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A democracia moderna e o princípio republicano.

Uma imbricação necessária para a proteção do interesse público

A democracia moderna e o princípio republicano. Uma imbricação necessária para a proteção do interesse público

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Sumário: Introdução. 1) A disseminação da democracia como panacéia política: um problema a ser enfrentado. 2) Democracia e república: uma conceituação necessária. 2.1) A democracia ateniense e a democracia moderna. 3) O capitalismo individualista e o sistema representativo: as dificuldades da democracia moderna. 4) A prática política e sua relação com o princípio republicano. 4.1) O princípio republicano como instrumento necessário à democracia. Conclusão. Bibliografia.


Resumo

A democracia moderna apresenta traços peculiares em relação a democracia ateniense. O sistema representativo e a pressão sobre ele exercida pelo capitalismo individualista tornaram mais do que necessária a inserção do espírito republicano sobre os governantes e representantes do povo. Apenas disseminar a democracia, considerando que somente garantir a ampla participação de todos será a solução para os males políticos, éticos, econômicos e sociais é dar ao tema uma solução pueril. Diante da realidade da ética e política é preciso temperar a democracia com a república. Assim, é indispensável entender a democracia, mas também compreender o significado da república. Afinal, nunca antes na história da humanidade se tornou tão imprescindível o espírito republicano. Assim, as linhas do presente trabalho apresentam como problema o erro de se disseminar apenas a democracia e não se ensinar o princípio republicano. Nesse diapasão, elas abordam o conceito de democracia e apontam os principais caracteres da democracia ateniense e da moderna, bem como conceituam a república e a sua importância para a democracia atual, tendo em vista as duas principais dificuldades por ela enfrentadas – a representação e o capital. O problema delimitado tem como pano de fundo a tensão existente entre a democracia e a república e a sua relevância para a sustentabilidade e credibilidade do Estado moderno.

Palavras chaves: Democracia. Direitos. Política. República. Responsabilidade.


Introdução

O indivíduo necessita do espaço público e este, por sua vez, é composto dos indivíduos. Acrescente-se a este movimento o elemento territorial e ter-se-á o Estado como ente central a organizar e absorver este movimento entre o interesse público e o interesse privado. Mas as decisões do Estado devem ser tomadas no interesse de todos, sendo que a questão a ser enfrentada é de como e para quem devem ser tomadas.

Os sistemas de governo experimentados pela humanidade mostram que o melhor deles ainda é o regime democrático. Afinal, deixar que uma só pessoa ou apenas alguns tomem as decisões se mostrou negativo, resultando sempre no mau uso do poder e do espaço público. Consequentemente, todas as atenções voltaram-se para a democracia como o regime mais adequado para acomodar os diversos interesses contidos numa sociedade, garantindo a todos o direito de participação. Mas a democracia em sua forma moderna, caracterizada pela representação e pelo capitalismo, se mostra mais sensível aos desvios da coisa pública visando a promoção do interesse privado em detrimento do coletivo. O antídoto para esse mal é a república, notabilizada pela responsabilidade política e financeira não apenas para quem governa, mas também para os particulares em relação com o Estado. Assim, não se pode concentrar apenas no desejo democrático, como se direcionaram as atenções.

O trabalho em epígrafe apresenta como problema a questão da expectativa criada em torno da democracia como solução para todos os males políticos. Demonstrando as dificuldades da democracia moderna, estas linhas apresentam o espírito republicano como forma de proteger a democracia e os direitos conquistados.

De fato, a questão é que hoje se fala muito em democracia e pouco em república. O entendimento e a difusão dos elementos que formam um governo democrático é muito maior em relação a abordagem dada ao sentido de república, pouco se sabendo sobre o que é ser um cidadão republicando e um governante republicano.

Estabelecer que a democracia moderna, notabilizada por sua forma representativa e pela pressão do capital, não pode existir a contento sem a república é o principal motivo e objetivo do presente trabalho. Entender a razão dessa assertiva passa, inexoravelmente, pela conceituação de democracia e república, por uma comparação entre a democracia ateniense e a moderna, bem como as pressões existentes hoje sobre a democracia.


1)A disseminação da democracia como panacéia política: um problema a ser enfrentado

A delimitação entre as esferas pública e privada dentro da convivência social e sua influência na atuação estatal, se tornou assunto relevante para o equilíbrio nas relações e a aplicação correta dos direitos, sendo certo que não apenas o indivíduo os possui, mas também o espaço público angariou para si certos direitos que são exercidos pelo próprio Estado em nome da coletividade. A questão se coloca entre o interesse público e o interesse privado. Assim, o problema de como equacionar o interesse privado e o interesse público merece atenção, não sendo apenas a democracia que vai fazer com que se proteja as duas esferas. Hoje se fala muito em democracia, mas pouco na necessidade do espírito republicano. Para o seu surgimento e hoje, ainda mais, para a sua manutenção, o Estado Moderno ou Estado de Direito necessita não só da democracia. Precisa muito mais da aplicação do princípio republicano.

O Estado traz consigo a idéia de centro em que todos os indivíduos destinam a transferência de prerrogativas que passam a ser exercidas pelo poder central, tornando uma realidade o surgimento de uma entidade de natureza pública e com o objetivo de falar em nome de todos. Essa transferência de poderes para o centro não é absoluta, não significando a anulação dos indivíduos. Ela permite, porém, que cada um possa participar nos assuntos do Estado.

Com isso, apresenta-se como dilema a questão do interesse individual e do espaço ou interesse público. Indivíduos e coletividade passam a manter uma relação tensa, sendo certo que o indivíduo precisa do público e o público necessita do indivíduo. Torna-se imperativa a limitação clara da esfera pública e da esfera privada, sendo definido até onde pode ir a preponderância de uma e de outra. A esfera pública é formada pela junção da presença e das atividades de cada indivíduo que a compõe, não podendo ela prescindir e maltratar seus componentes. Por sua vez, o indivíduo não pode desprezar a esfera pública sob pena de receber a desaprovação da maioria, além de possibilitar o colapso social.

No momento inicial, a participação conjunta nos assuntos públicos não faz surgir a idéia do demos, do povo, como fonte solidária das decisões quanto aos destinos da sociedade, nem havia a consciência quanto ao exercício do cratos, ou seja, do governo. Somente mais a frente, notando o indivíduo que a transferência de poderes poderia levar a prática de desvios e a promoção pessoal do individuo ou dos indivíduos carregados de decidir os assuntos públicos, tudo em detrimento dos interesses do grupo e muitas vezes prejudicando a individualidade de seus pares, é que os conceitos de povo, de governo, de desvios e, principalmente, de direitos, passaram a ficar mais claros.

Estes quatro elementos, povo, governo, desvios e direitos fizeram acender a chama da participação. Não bastava apenas a transferência de poderes, mas o poder do Estado precisava ser exercido. Era preciso distinguir burocracia estatal do exercício do poder estatal que era público e oriundo das individualidades. Uma coisa era a execução pela burocracia, outra era a decisão de como, quem e para que serviria a execução do ato. Inicialmente, o poder governamental era exercido de duas maneiras: ou por uma só pessoa (monarquia) ou por alguns notáveis (aristocracia). [01] Mas o poder de decidir o destino do grupo não advinha apenas de uma ou de algumas pessoas. Afinal, este poder havia sido transferido por todos. A esta inteireza, por sua vez, deveria ser dada a possibilidade de exercício do poder. Antes, porém, de responder a questão de como exercer o poder, é preciso saber os motivos (ou objetivos) de exercê-lo.

As razões ou motivos do exercício do poder de modo indistinto se relacionam com a proteção dos interesses individuais. O encontro de interesses idênticos forma uma vontade que, a depender da quantidade de interesses e da quantidade de identidades, formará a vontade da maioria. Na verdade, estes interesses formam um conjunto de desejos. Assim, a ampla participação popular vem da intenção de satisfazer desejos. O desenvolvimento das relações humanas somada aos desejos é que faz surgir o direito. Este direito, por sua vez, passa a ser acatado, previsto e sistematizado pelo Estado. Surgem os sistemas jurídicos. Mesmo assim, os interesses continuam existindo, sendo que agora eles visam influenciar o Estado acerca dos direitos a serem priorizados. Estes direitos envolvem tanto aqueles da esfera pública, a serem realizados pelo próprio Estado e respeitados pelo indivíduo, quanto os da esfera privada, de observância pelos indivíduos nas relações entre si.

Cientes dos motivos ou objetivos para o exercício do poder, era preciso saber como exercitá-lo. Era necessário sair do comodismo e entrar na participação ativa. Antes era cômodo simplesmente ficar em casa e deixar os assuntos públicos e a definição dos direitos ao encargo dos governantes. A partir desse momento, opinar, "gritar" por seus interesses (desejos/direitos), visando construir uma sociedade mais justa, passou a ser uma questão de sobrevivência política. Não se discutia de onde se origina o poder, na forma como hoje se tem consciência, mas sim quem o deveria exercer, se o indivíduo que governava sozinho (mono-arquia) ou os poucos que governavam (arete-cracia) [02]. É da participação ativa das pessoas que surge a idéia de povo como a massa de indivíduos que podem opinar, construindo a polis, exercendo prerrogativas políticas e fazendo política. A noção de governo envolve o aparato burocrático e a execução de medidas necessárias para a condução mais inteligível dos assuntos públicos ao mesmo tempo com respeito a esfera individual. Dessa participação ativa nos assuntos de Estado, resultante da defesa de seus próprios interesses, é que se previnem e barram os desvios no exercício do poder. Os direitos, por sua vez, passam a ser previstos pelo Estado como reflexo da participação de todos e pelo exercício da força política da maioria.

O amadurecimento e a prática desses institutos e aspectos jurídicos e políticos ocorre na Grécia antiga, especialmente na cidade da Atenas. Berço do exercício da política e da democracia como regime aberto à vontade e à participação popular, a Grécia apresenta-se como vanguardista nas questões que envolvem a esfera pública e a esfera privada. As pessoas tinham amplo interesse político, pois deixavam seus afazeres pessoais para estar na praça participando dos assuntos que iriam conduzir o espaço coletivo. [03]

Assim, o regime que extraia da ampla participação popular as decisões de caráter público, denominado de democracia (demos + cratos = governo exercido pelo povo), se caracterizava pela publicidade das decisões (transparência), descentralização do poder (era contrário a monarquia onde o poder era exercido por uma só pessoa, e contrário a aristocracia onde o poder era exercido por alguns), exercício de direitos (desejos) garantidos pela vontade da maioria, igualdade e liberdade. Na Idade Média, contudo, o ideal democrático foi deixado de lado. O Estado se notabilizou pelo exercício do poder totalmente contrário a este período da democracia direta, estabelecendo-se as monarquias absolutas, regimes em que a pessoa do monarca atraia para si a elaboração e a execução das leis. Diferentemente da democracia, na monarquia absoluta não havia eleições (o monarca recebia o poder pela hereditariedade), inexistindo participação popular. Não havia transparência nem prestação de contas. O monarca não era responsabilizado. As decisões eram secretas e não motivadas, alijando-se os direitos, a liberdade e a igualdade. Com o iluminismo e a política liberal, porém, passa-se a combater este absolutismo. Já na Inglaterra do século XVII, surge a idéia do parlamento como instituição fazedora das leis, sendo reduzidos os poderes do monarca. O Estado Moderno traz consigo a renovação da idéia de participação popular e de democracia.

Ultrapassado o período do Estado absoluto, sendo retomada a feição democrática, seria natural a ênfase desmedida à democracia como melhor regime, mais atuante e o que melhor viabiliza a acomodação dos mais diversos interesses que compõem a sociedade. E foi isso o que efetivamente aconteceu. A democracia passou a ser vista como uma necessidade, como a única forma de oxigenação do Estado moderno e de sobrevivência das sociedades. Muito se dissemina acerca das vantagens da democracia, cujo vocábulo tem sido utilizado para denotar um comportamento aberto, transparente, qualidade de quem é democrático, ou seja, adjetivo positivo que pode ser usado para designar qualquer ambiente ou relação. Ser democrático significa permitir a participação, ouvir, deixar que os envolvidos opinem. Quem decide deve deixar às claras as suas razões, além de oportunizar aos envolvidos a defesa de seus interesses. [04]

No entanto, esta retomada do otimismo democrático, especialmente a partir do final do século XVIII, consolidado após a Segunda Guerra Mundial, deve ser devidamente equacionada com uma realidade não muito animadora. Esta se relaciona com o pano de fundo, com as razões que levaram ao ressurgimento da democracia das cinzas, pois este evento não ocorreu por acaso. Isto porque, a democracia serve de apoio imprescindível para a doutrina do Estado liberal, promovida pela burguesia, que exige a retirada da influência estatal sobre os assuntos e relações sociais, fazendo surgir o capitalismo. A democracia era agora pautada na legalidade estrita e no sistema político-representativo. O fato é que a queda dos estados monárquicos absolutos, tendo surgido o constitucionalismo como medida de implementação do Estado de Direito, reascendeu a chama democrática.

Resultado disso foi, conforme frisado, a ênfase dada a democracia como panacéia para todos os males políticos da humanidade. A questão a ser enfrentada, todavia, diz respeito a se a política depende apenas da democracia para garantir a proteção dos interesses individuais e coletivos. Além disso, é preciso questionar se a participação popular, elegendo o povo os seus representantes, é suficiente para assegurar os direitos conquistados e garantir o respeito dos governantes sobre o espaço público. Significa indagar-se da seguinte forma: a democracia é auto-suficiente, bastando-se a si mesma, ou necessita ela, mais ainda nos dias de hoje, do reforço e apoio do espírito republicano? Para ser um correto e efetivo representante do povo basta que o político seja apenas democrático ou precisa ser ele principalmente um homem republicano? Para responder a estas questões, deve-se iniciar pelo conceito de democracia e de república.


2) Democracia e república: uma conceituação necessária

Antes de efetuar a conceituação de democracia e república, pertine esclarecer que a democracia aproxima mais os envolvidos, colocando-os dentro de uma relação de coordenação, mais do que de subordinação. [05] Por esta noção, os governados não são súditos, mas sim cidadãos, e não obedecem, mas permitem a conservação do poder pelos governantes. Estes, por sua vez, não são os donos do poder, exercendo-o em nome do povo, verdadeiro titular da soberania, sendo encarregados funcionais pela organização da sociedade e pela proteção do interesse público. Ao exercer sua função, o governante é apenas detentor do poder, como se fosse um fâmulo da posse sobre ele. [06]

A principal característica da democracia é a igualdade de participação e a liberdade de expressão. Essa participação, por sua vez, leva à defesa de direitos, cuja meta é influenciar as ações de governo, e à necessária transparência. No fundo, a democracia nunca deixou de ter estes estandartes, seja a democracia ateniense ou a moderna. Define-se a democracia como sendo o "regime político no qual a soberania é exercida pelo povo, pertence ao conjunto dos cidadãos, que exercem o sufrágio universal". [07] Assim, a democracia tem por personagem principal o povo, que participa ativamente da vida pública.

Conforme frisado, a democracia se baseia em dois elementos: a liberdade e a igualdade. Como regime de liberdade, "a democracia se caracteriza como um regime de franquias, garantidor da plenitude individual e hostil, portanto, a toda idéia de privilégio e submissão". Entre os corolários da liberdade estão a segurança de direitos, a impessoalidade no exercício do poder, a prudência e a publicidade. Quanto a igualdade, significa que a democracia não pode ser um regime de franquias, isto é, não pode implicar apenas nas declarações de direitos. Como forma de assegurar a igualdade e não apenas a liberdade, deve ser estabelecido, ao lado das franquias, "certas providências relativas ao uso nocivo da liberdade, que consiste no seu emprego anti-social, anti-igualitário". Hoje a principal causa de desigualdade é o fator econômico, aspecto resultante da prática liberal geradora do capitalismo. A liberdade e a igualdade formam um sistema de limitações recíproco, procurando sempre o equilíbrio entre o individualismo, oriundo da liberdade, e o socialismo, surgido da igualdade. [08]

Aos elementos da democracia – liberdade e igualdade – é possível acrescentar, hoje, a dignidade. Se a democracia, embora com o sistema de frenagem recíproco proporcionado pela liberdade e pela igualdade, não for temperada com a dignidade, estará ela sempre fadada a deixar de lado sua principal razão de ser: o bem-estar do ser humano. Para que a dignidade possa ser assegurada num regime democrático é preciso a presença de três fundamentos: o reconhecimento de valores personalíssimos, inerentes a toda pessoa, que não podem ser relativizados; o respeito a liberdade espiritual; e a participação efetiva e ativa dos indivíduos na formação da vontade política. [09]

Joseph A. SCHUMPETER apresenta, em seu conceito de democracia, dois importantes aspectos, o das decisões políticas e o bem comum, ao afirmar: [10]

The eighteenth-century philosophy of democracy may be couched in the following definition: the democratic method is that institutional arrangement for arriving at political decisions which realizes the common good by making the people itself decide issues through the election of individuals who are to assemble in order to carry out its will. [11]

Assim, o conceito de democracia como governo do povo, pelo povo e para o povo é superficial, servindo apenas para dar uma breve noção e iniciar a educação de base sobre o tema, não sendo ele definitivo nem completo, não estando no compasso dos elementos que devem compor o ideal democrático. Desse modo, efetuando a junção de todos os elementos originais e atuais da democracia, pode-se conceituaá-la como sendo o regime baseado na liberdade, na igualdade e na dignidade, viabilizando eleições diretas para a escolha de representantes, permitindo a mais ampla possível participação nos processos decisórios e a transparência, assegurando direitos individuais, a realização do bem comum. A principal característica da democracia é, portanto, o desejo individual consubstanciado nos direitos assegurados. Tais desejos vão desde a participação para a formação dos caminhos políticos até o exercício de direitos individuais.

Enquanto que na democracia o fator humano e individual parece como figura central, na república o que prevalece é o senso comum, o bem de todos. Apesar do bem comum ser também objetivo final da democracia, este escopo somente será alcançado se o poder, exercido democraticamente pela classe política, formada pelos representantes eleitos pelo povo, for posto em prática respeitando o interesse coletivo. Nesse sentido, a república serve para prevenir e combater os desvios no exercício do poder. Para que isso ocorra, a república apresenta como pano de fundo a responsabilidade e a responsabilização. Sendo regime baseado precipuamente na liberdade, a democracia não se caracteriza apenas na liberdade dos cidadãos, mas, em certa medida, também confere liberdade no exercício do poder. Esta dose de liberdade deve ser exercida com responsabilidade. E o desvio da liberdade no exercício do poder, fazendo-se mau uso dele em benefício próprio ou de outrem, deve levar a responsabilização dos envolvidos.

Fazendo a aplicação da liberdade dos servidores do Estado, cujo sentido também se relaciona com os representantes eleitos, relacionando-a com a responsabilidade, pressuposto da república, ensina John Stuart MILL: [12]

Deviam ser responsáveis perante a lei pela violação de regras, e as próprias regras deviam ser estabelecidas pela legislatura; a autoridade administrativa central apenas supervisionaria a sua execução, e, caso não fossem adequadamente postas em prática, apelaria, de acordo com a natureza do caso, ou ao tribunal, para que este fizesse cumprir a lei, ou ao eleitorado, para que se livrasse dos funcionários que não as tivessem executado de acordo com o seu espírito.

Stuart MILL chama a atenção para o fato da possibilidade de uma dupla responsabilização para o caso de desrespeito das regras e do espaço público, sendo a primeira de natureza jurídica, pela aplicação das sanções previstas em lei, e a segunda de cunho político, oriunda do eleitorado que pode desprezar estes representantes. Note-se que tanto a sanção jurídica quanto a política possuem como pressuposto a atividade de controle.

Importantíssimo para a república como realidade política fática é a educação para a cidadania e para a preocupação com a coletividade, fatores frisados por PLATÃO no diálogo entre Sócrates e Glauco: [13]

A lei não visa o bem-estar absoluto de uma só classe de cidadãos, mas ao contrário procura que no Estado este seja alcançado com a concórdia entre todas a classes, seja por meio da persuasão, seja pela coação, obrigando a todas a repartir entre si a contribuição que cada uma delas está em condição de trazer para a coletividade. Se a lei assim os torna cidadãos, seu objetivo não é o de deixá-los livres para fazer o que quiserem, mas de obrigar a cada um a colaborar para a concórdia do Estado.

Se nós, por meio de uma tal educação e de tal exercício, tomarmos homens bem estruturados no corpo e no espírito, a própria justiça não nos haverá de censurar e haveremos de salvar a república e o governo.

Para PLATÃO, a república pressupunha a cidadania que, por sua vez, não poderia dispensar a educação para o seu exercício, formando homens que procurariam acima de tudo proteger e dar sua contribuição ao espaço público. O oposto da república, dentro da estrutura estatal, é a monarquia. [14] Mas em sentido axiológico, seu oposto está na busca desenfreada dos desejos individuais em detrimento do interesse público, resultando na corrupção. Sobreleva os comentários de MAQUIAVEL em sua obra Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio, frisando ele aquilo que forma a essência do espírito republicano e seu oposto – a corrupção: [15]

Considerando todos os aspectos desta questão, seria difícil decidir a quem confiar a guarda da liberdade, pois não se pode determinar com clareza que espécie de homem é mais nociva numa república: a dos que desejam adquirir o que não possuem ou a dos que só querem conservar as vantagens alcançadas.

Vamos supor, em primeiro lugar, uma cidade que chegou ao estado máximo de corrupção, onde a questão se apresenta com toda a força de sua dificuldade. Onde o desregramento é universal, não há leis nem instituições que o possam reprimir. De fato, os bons costumes só podem ser conservados com o apoio de boas leis, e a observação das leis exige bons costumes. Além disto, as leis e instituições estabelecidas na origem de uma república, quando os cidadãos eram virtuosos, se tornam insuficientes quando eles começam a se corromper. E se os acontecimentos determinam alterações nas leis, como o mais comum é que as instituições não se modifiquem, a legislação nova fica sem efeito, já que as instituições originais cedo as corrompem. (Grifo aditado)

Os verbos desejar e querer não são usados a toa. Eles dão a dimensão do universo individualista, egoísta, em que o homem busca seus próprios interesses não se preocupando com o espaço público. Esses desejos caracterizam o espaço democrático, pois é nele que se asseguram direitos e a participação dos indivíduos. Mas esse desejo, se desmedido, pode resultar em práticas de desvios e de corrupção. Em contraposição, o autor usa os vocábulos instituições e virtuosos como antídotos para evitar tal situação danosa para o estado e para a sociedade. De fato, o espaço público, formado pelas instituições legitimamente estabelecidas, é protegido se cidadãos e governantes têm o espírito republicano. Este, por sua vez, se origina da virtude. Para KANT, a república é a melhor forma de Estado, possuindo conseqüências práticas, destinando comandos tanto aos governantes quanto aos cidadãos. Segundo ele, uma Constituição é legítima e republicana quando manifesta a vontade do povo e não de indivíduos ou de grupos particulares. Para que a liberdade política seja assegurada é preciso que a esfera pública se mantenha imune a influências particulares ou privadas. [16]

Assim, pode-se conceituar a república como sendo o regime baseado na virtude e na responsabilidade, na proteção e no respeito ao interesse público, impedindo as influências individuais ou particulares sobre os assuntos de natureza pública, sendo o exercício do poder originado da vontade popular. A república, uma vez genuinamente estabelecida, tem como conseqüência o combate aos desvios e a corrupção, inserindo no povo o senso de respeito à coletividade por meio da educação, das leis, dos costumes e das instituições. A principal característica da república é, no entanto, a responsabilidade.

A conclusão de MAQUIAVEL se deu, então, no seguinte sentido: [17]

É necessário ser um homem de bem para reformar a vida política e as instituições de um Estado; mas a usurpação violenta do poder pressupõe um homem ambicioso e corrupto. Assim raramente acontecerá que um cidadão virtuoso queira apossar-se do poder por meios ilegítimos, mesmo com as melhores intenções; ou que um homem mau, tendo alcançado o poder, queira fazer o bem, dando boa utilização ao poder que conquistou com o mal. Do que acabo de dizer, transparece a dificuldade, ou mesmo a impossibilidade, de manter o governo republicano numa cidade corrompida, ou de ali estabelecê-lo.

Na verdade, as palavras de MAQUIAVEL resumem a contradição e a tensão entre a democracia e a república, pois na abertura dada pela democracia é que se torna possível o aparecimento da ênfase ao interesse individual, sendo o espírito republicano aquele que deve temperar os excessos democráticos, evitando as agressões ao interesse público pelo mau uso do poder.

Estabelecidas as conceituações de república e de democracia, deve-se entender os motivos que levam o espírito republicano a ser ainda mais necessário nos dias atuais, notadamente pela ênfase e disseminação dada à democracia como solução para todos os males políticos e a forma que a mesma teve de assumir na modernidade. Para começar a entender este fenômeno político, cabe fazer a comparação entre a democracia praticada em seu berço e a democracia moderna. A partir daí, então, serão abordados os desafios da democracia atual e a alta relevância da república para combater os desvios e manter a credibilidade e a legitimidade dos estados.

2.1) A democracia ateniense e a democracia moderna

O berço da democracia é a cidade grega de Atenas. A democracia ateniense resultou da desfragmentação do poder político, econômico e militar da nobreza, tendo o seu exercício sido permitido às camadas da sociedade. Outro fator importante foi a emancipação da classe camponesa contra a nobreza, tendo ocorrido a queda do sistema aristocrático. [18] Esse fenômeno abriu as portas para a participação popular, fator essencial da democracia. Saindo o poder das mãos de alguns, foi ele distribuído para todo o povo, e sistematizada a participação por meio de assembléias em praça pública (ágora). Os atenienses se sentiam "uma nação de cidadãos livres e iguais perante a lei (isonomia), sem patrões e privilégios, com base em distinções de fortuna, de família ou de condições sociais". [19]

Quando se está pesquisando acerca de uma prática social, hábitos ou pensamentos de um povo longínquo, é possível traçar o quadro a partir da análise dos termos ou do vocabulário da época. Na democracia ateniense, por exemplo, era usual os termos liberdade, igualdade e participação que formavam a ordem cotidiana, sendo que a participação funcionava como instrumento para que os eventuais conflitos por interesses divergentes não fossem resolvidos por meio da força e da opressão, mas sim pela oportunidade de exposição dos motivos e de votação em praça pública. Esse equilíbrio não era resultado de um espírito submisso, mas sim participativo, ativo, cidadão e dialético. O espírito competitivo era característico da sociedade igualitária, pois "para competir é necessário estar em pé de igualdade e os que são considerados superiores não competem". [20] Sendo a igualdade um pressuposto da democracia, a mesma torna-se uma obsessão. Por isso foi estabelecido um sistema em que era doado por quem possuía mais a quem tinha menos. Os recursos eram "distribuídos de modo a incentivar integração no tecido social de quem está em desvantagem. Recebem ajuda os deficientes, o órfão, quem não pode pagar um médico privado e quem teve sua propriedade devastada pelo inimigo em batalha". [21] Tal sistema denota outro elemento da democracia ateniense: a solidariedade. Afinal, "o homem político da Grécia, por sua condição de homem livre, se desatara, por inteiro, dos laços profissionais de trabalho com que prover a própria subsistência", se dedicando por inteiro ao fenômeno político do qual "pendia a segurança de sua liberdade". [22]

A cidadania e o sentido de comunidade acabavam formando o elo entre os indivíduos e o interesse público. A cidadania é exercida por meio do voto e pela noção de maioria como vontade a prevalecer. Outro aspecto de suma importância para a democracia ateniense era a exposição pública e livre de idéias. A ausência de controle das informações, a inexistência de sigilo e a transparência do governo, cujos "arquivos não são atribuídos a uma classe burocrática que preservasse a confidencialidade de documentos", eram armas contra o espírito anti-democrático. Assim, a publicidade era da essência da democracia ateniense. [23]

Outra característica da democracia ateniense era a não estabilidade em cargos públicos e a alternância no poder. "O sorteio e a rápida alternância nas funções públicas evitam a consolidação de posições de liderança pessoal, evitam lutas eleitorais em que prevalecem as melhores condições econômicas e sociais...". A participação popular se dava de modo direto, sendo que o povo decidia diretamente, em uma das quarenta assembléias previstas para cada ano, sobre qualquer questão referente a pólis. "A democracia ateniense não é apenas um fenômeno institucional, mas uma forma de vida, um estado de espírito". O ostracismo, que significava a cassação ou expulsão do indivíduo da cidade, foi outro meio estabelecido, cujo objetivo era impedir aspirações que visassem destruir a ordem democrática.

Observa-se, então, que a democracia ateniense era caracterizada pela austeridade e seriedade, não sendo um regime frouxo e anárquico, pois trazia consigo mecanismos de controle, especialmente sociais, que tolhiam, por assim dizer, qualquer erva daninha sobre a árvore democrática. Possuía um equilíbrio oriundo do respeito pela coisa pública e pela individualidade, mas principalmente pela forma de exercício direto do poder pelo povo, sem representantes intermediários, que tomava as principais decisões inerentes a polis. A liberdade trazia orgulho aos atenienses, que se consideravam superiores a outros povos. Não por uma questão genética, mas por praticarem a liberdade. Não haviam cargos fixos, mas sim encargos para quem governava ou exercia função pública. E tais funções não eram oriundas de eleições, e sim por sorteio. O motivo? "A eleição cria distinções.[...] minha escolha se pauta pela qualidade. Procuro eleger quem acho melhor. Mas o lugar do melhor é na aristocracia! A democracia é um regime de iguais". [24]

Deixada para trás como uma utopia e um sonho cada vez mais distante, viu-se que os pilares da democracia ateniense aos poucos foram perdendo força e aplicação prática. Uma das razões mostradas pela história foi a mistura acentuada entre a religião e o Estado, que acabou ofuscando a participação popular em nome de interesses da igreja que, em conluio com o interesse estatal de centralizar o poder, colocando-o nas mãos de um monarca, bestializando o conhecimento e o exercício da cidadania, tolhendo a participação política, levou ao distanciamento do povo dos assuntos do Estado. O mérito dos romanos, contemporâneos dos atenienses, em distinguir a religião do direito e do Estado, não foi suficiente para barrar essa relação concubinária e infeliz da religião com o Estado. Justamente no final do império romano, essa relação já se mostrava bastante enraizada, especialmente por Constantino.

A Idade Média deixou a humanidade longe da evolução intelectual, filosófica e política. O Estado era o rei e o rei era o Estado, tudo sob as bênçãos da igreja que servia para manter as pessoas sob a ignorância de seus dogmas. O rei elaborava e executava as leis ao seu alvedrio. Ao povo cabia rezar, pagar elevados tributos e se submeter ao regimento dos feudos, sem qualquer vislumbre econômico e político para o futuro. A democracia foi alijada do cenário mundial.

No século XVII, ocorrem os primeiros lampejos do iluminismo, especialmente na Inglaterra. É lá, no ano de 1265, que se reúne o primeiro parlamento da história, composto de nobres (lordes) e plebeus (comuns). Este parlamento, na verdade, não tem o mesmo sentido que conhecemos hoje, pois recebia ele uma delegação do próprio monarca. Na Idade Média e até o século XVII, o rei concentrava em si os poderes executivo, legislativo e judiciário. Esta realidade foi mudando, porém, a partir da lenta emancipação da concentração que resultou na separação definitiva das três funções do poder das mãos do rei. Por pressão ou por conveniência, o rei começou a delegar ao parlamento a função de legislar, aos juizes por ele nomeados deu a função de julgar e a um primeiro ministro destinou a função executiva. Para viabilizar e justificar a manutenção das monarquias e de suas respectivas dinastias no trono, a realeza passou a se apresentar ao povo, pelo projeto da Rainha Vitória, como modelo de moral. Entrou numa neutralidade política para se apresentar como representante do Estado, como símbolo da identidade nacional e como modelo de moral. Seu fundamento jurídico foi estabelecido no sistema da monarquia constitucional. [25]

Tais acontecimentos possuem extrema relevância para a queda da monarquia absoluta e para o retorno da democracia. Apesar de somente ser novamente frisada depois da Revolução Americana (1776) e da Revolução Francesa (1789), os fatos na Inglaterra contribuíram muito para as mudanças políticas no mundo. Este retorno da democracia, porém, não mais seria possível sob o mesmo padrão da ateniense. A democracia moderna, agora sob o pálio de um Estado de Direito, inaugurado por uma Lei Fundamental – uma Constituição, estabelecia um novo modelo – a democracia representativa e o asseguramento de rol mínimo de direitos do cidadão.

De fato, as declarações de direitos se mostraram como mecanismos necessários para a volta da democracia em sua versão moderna, tendo sido o meio encontrado para a limitação do poder monárquico, convertendo o poder absoluto dos reis em poder constitucional. Desde o Bill of Rights de 1688 na Inglaterra, chegando até a Declaração Francesa de 1789 e a Americana, ratificada em 1791, tais instrumentos formais de expressão dos direitos foram de extrema importância para a inauguração do Estado de Direito, enterrando o absolutismo estatal, e para a democracia moderna. Este ciclo de declarações é fechado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas – ONU, de 1948, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, lembrando que até este conflito mundial ainda era significativa a desconfiança no efetivo retorno da democracia no mundo. [26]

As duas principais diferenças entre a democracia ateniense e a moderna residem em que, na primeira, a participação popular se dava de forma pura e efetivamente direta, mas não havia a noção de humanização dos direitos, que trouxe a uma maior individualização, pois sua maior preocupação realmente era a construção e a manutenção da polis. Enquanto isso, na segunda há a presença dos direitos humanos, conforme visto acima, e a representação política. A representação política, pelo qual o povo, por meio do voto, elege seus representantes, passando-lhes uma procuração tácita com poderes de mando para a representação de seus interesses. Renato Janine RIBEIRO aponta como aporte negativo da democracia moderna a representação e como positivo os direitos humanos que impulsionaram as reivindicações. [27]

Não restam dúvidas de que a representação é uma necessidade para a democracia moderna, tendo em vista as mudanças na configuração do Estado, impedindo a aplicação do antigo conceito grego de democracia direta. É como pontua Paulo BONAVIDES: [28]

O conceito de democracia direta não pode ser concebido assim em termos absolutos, conforme o modelo clássico da Grécia nos faz inculcar sempre; mas em termos relativos, compatíveis com a natureza das estruturas sociais e políticas de nossa época. Tais estruturas sabidamente não correspondem às da antiga pólis grega. Estado moderno contemporâneo é o Estado territorial, o Estado-nação, aquele cuja superfície abrange, não raro, milhões de quilômetros quadrados com efetivos populacionais orçados em milhões de seres humanos. Demais disso, milhões de pessoas se qualificam ao exercício do sufrágio, ou seja, à participação política, à militância eleitoral.

Realmente, a democracia direta na forma existente em Atenas é inviável nos dias de hoje sem que haja a intermediação. Esse fato das novas configurações do Estado já havia sido mencionado na crítica feita por Jean-Jacques ROUSSEAU em sua obra O contrato social. Tal crítica foi direcionada à democracia moderna. [29]

A representação trouxe outro fenômeno, qual seja, o surgimento dos partidos como meio de expressão das ideologias e de produção dos pretendentes a cargos públicos. A democracia moderna se tornou mais procedimental do que sentimental. E, embora baseada na vontade da maioria, a democracia contemporânea não viabiliza o controle do poder pelo povo em momento posterior às eleições em face do controle, pelos governantes, de quem presta as informações. O mercantilismo dos meios de comunicação, fato inexistente em Atenas, e a mão forte do Estado sobre estes meios, impedem o povo de efetuar um controle efetivo do governo. É como se o governante tivesse de ser o fâmulo da posse do poder, a qual se fez referência anteriormente, não mais havendo a submissão de quem governa ao verdadeiro possuidor e dono do poder – o povo. A participação direta do povo ficou limitada ao plebiscito, ao referendo e a iniciativa popular das leis, as duas primeiras dependentes da vontade do parlamento, e a segunda limitada a requisitos que a tornam quase inviável.

A democracia moderna não perdeu de vista as fundações de sua forma inicial, especialmente a liberdade, a igualdade, a cidadania, a participação popular, a formação da vontade da maioria, a publicidade e transparência dos atos de governos, e a alternância no poder. Mas a procedimentalização da democracia moderna é que se difere da ateniense, porquanto a moderna se caracteriza pela presença da representação, dos partidos, do voto indireto e dos direitos humanos. A democracia moderna, contudo, possui uma grande dificuldade de base, de natureza econômica, que lhe sabidamente lhe retira a igualdade substancial e a solidariedade. Essa dificuldade é o capitalismo.

Outras duas características negativas da democracia moderna envolvem a estabilidade no serviço público e as decisões judiciais como instrumento de efetivação de direitos. Às decisões judiciais reside tal expectativa diante da velocidade e diversidade das demandas e do surgimento do Estado social, o que tornou uma realidade as omissões e ilegalidades cometidas pelo Estado, tanto por parte do legislativo quanto do executivo.

Norberto BOBBIO tece alguns aspectos negativos da democracia moderna, dentre eles o não combate a concorrência entre elites para a conquista do voto, a falta de educação para a cidadania, o surgimento do voto clientelar, o crescimento do aparato burocrático e o desprezo aos ideais, especialmente a tolerância, a não violência, a renovação social e a irmandade. [30]

De fato, a democracia moderna se tornou um oásis para o individualismo, sendo de suma importância a blindagem dos governantes para evitar desvios no exercício do poder. Afinal, usar os meios públicos para se perpetuar no poder e para promover interesses privados e individuais é modo de fazer uso indevido da liberdade democrática. Daí ser imprescindível o princípio republicano.


3) O capitalismo individualista e o sistema representativo: as dificuldades da democracia moderna

O aumento populacional e o inchaço da burocracia estatal levaram ao impedimento da participação direta do povo nas decisões que formam os assuntos públicos, como era em Atenas, tendo sido necessária a implementação de um modus operandi diverso do berço democrático. O sistema representativo, então, limitou, em relação ao modelo ateniense, a participação popular, pois o povo passou a ser chamado apenas para eleger seus representantes. A democracia se intermediária, ou seja, representativa, sendo facultada ao povo a participação adicional, fora do momento eleitoral, por meio das instituições, associações e outras vias democráticas. Perdeu a democracia o viés personalíssimo que caracterizava a participação e o exercício do poder diretamente pelo povo. A reboque da representatividade, vieram os paridos políticos, atividade associativa e organizativa necessária para ligar os indivíduos que pretendem representar o povo a um idealismo ou corrente política.

Discorrendo acerca da representação, Max WEBER indica que a mesma ocorre quando as ações dos representantes são imputadas aos seus eleitores, devendo ser por eles consideradas como legitimas e vinculantes. O maior problema enfrentado pela representatividade é justamente a despersonalização do eleitorado no exercício do poder, ou seja, a frágil presunção de que a ação do representante significa a vontade do povo, pois fica o eleito livre para decidir segundo o seu próprio desejo. É o que WEBER chama de representação livre: [31]

O representante, em regra eleito (eventualmente designado, formalmente ou de fato, por rodízio), não está ligado a instrução alguma, mas é senhor de suas ações. Seu dever consiste em seguir as convicções próprias objetivas e não os interesses de seus delegantes. A representação livre, neste sentido, é não raramente a conseqüência inevitável de insuficiência ou falha das instruções. Em outros casos, porém, constitui o sentido autêntico da eleição de um representante, o qual é então o senhor de seus eleitores, e não o "servidor" deles. Adotaram especialmente esse caráter as modernas representações parlamentares, as quais têm em comum, nesta forma, a objetivação geral – vinculação de normas abstratas (políticas, éticas) – que é a característica do poder legal.

De acordo com o ensinamento de WEBER, a representação democrática, por meio da qual ocorre o exercício do poder por interposta pessoa, acabou transformando a participação popular em regra abstrata e na prática inatingível, pois nos momentos de decisão o que acaba prevalecendo é a vontade do representante que se posiciona conforme suas próprias convicções e não as de seus eleitores. O representante se torna, então, o senhor dos eleitores, e não o contrário, como em deveria ser.

Em relação aos partidos políticos, WEBER, após analisar seus objetivos e estruturas, chega a seguinte conclusão: [32]

Isto significa que as atividades políticas estão nas mãos de a) líderes e quadros de partido, ao lado dos quais b) aparecem membros de partido ativos, ..., enquanto que c) as massas não ativamente associadas (de eleitores e votantes) são apenas objetos de solicitação em tempos de eleição ou votação ("simpatizantes" passivos), cuja opinião só interessa como meio de orientação para o trabalho de propaganda do quadro de partido em casos de luta efetiva pelo poder.

Sobre o financiamento dos partidos, implicando, por óbvio, o das campanhas políticas, pontua o sociólogo Max WEBER: [33]

Economicamente, o financiamento do partido é uma questão de importância central para o modo como se distribui sua influência e para a direção que suas ações tomam materialmente; isto é, se ele provém de grande número de pequenas contribuições das massas, ou de mecenato ideológico, de compra (direta ou indireta) interessada ou de tributação das oportunidades proporcionadas pelo partido ou dos adversários subjugados.

Os eleitores, no sistema representativo partidário, significam apenas o meio de legitimar a chegada dos candidatos ao poder, fato este que pode levar a máculas em seu exercício, fomentando ainda mais a ausência do espírito republicano nos representantes que podem fazer uso do espaço público para, em vez de promovê-lo e protegê-lo, promover seus próprios interesses. Diante desse quadro, dos eleitores se exige não apenas a participação no momento de exercer o sufrágio, cujo sistema de eleições deve ser justo e livre, mas no período compreendido entre as eleições. [34] A democracia não pode ser monista, isto é, apenas na investidura do representante no poder, mas sim dualista. Para a dualista, a participação popular não existe apenas no ato de escolher e votar, levando a uma participação institucional regular onde o povo controla e exige resultados. [35] Admitir que a democracia existe apenas no momento das eleições, significa dizer que "no período entre eleições, todas as verificações institucionais sobre os vitoriosos elegíveis são presumidamente antidemocráticas". [36]

O sistema representativo e seus necessários partidos políticos trazem consigo maiores exigências tanto de quem vota (direitos políticos ativos / jus sufragii) quanto de quem é votado (direitos políticos passivos / jus honorum). Para os primeiros exige-se maior interesse e participação políticas, assim como controle e acompanhamento de seus representantes (princípio democrático). E dos segundos se espera a aplicação da responsabilidade e de verdadeiro espírito público, cuidando de zelar pelo interesse coletivo (princípio republicano). No entanto, a representação e os partidos políticos apresentam grandes dificuldades para aquiescer estes dois princípios, especialmente pelos desafios enfrentados pela democracia moderna e sua forma representativa, como as decisões tomadas por maioria simples e ausência de participação popular. [37] Hans Peter SCHNEIDER discorre acerca dos problemas enfrentados pela democracia moderna que afetam o interesse republicano: [38]

Pero precisamente este carácter plantea nuevos problemas. Y es que el destino del moderno sistema parlamentario está íntimamente ligado a la evolución futura del Estado de partidos. El egoísmo de partido, la corrupción de los partidos, el desencanto a los partidos y, por último, incluso el tédio hacia los partidos inciden directamente em la capacidad de funcionamiento y la fuerza de integración de los órganos parlamentarios, debilitando y desacreditando incluso el mismo principio de representación. Por el contrario, una política de partidos realista, objetiva e íntegra fortalece la autencidad y credibilidad del parlamentarismo. También el fracaso de los partidos políticos es corresponsable, junto a otros factores, de que decisiones parlamentarias tomadas por mayoría no sean aceptadas o lo sean bajo protesta, porque no han informado a tiempo ni de forma clara y honesta, porque no han argumentado de forma convincente ni consecuente, porque no han actuado de forma flexible ni han atendido adecuadamente las necesidades del ciudadano.

Em adição a questão econômica, já apontada por Max Weber, SCHNEIDER aponta a influência do capital sobre as questões políticas, levando ao egoísmo e a corrupção partidária, que resultam na debilidade e no descrédito do princípio da representação, cabendo ao próprio cidadão comum combater esse egoísmo, procurando se inserir no conceito de república, desenvolvendo em si e na sociedade o espírito republicano. [39]

Parece que hoje o principal entrave para a boa fruição de uma democracia republicana é a ganância e o capital, sendo que muitos políticos se utilizam do poder para manter seus monopólios e oligopólios, e muitos particulares que com eles se relacionam para investir em campanhas visando retorno certo dos cofres públicos. No ensinamento de Hans Peter SCHNEIDER: [40]

Si las dificultades existentes en el sistema de partidos, en el propia concepción de los partidos y en su relación con la ética política, no son sólo transitorias, sino que se trata de obstáculos institucionales y organizativos, deberá plantearse a largo plazo una reforma de la legislación de los partidos (p. ej., mediante la ampliación de los derechos internos de las minorias), en una democratización del derecho electoral (extendiendo las candidaturas), así como en una mayor autonomía del mandato (p. ej., fortaleciendo los derechos de los diputados). De esta forma se conseguirá garantizar la pervivencia del Estado representativo de partidos también en un futuro. [...] Sin embargo, no son los partidos los únicos que manifestan déficits notables de representatividad democrática. Incluso los Parlamentos manifestan estos déficits.

Grande parte do egoísmo e do individualismo que permeia a atitude política de representados e representantes é originado pelas regras do capitalismo. De fato, a política foi inundada pela doutrina liberal, aparecida justamente no retorno da democracia, por volta do final do século XVII, cuja característica primordial diz respeito ao elemento capital e a despolitização, este último como fenômeno resultante da redução do poder regulamentador do Estado sobre as relações privadas. No Manifesto do Partido Comunista, Karl Heinrich MARX e Friedrich ENGELS chamaram a atenção para as influências danosas do capitalismo sobre a senso político, acabando por desferir perigoso golpe sobre o espírito republicano pela inserção da busca desenfreada do lucro: [41]

Cada etapa da evolução percorrida pela burguesia era acompanhada de um progresso político correspondente. [...]; a burguesia, a partir do estabelecimento da grande indústria e do comércio mundial, conquistou, finalmente, a soberania política exclusiva no Estado representativo moderno. O governo moderno não é senão um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa.[...] Fez da dignidade pessoal um simples valor de troca; substituiu as numerosas liberdades, conquistadas com tanto esforço, pela única e implacável liberdade de comércio. Em uma única palavra, em lugar da exploração velada por ilusões religiosas e políticas, colocou uma exploração aberta, cínica, direta e brutal.

Tudo o que era sólido evapora-se, tudo o que era sagrado é profanado e os homens são, finalmente, obrigados a encarar com serenidade suas condições de existência e suas relações recíprocas.

Por conta da influência do capitalismo, a democracia se tornou mais impessoal e distanciou o povo da política, sendo mais importante a lei da sobrevivência pecuniária do que os assuntos públicos. Se a democracia sempre foi o regime dos desejos, hoje este fator é ainda mais notório pela necessidade do capital e pelo destaque destinado aos direitos humanos, estando abertas as portas para a busca desenfreada pelo interesse individual. A democracia se tornou o regime cujo sistema econômico viabiliza quem tem oportunidade, sendo este o objetivo maior das pessoas dentro da concorrência elevada e do aumento populacional. [42]

Neste sentido, releva o ponto de vista de Alain TOURANE: [43]

A consciência de cidadania enfraquece-se porque muitos indivíduos se sentem mais consumidores do que cidadãos e mais cosmopolitas do que nacionais ou, pelo contrário, porque alguns se sentem marginalizados ou excluídos da sociedade – com efeito, têm o sentimento de que, por razões econômicas, políticas, étnicas e culturais, não chegam a participar dela.

A democracia, assim enfraquecida, pode ser destruída a partir de cima – por um poder autoritário – ou a partir de baixo – pelo caos, violência e guerra civil – ou a partir de si mesma – pelo controle exercido sobre o poder pelas oligarquias ou partidos que acumulam recursos econômicos ou políticos para impor suas escolhas a cidadãos reduzidos ao papel de eleitores.

Conseqüência desse quadro nocivo é que a noção de soberania do povo deixou de ser tão insofismável e a política passou a ser determinada pela estrutura. O povo, componente essencial das sociedades, foi maculado pelo interesse capitalista. Quem chama a atenção para este fato, fazendo menção a Marx, é o filósofo e pensador italiano Antônio GRAMSCI: [44]

Poder-se-á observar quantas cautelas reais Marx introduz em suas investigações concretas, cautelas que não poderiam encontrar lugar nas obras gerais. Entre estas cautelas, como exemplos, pode-se citar as seguintes: 1) A dificuldade de identificar em cada caso, estaticamente (como imagem fotográfica instantânea), a estrutura; de fato, a política é – em cada caso concreto – o reflexo das tendências de desenvolvimento da estrutura, tendências que não se afirma que devem necessariamente se realizar. Uma fase estrutural só pode ser concretamente estudada e analisada após ter superado todo o seu processo de desenvolvimento, não durante o próprio processo, a não ser por hipóteses (e se declarando, explicitamente, que se trata de hipóteses). 2) Disto se deduz que um determinado ato político pode ter sido um erro de cálculo por parte dos dirigentes das classes dominantes, erro que o desenvolvimento histórico, através das "crises" parlamentares governamentais das classes dirigentes, corrige e supera: o materialismo histórico mecânico não considera a possibilidade de erros, mas interpreta todo ato político como determinado pela estrutura, imediatamente, isto é, como reflexo de uma real e duradoura (no sentido de adquirida) modificação da estrutura. O princípio do erro é complexo: pode se tratar de um impulso individual motivado por um cálculo errado, bem como, também, de manifestações das tentativas de determinados grupos ou grupelhos para assumir a hegemonia no interior do agrupamento dirigente, tentativas que podem fracassar.

3) Não se leva necessariamente em conta que muitos atos políticos são motivados por necessidades internas de caráter organizativo, isto é, ligados à necessidade de dar coerência a um partido, a um grupo, a uma sociedade. Isto é evidente, por exemplo, na história da Igreja Católica. Se se pretendesse encontrar, para todas as lutas ideológicas no interior da igreja, a explicação imediata, primária, na estrutura, se estaria perdido: muitos romances político-econômicos foram escritos por esta razão. É evidente, ao contrário, que a maior parte destas discussões são ligadas a necessidades sectárias, de organização.

E GRAMSCI conclui:

Se se observa bem, deve-se chegar à conclusão de que o ideal de qualquer elemento da classe dirigente é o de criar as condições nas quais os seus herdeiros possam viver sem trabalhar, de renda. Como é possível que uma sociedade seja sadia quando se trabalha para estar em condições de não mais trabalhar? Já que este ideal é impossível e malsão, isto significa que todo o organismo está viciado e doente. Uma sociedade que afirma trabalhar para criar parasitas, para viver no chamado trabalho passado (que é uma metáfora para indicar o trabalho atual dos outros), destrói, na realidade, a si mesma.

Gramsci chama a atenção para a estrutura política como influenciada pela sociedade, sendo que a esta designou como superestrutura. Estrutura e superestrutura têm entre si uma relação de coordenação, e não de subordinação. Ao concluir que a sociedade se encontra viciada e doente, destruindo a si mesma, o faz com base nos efeitos que o capital tem sobre ela, fato este que reflete na política. Apesar da teoria de Gramsci culminar com o fim do Estado pela absorção dele (estrutura) pela sociedade (superestrutura), serve ela, até que essa profecia não se concretize, para demonstrar a influência que a sociedade capitalista e individualista exerce negativamente sobre a política e sobre o Estado, resultando num elevado déficit do espírito republicano. [45]


4) A prática política e sua relação com o princípio republicano

Costumeira e dificilmente se fala de ética como essencial a política, sendo mais difícil ainda a sua prática por quem exerce o poder na representação do povo. Não se pode, todavia, desperceber que a idéia da coisa pública e da necessidade de seu resguardo e proteção vem do fato de que o exercício do poder por delegação torna os representantes responsáveis pela guarda do interesse coletivo. Esta é a essência do princípio republicano. A idéia de república é oriunda da politeia de Aristóteles, sendo que esta veio em primeiro lugar, alguns afirmando que a república foi sua sucessora. Preferimos dizer, no entanto, que a idéia de política e república tem conceituação distinta, mas a essência da primeira é parte da segunda, sendo que o contrário nem sempre é verdadeiro. O que se quer dizer é que, ao se ter a real consciência do sentido de república, está-se fazendo política. Mas nem sempre quem faz política está preocupado com a coisa pública.

Por meio da participação política, oriunda do grego polis, significando governo das cidades, no uso do sufrágio, determina-se a escolha dos representantes do povo que, por sua vez, no exercício de suas designações, idealizam e executam a construção, organização, estrutura, objetivos, programas, crescimento e melhorias das cidades, consideradas pequenos grupos que compõe o Estado. Cidade aqui tem significado muito mais amplo e abrangente do que a simples noção de ruas e praças. Diz respeito a vontade do povo, às necessidades conjunturais da nação, investimentos, controle e crescimento econômico, geração de emprego e renda, segurança, educação, cultura, saúde, entretenimento, áreas de lazer e meio ambiente.

Realizados estes programas, todos eles se tornam, desde os meios para o seu alcance, bem como o resultado em si dessas ações, como patrimônio público, ou seja, coisa pública. Sendo assim, o dinheiro e a publicidade acerca de uma obra para construção de um hospital, uma escola, ou de qualquer outro bem público, não podem ser desviados em benefício do gestor e de terceiros, nem servir para a sua promoção pessoal.

Um político em sentido estrito, podendo ser o chefe do executivo ou um parlamentar, bem como os agentes políticos, sendo eles um ministro, um secretário, um conselheiro ou ministro de um tribunal de contas, um procurador, um magistrado, que manuseie a coisa pública, no decurso do processo de fazimento da política, não pode fazer uso da coisa pública para se beneficiar. Exemplificadamente, não pode fazer uso de passagens ou verba de gabinete para si ou para sua família, não pode privatizar empresas estatais e receber propina, não pode dispensar ou inexigir indevidamente procedimento licitatório para beneficiar determinada empresa e daí dividir os lucros, não pode firmar parceria com organizações sociais sem a prévia licitação, não pode comprar votos para aprovar emendas constitucionais ou reformas legislativas, não pode viajar usando cota de passagem ou verba de gabinete de um parlamentar, nem pode vender emendas no orçamento, bem como não desviar dinheiro da merenda escolar.

Mas se o político ou o agente político fizer uso de seu mandato ou da confiança que lhe foi depositada para fins lícitos, aplicando os recursos públicos de acordo com a lei, poderá ser taxado de republicano, pois suas ações visaram apenas a correta aplicação e a proteção da coisa pública.

É preciso diferenciar a cidade (o Estado) do patrimônio pessoal. O primeiro está ligado ao trabalho político, e o segundo está atrelado a república. Ambas, política e república, devem ser executadas pelos políticos e agentes políticos. O problema reside quando estes personagens lembram apenas de fazer política, esquecendo, no entanto, o seu dever republicano, e ai fazem uso da política para se beneficiar. Daí parecer-nos que a noção de república é muito mais nobre que a de política, pois esta última é passível de manobras iníquas e egoístas, não raro usada como meio de corrupção, locupletamento indevido e promoção pessoal. Já a república insere no indivíduo o sentimento de realização do interesse da coletividade, sendo o antídoto para o individualismo e para o desejo egoísta.

Para proteger a coisa pública e, consequentemente, a realização do interesse coletivo, é que o Direito criou mecanismos específicos para combater a malversação do patrimônio e dos recursos públicos, dando proteção à república. Aqui entra a exposição feita acima, qual seja, de que a república é ideal muito mais nobre que a política, porquanto esta última muitas vezes seja utilizada para forjar o interesse próprio em interesse público. Outro importante fator a ser frisado é que a política é aberta, comportando todas as idéias e filosofias, regimes e veias de pensamento, ou mesmo podendo lhe faltar idealismo, levando o político a atuar de acordo com suas conveniências. A república, por sua vez, é fechada, não comportando modificações em seu sentido. Ou a pessoa é republicana e preocupada com a coisa pública ou não. Inexiste meio-termo.

Ao se conceder a uma pessoa a função de administrar a coisa pública cria-se uma relação de confiança entre o povo e seu administrador. Essa legitimidade é transmitida pelo titular real do poder, o povo, aos seus escolhidos, na medida em que delega a função administrativa aos seus pares. Todavia, as tentações para praticar ilicitudes, mesmo naquelas que envolvem a nobre função de administrar a coisa pública, acompanham a vida e a história humana, cujas sociedades constantemente apresentam desvios éticos e tendência à corrupção. [46]

Não haverá bom governo, ainda que democrático, sem que este seja republicano, pois não se pode pensar apenas no individuo e em seus desejos sem que se proteja o espaço público. Para que os representantes do povo não façam uso indevido do interesse e do patrimônio público em seu próprio benefício ou de particulares é imprescindível a educação para a cidadania, para a república e para a ética na política. Sem ética, o político, ainda que legitimamente eleito, não fará bom uso do poder a ele delegado em benefício da sociedade. De nada adiantará eleições democráticas sem essa ética e sem o controle e acompanhamento, pelo povo e pelas instituições constituídas, das ações de governo. A política, portanto, deve servir ao povo e não aos interesses individuais ou de grupos particulares.

4.1) O princípio republicano como instrumento necessário à democracia

A liberdade individual, essência do ideal democrático, se implementada sem controle e responsabilidade, pode levar a corrupção do estado republicano. Isso faz lembrar as palavras de George ORWELL: [47]

Durante duzentos anos serramos, serramos e serramos o galho sobre o qual estávamos sentados. E no final, muito mais depressa do que alguém jamais previra, nossos esforços foram recompensados e despencamos. Mas, infelizmente, houve um pequeno engano. O que nos aguardava lá embaixo não era, no final das contas, um canteiro de rosas, mas uma fossa sanitária entulhada de arame farpado.

Notou-se que, sendo o regime da liberdade e do exercício de interesses individuais, que resultariam em direitos assegurados pela maioria, não pode a democracia viabilizar a permissividade. Terem os indivíduos o direito de participação não significa o desprezo para com o interesse público. Não se pode admitir, da parte dos representantes do povo, desvios no exercício do poder pela usurpação da coisa pública em benefício do interesse individual. Especialmente a partir da democracia representativa é que se nota tal possibilidade de desvios. Também é a partir dela que recebe maior destaque a tensão entre o interesse público e o interesse privado, amadurecida por séculos de exercício do poder estatal. É neste ponto que se nota a necessidade de contrabalançar a democracia com o princípio republicano. Apesar de criada e exercida desde Roma, a república ganha importância com a democracia representativa como forma de evitar desvios no exercício do poder pelos representantes do povo.

Enquanto que a democracia é regime simpático, tendo em vista buscar a liberdade, a igualdade, a garantia de direitos, a transparência e a participação popular, seu elemento moderno, a representatividade, exigiu, mais ainda do que debaixo do império romano, uma consciência republicana. Apesar de ser mais dirigido aos seus representantes, a noção de república é também exigida dos indivíduos, assim como o foi nos primórdios do Estado. Enquanto que a democracia impulsiona os direitos, a república freia o exercício deles com o escopo de proteger o bem público.

Essa tensão existente entre o espaço público, cuja importância é contida na noção de república, e a esfera individual, contida na democracia, é que deve ser corretamente contrabalançada pelos governados e pelos governantes, e pelo centro resultante – o Estado, cuja função continua basicamente a mesma, qual seja, organizar o povo num determinado território, protegendo o interesse público e respeitando o privado.

Jean-Jacques ROUSSEAU [48], analisando a tensão entre democracia e república, assinalou que "não é bom que execute as leis quem as faz, nem que o corpo do povo desvie sua atenção dos objetivos gerais para pôr em objetos particulares. A coisa mais perigosa que há é a influência dos interesses privados nos negócios públicos...".

A preocupação com a mistura entre a esfera individual e a pública não tinha razão de existir na democracia ateniense, tendo em vista que o próprio povo decidia os assuntos relevantes da pólis. Mas essa possibilidade de desvio da esfera pública em prol de si mesmo ou de pessoas de seu interesse passou a ter pertinência e relevância a partir do momento em que a representatividade entrou na democracia. Com isso, a democracia passou a ter a necessidade de incorporar a noção de separação da esfera individual da pública, sendo esta protegida como algo a ser inatingível.

É bem verdade que a república teve seu início em Roma, onde são inúmeros os ensinamentos no sentido de separar o Estado da religião e o Estado da esfera individual, especialmente da pessoa de quem governa. Tanto que aos romanos é dado o mérito do desenvolvimento do Direito Privado colocando-o claramente em contrapartida com o Direito Público ou estatal. Ao frisar o perigo da influência dos interesses privados nos negócios públicos, Rousseau indica justamente o malefício do mau uso da liberdade do governo democrática, seja pelo governante ou pelo governado, em prol da esfera individual.

Com a democracia moderna, a aplicação do princípio republicano se mostrou ainda mais necessária. A nova feição dada à democracia, notadamente pela inserção da representação, pelas mudanças territoriais e inchaço burocrático do Estado, e o surgimento do voto clientelar, tornaram ainda mais pertinente a noção de república. O voto clientelar, caracterizado pelo voto de favor, onde o eleitor não está nenhum pouco preocupado com o interesse público, entregando a qualquer um o exercício do poder desde que este lhe satisfaça uma necessidade puramente individual, ilustra bem o lado negativo da democracia moderna. Somando-se o voto clientelar a outro fator que deve ser levado em conta – o financiamento privado de campanha, verifica-se ainda mais a despreocupação com o interesse público. Pelo financiamento privado de campanha o financiador faz um verdadeiro toma lá, dá cá, onde financiar a campanha de um político representante tornou-se um investimento em que o retorno advirá com o dinheiro público.

Diante desse quadro, as anotações feitas por BOBBIO sobre a democracia moderna, especialmente as relacionadas ao não combate da concorrência entre elites para a conquista do voto e a falta de educação para a cidadania, se tornam realmente pertinentes. Deixar que apenas as elites tenham acesso a serviços públicos de qualidade e que a representatividade esteja em suas mãos, acaba na realidade transformando a democracia em aristocracia. E a falta de educação para a cidadania deixa o sufrágio aberto às negociatas espúrias que se preocupam apenas em satisfazer o interesse individual em detrimento do público.

A solução para estes males da democracia moderna está em entender que a democracia, apesar de suas virtudes e pureza de ideal, não está imune às más influências e aos desvios do exercício do poder, procurando temperar seus pilares, hoje ainda mais fundados nos direitos humanos e nos desejos, com a noção de intocabilidade da coisa pública. Especialmente quando a participação popular, na democracia moderna, ocorre através de intermediários, podendo os políticos, na condição de representantes e procuradores do povo, desviar-se do correto exercício do poder, é que se mostra importantíssimo temperar o princípio democrático com o espírito republicano. "O inimigo da república é o uso privado da coisa publica. É sua apropriação como se fosse propriedade pessoal". [49]

A república, significando coisa pública, é essencialmente mais nobre do que a prática política, porquanto na primeira esteja a noção exata do interesse coletivo, debelando-se o interesse particular. Quando um político é efetivamente republicano, ter-se-á a real representatividade dos interesses do povo. Mas quando um político, ou a grande maioria deles, faz uso da função delegada pelo povo para governar sem a exata noção de república, será verificada a corrupção, pois se verá o uso dos recursos públicos para a realização de seus interesses particulares, envolvendo ai benefícios a parentes, amigos e financiadores. Quando essa ausência de homens realmente republicanos, dotados de consciência para com o interesse coletivo, é observada dentro da nação, constata-se o fomento da cultura de desvios dentro do regime democrático. A falta dessa consciência e que eles, os que receberam do povo o poder para governar, devem servir de exemplo para todos, acaba fomentando a manutenção de uma sociedade tendente ao ilícito, fazendo essa classe política uso desse quadro para beneficiar a si e aos seus.

Dois são os inimigos da república: o patrimonialismo e a corrupção. Pelo primeiro, há a apropriação privada da coisa pública por políticos ou por quem tenha poder. Nele o representante entende o Estado como sua empresa, como bem e patrimônio pessoal. Em relação a corrupção, a mesma não se resume a idéia de retirada de dinheiro público em benefício próprio ou de outras pessoas. Envolve a inanição do Estado e dos serviços públicos de qualidade, levando ao atraso do povo e a não realização das funções básicas do Estado que envolve a oferta de educação, saúde e segurança pública. Além disso, a falta de respeito à república, refletindo a corrupção nos governados, pode ser vista pelo mau uso dos bens públicos e pelo manuseio indevido do sufrágio.

A república se caracteriza mais do que um formato dado ao governo. Seu objetivo é, reforçando o sentido da democracia, incutir o espírito de proteção a coisa pública estabelecendo a responsabilidade pelo uso, gerenciamento e manuseio dos assuntos de natureza pública. [50] Ela assegura a participação do povo, fazendo com que o governante seja por ele eleito, colocando a participação popular como de domínio publico, opondo-se, portanto, a monarquia e aristocracia. [51]

A principal característica da república é a responsabilidade. Inicialmente, esta foi entendida apenas como de natureza política. Porém, com a chegada do capitalismo e o aumento da ganância, que hoje põem em risco o bem público, a responsabilidade republicana é também financeira, orçamentária e patrimonial, afetando tanto o governante e os servidores públicos quanto o particular contratado ou que mantém negócios com o Estado.

A democracia moderna veio, com base nos direitos humanos, como meio de combater o absolutismo e assegurar o Estado de Direito. Mas a república surge para frear os desejos desmedidos, com base em direitos declarados contra o Estado, responsabilizando aqueles que extrapolam o exercício dessas prerrogativas. Sem república não há democracia válida, efetiva e eficaz, e sem democracia não é possível existir república. Uma está imbricada na outra. Afinal, o direito individual não pode viver sem o bem público, e o bem público não pode prescindir do bem-estar dos indivíduos.


Conclusão

Observou-se neste trabalho que democracia e república necessitam uma da outra para a sobrevivência do Estado de Direito, sob pena de existir um governo manco ou incompleto, que não realiza a contento as duas funções estatais: a proteção do bem público e o respeito às garantia individuais. As agruras aqui colocadas, acerca da democracia moderna, afetam a república, assim como os problemas da república podem desacreditar a eficácia da democracia representativa.

Conforme visto, modernamente não é mais possível que o povo tome para si a participação direta. O sufrágio, pelo qual o povo escolhe seus representantes para o exercício do poder, é uma realidade da qual não se pode mais fugir. Assim, é preciso que o sistema sofra mudanças para garantir tanto a democracia quanto a responsabilização republicana dos encarregados do bem público, pois ou o sistema muda para combater esses pontos negativos, ou sempre existirão países com o nome de repúblicas democráticas, mas cuja realidade se mostra bem diversa da nomenclatura. Desse modo, entendemos ser necessário o implemento de mecanismos que impeçam o registro de candidaturas de pessoas com a vida pregressa maculada por atos ilícitos, ilegais e antiéticos; a impossibilidade de reeleição para mais do que dois mandatos para parlamentares, e não apenas para os chefes do executivo; e o financiamento público de campanha, assim como a reforma e o controle efetivo das licitações e contratações efetuadas pelo poder público. Na verdade, estas seriam apenas três medidas importantes que poderiam melhorar, mas ainda não resolver definitivamente, o problema, impedindo manobras iníquas dos meios democráticos e do manuseio indevido do bem público.

O que é ainda mais importante, porém, é a consciência dos indivíduos em geral, componentes das mais diversas sociedades e seus respectivos Estados, da necessidade de se educar as pessoas para a cidadania e para a prática do espírito público. Saber as pessoas que não basta votar, pelo exercício regular do sufrágio, e conceder poderes aos seus representantes, mas de acompanhar e controlar suas ações, participando das instituições democráticas, públicas ou privadas, visando a efetiva e continua participação na democracia e a proteção da república.

Ter o povo a consciência de que a classe política sai de suas entranhas, de que não lhe cabe apenas apontar defeitos, mas também ajudar na construção de uma sociedade mais justa e sadia, mais solidária, é de suma importância para alcançar este objetivo. Nesse aspecto, a junção da democracia e da república e o bom uso delas levará à proteção do interesse público, e não apenas do egoístico interesse individual.


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Notas

  1. A monarquia absoluta tinha, que predominou como formatação dos estados na Idade Média, tinha grande influência da religião.
  2. Aretê significa excelente, vindo de excelência. Aristocracia, portanto, é o governo dos melhores ou dos excelentes.
  3. Em Atenas (pois o exercício do regime democrático não ocorria em toda a Grécia – Esparta era monárquica), a lei fixava em quarenta o número de reuniões ordinárias por ano na ágora, palavra grega que significava praça de decisões. Essa quantidade de reuniões implicava na realização de uma assembléia a cada nove dias (RIBEIRO, Renato Janine. A democracia. 3ed. São Paulo: Publifolha, 2008, p. 9).
  4. Ser democrático é mais do que ser um componente de um regime político. Envolve também as relações do dia-a-dia em que haja uma hierarquia: entre pais e filhos, entre patrão e empregados, entre professores e alunos, ou numa associação na relação entre dirigentes e associados.
  5. Nos regimes democráticos, a distinção entre governantes e governados é simplesmente formal. Não existem homens nascidos para mandar e outros para obedecer. O poder é tanto de uns quanto de outros, dos governantes, que ostensivamente o exercem, como de governados que substancialmente o conservam (SOUZA, Daniel Coelho de. Interpretação e democracia. 2ed. São Paulo: RT, 1979. p. 145).
  6. Ocorre o fâmulo da posse quando alguém detém um bem ou objeto em nome de outra pessoa, que efetivamente é o seu possuidor direto ou indireto, sendo que o detentor não tem poderes ou posse própria sobre o bem, devendo obediência a uma ordem ou instrução do real possuidor. No caso do governante, ele detém o poder, cujo possuidor direto é o povo, sendo que a este deve obediência e respeito aos seus direitos individuais.
  7. JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. 5ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2008. p. 67.
  8. SOUZA, Daniel Coelho de. Interpretação e democracia. 2ed. São Paulo: RT, 1979. pp. 143-147.
  9. SOUZA, Daniel Coelho de. Idem, p. 156.
  10. SCHUMPETER, Joseph A. Capitalism, socialism and democracy. Delhi: Surjeet Publications, 2004. p. 250.
  11. "A filosofia da democracia do século XVIII pode ser expressada da seguinte maneira: o método democrático é o arranjo institucional para se chegar a certas decisões políticas que realizam o bem comum, cabendo ao próprio povo decidir, através da eleição de indivíduos que se reúnem para cumprir-lhes a vontade" (SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, socialismo e democracia. Tradução de Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1961. p. 305.
  12. MILL, John Stuart. Sobre a liberdade. Tradução de Pedro Madeira. Lisboa: Edições 70 LDA, 2006. pp. 187, 188.
  13. PLATÃO. A república. Tradução de Ciro Mioranza. 2ed. São Paulo: Editora Escala, 2007. pp. 249, 269.
  14. Enquanto que na república os governantes são investidos do exercício do poder por meio de eleições, existindo para eles o dever de dar satisfação social e a possibilidade de responsabilização, a monarquia resulta da hereditariedade pela linhagem familiar, não havendo controle sobre as atividades do monarca, nem transparência, nem responsabilização. Não há a distribuição das funções do poder, sendo ele totalmente concentrado na pessoa do soberano. Não há cidadania, mas sim súditos. Não há espaço público, mas sim a personificação do poder na figura do rei.
  15. MAQUIAVEL. Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio. Tradução de Sérgio Bath. 5ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2008. pp. 34, 75.
  16. ANDRADE, Régia de Castro. Kant: a liberdade, o indivíduo e a república. In: WEFFORT, Francisco C. (org). Os clássicos da política. 11ed. São Paulo: Ática, 2006. pp. 62, 63. v.I.
  17. MAQUIAVEL. Idem, p. 77.
  18. MIGLINO, Arnaldo. A cor da democracia. Florianópolis: Conceito Editorial, 2010. p. 40.
  19. MIGLINO, Arnaldo. Idem, p. 41.
  20. Idem, pp. 41, 42.
  21. Idem, p. 49.
  22. BONAVIDES, Paulo. Teoria do estado. 5ed. São Paulo; Malheiros, 2004. p. 480.
  23. Idem, pp. 43-46.
  24. RIBEIRO, Renato Janine. A democracia. 3ed. São Paulo: Publifolha, 2008, pp. 10,11.
  25. RIBEIRO, Renato Janine. A república. 2ed. São Paulo: Publifolha, 2008, pp. 27-31.
  26. Um aspecto, porém, deve ser levado em conta e colocado na roda do debate, tendo sido a retórica formulada pela historiadora americana Lynn HUNT: "... se a igualdade dos direitos é tão autoevidente, por que essa afirmação tinha de ser feita e por que só era feita em tempos e lugares específicos? Como podem os direitos humanos ser universais se não são universalmente reconhecidos?". E ela mesma responde que a sua universalidade não advém de um suposto reconhecimento desses direitos em estado de natureza, mas sim pelo fato de serem "direitos do homem em sociedade. [...], direitos garantidos no mundo político secular (mesmo que sejam chamados "sagrados") e são direitos que requerem uma participação ativa daqueles que os detém." (HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos: uma história.Tradução de Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. pp. 18-19). Apesar de serem aceitos como universais, é evidente que o que é direito humano sacralizado para uma sociedade pode não ser para outra, ficando realmente difícil definir a universalidade desses direitos, notadamente pela clara diversidade cultural entre o mundo ocidental e o mundo oriental. O que se pode dizer é que as declarações dos direitos humanos, até então emitidas, tendo em vista essa diferença cultural e de visão de mundo, são relativamente universais.
  27. RIBEIRO, Renato Janine. A democracia. 3ed. São Paulo: Publifolha, 2008. p. 38.
  28. BONAVIDES, Paulo. Teoria do estado. 5ed. São Paulo; Malheiros, 2004. p. 480.
  29. "Rigorosamente nunca existiu verdadeira democracia, e nunca existirá. É contra a ordem natural que o grande número governe e seja o pequeno governado. Não se pode imaginar que o povo reúna-se continuamente para cuidar dos negócios públicos, e é fácil ver que não poderia estabelecer comissões para isso sem mudar a forma de administração. [...] Primeiramente, bem pequeno o Estado, em que se ajunte facilmente o povo e onde seja fácil a cada cidadão conhecer todos os mais; em segundo lugar, grande simplicidade nos costumes, que evite a multidão de negócios e discussões difíceis; muita igualdade ainda nas classes e nas fortunas, sem o que não poderia subsistir longo tempo a igualdade nos direitos e na autoridade; ao fim, pouco ou nenhum luxo; porque o luxo é o efeito das riquezas, ou a faz precisas e corrompe ao mesmo tempo, este com a possessão, aquele pela cobiça; o luxo vende a Pátria à frouxidão e à vaidade, rouba ao Estado todos os cidadãos para os submeter uns aos outros, e todos à opinião. Eis por que um célebre autor dá por princípios das Repúblicas a Virtude, porque tais condições não podem subsistir sem ela;[...]" (ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 71).
  30. BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. 11ed. São Paulo; Paz e Terra, 2009. pp. 38-52.
  31. WEBER, Max. Economia e sociedade. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000. p. 194. v.I.
  32. WEBER, Max. Idem, p. 188.
  33. WEBER, Max. Idem, p. 189.
  34. "Así, al tiempo que los partidos se fortalecieron como el principal elemento activo de la democracia representativa, los ciudadanos fueron siendo relegados a un segundo – pero todavía muy importante plano: el de decidir periódicamente qué partido debería gobernar. En virtud de esta nueva realidad, durante el siglo XX en numerosos países la legislación comenzó a incluir el reconecimiento de los partidos políticos como entidades de interés público, que merecen financiamiento público y deben estar por ende sujetos al escrutinio público. En este contexto, un lúcido estudioso destacó el papel de los liderazgos político-partidistas en un contexto de ciudadanía relativamente poco informada y tendencialmente apática, para finalmente caracterizar a la democracia moderna como un "sistema institucional", para llegar a las decisiones políticas, en el que los individuos adquieren el poder de decidir por medio de una lucha de competencia por el voto del pueblo.[...].
  35. La iniciativa política se trasvasó así desde los ciudadanos a los partidos, o sea a sua dirigencias, candidatos y representantes y gobernantes electos. Ellos, en muchos países, se fueron distanciando de nosotros, el pueblo. El distanciamiento entre la clase política y la ciudadanía, provocó durante la última parte del siglo XX un notorio desencanto en amplios sectores de la población, evidenciado por declinantes tasas de participación electoral através del mundo; esto es síntoma del ya mencionado déficit de representación. En contrapartida, en muchos países comenzaron a surgir una crítica a la democracia representativa y el reclamo por una democracia participativa. O sea, un clamor por la participación más activa de los ciudadanos en las decisiones reales, junto con la exigencia de mejores y más efectivos mecanismos de control ciudadano sobre los representantes electos. Este movimiento mundial adquirió varias facetas, entre la que cuentan:

    La introducción de macanismos de democracia semidirecta, como el plebiscito, el referendum, la iniciativa popular y la revocatoria de mandato, para que los ciudadanos pudiensen decidir sobre las grandes cuestiones nacionales y remover en caso necesario a sus representantes.

    El fortalecimiento de los gobiernos subnacionales, más cercanos a los ciudadanos, para que éstos tuviesen mayor control sobre las decisiones que afectan a sus vidas cotidianas.

    Demandas por una participación más activa y directa de los ciudadanos en la creación y gestión de instituciones supra-nacionales, de lo cual el caso más destacado hasta ahora es el de la unión Europea.

    Con un punto de vista que afirma la igualdad pero reconoce al mismo tiempo las diferencias, surgieron reclamos por una representación más efectiva de las mujeres, las minorias étnicas y otros grupos sociales política y por lo general también socialmente desfavorecidos.

    Desde una perspectiva institucional, la exigencia de perfeccionar las leyes y controles que regulan lo relativo al financiamiento y vida interna de los partidos.[...].

    Más allá de sus variadas facetas, en lo general el movimiento en pro de una democracia participativa pretende perfeccionar la democracia representativa y complementarla con nuevos mecanismos que permitan devolver el poder al pueblo en general, a los ciudadanos en lo indiviual, y a los segmentos sociales desfavorecidos en especial."

    (EMMERICH, Gustavo Ernesto (coord). Ellos y nosotros: democracia y representación en el mundo actual. México, DF: Demos, Grupo de Estúdios, 2006. pp. 4-6).

  36. Para Bruce ACKERMAN, "o monista levanta uma grande questão quando afirma que o vencedor de uma eleição justa e aberta tem o direito de governar com a total autoridade do povo. [...] Ao invés disso, o dualista enxerga um ponto de vista democrático profundo em muitas práticas distintas que iludem o monista. Para ele, elas expressam nossos esforços constitucionais em exigir que os políticos eleitos operem num sistema de mão-dupla (Nós, o povo soberano: fundamentos do direito constitucional. Tradutor de Mauro Raposo de Mello. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 11).
  37. ACKERMAN, Bruce. Idem, p. 9.
  38. "Soberano sin poder" o "todos los poderes el Estado escapan del pueblo". Este es el amago juicio que hacen em los últimos tiempos observadores críticos de una escena política que produce la impresión de que, por una parte, cuestiones vitales o transcendentales para nuestro pueblo, com amplias repercusiones sobre generaciones futuras, son decididas por mayoría simple, sin ni quiera intentar conseguir um amplio consenso, o por lo menos una participación eficaz de los afectados, mientras que, por outra parte, intereses estatales prioritarios parecen ser impuestos en base al principio de representación, reclamando una obediencia incondicional (SCHNEIDER, Hans Peter. Democracia y constitucion. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1991. p. 249).
  39. SCHNEIDER, Hans Peter. Idem, p. 254.
  40. Para Bruce ACKERMAN, "uma consideração sensata dos interesses nacionais pode indicar que os interesses pessoais e privados devem ser sacrificados em prol do bem comum. [...] Mesmo que o seu engajamento limitado na vida pública seja compreensível, o cidadão comum deve reconhecer que ele gera três problemas inter-relacionados para uma política democrática. O primeiro é a apatia. [...] O segundo problema é a ignorância. [...] Finalmente, há o problema do egoísmo (Nós, o povo soberano: fundamentos do direito constitucional. Tradutor de Mauro Raposo de Mello. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 325).
  41. SCHNEIDER, Hans Peter. Democracia y constitucion. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1991. p. 255.
  42. MARX, Karl Heinrich; ENGELS, Friedrich. Manifesto do partido comunista. 10ed. São Paulo: Global Editora, 2006. pp. 86-88.
  43. RIBEIRO, Renato Janine. A democracia. 3ed. São Paulo: Publifolha, 2008. pp. 29, 30.
  44. TOURAINE, Alain. O que é a democracia? Tradução de Guilherme João de Freitas Teixeira. Petrópolis: Vozes, 1996. p. 18.
  45. GRAMSCI, Antônio. Concepção dialética da história (Il materialismo storico e la filosofia di Benedetto Croce).Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 5ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1984. pp. 118, 306.
  46. "A teoria do Estado de Antônio Gramsci – refiro-me, em particular, ao Gramsci dos Cadernos do Cárcere – pertence a essa nova história, para a qual, em resumo, o Estado não é um fim em si mesmo, mas um aparelho, um instrumento; é o representante não de interesses universais, mas particulares; não é uma entidade superposta à sociedade subjacente, mas é condicionado por esta e, portanto, a esta subordinado; não é uma instituição permanente, mas transitória, destinada a desaparecer com a transformação da sociedade que lhe é subjacente. [...] A sociedade sem Estado, que Gramsci chama de "sociedade regulada", resulta assim da ampliação da sociedade civil e, portanto, do momento da hegemonia, até eliminar todo o espaço ocupado pela sociedade política. [...] E significativo que Gramsci fale não de superação (ou supressão), mas de reabsorção (BOBBIO, Norberto. Ensaios sobre Gramsci e o conceito de sociedade civil. Tradução de Marco Aurélio Nogueira e Carlos Nelson Coutinho. 2ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002. pp. 47, 70, 71).
  47. Dentre os mecanismos criados pelo Direito para proteger a república está o órgão designado como Tribunal Público de Contas, podendo também ser chamado de Tribunal Público de Prestação de Contas ou, simplesmente, Tribunal de Contas. O entendimento acerca de seu funcionamento passa pelo sentido dos vocábulos público, prestação e contas. No que diz respeito a palavra público, tem-se nele não apenas o sentido da publicidade, mas de que aos Tribunais de Contas cabe proteger a coisa pública ante o princípio republicano. Além disso, sua atuação e seus julgamentos são públicos, e seu trabalho é aberto ao público, inclusive permitindo-se a qualquer pessoa dar notícia de irregularidades ao Tribunal. Já o vocábulo prestação dá o sentido de responsabilidade e responsabilização, sendo tais órgãos autorizados pela ordem constitucional para analisar, opinar e julgar as contas dos representantes do povo. Não se pode falar em contas sem falar de prestação que significa um dever, uma obrigação, pressupondo uma bilateralidade assumida em face de outrem. No caso das contas públicas, essa prestação é devida à sociedade, tendo sentido de satisfação. Cabe a quem geriu a coisa pública, portanto, o dever de dar satisfação à coletividade. E a palavra contas indica justamente o objeto de cognição desses órgãos. Sua colocação no plural não é sem propósito, pois há precipuamente dois tipos de contas: as de governo e as de gestão. As primeiras envolvem o planejamento e o orçamento, bem como o atendimento a eles. E as segundas dizem respeito aos gastos em si, a aplicação do dinheiro público, sua legalidade, procedimento, finalidade e resultado.
  48. ORWELL, George. "Notes on the way" em Collect Essays, Journalism and Letters. Penguin, 1971. vol. II. p. 30 apud MOSS, Robert. O colapso da democracia. Tradução de Wilma Freitas Ronald de Carvalho. Rio de Janeiro: Editorial Nórdica, 1977. p. 38.
  49. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 71.
  50. RIBEIRO, Renato Janine. A república. 2ed. São Paulo: Publifolha, 2008. p. 36.
  51. Embora a costumeira oposição colocada entre monarquia e república, nada impede que mesmo um governo monárquico seja republicano, do mesmo modo que nada impede que governos que se dizem democráticos, ou que o sejam efetivamente, nada tenham de republicano. Isto porque, mais do que um sistema de proteção a participação popular e de responsabilização pelo gerenciamento da coisa pública, a república é um estado de espírito. Ter um país a república no nome não significa que seja realmente republicano e que seus governantes respeitem o bem público (RIBEIRO, Renato Janine. A república. 2ed. São Paulo: Publifolha, 2008. p. 13).
  52. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do estado. 20ed. São Paulo: Saraiva, 2002. pp. 227-229.

Autor

  • Michel Mascarenhas Silva

    Michel Mascarenhas Silva

    Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza-UNIFOR. Advogado. Professor da Universidade Federal do Ceará-UFC, da Universidade de Fortaleza-UNIFOR e da Faculdade Sete de Setembro-FA7.

    Autor dos livros "Tribunais de Contas e Poder Judiciário - O sistema jurisdicional adotado no Brasil e o controle judicial sobre atos dos tribunais de contas" (São Paulo: Conceito Editorial, 2011) e "A Responsabilidade Civil no Rompimento do Casamento e da União Estável" (Florianópolis: Conceito Editorial, 2009).

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Michel Mascarenhas. A democracia moderna e o princípio republicano. Uma imbricação necessária para a proteção do interesse público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2950, 30 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19671. Acesso em: 24 abr. 2024.