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"Amicus curiae": barrados no baile

"Amicus curiae": barrados no baile

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O STJ entendeu, num julgamento de uma questão de ordem, que o "amicus curiae" não pode exigir o direito de fazer sustentação oral.

É corrente a tradução do "amicus curiae" como sendo o "amigo da Corte". E, segundo recentíssimo posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, em 17 de agosto, num julgamento de uma questão de ordem, o "amicus curiae" não pode exigir o direito de fazer sustentação oral (QO no REsp 1.205.946-SP).

Portanto, o Superior Tribunal de Justiça não afastou por completo a possibilidade da sustentação oral. Criou uma condição, ou seja, poderá haver a sustentação oral, desde que assim a Corte Especial deseje, quando, então, convocará o "amigo da Corte".

Logo, a tradução "amigo da Corte" ilustra com cores vivas a posição do interessado, que apesar de ser amigo e participar da "festa", não pode dançar, apenas se for convidado. Sem convite, recebe o tratamento dispensado ao penetra, com requintes de crueldade, pois assistirá ao julgamento contorcendo-se na cadeira.

A situação é por demais esdrúxula, pois o Tribunal já fez o juízo de relevância para permitir o ingresso na condição de "amicus curiae". Estando ultrapassada essa fase, reconhecida a legitimidade e potencialidade de colaborar para o aperfeiçoamento da Justiça, por que, agora, vedar a sustentação oral?

Não se perca de vista que o sentido do "amicus curiae" é poder trazer ao Tribunal argumentos relevantes para o julgamento da questão. E, quantas não são as vezes, especialmente na hipótese dos recursos repetitivos que as nuances do caso concreto devem ser destacadas por terceiros interessados, evitando que o Tribunal vincule uma posição, desconhecendo consequências.

É nessa exata medida que a função do aplicador do Direito é de tamanha responsabilidade, porque ao dizer o Direito, vinculando casos futuros (como ocorre com os recursos repetitivos), tem em conta a dificuldade de prever todas as consequências.

O argumento de que a tribuna é muitas vezes mal utilizada, não serve de justificativa para que o Tribunal dispense, de antemão, as sustentações orais de terceiros que terão seu destino vinculado àquele julgamento.

A participação do "amicus curiae" traduz-se como respeito aos objetivos da nossa República, estampados no artigo 3º da Constituição Federal, transcendendo, portanto, à convocação do Tribunal.

Tanto isso é verdade, que no mesmíssimo julgamento em debate, essa foi a essência do fundamento lançado pelo Ilustre Ministro Relator ao admitir um sindicato como "amicus curiae":

"O Sindicato dos Trabalhadores Federais da Saúde, Trabalho e Previdência no Estado do Rio Grande do Sul (SINDISPREV/RS) apresenta petição de fls. 501-524, com o objetivo de ingressar no feito na condição de 'amicus curiae', ao argumento de que, na qualidade de substituto processual, a ele 'incumbe a defesa dos direitos e interesses, coletivos e individuais, da categoria', e que é irrefutável o impacto que a decisão a ser proferida na presente análise de matéria repetitiva terá para a categoria dos servidores substituídos.

Em suma, é o relatório.

A participação do 'amicus curiae' tem por escopo a prestação de elementos informativo à lide, a fim de melhor respaldar a decisão judicial que venha a dirimir a controvérsia posta nos autos. Nesse sentido: Edcl no Agrg no MS 12.459/MS, Rel. Min. Carlos Fernando Mathias (juiz convocado do TRF da 1º região), DJ 27/2/2008.

No caso concreto, observa-se que o requerente representa significativo universo de servidores públicos que podem vir a sofrer, em demandas em que se trava a mesma controvérsia, os efeitos da decisão a ser proferida pelo rito previsto no art. 543-C do CPC (clique aqui), motivo pelo qual entendo que, por prudência, deve ser permitida a manifestação dessa entidade.

Isso posto, defiro o pedido de ingresso na lide como 'amicus curiae'."

Contudo, por maioria de votos, criando um precedente, o Superior Tribunal de Justiça restringe o direito do "amicus curiae", causando perplexidade quando confrontado com o §3º do art. 131 do regimento interno do Supremo Tribunal Federal, que expressamente faculta o direito de produzir sustentação oral, bem como sua reiterada e recente jurisprudência.

A mencionada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal pode ser sintetizada no voto do ministro Celso de Mello, proferido na ADPF 187-DF, julgada em 15 de junho de 2011, que ficou conhecida como a "Marcha da Maconha", que espanca de dúvida a importância da sustentação oral, verbis:

"Daí, segundo entendo, a necessidade de assegurar, ao 'amicus curiae', mais do que o simples ingresso formal no processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade, a possibilidade de exercer o direito de fazer sustentações orais perante esta Suprema Corte, além de dispor da faculdade de submeter, ao Relator da causa, propostas de requisição de informações adicionais, de designação de perito ou comissão de peritos, para que emita parecer sobre questões decorrentes do litígio, de convocação de audiências públicas e, até mesmo, a prerrogativa de recorrer da decisão que tenha denegado o seu pedido de admissão no processo de controle normativo abstrato, como esta Corte tem reiteradamente reconhecido."

De idêntica relevância para o julgamento das questões infraconstitucionais em recursos repetitivos, o tratamento dispensado pelo Supremo Tribunal Federal ao "amicus curiae" nas questões constitucionais, pois tais questões infraconstitucionais prestam-se a estabilizar relações jurídicas, garantindo o Estado Democrático de Direito e a sociedade livre, justa e solidária.

Por conseguinte, não é diminuta a missão do Superior Tribunal de Justiça ao ponto de não acompanhar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Como se não bastasse a sólida base jurídica a admitir a sustentação oral para o "amicus curiae", que autoriza o magistrado preencher a lacuna (art. 4º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro) a partir da analogia (RISTF, art. 131, §3º) e princípios gerais de Direito, será que os minutos concedidos na tribuna atrasarão tanto a prestação jurisdicional?

E ao final, o que se pretende? Celeridade ou segurança?

É fundamental fixar a premissa de que somente se alcançará a celeridade com a segurança jurídica.

E a segurança exsurge após o amadurecimento pleno de uma questão jurídica, julgada como recurso repetitivo, possibilitando a plenitude das intervenções, evidentemente, também, com sustentação oral, para que todos os argumentos possam ser arguidos e considerados.

Assim, a decisão amadurecida poderá ser repetida, debelando inúmeros recursos, acelerando a prestação jurisdicional de forma concreta, com efetivo pronunciamento sobre o mérito.


Autor

  • José Horácio Halfeld Rezende Ribeiro

    José Horácio Halfeld Rezende Ribeiro

    Presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo, e Presidente do Colégio de Presidentes dos Institutos dos Advogados do Brasil. Possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1994). Monitoria da Disciplina de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob orientação da Professora Leda Pereira Mota, exercida nos anos de 1993 e 1994. Estagiou sob orientação do Professor Miguel Reale de 1990 a 1994, tendo trabalhado com o Professor Miguel Reale até 2006. É advogado militante, desde 1995. Pós-graduado lato sensu em Direito Tributário pelo Centro de Extensão Universitária (CEU) em 1996. Pós-graduado lato sensu em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em 1998. Mestre e Doutorando (com créditos concluídos) em Direito das Relações Sociais, área de concentração de Direito Civil Comparado, pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob orientação da Professora Titular Maria Helena Diniz. Professor-Autor do Curso de Direito Bancário da FGV Online. Professor do Programa GVLAW de Direito Bancário para as Escolas de Magistratura de todo o país. Membro da Comunidade de Juristas de Língua Portuguesa – CJLP. Membro do Instituto de Direito Privado - IDP fundado pelo Professor Renan Lotufo. Conselheiro do Instituto de Estudos Culturalistas fundado pelo Professor Miguel Reale Júnior. Conselheiro Honorário da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo. Conselheiro Honorário do Movimento de Defesa da Advocacia. Conselheiro do Conselho Superior de Assuntos Jurídicos e Legislativos da FIESP. Conselheiro do Conselho Superior de Direito da FECOMERCIO SP. Diretor Tesoureiro da Fundação Nuce e Miguel Reale. Autor de artigos e coordenador de obras publicadas pela Editora Atlas, Revista dos Tribunais e Saraiva. Coordenador (sucedendo o Professor Arnoldo Wald) da Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais editada pela Revista dos Tribunais. Foi Diretor Cultural do Instituto dos Advogados de São Paulo (eleito para o triênio 2007-2009). Foi Diretor de Comunicação do IASP (eleito para o triênio 2010-2012).

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Informações sobre o texto

Título original: "Barrados no baile".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, José Horácio Halfeld Rezende. "Amicus curiae": barrados no baile. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2993, 11 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19968. Acesso em: 19 abr. 2024.