ao exercício da jurisdição constitucional, posto que o judiciário não foi dela encarregado, criando-se um órgão distinto e fora dos poderes estatais.

Pelo que parece, a desconfiança dos europeus para com o judiciário remonta ao pensamento revolucionário de 1789, porquanto, sob o antigo regime absolutista, os tribunais eram reacionários e corporativos, sendo parciais em proteger privilégios indevidos. O legislativo, na visão dos revolucionários, representava o povo (entenda-se, burguesia), diversamente da doutrina de Montesquieu, em que o legislativo era representante de uma casta privilegiada.

Outro aspecto que deve ser levado em conta no caso europeu é que, diante dessa hegemonia do legislador e da existência de uma só classe social, a Constituição não aparece como instrumento de estabilidade, tendo em vista que esta se encontra nas leis, não carecendo o legislativo de controle. Além disso, as constituições têm por meta conter o absolutismo e não o parlamento, resultando que este não necessita de limites.

No sistema constitucional europeu, portanto, havendo a proeminência do legislador, quem precisava ser limitado e controlado era o judiciário. Essa fiscalização passou a ser feita pelo legislativo, por meio de uma Corte de Cassação. Sob o império da lei, o judiciário se tornou um mero aplicador dos comandos legais, passando-se a viver dentro da estrita legalidade. Criou-se a "escola da exegese" e o "juiz boca da lei". Surge o fenômeno da codificação (ROCHA, 1995, p. 93-98).

Observa-se, então, o alijamento do poder criativo do juiz, partindo-se do falso pressuposto de que todas as situações eram previstas e reguladas na lei, não havendo a necessidade de que os magistrados fizessem qualquer interpretação mais extensiva, bastando a mera leitura gramatical do texto e a sua aplicação ao caso concreto. Com a desconfiança existente sobre o trabalho judicial, em que nem mesmo a lei poderia ser interpretada, mas tão-somente aplicada, a jurisdição constitucional passou longe da competência do judiciário.

A ideia de um Tribunal Constitucional como órgão jurisdicional não pertencente nem ligado a nenhum dos três poderes ganha força no segundo pós-guerra, especialmente com o novo constitucionalismo trazido em Weimar. Seu idealizador e primeiro doutrinador foi Hanks Kelsen. Sabedor de que não era possível importar dos Estados Unidos o sistema adotado naquele país nem mesmo o modelo da sua Suprema Corte, Kelsen defendeu a necessidade de criar um modelo de controle de constitucionalidade compatível o sistema jurídico romano-germânico (SOUZA JÚNIOR, 2002, pp. 109, 112, 113).

O sistema de direito da família romano-germânica traz consigo preceitos especialmente fundamentados nos ditames do direito civil, sendo que o fenômeno da codificação e do positivismo legislativo surgiu com as ideias iluministas e com as revoluções, notadamente da Revolução Francesa. Enquanto que a common law vale a sistemática do stare decisis, predominando os precedentes judiciais, sob a família romano-germânica prevalece o civil law. Enquanto que nos Estados Unidos a Constituição é sagrada; na Europa é a lei que é sagrada (VIEIRA, 2008, pp. 70, 71).

Para Hans KELSEN, se a Constituição havia de ser controlada, tal função não poderia ser entregue a um dos poderes que justamente deveriam ser alvo desse controle. Afinal, ninguém pode ser juiz em causa própria. E, como esse controle visa a proteger a Constituição de violações e o monarca era quem mais a ameaçava, necessário seria a criação de um órgão imune e abstraído dos poderes do Estado (2007, pp. 239-241).

Criava-se, então, o Tribunal Constitucional como encarregado de exercer a jurisdição constitucional e como meio mais compatível com o sistema jurídico romano-germânico, tendo em vista que este acaba tolhendo a liberdade criativa dos juízes. Esta Corte Constitucional não faz parte do judiciário e tem atribuições estritamente constitucionais.

O modelo kelseniano de Tribunal Constitucional é adotado em vários países, como Áustria, Espanha, Portugal, Peru, México, Chile, Equador e Uruguai, lembrando que não são todos os países da Europa que adotam este sistema (LIMA, 2009, pp. 142-150). O destaque maior desse modelo encontra-se na Alemanha.

3.3.Modelo francês: controle político

Dentro dos modelos de jurisdição constitucional, não se pode deixar de mencionar a existência de um terceiro modelo, menos usual, mas muito arraigado na França por conta do apego aos dogmas revolucionários e pela persistência de desconfiança sobre o trabalho jurisdicional fora do parlamento.

Assim, o modelo francês é do tipo político, sendo exercido pelo próprio parlamento por meio do Conselho Constitucional. Este sistema é também adotado na Holanda e em alguns países da Ásia e da África (MIRANDA, 2009, p. 499).

3.4A anomalia resultante da junção de modelos

Ao estudar os modelos jurídicos da common law e da civil law, é possível concluir que não é coerente que um possa utilizar o modelo de jurisdição constitucional do outro, porquanto as raízes da formação jurídica são diferentes para cada um deles, assim como são diversos os modos de resolução dos conflitos.

A formação jurídica na common law tem por base a liberdade interpretativa, mais liberta das amarras da lei, enquanto que, na civil law, prevalece o positivismo jurídico, submetendo-se o magistrado à vontade legislativa.

Com isso, o modo de resolução dos conflitos é também diverso para um e para o outro, porquanto é patente a margem de criação judicial do direito na common law. Não havendo o império da lei, coerente com ele é o sistema do controle difuso de constitucionalidade, posto a não prevalência do legislativo sobre o judiciário.

Do outro lado, como o juiz da civil law está ligado ao positivismo jurídico, sendo mais subordinado à lei, no caso, à vontade do legislador, não faria sentido a aplicação do sistema difuso de controle de constitucionalidade, tendo em vista que o magistrado não teria a independência necessária para julgar conflitos entre poderes.

A questão é a da busca de equilíbrio e controle no exercício do poder. Se ao judiciário, na condição de um dos poderes estatais, cabe a função do controle de constitucionalidade, não pode esta função ser submetida à vontade legislativa. Do contrário, não haverá efetivo e eficaz controle de constitucionalidade. Se o judiciário estiver sob o jugo da lei, não pode ele ser o encarregado do controle de constitucionalidade, devendo ser criado um órgão distinto dos poderes estatais para que esse controle seja legítimo e eficaz.

Assim, o controle de constitucionalidade difuso não é compatível com a civil law, não havendo lógica nem coerência na mistura entre um modelo jurídico de um com o modelo de jurisdição constitucional do outro.


4.INCOERÊNCIAS DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL BRASILEIRA

Observando-se o sistema jurídico-constitucional brasileiro, constatam-se incoerências entre a jurisdição constitucional e o sistema jurídico adotado e a formação de sua magistratura.

Isto porque, no Brasil, fez-se justamente a mistura indevida entre o sistema jurídico adotado, no caso da civil law, com o modelo difuso de controle de constitucionalidade, tendo como encarregado o judiciário, e ainda se imaginando que o Supremo Tribunal Federal pode fazer o papel de efetiva Corte Constitucional.

Pela formação jurídica do magistrado brasileiro, de submissão à lei, sem margem de criação do direito, torna-se ineficaz a jurisdição constitucional pátria, não havendo a real interpretação e revitalização da ordem constitucional (ROCHA, 1995, pp. 99-102).

A situação brasileira ficou ainda mais anômala com a criação da súmula vinculante pela Emenda Constitucional n° 45/2004, posto que, com ela, retira-se por completo a independência e qualquer possibilidade criativa dos juízes quanto à interpretação e revitalização do direito (ROCHA, 2009, pp. 97-101), principalmente da ordem constitucional, tornando ainda mais incompatível o controle difuso com o sistema brasileiro.

Sendo o civil law o sistema jurídico adotado no Brasil, exige-se a criação de um Tribunal Constitucional nos moldes europeus, o que traria legitimidade e eficácia à jurisdição constitucional pátria. Um órgão constitucional diverso dos três poderes, especialmente não ligado ao Poder Judiciário, tendo natureza democrática e poder político e sociológico para efetivar o real controle da ordem constitucional e dos conflitos entre poderes, é que realmente traria legitimidade ao controle de constitucionalidade no Brasil (ROCHA, 1995, pp. 102-104; GUERRA FILHO, 2007, pp. 82,83).

No Brasil, apesar de adotado o sistema jurídico da civil law, não se optou pela criação de um Tribunal Constitucional especial, ocasionando graves distorções em sua jurisdição constitucional. O Judiciário brasileiro acumula a função judicial ordinária e extraordinária, além de assumir também, de forma difusa e concentrada, a jurisdição constitucional.

O Supremo Tribunal Federal é a Corte Constitucional brasileira, mas cujo formato não é compatível com o modelo europeu, contrariando a lógica e a solução que melhor se adequariam ao sistema jurídico adotado no país. Este órgão supremo acumula as competências extraordinária e constitucional, estando sempre assoberbado de processos, ficando impossibilitado de se especializar no aspecto constitucional. Resultado disso é a falta de efetividade e eficácia de suas decisões em matéria constitucional. Outro grave problema é a influência política danosa e a ausência de real controle sobre os conflitos constitucionais, especialmente entre os poderes, justamente por ser Tribunal componente do Poder Judiciário. Falta-lhe, portanto, legitimidade constitucional.

A legitimidade constitucional é problema de consenso, ou seja, a ordem democrática e o pluralismo, dentro de um consenso social, formam "o eixo da normatividade, o liame da juridicidade com a facticidade, o traço da união do constitucional com o real", sendo que a Constituição de um Estado é, para o cientista político, instrumento de governo na defesa efetiva dos interesses da coletividade, enquanto que, para o jurista, ela é norma (BONAVIDES, 2004, pp. 326, 327).

No entanto, especificamente no caso brasileiro, a legitimidade constitucional tem passado por graves crises no decorrer de sua história, sendo que tal situação insiste em não se afastar de sua história. Esse consenso constitucional deve existir entre os poderes estatais, sendo ele uma zona intermediária a ser ocupada e concentrada justamente num órgão democrático e independente de controle da ordem constitucional.

Ensina Paulo BONAVIDES que a crise de legitimidade constitucional no Brasil tem origem em alguns fatores, como o retardamento político; a sociedade ser patriarcal e oligárquica, que evita a democracia participativa (a exemplo da Constituinte de 1987, que deu azo à Carta Federal de 1988, que evitou "o encontro do povo com sua própria soberania"); o retardamento do processo econômico; e as dificuldades do sistema capitalista. O que há, na verdade, é uma crise constituinte, pois falta o consensus constitutionis, sem o qual não se pode falar em normatividade constitucional, sendo que a participação dos grupos sociais e do cidadão "faz parte das esferas constitucionais e fundamenta uma nova legitimidade" (BONAVIDES, 2004, pp. 328, 332, 333).

A falta de legitimidade da jurisdição constitucional brasileira, além da questão da incoerência entre o sistema jurídico adotado e da falta de participação democrática, é reforçada pela falta de independência do Judiciário.

O Poder Judiciário brasileiro, na forma como se encontra estruturado, pende mais para fomentar o anarquismo, pois sua atuação é tendenciosa para acobertar os interesses individuais. Tudo isso pelo fato de que a Constituição Federal de 1988, por não ter o constituinte observado (e continuar não observando) os fatores éticos, culturais e sociológicos do povo, deixa margem para a corrupção e para os desvios políticos. Com isso, fica comprometida a jurisdição constitucional brasileira. Esse anarquismo é resultante da falta de independência por parte dos membros do Judiciário. A independência é de extrema importância para a efetiva realização das funções judiciais. Sem ela o Judiciário será apenas um fantoche nas mãos de alguns. Tal falta de independência reflete negativa e prejudicialmente na jurisdição constitucional pátria.

Por meio de sua obra O Poder dos Juízes, Dalmo de Abreu DALLARI enfatiza que "longe de ser um privilégio para os juízes, a independência da magistratura é necessária para o povo" (2008, p. 47). Mencionando os "inimigos da magistratura independente", aborda os obstáculos à independência e os meios para conquistá-la e preservá-la, sendo incisivo em enfatizar a parcela de culpa dos próprios magistrados e a parcela de culpa dos fatores externos, estabelecidos na própria Constituição Federal. [07]

Discorrendo sobre os inimigos da independência do Judiciário, enumera as (1) ditaduras; as (2) estruturas sociais e políticas antidemocráticas, dentre elas o que ele chama de "ditaduras constitucionais", que amparam a legalidade estrita; as (3) agressões psicológicas e físicas a membros da magistratura; e a (4) conduta omissiva e comissiva de magistrados que renunciam à sua independência, sendo cúmplices, por não exercer as funções da jurisdição, especialmente de criação do Direito (DALLARI, 2008. pp. 49-55).

Discorrendo, porém, sobre o outro lado da moeda (ou verdadeira essência da moeda), DALLARI ensina sobre a corrupção no Judiciário (2008, pp. 52, 62):

O que tem havido com maior freqüência no Brasil são mais casos de corrupção de magistrados do que de violência contra eles. Os corruptores podem ser pessoas ou empresas com altos interesses econômicos dependentes de decisão judicial ou que estão celebrando contratos de elevada expressão econômica com algum órgão do Poder Judiciário, havendo também casos em que os corruptores são políticos e governantes sem escrúpulos. Neste caso a corrupção é feita, geralmente, com certa sutileza, ou por meio de homenagens que afagam a vaidade de magistrados e tribunais ou com o disfarce de colaboração recíproca no interesse público, colocando em altos cargos de governo pessoas que possam influir para abrandar ou anular os rigores legalistas da magistratura.

Na prática o que se tem visto é que muitos juizes aceitam sem revolta e até mesmo com satisfação e alívio a falta de independência, invocando como desculpa os fatores de condicionamento e limitação de suas decisões sempre que questionados.

O professor José de Albuquerque ROCHA, em suas obras Estudos sobre o Poder Judiciário e Teoria Geral do Processo, discorre acerca do quadro desse poder republicano.

Dentre outros pontos, frisa ele que a independência do Judiciário deve ser vista sob dois ângulos: a independência política e a independência administrativa. Na independência política encontra-se a própria função jurisdicional, sendo política por envolver a sua "relação com o exercício do poder estatal" e por ter a "finalidade política, qual seja, a defesa da liberdade". Acerca da independência administrativa, indica ele que a mesma se refere à capacidade de autogoverno, mas que este encontra-se "exercido pelos tribunais de maneira autocrática, o que contradiz o princípio democrático", havendo a "necessidade de democratizar o exercício do poder no interior do Judiciário a significar a participação de representantes de todos os segmentos da magistratura e da sociedade" (ROCHA, 2003, pp.108, 109).

Em adição, explicita os motivos da falta de independência funcional dos magistrados: 1) indicação política para a magistratura da União, no caso, para os tribunais superiores; e 2) "relação de subordinação administrativa entre os juízes do 1º grau e os membros dos tribunais". A questão é que "como o tribunal que administra a carreira do juiz é o mesmo que revê suas sentenças, através dos recursos, a dependência administrativa determina dependência funcional, já que ao decidir não está livre dos temores das represálias ou das expectativas dos favores daqueles que detêm o controle de sua carreira, [...]" (ROCHA, 2003, pp. 142, 143).

Neste sentido, impende enfrentar objetivamente a questão da origem desta falta de independência, cujas razões são oriundas de quatro fatores: comodismo da magistratura, autocracia, dependência financeira em relação aos demais poderes e indicação política.

No comodismo estão envolvidos a ausência de vontade e de coragem para enfrentar a realidade social e estabelecer as conquistas sociais em face dos interesses das classes mais favorecidas, que mantém o povo marginalizado e fora das esferas do poder. Nesse item está a questão do positivismo jurídico, porquanto seja do interesse dos governantes que o Judiciário não tenha forças para interpretar a lei, vivificar a lei, humanizar a lei, suplementar a lei e rejuvenescer a lei. Aqui a culpa é dos próprios magistrados que, ao serem aprovados num concurso público, acham-se endeusados e parecem desconsiderar a necessidade de estudo e aperfeiçoamento contínuo, demonstrando uma atitude omissiva.

O problema da autocracia reside na questão da promoção dos juízes de primeiro grau, que se encontra nas mãos dos tribunais, acabando por influenciar a atuação jurisdicional na instância inicial; e no fato da eleição para a presidência dos tribunais ser realizada apenas entre seus membros. O comodismo, por sua vez, encontra combustível nessa influência deslumbrante de quem manda dentro dos tribunais. [08]

Em relação à dependência financeira, esta também contribui para as nefastas influências dos outros dois poderes e da pressão sobre as decisões judiciais.

Na questão do acesso político, este é observado pela forma de ingresso a todos os Tribunais que compõem o Poder Judiciário, chegando, inclusive, ao Conselho Nacional de Justiça. O acesso aos Tribunais pela forma política inclui a via do quinto constitucional. Apesar de objetivar uma suposta democratização dos tribunais, garantindo a representatividade da Advocacia e do Ministério Público, a decisão do quinto constitucional tem o viés político, deixando suas amarras políticas sobre os indicados, retirando-lhes a independência.

Frisando além do aspecto político do acesso, mas do elemento oligárquico e a presença da corrupção no Judiciário, ensina o professor José de Albuquerque ROCHA (1995, p. 51):

A composição dos tribunais não obedece aos procedimentos democráticos, já que seus membros são escolhidos pelo próprio tribunal. Esse modo de formação dos tribunais transforma-os em uma oligarquia, ou seja, em um pequeno grupo que governa em seu próprio nome, dominando, de forma incontrastável, o governo da instituição judiciária, sem nenhuma dependência dos demais interessados.

A experiência histórica mostra que o exercício do poder sem controle leva, fatalmente, ao seu abuso e desvio, produzindo uma séria de vícios, entre os quais aquele que, em termos muitos gerais, chamamos de corrupção, em suas inúmeras modalidades.

Os tribunais brasileiros, como entidades oligárquicas, que concentram em si todo o poder administrativo do Judiciário, não podiam fugir à regra geral do abuso e do desvio do poder. Resultado disso é a avalanche de denúncias, cada vez maior, de abusos e desvios de poder praticados pelos tribunais, evidenciando a existência de sérias distorções morais no comportamento de seus membros.

O modo como está estruturado termina por indicar que o Judiciário não se encontra apto para o exercício da jurisdição constitucional, tendo em vista seu papel na manutenção do poder nas mãos dos membros do executivo e do legislativo, bem como dos componentes dos próprios tribunais, tudo isso somado à falta de independência funcional dos juízes de primeiro grau.

Quando o trabalho judicial chega aos tribunais, verificam-se, além desse quadro, as amarras políticas e a tendência de pressionar a atuação da primeira instância. Neles aparecem a corrupção e o corporativismo.

Todo o elenco de problemas e desvios acima discorridos, que repousa sobre o Poder Judiciário pátrio, acaba refletindo na efetividade e na eficácia da jurisdição constitucional, já que esta, no Brasil, é difusa, sendo que todos os juízes podem se manifestar acerca da constitucionalidade das normas.

Ainda que o Supremo Tribunal Federal fosse o único órgão judicial a fazer o controle de constitucionalidade no Brasil, ainda assim restaria comprometida a jurisdição constitucional pátria, porquanto esta Corte Constitucional apresenta as referidas anomalias, sendo componente dos três poderes do Estado, não sendo órgão exclusivamente constitucional (no molde europeu), está comprometido politicamente e falta-lhe a necessária independência.

Tendo em vista que o sistema adotado no Brasil é o da civil law, correto seria, para que a sua jurisdição constitucional fosse legítima e eficaz, a criação de um Tribunal Constitucional nos moldes europeus: um órgão não ligado a nenhum dos três poderes estabelecidos. Não haveria a violação material da Constituição Federal, porquanto a separação dos poderes não deixaria de existir, apenas sendo criado um órgão protetor da Constituição e de arbitragem dos conflitos entre os poderes estabelecidos.


CONCLUSÃO

Resultante do estudo realizado é a conclusão acerca da importância da jurisdição constitucional para a manutenção e estabilidade das instituições que compõem o Estado de Direito.

Mas essa estabilidade não será mantida se a atividade dessa jurisdição não for realizada de maneira legítima, independente, democrática e compatível com o sistema jurídico adotado.

Qualquer anomalia ou influência danosa sobre o trabalho da jurisdição constitucional poderá retirar-lhe a eficácia e a efetividade, deixando a ordem constitucional vulnerável a crises e a manobras iníquas de natureza política, além de trazer uma paralisia nefasta na importante revitalização da ordem jurídico-constitucional.

Não restam dúvidas de que, no Brasil, há essa vulnerabilidade e essa paralisia, especialmente com a inserção da súmula vinculante. Assim, além de não existir um tribunal exclusivamente constitucional no país, compatível com o sistema jurídico adotado (da civil law), inseriu-se mais uma agravante – o poder normativo do Supremo Tribunal Federal, maior até do que o da função legislativa típica e até da própria Constituição da República. Este poder normativo sepultou por completo qualquer atividade criativo-interpretativa dos juízes e a sua indispensável independência.

Esse quadro deixa ainda mais à deriva a jurisdição constitucional brasileira, contanto falte ao Supremo Tribunal Federal a legitimidade como Corte Constitucional e, ainda mais, para exercer este poder normativo, sendo órgão de convergência de interesses políticos e mercadológicos.

Deveria o Supremo Tribunal ser transformado em instância última do Judiciário, deixando ele de ser a Corte Constitucional, e ser criado um Tribunal exclusivamente Constitucional, fora do Judiciário, encarregado do exercício do controle de constitucionalidade. Somente seguindo o modelo europeu de jurisdição constitucional, é que será possível, no Brasil, dar real estabilidade à ordem constitucional vigente.


REFERÊNCIAS

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VIEIRA, Renato Stanziola. Jurisdição constitucional brasileira e os limites de sua legitimidade democrática. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.


Notas

  1. Somente na segunda metade do século XX é que o pensamento constitucional, pelo acúmulo de experiências e pelas reflexões até ali realizadas, chega a um grau de amadurecimento que permitiu estabelecer a Teoria da Constituição.
  2. Na Grécia antiga, a palavra constituição tinha sentido absolutamente limitado, sendo o vocábulo utilizado no sentido de legalidade e como sinônimo da pólis. Mais adiante, o uso romano da palavra constituto tinha o sentido de normas emitidas pelo imperador, mas que em nada se relacionavam com a estrutura do Estado. No obscurantismo da Idade Média, tendo havido grande estagnação filosófica e intelectual, a organização social se notabilizou pelos feudos, valorização dos dogmas religiosos e do teocentrismo, existindo, quanto ao Estado, o destaque ao absolutismo e a sua completa desestruturação (SALDANHA, 1982, pp. 13-16).
  3. O desenvolvimento do constitucionalismo e do pensamento constitucional, fazendo surgir o Estado de Direito moderno, teve como ponto vital o liberalismo, cuja doutrina não tem um momento histórico bem definido acerca de seu surgimento, sendo que alguns de seus traços já eram observados na Idade Média. O constitucionalismo se caracterizou, em seu início, pelo racionalismo, o laicismo, o individualismo burguês, o legalismo e a redução das intervenções estatais na sociedade. A base do Estado Moderno se deu, portanto, sobre o iluminismo e o liberalismo (SALDANHA, 1982, pp. 19-21).
  4. Competência tem o sentido de delimitação da área de trabalho, relacionada às possibilidades do exercício do poder, sendo definida, abstrata e previamente, por meio das regras jurídicas vigentes, enquanto que função se relaciona ao exercício da competência, correspondendo ao seu aspecto prático, a resultante da atividade exercida. Assim como na jurisdição comum, cujo trabalho é previamente delimitado pelas regras de competência, a jurisdição constitucional também deve possuir seu raio de atuação claramente estabelecido no ordenamento. Entendemos, porém, que a jurisdição constitucional tem uma única função, isto é, o resultado esperado de seu trabalho: proteção e revitalização da ordem constitucional vigente.
  5. A supremacia da constituição "resulta do fato de que, ao transformar Direito e política em fenômenos de mútua implicação, a Constituição representa uma estrutura normativa superior a todas as demais no interior da ordem jurídica, que estrutura juridicamente o Estado por meio das funções pelas quais ele atua e estabelece solenemente os fundamentos para a realização dos direitos fundamentais. [...]. Dentre os meios previstos nos ordenamentos jurídicos contemporâneos como técnicas de garantia da Constituição, destacam-se a rigidez constitucional e o controle de constitucionalidade" (DINIZ, 2002, pp. 100, 101).
  6. A interpretação da constituição e a mutação constitucional são dois aspectos de extrema importância, tendo em vista que é delas que ocorre a revitalização e atualização da ordem constitucional. O debate maior, em torno da interpretação e da mutação constitucional, diz respeito aos limites de seu exercício e de suas resultantes. Mencionamos os alemães Peter HÄBERLE e Konrad HESS, e o chinês Hsü DAU-LIN, como autores que se destacam na abordagem do tema.
  7. "Existem casos em que os inimigos da magistratura independente agem abertamente contra ela, mas há situações em que a destruição dessa independência é feita com disfarces mais ou menos sofisticados, podendo até assumir a aparência de homenagem a juizes e tribunais. E ocorrem situações em que os próprios magistrados, por ingenuidade ou leviandade, assumem a condição de cúmplices dos que promovem a desmoralização da magistratura, associando-se a demagogos e corruptos, acobertando ilegalidades de governantes, em troca de vantagens pessoais que nada têm a ver com a melhoria das condições de trabalho dos juizes e tribunais. Nesses casos os juizes é que são os principais inimigos da independência da magistratura" (DALLARI, 2008, p. 47).
  8. O professor ROCHA explicita o caráter autocrático para a escolha dos componentes dos tribunais como motivo adicional para a falta de independência funcional dos magistrados, sendo que essa autocracia tem vários reflexos indesejados: (1) é incompatível com o princípio democrático; (2) hierarquiza o Judiciário; e (3) induz-se a considerar as decisões dos tribunais mais importantes que a dos juizes singulares, acabando por influenciar as decisões destes, retirando-lhes a independência. A preocupação com as promoções pelo fenômeno do "carreirismo" e a ausência de liberdade para decidir acabam retirando do magistrado a independência e, por vezes, a própria imparcialidade (1995. pp. 42-51).

Autor

  • Michel Mascarenhas Silva

    Michel Mascarenhas Silva

    Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza-UNIFOR. Advogado. Professor da Universidade Federal do Ceará-UFC, da Universidade de Fortaleza-UNIFOR e da Faculdade Sete de Setembro-FA7.

    Autor dos livros "Tribunais de Contas e Poder Judiciário - O sistema jurisdicional adotado no Brasil e o controle judicial sobre atos dos tribunais de contas" (São Paulo: Conceito Editorial, 2011) e "A Responsabilidade Civil no Rompimento do Casamento e da União Estável" (Florianópolis: Conceito Editorial, 2009).

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Michel Mascarenhas. Legitimidade e eficácia da jurisdição constitucional. A necessária adequação ao modelo jurídico adotado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2933, 13 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19527. Acesso em: 28 abr. 2024.