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Uma breve (re)visão da jurisdição no marco do Estado Democrático de Direito brasileiro

Uma breve (re)visão da jurisdição no marco do Estado Democrático de Direito brasileiro

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Notadamente a partir da primeira década de vigência da CF/88, os limites e possibilidades da jurisdição assumiram especial atenção por parte dos juristas e de toda sociedade.

Tornou-se comum encontrar em trabalhos acadêmicos ou até mesmo em decisões judiciais a afirmação de que o juiz não deve ser somente "a boca da lei" [01], ou de que o juiz exerce atividade criativa [02]. Toda a complexidade do fenômeno jurídico aliada aos conflitos subjacentes à pós-modernidade exige dos juristas, no entanto, mais do que estas simples constatações; exige, sim, uma mudança de paradigma.

Considerando que a Constituição Federal de 1988 institui um Estado Democrático de Direito - com todas as implicações que tal paradigma traz consigo e projeta em toda a sociedade -, bem como fulmina de nulidade decisões não (ou mal) fundamentadas, os contornos da decisão judicial merecem um profundo tratamento. Notadamente a partir da primeira década de vigência da CF/88, os limites e possibilidades da jurisdição assumiram especial atenção por parte dos juristas e de toda sociedade [03]. Compreender como e a partir de qual(is) paradigma(s) os juízes decidem tornou-se vital para uma convivência harmônica (ou, ao menos, tolerável) entre a jurisdição (constitucional) e a democracia. Ao fundo, trata-se da velha questão envolvendo a linha tênue que separa o Direito da Política [04].

É inegável que o Judiciário encontra-se "politizado" e que a Política, por sua vez, judicializada [05]. Isto decorre do próprio modelo de Constituição adotado que, ao positivar determinados direitos fundamentais (sociais-prestacionais, p. ex.), possibilita que qualquer cidadão dirija-se ao Judiciário a fim de suprir eventual omissão do Poder Público, pleiteando o cumprimento da Lei Fundamental. Decidir tais questões, evidentemente, implica em enfrentar a complexa questão dos limites da atuação judicial e, mais que isso, exige dos juízes decisões adequadamente fundamentadas, uma vez que o enfrentamento do tema por um viés inapropriado viabilizará possíveis ativismos [06], decisionismos e discricionariedade, o que implicará na ilegitimidade/arbitrariedade da decisão [07].

A discussão não se dá somente no âmbito do Supremo Tribunal Federal ou dos tribunais superiores, como pode parecer, mas ocorre em todas as instâncias judiciais. O exemplo do direito à saúde é emblemático, pois é principalmente nas Comarcas que os juízes vivenciam, diuturnamente, o drama daqueles que sofrem com a omissão pública, tendo que enfrentar a questão da aparente ingerência judicial no âmbito do Poder Executivo. Resta, assim, a pergunta: em casos nos quais o(s) juiz(es) determina(m) o fornecimento gratuito de medicamentos ou a abertura de vagas em escolas públicas - nos quais se verifica um maior tensionamento entre os poderes envolvidos -, estaria o Judiciário revestindo-se de um rótulo ativista ou, simplesmente, possibilitando uma maior efetividade dos direitos fundamentais sociais?

Oferecer uma resposta satisfatória a tal indagação implica enfrentar (e superar) a crise paradigmática enfrentada pelo Direito e por seus operadores (a denominação é adequada), que em seu "senso comum teórico" (Warat) vislumbram a própria hermenêutica e a linguagem como uma razão meramente instrumental/operacional. A crise, como alerta Streck (2006, p. 257-258),

"possui uma dupla face: de um lado, uma crise de modelo de direito (preparado para o enfrentamento de conflitos interindividuais, o direito não tem condições de enfrentar/atender às demandas de uma sociedade repleta de conflitos supraindividuais) (...), de outro, a crise de paradigmas aristotélico-tomista e da filosofia da consciência, o que significa dizer, sem medo de errar, que ainda estamos reféns do esquema sujeito-objeto" [08].

Agrega-se, ainda, à "crise de dupla face" a de representatividade, que, em alguma medida, enfraquece o debate público e a coincidência ou acordo de ideias entre os eleitos democraticamente e o povo que é representado. Nesse sentido, afirma Moro (2004, p. 113) que a crise de representação política é "caracterizada pelo ceticismo quanto à identificação da vontade do representante com a vontade do representado". Assim, "a definição de democracia como ‘governo do povo’ é criticada como insuficiente e mistificadora".

Em verdade, desde a sucumbência do Estado Liberal e da aposta nas políticas do Welfare State, o Parlamento deixou de ser o guardião da vontade geral [09]. E considerando que no Brasil o Estado Social não passou de promessa [10], não é descomunal atribuir ao Judiciário a tarefa de resgatar as promessas do constitucionalismo social, agora positivadas sob o rótulo de direitos fundamentais-sociais no texto constitucional [11].

Ademais, conforme sustentam Theodoro Júnior, Nunes e Bahia (2010), a própria democracia representativa enfrenta uma crise em um Parlamento sem agenda. Do mesmo modo o Executivo carece de legitimidade na medida em que suas políticas públicas passam ao largo dos postulados jusfundamentais positivados na Constituição, a qual, em nosso país, na realidade "se amolda ao detentor do ‘governo’". Segundo os autores "[t]emos acompanhado que cada novo governo a CRFB passa por uma série de emendas para permitir a ‘governabilidade’, quando ela que deveria ditar os fundamentos das políticas públicas" (THEODORO JÚNIOR, NUNES E BAHIA, 2010, p. 15) [12]. Neste cenário em crise o Judiciário não está imune. Com efeito, este poder tornou-se nas duas últimas décadas a salvaguarda de milhares de cidadãos e/ou instituições, servindo de contraponto a compensar os déficits de igualdade material na sociedade (Id., Ibid., p. 17). No entanto, a crise do Judiciário vai além da morosidade e do excesso de processos.

Nota-se que o Poder Judiciário alargou sua abrangência no cenário político-jurídico brasileiro na medida em que passou a habitar áreas antes visitadas somente pelo Parlamento ou pela Administração Pública. Quando uma decisão judicial determina que o Poder Público forneça gratuitamente determinado medicamento a um cidadão, claramente provoca um tensionamento entre o Judiciário e o Executivo. Este tensionamento, todavia, não implica em uma autocontenção por parte daquele, que ante eventual inconstitucionalidade ficaria impossibilitado de concretizar um direito fundamental. O que a decisão faz é suprir a omissão (que deve ser injustificada) da Administração Pública.

Ademais, inúmeras outras demandas têm superlotado o Judiciário, gerando uma situação de caos, tanto interpretativo quanto estrutural. Visando conter a avalanche de demandas postas à sua apreciação, do ponto de vista operacional, o Judiciário tem intentado algumas mudanças quantitativas. Talvez ainda não se tenha verificado na história institucional do Judiciário brasileiro tamanha preocupação em "desafogá-lo" [13], até mesmo com a criação de "metas" de produtividade pelo Conselho Nacional de Justiça. Para além disso, as mudanças legislativas, cada vez mais, buscam inviabilizar o sistema recursal brasileiro (cf. a tão falada PEC do Peluso) e, mais grave ainda, padronizar as decisões judiciais por meio de discursos previamente formulados (prêt-à-porters), incapazes de abarcar todas as possibilidades de aplicação da norma [14]. A valorização das decisões dos tribunais hierarquicamente superiores é tamanha que atualmente já não se pode afirmar extreme de dúvida ser o Brasil um país de "puro" civil law [15]. As soluções e propostas configuram-se por vezes temerárias, porquanto os juízes e tribunais deixam de apreciar casos e passam a analisar apenas teses e, nesta história, quem perde são os jurisdicionados [16]. Na arguta observação de Streck (2008, p. 101),

há um algo que é "dado à nossa mente", como se pode perceber nas súmulas (e também na construção de conceitos prêt-à-pôrters que recheiam os manuais jurídicos). As súmulas "carregariam", assim, a substância de determinados casos. Transportada (ess)a essência (substância) para a mente, forma-se o conceito, que é representado pelo enunciado sumular, que passa a ser "o dado". Conseqüentemente, o intérprete fica assujeitado a esse dado, isto é, a esse conceito de caráter universal8 (pensemos nisso também na aplicação da repercussão geral pelo STF e da nova Lei dos Recursos – 11.672, pelo STJ).

Concomitantemente, além da superação da morosidade gerada pelo excesso de demandas, o modelo constituinte adotado pelo Estado brasileiro a partir de 1988 impõe decisões justas. Aferir a justeza das decisões, bem como perquirir as condições hermenêuticas da decisão judicial, mormente em tempos pós-positivistas [17], podem ser o caminho para alcançar a legitimidade perquirida pelo Direito.

Das diversas abordagens possíveis, devemo-nos preocupar com aquela que é capaz de conciliar tanto o Direito, do qual decorre o Constitucionalismo, quanto a Democracia [18]. Na esteira do que foi superficialmente perpassado, é possível afirmar que a jurisdição (constitucional) pode ser democrática. E o será na medida em que respeitar a Constituição. Este respeito será verificado especialmente por meio da fundamentação das decisões judiciais.

Conforme alerta Oliveira (1997, p. 130), no atual paradigma, o Direito "não é indiferente às razões pelas quais ou ao modo através do qual um juiz ou tribunal toma sua decisões: ele cobra a reflexão acerca dos paradigmas que informam a própria decisão jurisdicional". Nesse sentido, a força normativa extraída do art. 93, IX, da CF/88 não é atendida mediante uma fundamentação meramente formal da decisão. Em termos claros: decidir não é colacionar verbetes jurisprudenciais ou discursos previamente fundamentados, deixando de lado o caso concreto que é colocado ao exame e possibilitando o exercício pelos juízes da discricionariedade.

A era pós-positivista impõe a superação da discricionariedade do intérprete, o que implica na superação do próprio positivismo normativista. Determinadas categorias jurídicas (cláusulas gerais, conceitos jurídicos indeterminados, princípios etc.) têm dado azo ao exercício da discricionariedade, na medida em que reforçam o "poder criativo da atividade jurisdicional" (DIDIER JR., 2010, p. 34).

Em Hart, assim como em Kelsen (para utilizarmos dois positivistas), o preenchimento da textura aberta ou vaga dar-se-ia discricionariamente. Nas palavras do segundo positivista, por um "ato de vontade" (KELSEN, 1998, p. 394). Trazendo o pensamento de Herbert Hart, Moro (2004) salienta que naqueles casos denominados difíceis (hard cases), os quais resultariam propriamente da "textura aberta" da linguagem humana, o fato estaria na área de "penumbra" do conceito, dando azo à discricionariedade. Segundo o autor, em posição semelhante está Kelsen, quando equipara a norma jurídica geral a uma simples "moldura" dentro da qual há de ser produzida a norma jurídica individual, possibilitando, assim, a existência de várias possibilidades de aplicação [19].

A discricionariedade assume patamares alarmantes quando o intérprete, subvertendo o próprio texto, solipsisticamente, impõe não a "vontade da lei ou da Constituição, mas a sua vontade. Neste sentido é que Grau diz porque devemos temer os juízes:

Temos os juízes, em primeiro lugar, porque, em regra (é lógico que há exceções), eles não têm consciência de sua função, que é função de produzir normas.

Isso os conduzem, nos extremos, à tibieza – quando deixam perecer a força normativa do direito – ou à ousadia – quando praticam a subversão dos textos (GRAU, 1996, p. 109).

Certo é que ao julgar determinado caso, o juiz-intérprete não é um ser neutro. Nas palavras de Nalini (2010, p. 977), a neutralidade "pressupõe um operador jurídico isento das complexidades da subjetividade pessoal e das influências sociais. Ou seja: sem história, sem memória, sem desejos". Existiria um ser humano nestas condições? Obviamente, não. Decidir pressupõe interpretação; e interpretar, reitere-se, é atribuir sentido ao texto. No entanto, para que o ato de atribuir sentido (portanto, o ato de aplicar, pois só interpretamos tendo em mira determinado caso concreto [20]) seja legítimo, sobretudo em uma democracia, é necessário que a vontade do intérprete não se sobreponha à legalidade/constitucionalidade. No dizer de Grau (2009, p. 56), "o juiz não pode produzir normas livremente".

Nesse sentido, são oportunas as críticas de Streck à dogmática jurídica brasileira, ao propugnar a superação das metafísicas (clássica e moderna) e, logicamente, do esquema sujeito-objeto. Segundo o jurista, nem os textos são "plenipotenciários", possuindo seu próprio sentido, e nem desimportantes, "a ponto de permitir que sejam ignorados pelas posturas pragmatistas-subjetivistas, em que o sujeito assujeita o objeto (ou, simplesmente, o inventa)" (STRECK, 2009b, p. 165).

A resposta, portanto, para combater a discricionariedade, parte de Streck de uma conjugação saudável entre Heidegger, Gadamer e Dworkin. Assumindo o risco do reducionismos, a compreensão adequada do fenômeno jurídico deve se afastar da metafísica, assentando raízes na filosofia (hermenêutica). A partir do conceito heideggeriano do Dasein (ser-aí) e da noção de pré-compreensão e tradição, já sempre somos-no-mundo antes mesmo de qualquer explicitação [21], razão pela qual qualquer teoria que tente justificar a (pré-) compreensão "chega tarde" (daí ser impraticável o uso de "métodos de interpretação" do Direito, porquanto dispostos à livre escolha justificativa do intérprete).

A conjugação deste pensamento com o que Dworkin denomina de autonomia e integridade do Direito possibilita a busca por decisões justa (adequadas à Constituição). Nas palavras de Moro, Dworkin formula, por sua vez, a tese da única resposta correta, que

não depende da resolução de uma questão meramente "semântica". A questão jurídica deve ser resolvida por meio de uma concepção do Direito como integridade, que demanda uma resposta convergente com a "melhor interpretação da estrutura política e da doutrina jurídica da comunidade", o que remete a questões substantivas de moralidade política e de justiça (2004, p. 174)

Resguardar a autonomia do Direito é blindá-lo de eventuais influxos políticos, morais, religiosos etc., de modo que, para Dworkin, as decisões devem pautar-se em argumentos de princípio. O direito como integridade, nas palavras de Streck (2009b, p. 303), "nega que as manifestações do direito sejam relatos factuais do convencionalismo, voltados para o passado, ou programas instrumentais do pragmatismo jurídico, voltados para o futuro". Assim, existiria um compromisso do intérprete com toda a tradição jurídica, pelo que os juízes ficariam impossibilitados de proferirem decisões ad hoc, partindo de um "grau zero de sentido" (STRECK, 2008, p. 109).

Destes breves apontamentos percebe-se que a Constituição e o próprio Direito terão uma maior efetividade na medida em que a pré-compreensão do intérprete possibilitar essa efetividade. Conforme Nalini (2010, p. 979), do preparo do magistrado

é que dependerá a atuação da Magistratura no século XXI. O juiz pode ser um burocrata aplicador inflexível da letra da lei. Como também pode ser um agente transformador da realidade, mediante uma interpretação construtiva do texto constitucional. Depende dele reconhecer-se incapaz de remover injustiças e de banir preconceitos no caso concreto submetido à sua apreciação ou extrair dos princípios constitucionais, mediante leitura atenta e após consistente e fundamentado processo interpretativo, a solução mais justa aplicável à espécie.

Nesse sentido, torna-se possível falar em jurisdição e processo democrático, na medida em que o juiz, consciente dos limites de sua atuação (o que implica em assumir uma postura hermenêutica adequada), poderá cumprir as promessas constante da Constituição Federal, efetivando os direitos fundamentais, sem descurar do núcleo político-democrático de atuação dos demais poderes.


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Notas

  1. Não é raro, no entanto, encontrarmos decisões em direção oposta, tomando por fundamento o postulado por Montesquieu a fim de se adotar uma atitude de autocontenção. O exemplo vem do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do Recurso Especial n.º 20.798-1/RO, que tratava da descriminalização do art. 58 (jogo do bicho), da Lei das Contravenções Penais, pelo seu desuso e pela tolerância da sociedade, no qual o Rel. Min. José Cândido de Carvalho Filho pontuou: "A descriminalização é tarefa da lei e não de seu desuso afrontoso. A função do juiz, em qualquer julgamento, é a de portar-se de acordo com o que disoõe a legislação vigente. Segundo a concepção de MONTESQUIEU, o juiz não é senão a boca da lei. Advirta-se para o fato de que ela continua sendo a fonte primacial do direito. Obra do legislador, só por ele pode ser revogada por outra lei, nunca por iniciativa do juiz, cuja função primordial é a de aplicá-la, regularmente" (STJ, Resp 20.798/RO, 6ª Turma, Rel. Min. José Cândido de Carvalho Filho, DJ 28.09.1992).
  2. "A superação do positivismo jurídico é indispensável à construção de uma hermenêutica material no direito que permita transpareçam e se evidenciem is interesses em questão, demandando, inequivocamente, opções, que supõem juízos valorativos sobre os dados de fato e de direito das situações em que se manifestam. Nessa perspectiva o trabalho do jurista e do juiz precisa ser criativo" (AZEVEDO, 1989, p. 73-74). E prossegue o autor: "Se tiver se preparado para ser criativo, não precisará esperar passivamente a modificação das leis para exercer na sua plenitude suas funções (...)" (id. Ibid.).
  3. Recentemente, observou-se um maior debate acerca da função do Judiciário nos casos da denominada Lei Ficha Limpa e da união homoafetiva, para ficarmos apenas nestes.
  4. Para Streck, a contraposição entre democracia e constitucionalismo/jurisdição constitucional (ou Direito) é um perigoso reducionismo. Para o autor, "a afirmação da existência de uma ‘tensão’ irreconciliável entre constitucionalismo e democracia é um dos mitos centrais do pensamento político moderno, que entendo deva ser desmi(s)tificado" (STRECK, 2009b, p. 19). Segundo ele, "se existir alguma contraposição, esta ocorre necessariamente entre democracia constitucional e democracia majoritária, questão que vem abordada em autores como Dworkin, para quem a democracia constitucional pressupõe uma teoria de direitos fundamentais que tenham exatamente a função de colocar-se como limites/freios às maiorias eventuais" (Id., Ibid., grifos no original).
  5. Conforme Barroso (2010, p. 32) judicialização "não se confunde com a usurpação da esfera política por autoridades judiciárias, mas traduz o fato de que muitas matérias controvertidas se inserem no âmbito de alcance da Constituição e podem ser convertidas em postulações de direitos subjetivos, em pretensões coletivas ou em processos objetivos".
  6. Santos entende que o exercício ativista da jurisdição reforça as "bases democráticas da formação da vontade social expressa pelo Estado" (2007, p. 278). Prossegue o autor afirmando que a denominada "jurisprudência dos valores" encontra amparo em nosso sistema constitucional e que eventual colisão de princípio fundamentais resolver-se-ia pela ponderação. Segundo Barroso (2009b, p. 332), "a denominada ponderação de valores ou ponderação de interesses é a técnica pela qual se procura estabelecer o peso relativo de cada um dos princípios contrapostos. Como não existe um critério abstrato que imponha a supremacia de um sobre o outro, deve-se, à vista do caso concreto, fazer concessões recíprocas, de modo a produzir um resultado socialmente desejável, sacrificando o mínimo de cada um dos princípios ou direitos fundamentais em oposição". A ponderação, como bem salienta Streck (2009b), nada mais faz do que repristinar a discricionariedade positivista nos "casos difíceis", dizendo que a proporcionalidade deve ser compreendida como coerência e integridade e não como juízo de equidade ou de ponderação. Nesse sentido, é inconcebível ma jurisdição com certo grau de discricionariedade ser democrática.
  7. É certo que tais decisionismos serão facilitados em virtude de uma abordagem positivista do caso examinado. Veja-se que em Hart (O conceito de Direito), assim como em Kelsen (Teoria Pura do Direito), o preenchimento da textura aberta ou vaga da norma dar-se-ia discricionariamente. Nas palavras do segundo positivista, por um "ato de vontade" (KELSEN, 1998, p. 394). Não muito diverso, o entendimento de Herbert Hart, nas palavras de Moro (2004), possibilita que naqueles casos denominados difíceis (hard cases), os quais resultariam propriamente da "textura aberta" da linguagem humana (conceitos jurídicos indeterminados, cláusulas gerais etc.), o fato estaria na área de "penumbra" do conceito, dando azo à discricionariedade. Segundo o autor, em posição semelhante está Kelsen, quando equipara a norma jurídica geral a uma simples "moldura" dentro da qual haveria de ser produzida a norma jurídica individual, possibilitando, assim, a existência de várias possibilidades de aplicação. Cf. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 390-391.
  8. Ver, do autor: STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
  9. Essa mudança de paradigmas dá início, segundo Moraes (2003), à crise do sistema representativo. Segundo o autor, "diferentemente do Estado Liberal, em que o Poder Legislativo, enquanto detentor da vontade geral do povo, predominava entre os demais poderes, a partir do Estado Social, o Poder Executivo vem assumindo, cada vez mais, o papel de grande empreendedor das políticas governamentais, relegando a segundo plano o Parlamento e, consequentemente, os partidos políticos, e fazendo surgir, com mais força e vitalidade, por absoluta necessidade prática, outros atores da competição política. Assim, a idéia básica do Estado Liberal, em que a crença da soberania popular e da representação política permaneciam intocáveis, como instrumentos infalíveis da participação da sociedade no poder, foi afastada pela chegada do Estado Social, demonstrando, claramente, que, diante das grandes transformações socioeconômicas, os representantes do povo muito pouco decidem, e os que decidem carecem de grande representatividade política" (Id., Ibid., p. 47).
  10. Para Bonavides (2004, p. 368), o Estado Social, "em razão de abalos ideológicos e pressões não menos graves de interesses contraditórios ou hostis, conducentes a enfraquecer a eficácia e a juridicidade dos direitos sociais na esfera objetiva das concretizações, tem permanecido na maior parte de seus postulados constitucionais uma simples utopia".
  11. Oportunas as palavras de Mello (2006), para quem a Constituição Brasileira de 1988 representa perfeitamente o ideário do Estado Social, que, todavia, entre nós, jamais passou do papel para a realidade. Trazendo alguns exemplos, o autor cita ainda alguns artigos: arts. 1º, III e IV, 3º, 3º, I, III e IV, 7º, II e IV, 170, caput, e incisos III, VII e VIII, 184, 186, IV, 191, 193 e 194. Por tudo isso é que Bonavides sustenta que a CF/88 é "basicamente em muitas de suas dimensões essenciais uma Constituição do Estado social" (2004, p. 371). Para o constitucionalista, "os problemas constitucionais referentes a relações de poderes e exercício de direitos subjetivos têm que ser examinados e resolvidos à luz dos conceitos derivados daquela modalidade de ordenamento. Uma coisa é a Constituição do Estado liberal, outra a Constituição do Estado social. A primeira é uma Constituição antigoverno e anti-Estado; a segunda uma Constituição de valores refratários ao individualismo no Direito e ao absolutismo no Poder". (Id., Ibid.)
  12. Na edição de 2004 de seu Curso de Direito Constitucional, alertava o Professor Paulo Bonavides: "poderosas forças coligadas numa conspiração política contra o regime constitucional de 1988 intentam apoderar-se do aparelho estatal para introduzir retrocessos na lei maior e revogar importantes avanços sociais, fazendo assim um antagonismo fatal entre o Estado e a Sociedade. Não resta dúvida que em determinados círculos das elites vinculadas a lideranças reacionárias está sendo programada a destruição do Estado social brasileiro. Se isso acontecer será a perda de mais de cinquenta anos de esforços constitucionais para mitigar o quadro de injustiça provocado por uma desigualdade social que assombra o mundo e humilha a consciência desta Nação. Mas não acontecerá, se o Estado social for a própria Sociedade brasileira concentrada num pensamento de união e apoio a valores igualitários e humanistas que legitimam a presente Constituição do Brasil" (BONAVIDES, 2004, p. 371). Ao olhar atento de Nalini (2010, p. 978), "(...) [a] ideia de constituição é apontada como entrave ao funcionamento do mercado, como freio de competitividade dos agentes econômicos e como obstáculo à expansão da economia. Para essa parcela do pensamento pátrio, a Constituição não passa de um conceito meramente procedimental. Sua insuficiência e vulnerabilidade seria comprovável mediante constatação do número de emendas a que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 foi submetida" (p. 978).
  13. Constata-se tal tentativa na criação, por exemplo, das súmulas vinculantes, repercussão geral, uniformização de jurisprudência.
  14. Saliente-se, por oportuno, que norma não coincide com texto. Segundo Eros Grau, segundo o qual "a norma encontra-se, em estado de potência, involucrada no texto. Mas ela se encontra assim nele involucrada apenas parcialmente, porque os fatos também a determinam (..) a norma é produzida, pelo intérprete, não apenas a partir de elementos textuais que se desprendem do texto (mundo do dever-ser), mas também a partir de elementos do caso ao qual será aplicada, isto é, a partir de elementos da realidade (mundo do ser). Interpreta-se também o caso, necessariamente, além dos textos e da realidade – no momento histórico no qual se opera a interpretação – em cujo texto serão eles aplicados" (2009, p. 32). Ainda segundo Eros Grau: "A interpretação do direito é atividade voltada ao discernimento de enunciados semânticos veiculados por preceitos (disposições, textos). O intérprete desvencilha a norma do seu invólucro (o texto); neste sentido, o intérprete produz a norma" (GRAU, 1996, p. 102).
  15. Conforme Didier Jr. (2010, p. 38), no Brasil já "inúmeras codificações legislativas (civil law) e, ao mesmo tempo, constrói-se um sistema de valorização dos precedentes judiciais extremamente complexo (súmula vinculante, súmula impeditiva, julgamento modelo para causas repetitivas etc.[...]), de óbvia inspiração no common law. Cf., ainda, THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Breves considerações sobre a politização do Judiciário e sobre o panorama de aplicação no direito brasileiro – Análise da convergência entre o civil law e o common law e dos problemas da padronização decisória. Revista de Processo. São Paulo, ano 35, n. 189, nov. 2010, p. 9-52. Streck salienta, por sua vez, que "[é] possível constatar, sem muita dificuldade, que dia a dia encaminhamo-nos para um ‘hibridismo-sistêmico’, com a importação de mecanismos do sistema da common law (Súmulas vinculante, mecanismos que de filtragem recursal, como os previstos nas Lei 8.038 e 9.756) e do Direito tedesco (...)" (2002, p. 23).
  16. Abordando a diversidade de litigiosidades no Brasil, Theodoro Júnior, Nunes e Bahia alertam para o fato que as reformas processuais têm se concentrado na tentativa de uniformização da jurisprudência. Nesse sentido, o objetivo é "estabelecer ‘standards interpretativos’ a partir do julgamento de alguns casos: um Tribunal de ‘maior hierarquia’, diante da multiplicidade de casos, os julgaria abstraindo-se de suas especificidades e tomando-lhes apenas o ‘tema’ a ‘tese’ subjacente. Definida a tese, todos os demais casos serão julgados com base no que foi pré-determinado; para isso, as especificidades destes novos casos também serão desconsideradas para que se concentre apenas na ‘tese’ que lhes torna idênticos aos anteriores" (THEODORO JÚNIOR, NUNES E BAHIA, 2010, p. 24-25). Tomando por base o art. 285-A, do CPC, a proposta não escapa à crítica de Streck (2009b, p. 203): "Afinal, o que são ‘casos idênticos’? Se são ‘casos’, não podem ser somente ‘de direito’, pois não? Pois a figura do ‘caso idêntico’ só ocorreria se as partes fossem as mesmas, o pedido e a causa de pedir fossem os mesmos. Ou seja, se estivéssemos diante do mesmo caso já submetido à apreciação do Judiciário, e não somente daquele juízo. Então estaríamos diante de litispendência ou de coisa julgada!"
  17. Para Streck (2009b, p. 7), o "pós-positivismo deve ser entendido com o sentido de superação e não (mera) continuidade ou complementariedade. Pós-positivismo será compreendido, nesse contexto, no interior do paradigma do Estado Democrático de Direito instituído pelo constitucionalismo compromissório e transformador social surgido no segundo pós-guerra, que é aquilo que vem sendo denominado de neoconstitucionalismo".
  18. "O grande dilema contemporâneo será, assim, o de construir as condições para evitar que a justiça constitucional (ou o poder dos juízes) se sobreponha ao próprio direito. Parece evidente lembrar que o direito não é –e não pode ser – aquilo que os tribunais dizem que é. E também parece evidente que o constitucionalismo não é incompatível com a democracia" (STRECK, 2009, p. 339-340).
  19. Cf. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 390-391.
  20. O enfrentamento do texto perante o caso concreto, que resulta na produção da norma, implica na constante (re)criação do Direito. Conforme Cunha (2005, p. 325), "considerando concomitantemente o caráter social e normativo do Direito, pode-se afirmar que o contexto de aplicação da norma jurídica é constituído por uma dupla realidade: 1) a realidade social, pois, se de um lado o direito é condicionador da realidade, por outro lado ele é condicionado por ela numa inesgotável tensão dialética; 2) a realidade fática do caso concreto, pois os agentes de uma situação juridicamente relevante sempre trazem particularidades que fixam uma singularidade que deve ser considerada pelo intérprete". Daí ser inviável hermeneuticamente admitir a existência de casos idênticos.
  21. Nas palavras do autor, existe sempre um sentido que nos é antecipado (2009b, p. 163).

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES, Nairo José Borges. Uma breve (re)visão da jurisdição no marco do Estado Democrático de Direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3007, 25 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20061. Acesso em: 25 abr. 2024.