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A reparação por dano moral em favor do nascituro

A reparação por dano moral em favor do nascituro

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A alegação da inexistência de dor ou sofrimento, em qualquer forma de dano moral, seja em face do nascituro ou não, não elide a obrigação de reparar. As consequências do dano não são quantificáveis, o que se avalia no caso concreto é a existência da conduta lesiva.

[...] se um sujeito é um fim em si mesmo, os seus fins têm que ser quanto possível os meus, para aquela idéia exercer em mim toda a sua eficácia.

Königsberg


RESUMO

No presente estudo, analisa-se a possibilidade da reparação por dano moral em favor do nascituro, abordando o homem como centro do Estado Democrático de Direito. Objetiva-se, por meio disso, a efetiva aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil. A amplitude da dignidade, de modo a abranger a todos os seres humanos indistintamente, acarreta a revisão do instituto civilista da personalidade. Assim sendo, a pessoa "jusprivada" deve ser identificada em consonância com a ampla ótica da dignidade da pessoa humana. Nesse contexto protetivo do nascituro, como pessoa humana a ser protegida, é que surge a obrigação de reparar o dano causado aos seus direitos da personalidade. A violação de um dever jurídico em face do concepto levará à formação de um novo dever, qual seja o de reparar. Para tanto, são avaliados os precedentes judiciais sobre a matéria, bem como a posição da doutrina. Conclui-se pela tutela aos direitos personalíssimos do nascituro sob pena de, caso contrário, ferir o próprio fim existencial do Estado: o ser humano.

PALAVRAS – CHAVE: Nascituro; dignidade da pessoa humana; dano.

ABSTRACT

In this study, we analyze the possibility of compensation for moral damages in favor of the unborn child, addressing the man as the center of the democratic rule of law. The objective is, thereby, the effective application of the principle of human dignity, the basis of the Federative Republic of Brazil. The amplitude of dignity, in order to cover all human beings without distinction, implies the revision of the civilist Institute of personality. Thus being, the person "legal entity" must be identified in line with the ample perspective of human dignity. It is in this context of protection of the unborn, as human being to be protected, that arises the obligation to repair the damage done to their personality rights. The violation of a legal duty against the conceptus leads to the formation of a new duty, which is, to repair. In this sense, it is assessed the judicial precedents about the subject, as well as the doctrine position. Therefore, it concludes from the tutorship of the unborn children’s birthrights that on penalty of punishment, otherwise it is understood that it harms the main purpose of the existing State: the human being.

KEYWORDS: Unborn children; human dignity; damage.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. O NASCITURO. 2.1 O nascituro como pessoa digna. 2.2 O nascituro e sua personalidade jurídica. 3. DA VIOLAÇÃO À INTEGRIDADE MORAL DO NASCITURO. 3.1. O posicionamento da jurisprudência brasileira acerca da reparação por dano moral em favor do nascituro. 3.2. Do arbitramento do quantum indenizatório da reparação por dano moral em favor do nascituro. 4. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.


1.INTRODUÇÃO

Diante da fragilidade que caracteriza a figura do nascituro, faz-se necessária a concessão de uma tutela jurídica ampla aos direitos daquele. Seus direitos devem ser protegidos sob pena de ferir a própria essência humana. Em específico, o presente artigo trata da possibilidade do dano moral em favor do nascituro com base em uma nova perspectiva civilista, imposta pelo princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

Em razão dessa nova perspectiva apontada, surge uma problemática, resumida nas seguintes indagações: quem é o nascituro? É o nascituro pessoa digna? Como deve ser entendida a personalidade jurídica do concepto frente ao ordenamento jurídico pátrio? Como seria possível a violação da moral do nascituro? Como se posiciona a jurisprudência brasileira frente à reparação de danos morais em favor do nascituro? Como é fixado o quantum indenizatório em tais casos?

Hodiernamente, o presente tema possui restrita recorrência jurídica, embora seja de crucial importância a todos os indivíduos sujeitos de direitos, em especial, aos genitores dos nascituros, estudantes e bacharéis de direito. Em que pese a vasta discussão acerca da personalidade jurídica do nascituro, pouco reflete a doutrina sobre a violação dos direitos decorrentes desta.

Assim, o trabalho se justifica pela necessidade de ser ampliada a referida reflexão, de modo a proteger a figura do nascituro e os seus direitos. Trata-se da valorização do ser humano ainda em sua origem, diante de sua incapacidade de se proteger. Em específico, justifica-se pela necessidade de uma análise aprofundada para o enquadramento dos nascituros como sujeitos ativos de ações morais indenizatórias, consagrando o fundamento do Estado Democrático de Direito: a dignidade da pessoa humana.

Esse é um tema de pouco debate na doutrina pátria. Destacam-se autores como William Artur Pussi, Clayton Reis, Rodolfo Pamplona Filho, Ana Thereza Meirelles Araújo e Silmara Juny Chinellato.

Em que pese o pequeno campo literário acerca do dano moral em favor do nascituro, o tema é por demais relevante para a sociedade como um todo, por defender a proteção da pessoa humana no seu primeiro estágio de desenvolvimento, cuja proteção jurídica se mostra, no mínimo, débil.

A pesquisa desenvolvida terá como método de abordagem inicial o dialético. No que se refere ao método auxiliar temos a aplicação de comparativos, mormente da prática e regulação normativa. A técnica de pesquisa escolhida é a bibliográfica, utilizando-se livros, códigos comentados e interpretados, jurisprudências, assim como artigos de publicação on line.

O estudo foi dividido em três capítulos dissertativos. Analisar-se-á, na oportunidade do primeiro capítulo, a figura do nascituro em si e frente ao ordenamento jurídico brasileiro.

Em sequência, no segundo capítulo, abordar-se-á a violação à integridade moral do nascituro, o posicionamento da jurisprudência brasileira acerca da temática abordada e o arbitramento do quantum indenizatório da reparação por dano moral em favor do não nascido.

Por fim, no último capítulo, concluir-se-á pela possibilidade da reparação ao ato violador dos direitos da personalidade do nascituro.


2. O NASCITURO

De forma ampla, o nascituro é comumente identificado na doutrina brasileira como o ser já concebido, porém que ainda não nasceu. Não obstante, adverte Chinellato (2001) que a referida identificação refere-se ao concebido in vivo, excluindo o embrião concebido in vitro e o crioconservado. Para Araújo e Pamplona Filho (2007), o conceito de nascituro desperta divergências na medida em que é dificultosa a tarefa de identificação do exato momento em que podemos reconhecer o ser humano como nascituro. Porém, explanam os referidos autores que "majoritariamente, o que se tem verificado é que o nascituro surge com fenômeno da nidação, que é a fixação ou implantação (para o caso das concepções artificiais ou in vitro) do zigoto nas paredes do útero".

Acerca da temática, esclarece Barbosa Terceiro (2005) que "o termo nascituro encontra sua origem no latim nascituru, que significa ‘aquele que há de nascer’". Melhor explicando, nas exatas palavras de Pussi (2008, p. 47):

O vocábulo nascituro, comumente usado como adjetivo, particípio do futuro de nascor, também pode ser substantivo masculino, ou adjetivo conforme a sua aplicação. Nos registros dos lexicógrafos de boa fama, indica exatamente o que está por nascer. Ainda, pode ser entendido como o que há de vir ao mundo já estando concebido (conceptus), mas cujo nascimento ainda não se consumou, continuando pars ventris ou das entranhas maternas, sendo aquele que deverá nascer, nascere de étimo latino.

Assim, observa-se que o nascituro é o ser que ainda se encontra no ventre materno e cujo nascimento se espera. Depreendem-se dos estudos que se trata de terminologia jurídica, a qual abrange todas as fases do desenvolvimento embrionário (embrião e feto). Desta forma, pode-se concluir:

[...] tem-se um nascituro desde o momento da junção dos gametas feminino e masculino até a extração completa deste "produto da concepção" no momento do parto, onde se evidenciará um neonato ou recém-nascido, ou então um natimorto. Independente da evidência do nascimento, enquanto no útero estiver, o conceptus é um nascituro. (LIMA, 2005)

Porém, não se iguala à prole eventual, em verdade, desta difere. A prole eventual é instituto previsto no art. 1799, inciso I, do Código Civil brasileiro, e se refere ao ser ainda não concebido quando da abertura da sucessão. Recorrendo ao direito comparado, Almeida citado por Pussi (2008, p. 49) informa que no Direito italiano são utilizados termos como "nascituro, concepito e nascituro concepito" como sinônimos, sendo a expressão "nascituro non concepiti" antônimo das anteriores e referente, de forma exclusiva, à prole eventual.

A idéia de prole eventual no Direito romano estava relacionada à futura aquisição de capacidade jurídica (PUSSI, 2008, p. 49). Desta forma:

[...] seria possível que fosse feita uma estipulação no interesse pessoal do filho ou de um escravo para a época em que fosse adquirida a personalidade. Como exemplo, cita-se a cláusula de alforria que era estipulada unicamente à pessoa já existente, de fato, mas que não tinha a capacidade jurídica. (PUSSI, 2008, p. 49)

Não é o caso do ordenamento jurídico brasileiro, que, conforme já visto, relaciona a prole eventual a não concepção do ser no momento jurídico relevante. Feito os esclarecimentos acerca das terminologias, é importante relembrar a existência do nascituro como ser humano vivo e pessoa humana digna.

2.1 O nascituro como pessoa humana digna

Como ser originário de células humanas, provenientes do homem e da mulher, o fruto celular é um ser humano. Assim sendo:

Seria inconcebível imaginar que aquelas células fossem capazes de gerar um ser vivo destituído das características humanas, a não ser no caso de degeneração celular ou, na hipótese de interferência decorrente de múltiplos fatores externos capaz de alterar o DNA ou o "código da vida". (REIS, 2010, p. 36)

Muito mais além, é pessoa humana pelo simples fato de existir. Barros apud Reis (2010, p. 33) ensina que o concebido:

[...] agrega todas as qualidades de uma pessoa humana, como a semente que é detentora de todas as características genéticas do vegetal a ser desenvolvido. Não se pode olvidar que essa pessoa em estado de desenvolvimento possui uma dignidade, consistente, basicamente no direito à vida.

Como ser humano que está vivo, porém ainda não nascido, é considerado pessoa protegida em toda sua dignidade. No atual Estado Democrático de Direito, não mais se admite uma dignidade seletiva, na qual apenas os nascidos com vida são considerados pessoas humanas dignas. Esse é o entendimento depreendido da lição de Reis (2010, p. 24), a seguir transcrita:

Nesse contexto, não nos é lícito estabelecer limites aos nossos semelhantes por decorrência da sua condição atual ou devir. A integralidade do ser se manifesta no momento da vida, seja ela em que nível estiver – de consciência, de semi-consciência ou de absoluta falta de consciência. Se pensarmos de forma diversa, o ordenamento jurídico não asseguraria direitos aos incapazes, a contrario sensu, protege de forma integral os direitos dos tutelados e curatelados.

Por conseguinte, o nascituro é detentor da proteção consubstanciada na dignidade da pessoa humana pelo princípio constitucional fundamento do próprio Estado. De tal modo que, afirma o citado autor:

A nova ordem jurídica confere irrestrita proteção aos direitos do concebido, centrada na defesa da dignidade da vida como bem supremo a merecer respeito e consideração dos seres humanos. A vida corresponde à manifestação do ser vivo no plano da matéria, quando se trata de seres irracionais e, também, no plano das idéias, quando se trata de seres racionais. Para o dicionário Houaiss, vida "é o conjunto de atividades e funções orgânicas que constituem a qualidade que distingue o corpo vivo do morto". Mas, o que diferencia a vida física da vida jurídica, é que o nascimento, já se encontra inserido no mundo dos demais seres vivos e, portanto, a merecer tutela da ordem jurídica. (REIS, 2010, p. 34)

Assim, acaba sendo consequente lógico que por ser humano, o nascituro também possui dignidade. Aliás, para os autores Côrrea e Conrado (2010, p. 84):

O princípio da dignidade humana estende-se além da pessoa, posto que mais amplo do que a vida humana digna (eis porque a Constituição refere-se à existência digna em vez de apenas mencionar vida digna), abarcando todos os seres dotados de humanidade.

Sendo "princípio-valor" supremo do Estado brasileiro, a dignidade da pessoa humana vem elevar o homem ao centro do Estado Democrático de Direito e resguardar os seus direitos em busca de uma vida digna. É por tal motivo que se deve entender a dignidade de forma ampla, de modo que:

No primeiro momento da vida ele é inerente ao nosso direito à vida e respeito ao corpo. No segundo momento, na fase de consciência, ele se localiza no respeito aos direitos presentes nos elementos estruturais presentes na personalidade (REIS, 2010, p.23).

Em virtude da citada abrangência, possui o que está por nascer dignidade a ser protegida e resguardada consoante lição de Häberle apud Sarlet (2010, p.57):

[...] também aquele que nada ‘presta’ para si próprio ou para os outros (tal como ocorre com o nascituro, o absolutamente incapaz, etc.) evidentemente não deixa de ter dignidade e, para além disso, não deixa de ter o direito de vê-la respeitada e protegida.

Nessa linha, preconiza Reis (2010, p. 37):

[...] inadmissível conceber que o nascituro seja apenas considerado como ‘amontoado de células’, desprovido de qualquer sentido na ordem jurídica, sendo portanto, descartável sem qualquer consequência jurídica. Postar-se perante esta pseudo-verdade e admita-la como irrecusável, é desconhecer toda construção na direção da dignidade da pessoa humana. Significa, igualmente, desconhecer a nova onda de valores que toma conta da sociedade no terceiro milênio e que, certamente, definirá os novos rumos que consolidarão a idéia de respeito e consideração que devemos tributar às pessoas em quaisquer condições.

Excluir o nascituro da citada proteção é negar seu valor humano, violando seus direitos, posto que conforme ensina Araújo e Pamplona Filho (2007) "a compreensão de dignidade humana passa pela identificação dos direitos da personalidade e dos valores prezados pela sociedade". Para a teoria natalista, adotada pelo legislador brasileiro, no art. 2º do Código Civil, o nascituro possuiria mera expectativa de direitos, ou seja, "não se trata de salvaguardar os direitos naturais e reais, mas, de verdadeira expectativa, que em direitos subjetivos se transformará se o concebido vier a adquirir vitalidade" (PUSSI, 2008, p. 82).

O entendimento supra não é mais consoante com atual ordem jurídica, posto que em choque com a eficácia plena da dignidade da pessoa humana. Os valores constitucionais da dignidade devem permear todas as aplicações dos dispositivos civilistas. Nessa linha, salutar destacar a lição de Galvani (2010, p. 69):

Deve, para tanto, ser superada a visão clássica de personalidade, reproduzida pelo Código Civil Brasileiro de 2002, de cunho eminentemente racionalista e liberal. O homem não é apenas para o ter; é, antes de tudo, para o ser, que se revela mediante premissas jurídicas que o pré-concebem e pré-formatam diante do caso concreto. Uma vez que a noção de personalidade jurídica não permita essa interferência, todo o sistema de proteção e tutela constitucional da pessoa humana resta engessado no direito objetivo, nos ideais políticos constitucionais.

Compreendida a idéia geral de que todos os seres humanos são pessoas dignas, e como coerente conclusão de que não mais condiz a previsão hodierna pela adoção da teoria natalista, oportuna é a adoção da teoria concepcionista, adequando "a pessoa liberalmente construída às atuais vicissitudes do Estado Democrático de Direito" (GALVANI, 2010, p.15).

2.2 O nascituro e sua personalidade jurídica

Nessa perspectiva, o nascituro deve ser considerado pessoa "jusprivada" desde o momento da concepção, não dependendo a aquisição de sua personalidade do seu nascimento com vida. A importância da identificação do que está por nascer como pessoa para o direito privado, em reflexo ao reconhecimento da dignidade da pessoa humana de forma ampla, reside "[...] na abertura semântica necessária para que os interesses jurídicos, patrimoniais e existenciais da pessoa sejam todos tutelados, tudo vertendo de e para a sua dignidade" (GALVANI, 2010, p. 15).

A propósito, dispara Reis (2010, p. 30):

A sustentação da personalidade do concebido se corporifica em nosso ordenamento, na medida em que se reconhece a sua natureza humana, mesmo sem capacidade de interagir enquanto estiver no ventre materno. Assim, estamos diante de um ser humano em sua ampla concepção, titular de uma personalidade, cujos direitos gozam de princípios que são intransmissíveis, irrenunciáveis e não podem sofrer limitações em seu exercício, segundo prescrição contida no art. 11 do Código Civil.

Verifica-se, pois, que com a adoção da teoria concepcionista há uma proteção plena dos direitos do nascituro, e não apenas uma mera expectativa de direitos ou mera condição suspensiva, como nas teorias natalista e da personalidade condicional, respectivamente. Para Araújo e Pamplona Filho (2007):

Assegurar direitos desde o surgimento da vida intra-uterina pressupõe concluir pela proteção primordial do direito à vida do não nascido, já que este é pressuposto para a existência e gozo dos demais direitos a serem usufruídos. Dessa maneira, posicionou-se o ordenamento jurídico, ao proibir qualquer prática atentatória contra a vida do nascituro, criminalizando o aborto, independente do estágio de desenvolvimento em que ele se encontre e também resguardando o respeito a sua integridade física e moral.

Contudo, ainda que se entenda majoritariamente pela adoção da teoria natalista, os direitos do nascituro são protegidos desde a concepção. De igual forma se posicionam Araújo e Pamplona Filho (2007):

Nos termos do Código Civil em vigor, mesmo não sendo considerado pessoa, o nascituro tem seus direitos protegidos desde a concepção, seja de maneira plena, como entende a teoria concepcionista, sob a forma de condição suspensiva, segundo a teoria da personalidade condicional, ou mediante uma expectativa de direito, segundo a natalista.

Na proteção de tais direitos desponta a proteção ao direito à vida, posto que, sem maiores dúvidas, é deste que os demais partem. É desta conclusão que o aborto fora criminalizado (ARAÚJO; PAMPLONA FILHO, 2007).

Dentre os direitos do nascituro elencados por Gagliano e Pamplona Filho (2006, p. 85) estão os direitos personalíssimos, a possibilidade de ser beneficiário de doação sem prejuízo do recolhimento do imposto de transmissão inter vivos (art. 542 do CC/02), beneficiário de herança ou legado (arts. 1798 e 1799, inciso I, ambos do CC/02), direito ao reconhecimento de sua filiação antes do nascimento (art. 1.609, parágrafo único, do CC/02), pode ser adotados (art. 1.621 do CC/02), pode ser-lhe nomeado curador nomeado para defesa de seus interesses em caso de falecimento do genitor e perda do poder familiar da genitora (art. 1.779, do CC/02 e arts. 877 e 878 do CPC), e por fim, é titular do direito à alimentos (Lei n.º 11.804/2008).

No que diz respeito à Lei n.º 11.804/2008, que disciplina o direito a alimentos gravídicos e seu exercício, dentre outras providências, é importante lembrar que consolida o nascituro como sujeito possuidor de capacidade de ser parte ativa, tendo em vista que os alimentos pleiteados são constituintes do direito do nascituro. A título de exemplo:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE ALIMENTOS GRAVÍDICOS COM PEDIDO DE LIMINAR. DEFERIMENTO AO DIREITO DO NASCITURO. 15% DOS VENCIMENTOS LÍQUIDOS DO SUPLICADO. INTELIGÊNCIA DO ART. DO CÓDIGO CIVIL. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE INCLUSÃO DOS GENITORES DO SUPLICADO.

Agravo de Instrumento visando à reforma de decisão interlocutória que, indeferiu o pedido de inclusão dos sogros. Decisão correta e não deve ser reformada.ART. 557 DO CPC.RECURSO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO. (TJRJ - AGRAVO DE INSTRUMENTO: AI 220333320108190000 RJ 0022033-33.2010.8.19.0000; Relator(a): DES. Marco Aurelio Froes; Julgamento: 14/09/2010; Órgão Julgador: NONA CAMARA CIVEL)

Acerca da colocação do nascituro como possuidor de capacidade processual, seja ativa ou passiva, Reis (2010, p. 31) conclui:

Ora, se os Tribunais vêm reconhecendo esse direito, é porque o nascituro possui personalidade desde o momento da concepção. Trata-se de uma pessoa, mesmo in spem, que não perde a sua condição de ser humano em estado de formação e, portanto, com direito à ampla proteção da ordem jurídica.

É, assim, o concepto detentor de proteção jurídica para a efetividade de seus direitos e contra a violação dos mesmos. Salutar ressaltar que, atualmente, existe um projeto de lei (n.º 478/2007), da autoria de Luiz Bassuma e Miguel Martini, que visa a criação do Estatuto do Nascituro. O referido Estatuto disporia sobre a proteção integral do nascituro, consoante prevê seu art. 1º. Sobre a finalidade do projeto, justificam seus autores:

[...] pretende tornar integral a proteção ao nascituro, sobretudo no que se refere aos direitos de personalidade. Realça-se, assim, o direito à vida, à saúde, à honra, à integridade física, à alimentação, à convivência familiar, e proíbe-se qualquer forma de discriminação que venha a privá-lo de algum direito em razão do sexo, da idade, da etnia, da aparência, da origem, da deficiência física ou mental, da expectativa de sobrevida ou de delitos cometidos por seus genitores.

O projeto de lei encontra-se em trâmite. No dia 19 de maio de 2010, o aludido projeto foi aprovado pela Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados.


3. DA VIOLAÇÃO À INTEGRIDADE MORAL DO NASCITURO

Em específico, na apreciação dos danos extrapatrimoniais devem ser observados os danos à tutela dos direitos da personalidade, consoante afirmação de Reis (2010, p. 38). Completa, ainda, o autor:

É que, de acordo com a norma prescrita no art. 5º, inc. X da Constituição Federal de 1988, encontram-se presentes os componentes da personalidade – intimidade, vida privada, honra e imagem. Alexandre de Moraes aponta que "o direito à vida privada, à intimidade, à honra, à imagem, dentre outros, aparece como consequência imediata da consagração da dignidade da pessoa humana, como fundamento da República Federativa do Brasil. (REIS, 2010, p. 38)

Nesse contexto, elucidam Araújo e Pamplona Filho (2007):

O conceito de dano moral mantém íntima ligação com a esfera pessoal da vítima e com os valores fundamentais e essenciais da vida humana. É a violação a um direito da personalidade, como a honra, a liberdade, a integridade física e psicológica, a reputação, a dor, a paz, a alegria, a imagem, o decoro, a intimidade, o desconforto, o vexame (muitas vezes, sentimentos ligados a bens que possuem proteção constitucional).

A violação à moral do nascituro se concretiza na medida em que o mesmo possui direitos decorrentes de sua personalidade, consagrada pelo princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, e capazes de serem infringidos. Nessa senda, temos que:

[...] se atentar contra a vida do nascituro, estar-se-á violando o seu direito fundamental e, por conseguinte, violando a sua dignidade de ser humano em período de desenvolvimento. Afinal, se o direito contempla a proteção à fauna, seria inverossímil imaginar que não deve proteger aquele ser vivo que possui forma e todas as características de ser humano. (REIS, 2010, p. 40)

Nesse sentido, a análise do dano moral em favor do nascituro prescinde da adoção de uma das teorias da personalidade, tendo em vista que:

A polêmica em torno do início da personalidade humana ganha maiores contornos, quando se verifica que conferir possibilidade de reparação ao dano moral causado ao nascituro é direito corolário ao sistema de proteção já consubstanciado pelo ordenamento jurídico, independente da existência de sua personalidade. Ou seja, assegurar o direito à reparação de dano ao não nascido é corroborar a proteção dos direitos da personalidade que já lhes são assegurados de uma maneira geral, como por exemplo, o respeito à sua vida e à sua integridade física. A reparação seria mais um meio de coibir práticas que atentem contra direitos já constitucionalizados. (ARAÚJO; PAMPLONA FILHO, 2007)

Porém, in casu, a colocação do homem como centro do Estado Democrático através do reconhecimento da dignidade da pessoa humana implica na adoção da personalidade do nascituro desde a sua concepção, reconhecendo-o como pessoa. Desta forma, "considerar-se-ia que o dano foi causado a filho menor, ampliando as possibilidades de indenização e, ainda que de forma indireta, o quantum indenizatório" (PUSSI, 2008, p. 422).

A adoção da teoria natalista não protege diretamente o nascituro dos atos lesivos a sua moral. Esse é o entendimento adotado por Araújo e Pamplona Filho (2007), para quem, "[...] em havendo dano a aquele que está por nascer, haveria a possibilidade de indenização à família, não por conta de dano a uma pessoa, já que para a teoria, o nascituro não é tido como tal". Exemplifica Pussi (2008, p. 421):

O mesmo problema ocorreria se o nascituro fosse vítima de medicamento ministrado à mãe durante a gravidez, resultando em seqüelas físicas terríveis (v.g., o famoso caso dos "filhos da talidomida"). O dano a ele causado dificilmente seria indenizado, já que à época do eventus damni não detinha a titularidade do direito à integridade física. Poderia ser tentada a indenização à mãe, que resultaria numa compensação reflexa e, seguramente de menor valor pecuniário.

Da mesma forma, restaria ineficiente a adoção da teoria da personalidade condicional:

Como na teoria natalista, em caso de dano ao nascituro, haveria possibilidade de reparação a ser pleiteada pelos ascendentes, mas não com o fulcro em dano causado a pessoa (caso do filho já nascido), pois, para a referida teoria, o nascituro só adquire o status de pessoa quando nasce com vida. (ARAÚJO; PAMPLONA, 2007)

Assim, a reparação concedida também seria reflexa e, consequentemente, de valor inferior. Pussi (2008, p. 421) cita o caso do natimorto como um entrave para a adoção da teoria da personalidade condicional. Para o citado autor "a indenização por um filho morto seguramente seria maior que pela morte de um feto que jamais teve o status de ser humano" (PUSSI, 2008, p. 421).

Já pela aplicação da teoria concepcionista, o nascituro é sujeito de tutela jurídica quando da violação de seus direitos. Nery Júnior e Andrade Nery citados por Reis (2010, p. 40) apregoam que "a personalidade é inerência do homem. Personalidade é atributo da dignidade do homem. É o que faz sua figura se distinguir do outros seres animais". Diante da transcrita afirmação, Reis (2010, p. 40 - 41) conclui:

Não faz sentido deixar de atribuir a condição de dignidade ao nascituro porque ainda não nasceu. Ora, mesmo não tendo nascido, não perdeu a sua atribuição de um ser humano em fase de desenvolvimento. Nele se encontram presentes todos os elementos fundamentais e identificadores da pessoa humana e, por conseqüência, os direitos da personalidade suscetível de assegurar o direito à proteção jurídica através da tutela dos danos morais dentre outros. Aliás, é exatamente esse ser humano que anseia por nascer, totalmente indefeso, que merece a maior e a mais irrestrita proteção do ordenamento jurídico. A dignidade que se encontra presente neste ser indefeso é certamente maior em relação àqueles que possuem mecanismos de defesa própria, a exemplo dos animais irracionais. Nesse particular, a ordem jurídica é contraditória. Na medida em que oferece proteção aos enfermos e idosos, como a recente Lei sobre o Estatuto do Idoso, não assinala a especial tutela que deve merecer os nascituros.

O fato de o concepto estar no ventre materno não o faz desmerecedor da tutela jurídica como sujeito de direitos. A existência do que está por nascer, atrelada à de sua genitora, como uma fase de seu desenvolvimento, torna-o fragilizado e, por tal situação, merecedor de maior proteção aos seus direitos. Aliás, consoante pensamento de Szaniawski apud Reis (2010, p. 41) "o concepto, qualquer que seja o local em que seja o local em que se desenvolva, é sempre uma pessoa portadora de personalidade natural".

3.1 O posicionamento da jurisprudência brasileira acerca da reparação por dano moral em favor do nascituro

A evolução da jurisprudência brasileira, a respeito do dano moral em favor do nascituro, ainda é diminuta. É o que explica Pussi (2008, p. 422):

Apesar da grande polêmica acerca da personalidade jurídica do nascituro e a possibilidade de reparação de danos morais e materiais a ele infligidos, o assunto não vem sendo abordado com muita freqüência nos tribunais brasileiros. Grande parte dos julgados que envolvem este problema referem-se apenas a questões de herança, doações e vendas realizadas pelos pais em nome do ainda não nascido, apesar da grande gama de interesses que envolvem o nascituro.

Da análise jurisprudencial específica, observa-se a existência de decisões espaçadas, que, porém, com muita freqüência, se referem ao dano moral resultante do falecimento do genitor do nascituro. Por exemplo:

ATROPELAMENTO - VIA FERREA - CULPA EXCLUSIVA - INOCORRÊNCIA - NASCITURO - DANO MORAL.

Em locais densamente povoados, a responsável pela linha férrea, que, por falta de fiscalização ou de proteção adequada, permite o trânsito usual de pedestres em suas linhas férreas, obriga-se a indenizar os males provenientes da sua desídia. O filho nascido após o falecimento do pai em decorrência de acidente ferroviário, faz jus a reparação por danos morais. Não há parâmetros legais versando sobre a determinação do valor de danos morais. Daí caber, ao juiz, fixá-lo sob seu prudente arbítrio, evitando que ele seja irrisório ou, ainda, de molde a converter o sofrimento em móvel de captação de lucro. Primeira apelação provida e segunda não provida. (TJMG: 101940403916670011 MG 1.0194.04.039166-7/001(1); Relator(a): Alberto Aluízio Pacheco de Andrade; Julgamento: 22/07/2008; Publicação: 15/08/2008)

Aliás, de igual forma, está assente no Superior Tribunal de Justiça (STJ) a possibilidade de concessão de danos morais em favor do nascituro também quanto ao falecimento de seu genitor anteriormente ao seu nascimento:

DIREITO CIVIL. DANOS MORAIS. MORTE. ATROPELAMENTO. COMPOSIÇÃO FÉRREA. AÇÃO AJUIZADA 23 ANOS APÓS O EVENTO. PRESCRIÇÃO INEXISTENTE. INFLUÊNCIA NA QUANTIFICAÇÃO DO QUANTUM. PRECEDENTES DA TURMA. NASCITURO. DIREITO AOS DANOS MORAIS. DOUTRINA. ATENUAÇÃO. FIXAÇÃO NESTA INSTÂNCIA. POSSIBILIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

I - Nos termos da orientação da Turma, o direito à indenização por dano moral não desaparece com o decurso de tempo (desde que não transcorrido o lapso prescricional), mas é fato a ser considerado na fixação do quantum.

II - O nascituro também tem direito aos danos morais pela morte do pai, mas a circunstância de não tê-lo conhecido em vida tem influência na fixação do quantum.

III - Recomenda-se que o valor do dano moral seja fixado desde logo, inclusive nesta instância, buscando dar solução definitiva ao caso e evitando inconvenientes e retardamento da solução jurisdicional.

(STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp 399028 SP 2001/0147319-0; Relator(a): Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA; Julgamento: 25/02/2002; Órgão Julgador: T4 - QUARTA TURMA; Publicação: DJ 15.04.2002 p.232 RSTJ vol. 161 p.395 RT vol. 803 p. 193)

Em que pese a predominância de pleitos reparatórios em casos semelhantes aos supramencionados, é plenamente possível a reparação de danos decorrentes de situações outras, como, por exemplo, o caso de sequelas que acometem o nascituro e advindas de medicamentos ministrados à genitora durante a gestação. Andrade apud Reis (2010, p. 39) defende a mencionada possibilidade:

Ante o reconhecimento legal dos direitos do nascituro, não há como negar a possibilidade de, com o seu nascimento com vida, vir ele a pleitear indenização por deformações ou problemas físicos permanentes, resultantes, por exemplo, de mau acompanhamento médico, falta de exame ou prescrição errada de medicamentos em exame pré-natal. A falta de consciência do problema por parte do infante não exclui essa possibilidade.

No mais, pode o concepto, inclusive, ter direito à reparação em virtude de danos sofridos por injúria ou difamação. Nesses termos, Capelo citado por Pussi (2008, p. 424) assegura:

A tutela da personalidade do concebido abrange inclusivamente a sua personalidade moral, devendo, por exemplo, ser civilmente indenizáveis as injúrias ou difamações ao nascituro concebido.

Também nesse contexto, "como exemplo, cita a hipótese de terceiro fazer alusão ofensiva de que o concebido não é filho do marido de sua mãe [...]" (PUSSI, 2008, p. 424).

Importante destacar que no já citado Estatuto do Nascituro (Projeto de Lei n.º 478/2007) consta, em seu art. 21, previsão expressa da reparação civil pelos danos morais sofridos pelo nascituro.

3.2 Do arbitramento do quantum indenizatório da reparação por danos morais em favor do nascituro

No arbitramento dos danos morais, em regra, são adotados critérios como "circunstâncias do caso, a gravidade do dano, a situação do ofensor, a condição do lesado, preponderando, em nível de orientação central, a idéia de sancionamento ao lesado (punitive damages)" (GONÇALVES, 2008, p. 380). Desta forma, a reparação ao nascituro deve ser reflexo de tais considerações. Assim, "o valor do quantum indenizatório, no caso de danos morais ao nascituro, deverá ser de tal natureza, que represente valores compatíveis com a realidade dimensional do ser humano presente no ventre materno" (REIS, 2010, p.43).

Para Reis (2010, p. 43), a concessão de uma indenização ínfima violaria o princípio da significância da personalidade, assim como da dignidade. Prontamente, completa o autor:

Assim, tendo em vista o valor da vida e da incomensurável fragilidade do nascituro, nada mais justo que a indenização seja arbitrada levando-se em consideração, o seu apreciável valor, bem como, o profundo respeito que ele mereceu da ordem jurídica e, particularmente, daqueles que reconhecem o seu inalienável direito à saúde e à integridade do próprio corpo. (REIS, 2010, p. 43)

Em 17 junho de 2008, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n.º 931.556 / RS (20070048300-6), emitiu o entendimento de que "é forçoso admitir que esta – a gravidade da ofensa – é a mesma, ao contrário o abalo psicológico sofrido – que não é quantificável – seja ele suportado por filho já nascido ou nascituro à época do evento morte" (ANDRIGHI, 2008). No julgado fica assente que não importa o tamanho da dor do nascituro, que é mera conseqüência do fato danoso. Para a julgadora, no caso em concreto:

[...] se fosse possível alguma mensuração do sofrimento decorrente da ausência de um pai, arriscaria dizer que a dor do nascituro poderia ser considerada ainda maior do que aquela suportada por seus irmãos, já vivos quando do falecimento do genitor. Afinal, maior do que a agonia de perder um pai, é a angústia de jamais ter podido conhecê-lo, de nunca ter recebido dele um gesto de carinho, enfim, de ser privado de qualquer lembrança ou contato, por mais remoto que seja, com aquele que lhe proporcionou a vida. (ANDRIGHI, 2008)

A quantificação do dano, conforme já explicitado, deve ser realizada de modo a não se conceder a menos que o suficiente para compensar o mal sofrido, assim como, também, não deve ser aplicada a ponto de levar ao enriquecimento sem causa da parte ofendida. Entretanto, alerta Cavalieri Filho (2010, p. 99) para o fato de que:

Na verdade, em muitos casos o que se busca com a indenização pelo dano moral é a punição do ofensor. [...] quando a vítima do dano moral é criança de tenra idade, doente mental ou pessoa em estado de inconsciência. Nesses casos – repita-se – a indenização pelo dano moral atua mais como forma de punição de um comportamento censurável do que como compensação.

Por isso, explana Reis (2010, p. 46) que "[...], o magistrado, ao estabelecer o quantum indenizatório, em face da orientação jurisprudencial do STJ, deverá considerar as peculiaridades de cada caso, observando o grau de culpa do ofensor, confrontando-o com a absoluta falta de culpa da vítima, em face dos comandos contidos no parágrafo único do art. 944, combinado com o art. 945 do Código Civil.

Por conseguinte, será devida a indenização pelos danos infligidos ao nascituro por toda ofensa aos seus direitos da personalidade, por ser pessoa humana, consagrando a dignidade, princípio regente de toda a ordem jurídica e fundamentador do Estado Democrático de Direito.


4. CONCLUSÃO

Diante da pouca recorrência do tema no cenário hodierno, o presente trabalho visou despertar a importância da discussão através de uma nova perspectiva do direito privado. O debate acerca da origem da vida, a identificação da "pessoa humana" e da pessoa "jusprivada" formaram os conceitos elementares e iniciais para o entendimento da ampla tutela jurídica dos direitos do nascituro.

A primeira vista, através da análise estritamente legalista, exclui-se discriminadamente o nascituro do rol dos sujeitos de direito. Não obstante, com a inclusão no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal brasileira, da dignidade humana como fundamento da República Federativa do Brasil, há a necessidade de reformulação dos institutos privados. Pela ótica principiológica e valorativa da dignidade, observa-se a extensão da proteção jurídica plena aos que estão por nascer, reconhecendo-os como pessoas humanas e dotadas de personalidade jurídica. A adoção da teoria concepcionista corrobora com a valorização do homem no contexto de sua dignificação.

Como pessoa humana digna, o concepto deve ter seus direitos tutelados, dentre os quais, seus direitos personalíssimos, que quando violados geram a obrigação ao agente ofensor de reparar o dano diante da existência dos requisitos gerais da responsabilidade civil, quais sejam, a conduta, o nexo e o dano. Assim, restará compensado o dano, punida a conduta ilícita e desmotivada a reiteração de novo ato danoso. Em se tratando especificamente do dano moral, deve ser lembrado que, com a elevação da dignidade da pessoa humana a fundamento do Estado Democrático de Direito, o dano extrapatrimonial consubstancia-se na violação da própria dignidade, que é base dos direitos da personalidade. A configuração do dano recai na presença dos requisitos gerais, prescindindo da existência de elementos como a dor ou sofrimento, por exemplo. Desta forma, é plenamente possível a concessão do dano moral em favor do nascituro.

A jurisprudência brasileira é retrógrada, na medida em que se mostra temerosa em adotar um entendimento consoante com o princípio da dignidade da pessoa humana, retirando, assim, a importância que o tema possui. A inércia presente nas normas civilistas é perpetuada pela jurisprudência majoritária, quando da adoção da teoria natalista.

Como concebe a melhor doutrina, o nascituro, como ser indefeso por si próprio, merece proteção jurídica ainda maior que entes já protegidos legalmente, como incapazes, idosos e deficientes físicos. A ausência de mecanismos próprios de defesa por aquele que ainda está por nascer confere a este maior necessidade de amparo legal, traduzido em uma especial tutela que alce a dignidade do nascituro a um nível de igualdade material em relação àqueles, garantido o pleno gozo dos direitos inerentes à pessoa humana.

Neste contexto, está inserida a proteção à moral do nascituro. Como reflexo da proteção da própria dignidade, é possível e necessária a reparação dos danos causados ao concepto de forma a garantir a dignificação do ser humano como um todo. Seu estado de consciência, onde se encontra ou seu desenvolvimento biológico não devem ser obstáculos para o deferimento da tutela. Importa, aqui, apenas a ocorrência do dano em face do ente protegido, conforme os requisitos gerais da responsabilidade civil.

Da mesma forma, a alegação da inexistência de dor ou sofrimento, em qualquer forma de dano moral, seja em face do nascituro ou não, não elide a obrigação de reparar. As consequências do dano não são quantificáveis, o que se avalia no caso concreto é a existência da conduta lesiva. Logo, havendo nexo causal entre a conduta e o dano, patente o dever de reparação.

Por tudo o que foi exposto, entender pela impossibilidade da reparação dos danos morais ao nascituro é ir de encontro ao fundamento basilar do próprio Estado Democrático de Direito, qual seja, a pessoa humana como ser digno e centro existencial de todo o ordenamento jurídico.


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SILVA, Erlayne Resende da. A reparação por dano moral em favor do nascituro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2996, 14 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19992. Acesso em: 24 abr. 2024.