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Elementos da nova interpretação constitucional

Elementos da nova interpretação constitucional

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Assim como funciona o princípio da dignidade da pessoa humana, a técnica da ponderação jurídica atua como fio condutor na resolução de casos difíceis, onde a simples atividade de subsunção não é suficiente.

RESUMO: Este artigo trata da Interpretação Constitucional e foca-se no sistema mais atual. Para tanto, desenvolve o tema a partir da Hermenêutica Jurídica, relembra a interpretação constitucional tradicional, ressalta os métodos de interpretação constitucional. Demonstra a necessidade dos novos elementos interpretativos diante da realidade atual, que ganharam força com a ascensão do neoconstitucionalismo. No ápice do trabalho são apresentados, de forma objetiva, os alguns dos novos elementos de interpretação constitucional: princípios de interpretação constitucional, conceitos jurídicos indeterminados e técnicas de ponderação e argumentação jurídica.

Palavras-chave: Interpretação Constitucional. Hermenêutica Jurídica. Novos elementos interpretativos.

ABSTRACT: This article deals with the Constitutional Interpretation and focuses on the more current. To do so, develops the theme from the Legal Hermeneutics, recalls the traditional constitutional interpretation, he emphasizes the methods of constitutional interpretation. Demonstrates the need for new interpretive elements on the current reality, which gained strength with the rise of neoconstitutionalism. At the culmination of the work are presented in an objective way, some of the new elements of constitutional interpretation: principles of constitutional interpretation of vague legal concepts and techniques of reasoning and legal reasoning.

Keywords: Constitutional Interpretation. Legal Hermeneutics. New interpretive elements.


1 INTRODUÇÃO

Neste momento inicial é imprescindível esclarecer que não há receita pronta e acabada para interpretar a Constituição. Por isso mesmo não se pretende aqui alcançar algo inexistente, explicitando um sistema pronto e acabado, mas apenas apresentar como está composta a nova interpretação constitucional, observando principalmente a doutrina brasileira. Deixa-se claro que os objetivos desse artigo não incluem a larga discussão filosófica quanto à utilização da hermenêutica no campo do Direito Constitucional, mas apenas foca-se nos novos prismas que emergiram nos últimos anos em termos de interpretação, que podem ser utilizados no âmbito constitucional brasileiro – dessa forma tentou-se manter o máximo de distância das obras dos autores estrangeiros consagrados que estão presentes em praticamente todas as obras que tratam do assunto e discutem em larga escala o tema sob ótica filosófica.

Ademais, cabe mencionar que a utilização do termo "novo" e da palavra "elementos", utilizados ao longo do artigo, tem significados próprios no contexto do tema. O termo "novo" foi utilizado mais precisamente como "atualização", ao invés de uma contraposição ao que supostamente seria "antigo". Já a palavra "elementos" refere-se, de forma genérica, aos principais métodos, princípios, regras e técnicas utilizadas na interpretação atual.

No geral, apesar de ser bastante teórico e abstrato, o tema em comento é de extrema necessidade para comunidade jurídica como um todo por conter aspectos que podem ser disseminados a outras áreas do direito, uma vez que o Direito Constitucional irradia conteúdo variado a todos outros ramos jurídicos, bem como pode atingir diretamente a sociedade, pelo fato de a Constituição pátria conter normas de aplicabilidade imediata. Frisa-se também que este trabalho já parte do pressuposto de que os princípios gozam de força normativa e que a possível discussão sobre esse assunto já se encontra ultrapassada.

Então, ao longo do trabalho, além da parte inicial, onde se demonstrará a ação da hermenêutica e a presença da nova realidade social, espelhada no neoconstitucionalismo, serão apresentados os conceitos indeterminados, os mais relevantes (para interpretação) princípios constitucionais e as técnicas de ponderação e argumentação jurídica na sistemática interpretativa atual da Constituição brasileira.

Por fim, ressalta-se que a forma de desenvolvimento do tema permite abrir discussões sobre as novas teorias jurídicas que surgem dia após dia, bem como a real necessidade de teorias interpretativas.


2 HERMENÊUTICA JURÍDICA

Por uma questão didática deve-se, previamente, como é de costume dos trabalhos acadêmicos, definir o objeto do presente capítulo para após relacioná-lo ao contexto. Assim, iniciando de forma simples, para adiante atingir conceitos mais técnicos e completos, pode-se antecipar que hermenêutica é a ciência filosófica que possui regras e princípios próprios norteadores da interpretação de textos.

Em alguns dicionários não jurídicos encontra-se a palavra hermenêutica definida como arte de interpretar leis, textos antigos e textos sagrados (KURY, 2002. p. 549). Em outros se diz que é arte de interpretar os sentidos das palavras ou de interpretar textos sagrados ou de valor histórico (MICHAELIS. 2000. p. 310).

Sendo arte e/ou ciência, a hermenêutica está vinculada a interpretação de textos, e não é preciso ir muito longe para perceber sua relação direta com textos antigos e textos sagrados – em especial a Bíblia Cristã. Etimologicamente a palavra hermenêutica é derivada do vocábulo grego hermeneuein e sua primeira aparição, em termos técnicos, teria surgido com Platão [01].

Não obstante à referida origem, diversos autores fazem referência à Mitologia Grega, relacionando hermenêutica à Hermes, filho de Zeus e Maia. Tal personagem, dotado de incrível sapiência e agilidade, era o enviado divino que levava a mensagem dos deuses aos homens, ou seja, levava consigo algo desconhecido e ininteligível para a linguagem humana (CAMARGO, 2003. p. 14), e esse processo de transição/tradução de mensagens seria análogo à atividade de interpretação de textos [02].

O brilhante professor Luís Roberto Barroso segue a mesma linha de raciocínio, tanto quanto a origem do termo vinculada ao personagem mitológico supracitado, quanto à relação original entre a hermenêutica e a religião. Afirma o autor referido que, em termos históricos, ocorreu a transição do termo hermenêutica da religião para a filosofia, depois para a ciência, e, somente após, migrou para o âmbito jurídico (BARROSO, 2009. p. 269).

Nesse diapasão, apesar de toda essa transição, observa-se que a finalidade e o modelo de utilização da hermenêutica não sofreram grandes alterações quando se passou a usá-la para a interpretação de enunciados jurídicos. Tal afirmação decorre da fácil percepção de que a religião cristã baseia-se em regras e princípios que delimitam o campo de ação de seus seguidores. Assim também são as normas do campo jurídico, que delimitam a atuação do homem em sociedade e precisam ser interpretadas da melhor forma possível.

Porém, para alcançar, um resultado mais justo, partindo-se do pressuposto de que tais meios de expressão e sistematização do Direito busquem a justiça, tanto aqueles que fazem parte do ambiente jurídico [03] como aqueles que sofrem, direta ou indiretamente, as consequências de seus efeitos – e aqui se inclui grande parte da sociedade – devem seguir um caminho técnico-interpretativo adequado, concebido por meio do exercício da prática jurídica e da experiência. Nesse ponto deve-se fazer um alerta quanto à diferenciação entre hermenêutica jurídica e a interpretação jurídica, pois, conquanto muitos as tenham como sinônimos vê-se, por outro lado, que não o são de fato. Para isso vale-se da lição do ilustre Vicente Ráo (1976, V. I, Tomo II):

A hermenêutica tem por objeto investigar e coordenar por modo sistemático os princípios científicos e leis decorrentes, que disciplinam a apuração do conteúdo, do sentido e dos fins das normas jurídicas e a restauração do conceito orgânico do direito, para efeito de sua aplicação e interpretação; por meio dessas regras e processos especiais procura realizar, praticamente estes princípios e estas leis científicas; a aplicação das normas jurídicas consiste na técnica de adaptação dos preceitos nelas contidos assim interpretados, às situações de fato que se lhes subordinam.

Em sendo assim, por oportuno, cabe afirmar, que a hermenêutica jurídica é a técnica utilizada pelo hermeneuta (ou exegeta) que inclui métodos e orientações ideológicas no esclarecimento e interpretação de um texto legal, com finalidade de se encontrar, com profundidade e minudência, seu verdadeiro sentido ou acepção, contornando, portanto, equívocos, ambiguidades ou obscuridades (FELIPE, 2004. p. 143).

Por sua vez, a interpretação jurídica, segundo Inocêncio Coelho baseando-se nos ensinamentos de Radbruch, é um dos instrumentos do estudo hermenêutico jurídico e não é somente um pensar de novo aquilo que já fora pensado, e sim, um saber pensar até o fim aquilo que, por outro, começou a ser pensado (MENDES; COELHO; BRANCO 2008. p.55).

Aliás, esse sistema de compreensão dialético, não rígido, voltado para a análise de textos produzidos no âmbito jurídico funciona de forma distinta das outras verificações científicas que ocorrem, por exemplo, com as ciências naturais, onde há o descobrimento de leis naturais absolutas a parir da observação e do experimento.

Pois bem, delineado o tópico, dando o enfoque pertinente e apresentadas suas principais funções, é importante frisar nesse momento que, por uma questão metodológica, utilizar-se-á mais frequentemente o termo interpretação – na sua acepção mais específica – do que a palavra hermenêutica jurídica. Porque, como se mencionou, enquanto esta é a ciência que estuda a interpretação e sistematiza critérios, métodos, regras e princípios científicos que possibilitem a descoberta do conteúdo e o alcance dos significados jurídicos (BULOS, 2009. p. 349), aquela (a interpretação) é o objeto ou instrumento de atuação direta do hermeneuta.

2.1 Métodos de interpretação constitucional tradicional [04]

Desde já se alerta que a presente pesquisa tem ciência das considerações feitas pelo portento professor Uadi Lammêgo Bulos, no capítulo de sua obra que trata sobre a inexistência de interpretação especificamente constitucional, onde se serviu das lições do método jurídico de Ernest Forsthoff (BULOS. 2009.pp. 352-353).

Logo, ao se utilizar o termo "interpretação constitucional", o mencionado doutrinador pretende dizer que é a hermenêutica jurídica aplicada à área constitucional e não uma interpretação especificamente constitucional.

Por outro lado, por uma questão de ponderação, cabe aqui identificar essa posição como rígida em comparação a outros posicionamentos que tendem a particularizar (de forma equilibrada) a interpretação constitucional, levando em consideração a autonomia fornecida pela própria Constituição.

É o que observa, por exemplo, o professor Luís Roberto Barroso. Em sendo assim, optou-se neste trabalho por seguir-se este último pensamento. A razão dessa escolha deve-se, em primeiro plano, ao caráter peculiar da sua argumentação, que se coaduna com a visão holística que permeia o presente tema, porém direciona-se para disciplina constitucional; e, em segundo plano, ao silogismo irrefutável desenvolvido pelos autores no que diz respeito a enorme abrangência direito constitucional no nosso ordenamento jurídico, o que reforça a possibilidade de aplicação dos elementos, que aqui serão comentados, em outras áreas do direito – mutatis mutandis. Feitas as devidas ressalvas, passe-se doravante a análise da interpretação constitucional clássica.

Atentando-se para os assuntos que são tratados em uma Constituição, especialmente a atual Constituição da República Federativa do Brasil, que dentre outras características é analítica e, por isso mesmo, traz em seu bojo algumas garantias e direitos de forma detalhada, é inquestionável sua importância para sociedade como um todo, bem como para o Estado.

Encontra-se, por exemplo, na Constituição pátria um enorme elenco de direitos fundamentais e de garantias individuais, bem como normas sobre organização do Estado e dos Poderes, sobre as funções essenciais à justiça, além das normas pertinentes a tributação, a educação e a cultura, dentre outros temas imprescindíveis em qualquer Estado Democrático de Direito. Essa normatização abrangente é feita em abstrato e de forma geral – tais características são corolários de todas as leis – e almeja proteger, na maioria das vezes, bens ou direitos. Contudo, diante do caso concreto poderá ocorrer um conflito em certas situações, que a primeira vista são insuperáveis, ou surgir alguma dificuldade de aplicação de determinadas regras em um caso específico [05]. Nessas situações torna-se indispensável à utilização das técnicas de interpretação constitucional que além de auxiliarem na resolução do caso concreto, conferem eficácia e aplicabilidade a todas as normas constitucionais (PAULO, 2008. p.65).

Os métodos de interpretação clássicos são semelhantes, por essa razão, a doutrina, guardada poucas variações, costuma classificar tais métodos da seguinte forma (BULOS. 2009.p. 358):

Eis os métodos clássicos, tradicionais ou ortodoxos, pelos quais as constituições têm sido interpretadas ao longo do tempo: método gramatical, observa a pontuação, a etimologia e a colocação das palavras; método lógico, procura a coerência e a harmonia das normas em si, ou em conjunto; método histórico, investiga os fatores que resultaram no trabalho de elaboração normativa; método sistemático, examina o contexto constitucional; método teleológico, busca os fins da norma constitucional; método popular, realiza-se pelo plebiscito, referendum, recall, iniciativa e veto populares; método doutrinário, equivale à doutrina dos juristas; e método evolutivo, propicia mutação constitucional. (grifado)

Uma rápida olhada na classificação supracitada deixa claro que o sistema de interpretação clássico é bem variado e busca extrair o real sentido das normas de vários pontos de vista – não se pretende aqui reservar grande espaço para discussão desses métodos, mas apenas apresentá-los de maneira sucinta, destacando-se, logo após, aquilo que melhor convém ao tema pesquisado, sob pena quedar-se na repetição encontrada na maioria dos manuais de direito constitucional.

Por esse motivo é que não se pode simplesmente, depois de décadas de aplicação, achar que métodos considerados modernos substituam por completo esse modelo – por mais que boa parte deles não possa servir à hermenêutica jurídica de maneira tão efetiva diante de algumas situações atuais. Do contrário, seria como encontrar uma chave mestra que abrisse todos inúmeros problemas hermenêutico-jurídicos ignorando grande parte dos processos que os forjaram, e pressupondo uma estática social e jurídica.

Nesse diapasão, sabe-se, quanto aos métodos gramatical, lógico, histórico e sistemático, que foram definidos por Friedrich Carl von Savigny no século XIX, e eram utilizados para interpretação das normas de Direito Civil. Nessa época, a subsunção das normas aos casos concretos era feita de forma simples, sem que houvesse uma construção de uma solução jurídica própria. O aplicador do Direito não ia adiante, apenas reconhecia o conteúdo preexistente da norma (BULOS. 2009. p. 358 e ss).

Observa-se certa modernidade em alguns desses métodos. Por exemplo, o sistemático, que na verdade está implícito no próprio sentido de harmonia textual das normas Constitucionais é bastante utilizado até hoje. Ele indica que a interpretação deverá levar em consideração todo o sistema, e em caso de antinomia de normas, buscar-se-á a solução do conflito (aparente) por intermédio da uma interpretação sistemática (LENZA. 2006. p. 59). Outro ponto, do rol supracitado, a ser evidenciado é o método evolutivo, que está relacionado à mutação constitucional [06].

Portanto, é interessante notar que ao se falar em mutação constitucional, na verdade está aceitando-se uma nova interpretação da Constituição sem que haja propriamente uma alteração de seu texto. Em outras palavras, muda-se o olhar sobre o objeto, mas não o objeto.

Logo, apesar de serem classificados dentro da acepção clássica, tais métodos possuem premissas semelhantes aos novos elementos de interpretação (contemporâneos) que serão comentados adiante, em tópicos próprios. Isso reforça a ideia aqui defendida de que não ocorreu uma substituição completa do sistema e sim uma espécie atualização – a semelhança do que ocorre no campo da informática, com os sistemas operacionais, por exemplo.

É importante ainda frisar que o método histórico, no sistema de interpretação constitucional, não pode ser considerado como absoluto – aliás, no âmbito jurídico para se afirmar algo como absoluto é preciso determinar todos os pressupostos e consequências de sua aplicação, o que acaba por relativizar qualquer conceito. Afinal, a interpretação é produto de uma época: "Toda interpretação é produto de uma época, de um momento histórico, e envolve os fatos a serem enquadrados, o sistema jurídico, as circunstâncias do intérprete e o imaginário de cada um" (BARROSO, 2002).

Por fim, qualifica-se o método histórico como procedimento de questionamento sobre as circunstâncias que provocaram a elaboração de determinada norma inscrita na Constituição da República, dando acesso ao conhecimento dos motivos fáticos ou teóricos que ensejaram a escolha ou a rejeição de propostas que foram submetidas aos constituintes naquele momento, e eis aí seu limite de utilização.

2.2 Métodos modernos de interpretação constitucional

A interpretação das normas constitucionais, apesar de ser uma atividade a princípio unitária, é um processo que não ocorre atualmente de maneira pura, com aplicação de apenas um único método isolado, nem mesmo com preponderância do modelo tradicional de interpretação. A doutrina alemã e a doutrina norte-americana em muito contribuiriam para a construção de métodos distintos do clássico [07]. Enquanto este concebia o raciocínio jurídico em termos lógico-formais, de modo que os problemas constitucionais se resolveriam pela aplicação de normas gerais aos casos concretos mediante subsunção, os métodos que hoje se apresentam, de certa forma, valorizam o caso concreto levado à apreciação judicial buscando a solução mais razoável (BARROSO. 2009. Op. cit., p. 278).

Modernamente pode-se encontrar em alguns manuais de Direito Constitucional a classificação quanto aos métodos de interpretação constitucional, baseada nas lições de pensadores respeitáveis. Com auxílio do poder de síntese do professor U. L. Bulos cita-se os seguintes métodos de interpretação constitucional da atualidade e seus respectivos defensores:

Método tópico problemático, propõe a descoberta mais razoável para a solução de um caso jurídico concreto, considerando a constituição um sistema aberto de regras e princípios. Parde do caso concreto para a norma (Theodor Viehweg); método hermenêutico-concretizador, busca suprir deficiências normativas, preenchendo, se necessário for, lacunas constitucionais. Ao contrário do método tópico, que parte do caso concreto para a norma, o hermenêutico-concretizador parte da constituição para o problema, valendo-se das pré-compreensões do intérprete sobre o tema (pressupostos subjetivos), o qual atua como se fosse um medidor entre a norma e o caso concreto, que brota da realidade social (pressupostos objetivos). O intérprete, nesse método, atua num verdadeiro circulo hermenêutico, porque seu pensamento "vaivém", até encontrar a saída para o problema (Hans-Georg Gadamer); método científico-espiritual, as constituições devem ser interpretadas de modo elástico e flexível, para acompanhar o dinamismo do Estado, que é um fenômeno espiritual em constante transformação (Rudolf Smend); método normativo-estruturante, o interprete constitucional não pode separar o programa normativo, inserido nas constituições, da realidade social (Friedrich Muller); e método da comparação constitucional, alia os métodos gramatical, lógico, histórico e sistemático, propostos por Savigny, ao Direito Comparado, de modo a buscar em vários ordenamentos jurídicos a melhor direção interpretativa das normas constitucionais de um estado. Assim, ter-se-ia um quinto método de exegese (Peter Häberle). (BULOS. 2009.p. 361). (Grifado)

Percebe-se então o nível de complexidade de tais métodos, e levando-se em conta a complexidade inerente à própria cultura humana, a atividade interpretativa normalmente ensejará a utilização de mais de um dos métodos "desenvolvidos pela doutrina e pela jurisprudência com base em critérios ou premissas diferentes, mas, em geral, reciprocamente complementares" (PAULO; ALEXANDRINO. 2008. Op. cit., p.66).


3 NEOCONSTITUCIONALISMO E A REALIDADE SOCIAL

Até o início desse tópico teceu-se comentários a respeito da ciência que estuda a interpretação, a forma como metodologicamente ela está organizada. Pois bem, cabe agora, antes de adentrar-se na sistemática interpretativa atual, tecer alguns comentários sobre o momento ideológico e social que a envolve.

Para a correta compreensão do neoconstitucionalismo é preciso saber primeiro o que vem a ser o constitucionalismo [08]. Em síntese pode-se dizer que constitucionalismo é uma ideologia de cunho jurídico que visa proteger os direitos e garantias expostos em uma Constituição, limitando diretamente a atuação dos Estados sobre tais objetos protegidos. Segundo o brilhante jurista Uadi L. Bulos o constitucionalismo possui dois sentidos:

[...] sentido amplo, é o fenômeno relacionado ao fato de todo Estado possuir uma Constituição em qualquer época da humanidade, independentemente do regime político adotado ou do perfil jurídico que se lhe pretenda irrogar; e sentido estrito, é a técnica jurídica de tutela das liberdades, surgida nos fins do século XVIII, que possibilitou aos cidadãos exercerem, com base em constituições escritas, os seus direitos e garantias fundamentais, sem que o Estado lhes pudesse oprimir pelo uso da força e do arbítrio (BULOS. 2009. p.10).

A origem de tal fenômeno está vinculada ao surgimento da Constituição dos Estados Unidos, de 1787, e a famosa Constituição Francesa, de 1791, pois estes documentos eram escritos e rígidos, "inspirados nos ideais de racionalidade do Iluminismo do século XVIII e, sobretudo, na valorização da liberdade formal (laissez faire) e do individualismo" (PAULO; ALEXANDRINO. 2008. p.02). É certo que o movimento constitucionalista determinava que os Estados deveriam ter suas próprias constituições escritas que serviriam como repositório dos direitos e garantias fundamentais.

Essa fórmula de previsão de direitos em norma suprema como uma espécie de proteção para determinado grupo de pessoas, genericamente, não é uma ideia nova. Por essa razão há autores que dividem o constitucionalismo em diversas fases e etapas (BULOS. 2009. p. 12). Nesse diapasão, o Neoconstitucionalismo seria uma dessas etapas, ou melhor, seria a etapa atual. Ou seja, o chamado constitucionalismo contemporâneo é o próprio neoconstitucionalismo e a Constituição da República Federativa do Brasil é um ótimo exemplo de documento neoconstitucional. Porém, obviamente, a distinção entre tais fases do constitucionalismo não resulta apenas do fator cronológico, por outro lado, o neoconstitucionalismo possui características peculiares que lhe confere autonomia para além de sua nomenclatura.

Em sendo assim, o neoconstitucionalismo trouxe consigo um novo prisma de interpretação, já que a proteção constitucional ganha mais força. Agora não se admite apenas a previsão normativa. A mesma deve ser efetiva e interpretada da melhor forma possível, de acordo com a realidade que a envolve, vai "além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto, procura empreender uma leitura moral do Direito, mas sem recorrer a categorias metafísicas" (BARROSO, 2006).

Portanto, repete-se que a interpretação constitucional, com advento do neoconstitucionalismo, ganhou bastante força. Vê-se, então, da mesma forma que as normas constitucionais mudam ao longo do tempo, na tentativa de acompanhar o ritmo da evolução social, a hermenêutica jurídica não poderia quedar-se inerte, sob pena de não fazer a melhor leitura possível dos textos normativos contemporâneos.

3.1 Necessidade de novos elementos interpretativos

A sociedade contemporânea, em decorrência do desenvolvimento da humanidade, especialmente a partir da segunda metade do século XX, tem-se caracterizado pela crescente complexidade das relações humanas (AQUINO, 2008). Não obstante, a crise que acompanha o Estado contemporâneo vem se acentuando de uma maneira geral no mundo, onde cresce os conflitos políticos e sociais. Muitos seres humanos ainda padecem em condições indignas de vida, especialmente no Brasil, onde, mesmo após 20 da nova Constituição Republicana, muitos de seus objetivos estão distantes de serem alcançados.

Evidente que parte dessa crise se deve a própria corrupção inerente ao sistema político-econômico montado desde tempos imemoriais, por intermédio do qual as classes mais abastadas se beneficiam em detrimento dos desfavorecidos economicamente. Nesse contexto, muitas das instituições e leis que deveriam servir ao cidadão de bem se transformam em instrumentos direcionados para manutenção ilegítima dos donos do poder.

Porém, deixando de lado (hipoteticamente) esse prisma institucional-corrupto, ao se observar em termos ideais – o que deveria ser, considerando-se a natureza ideal das instituições e leis – também se pode dizer que um dos principais motivos de crise do Estado contemporâneo, aproveitando-se aqui da lição do ilustre doutrinador Dalmo de Abreu Dallari (2002. p. 300), é que "o homem do século XX está preso a concepções do século XVIII, quanto à organização e aos objetos de um Estado Democrático" (guardada a devida atualização quanto ao século mencionado).

Nesse sentido, pode-se citar, a título exemplificativo, que se vive em uma sociedade que avança rapidamente no campo do biodireito e da bioética (DINIZ. 2009. p. 866), que distribui diversos dilemas ético-jurídicos em razão de fatos como: avanço irreversível da biologia molecular e da engenharia genética; Projeto Genoma Humano; o incipiente mercado genético; o risco do eugenismo; a exploração do corpo humano e alienação da saúde.

Vive-se também no período das realidades virtuais, onde inúmeras relações que há poucos anos atrás só ocorriam pessoalmente, agora se estabelecem por meio de páginas do World Wide Web, por emails, aparelhos celulares, webconferência e etc. Concomitantemente a essas novas facilidades eletrônicas aparecem novos ilícitos – como, por exemplo, a pirataria de softwares, furtos virtuais e diversos tipos de fraudes. Foi necessário o surgimento de novas regras e até mesmo um novo ramo do direito (Direito da Informática [09]) para tentar acompanhar toda essa mutação.

Lembra-se ainda das enormes modificações que ocorre atualmente no Brasil no âmbito imobiliário, das construtoras e incorporadoras, na área das instituições bancárias, da política cambial, dos grandes eventos culturais, que se tornam cada dia mais globais e dinâmicos, acelerando em anos as modificações de um país, que antes ocorreriam normalmente em séculos. A sociedade contemporânea muda num ritmo alucinante e fica cada vez mais difícil definir padrões.

Diante dos exemplos expostos nos parágrafos anteriores pergunta-se: sendo o Direito Constitucional, direito relacionado com o documento de maior hierarquia dentro do sistema legislativo/jurídico brasileiro, como poderia acompanhar as modificações sociais se permanecesse baseado em parâmetros de tempos idos? Como a interpretação constitucional poderia fazer uma leitura que garantisse uma resposta efetiva aos conflitos contemporâneos se não conseguisse ao mesmo tempo se adaptar as novas realidades? Os padrões de outrora podem ser aplicados por completo na nova realidade social?

Esse é o desafio, esse é o motivo pelo qual se deve debruçar sobre novos campos de pesquisas, mas, por óbvio, sem destruir tudo o que foi conquistado até aqui. Em outras palavras, é imprescindível atentar-se para todas as alternativas possíveis. No mesmo sentido, cabe aqui lembrar parcialmente da teoria de desenvolvida por Peter Häberle no seguinte ponto:

O pensamento do possível é o pensamento em alternativas. Deve estar aberto para terceiras ou quartas possibilidades, assim como para compromissos. Pensamento do possível é pensamento indagativo (fragendes Denken). [...]. O pensamento do possível ou o pensamento pluralista de alternativas abre suas perspectivas para "novas" realidades, para o fato de que a realidade de hoje poder corrigir a de ontem, especialmente a adaptação às necessidades do tempo de uma visão normativa, sem que se considere o novo como o melhor (HÄBERLE. 1980. p. 3).

Por isso, sem que se considere o novo como melhor, é preciso também dar a devida atenção as grandes lições do passado, aos grandes mestres que fizeram o mesmo trabalho de atualização em suas épocas, pois, essa é uma atividade que nunca morre, e assim como a sociedade, está em constante mutação. Veja por exemplo que há mais ou menos 10 (dez) anos atrás, o ilustre professor italiano, Gustavo Zagrebelsky, já asseverava o seguinte sobre a sociedade moderna:

As sociedades pluralistas atuais – isto é, as sociedades marcadas pela presença de uma diversidade de grupos sociais com interesses, ideologias e projetos diferentes, mas sem que nenhum tenha força suficiente para fazer-se exclusivo ou dominante e, portanto, estabelecer a base material da soberania estatal no sentido do passado – isto é, as sociedades dotadas em seu conjunto de um certo grau de relativismo, conferem à Constituição não a tarefa de estabelecer diretamente um projeto predeterminado de vida em comum, senão a de realizar as condições de possibilidade da mesma (ZAGREBELSKY. 1999. p. 13).

Portanto, na verdade, deve-se adotar em termos de interpretação constitucional mecanismos flexíveis capazes de assegurar permanentemente a supremacia da Constituição, uma vez que a mesma representa (ou deve representar, mais uma vez falando em conotação ideal) a vontade popular. Logo, aproveitando-se das correntes pós-modernas no âmbito do Direito Constitucional, em especial o neoconstitucionalismo, pode-se encontrar mecanismos potencialmente capazes de gerar respostas adequadas à sociedade hodierna – e é o que se verá doravante, pois serão apresentados os principais mecanismos (técnicas, princípios ou métodos) de interpretação utilizados modernamente.


4 NOVO SISTEMA DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

Dizer que é novo não significa que dizer exatamente que os elementos a diante expostos sejam os melhores, ou que por meio deles se alcance algo outrora impossível de se obter com a sistematização tradicional. Ressalta-se apenas a atualidade e a forma como são entendidos no direito constitucional brasileiro, pouco importando a origem remota que um ou outro possa ter, ou mesmo se alguns foram "importados" da doutrina alemã sem as devidas adaptações. Parte dessa visão assemelha-se com a do professor Virgilio Afonso da Silva – que escreveu importante artigo sobre a interpretação constitucional e o sincretismo metodológico (SILVA. 2010. p. 116). Porém, em termos gerais, frisa-se que o tema aqui defendido é oposto em relação a parte do posicionamento do citado autor, pois o mesmo sustenta a tese de que os princípios de interpretação constitucional não desempenham papel relevante na interpretação da Constituição (SILVA, 2010. p. 121).

Realmente não se pode ignorar o sistema clássico de interpretação, porém, é mais viável assumir posição mais moderada. Essa posição, mais equilibrada, coincide com a proposta defendida neste artigo. Portanto, o objetivo é apresentar alguns dos novos elementos de interpretação e demonstrar que podem sim serem utilizados (inclusive os princípios), implícita ou explicitamente pela hermenêutica constitucional.

São chamados de forma genérica de elementos de interpretação por uma questão didática e todos eles ajudam a compor a sistemática contemporânea de interpretação constitucional. É importante dizer ainda nesse tópico que será adiante exposto uma "nova forma de enxergar os problemas jurídicos, os quais passaram a ser vistos sob a lente da Constituição" (BULOS. 2009. p. 360), e essa atualização deve-se principalmente a mudança de valores supremos que a evolução social propôs. Se não fosse assim, as questões que envolvem temas atuais altamente complexos não seriam resolvidas por uma Constituição estagnada. A exegese constitucional brasileira distanciou-se do privatismo de outrora, bem como do silogismo clássico e aproximou-se de uma visão aberta e principiológica, onde o magistrado possui uma ampla margem de decisão axiológica (BULOS. 2009. p. 361).

Nesse ponto, interessante notar que muito se especula a respeito da liberdade que o magistrado teria para julgar determinado caso, levantando-se a tese de que a decisão estaria submetida única e exclusivamente a discricionariedade do julgador, o que iria ferir, dentre outros princípios, a segurança jurídica.

Contudo, não merece prosperar tal posicionamento, pois além de todo o sistema interpretativo que será comentado mais adiante, existe um norte, um guia auxiliador para se evitar possíveis injustiças. Tal elemento é o macro Princípio da Dignidade da Pessoa Humana [10], que permeia o Direito atual, e é praticamente consenso entre todos aqueles que lidam na área jurídica:

Dentro da graduação hierárquica dos valores jurídicos, a dignidade se encontra no ponto mais elevado. Isto não significa uma superioridade normativa capaz de invalidar outras normas constitucionais ou uma prevalência absoluta em caso de conflito com demais valores constitucionalmente consagrados. Todavia, faz deste valor uma importante diretriz a ser utilizada na criação e interpretação das demais normas jurídicas (CAMARGO. In: CAMARGO. 2007. p. 120.).

Assim, acredita-se que o maior desafio do século XXI será desenvolver meios de proteção que valorizem a dignidade da pessoa humana, pois ela atualmente é o foco, o novo paradigma global, em razão de muitas das mensagens pós-modernas pregadas hoje na sociedade, de uma forma ou de outra, estarem voltadas para esse valor.

Passe-se, doravante, a análise dos novos elementos [11] de interpretação constitucional. Para tanto, será necessário dividir em pequenos subtópicos cada um dos princípios mais importantes. Logo após, far-se-á comentários sobre as técnicas de ponderação e argumentação jurídica, conceitos indeterminados.

4.1 Princípios de interpretação constitucional

"But the principle at the same moment that it explains the rules supersedes them" (mas o princípio ao mesmo tempo que explica as regras as supera) (SEELEY, 1900. p.206).

Estas palavras foram escritas há muitos anos atrás pelo portento historiador inglês John Robert Seeley, pouco lido entre os brasileiros, diga-se de passagem. Não obstante, seu conteúdo é extremamente atual, principalmente se considerar a moderna divisão feita por diversos autores [12] entre regras e princípios. A doutrina moderna costuma classificar as normas nessas duas categorias (regras e princípios) onde normalmente as regras são em sua essência mais objetivas, enquanto os princípios são normas que gozam de um maior teor de abstração. Tal visão é de suma importância para a superação do positivismo legalista, em que as normas eram, praticamente, sinônimas de regras jurídicas.

A Constituição da República Federativa do Brasil de certa forma adotou essa dicotomia e pode-se encontrar diversos princípios elencados em seu texto, e que são utilizados em diversas situações distintas.

A título exemplificativo cita-se os seguintes princípios: independência nacional; prevalência dos direitos humanos; autodeterminação dos povos; não intervenção; igualdade entre os Estados; defesa da paz; solução pacífica dos conflitos; repúdio ao terrorismo e ao racismo; cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; concessão de asilo político; legalidade; impessoalidade; moralidade; publicidade; eficiência; soberania nacional; propriedade privada; função social da propriedade; livre concorrência; defesa do consumidor; defesa do meio ambiente, dentre outros princípios. Observa-se, porém, no rol mencionado, que tais princípios não servem especificamente para se trabalhar a interpretação constitucional, embora, a atividade interpretativa também passe por eles [13].

Então, com base nas próprias normas constitucionais a doutrina identificou instrumentos principiológicos que servem de norte para leitura correta do texto constitucional. Sem mais delongas, passa-se a análise dos mesmos.

4.1.1 Princípio da unidade da Constituição

Conforme preceitua esse princípio, é preciso que as normas constitucionaissejam vistas em conjunto e não de maneira isolada, como um bloco único. A própria Constituição determina os preceitos integrados numa sistemática unitária de regras e princípios. Logo, uma atividade interpretativa voltada para alguma parte da Constituição só poderá ser considerada correta – e até mesmo corretamente compreendida – se enxergá-la como uma unidade. Em outras palavras, não se deve separar uma norma do conjunto que ela integra, pois há uma relação de dependência entre o que é compreendido no todo e o que é o que seria entendido de maneira isolada.

Nesse sentido é importante ressaltar que o princípio aqui comentado dá suporte a grande maioria dos demais cânones da interpretação constitucional, pois, em última análise ele "otimiza as virtualidades do texto da Constituição, de si naturalmente expansivo, permitindo aos seus aplicadores construir as soluções exigidas em cada situação hermenêutica" (COELHO. 2003. p.19).

Quando utilizado, além de ser um fator de coerência ideológica, o princípio da unidade da Constituição tem o poder de bloquear o surgimento de conflitos entre preceitos constitucionais. Concomitantemente ele esclarece as contradições aparentes, com hipóteses de incidência à primeira vista idênticas, mas que só a interpretação racional evidenciará serem diferentes. Nesse sentido pode-se citar o exemplo mencionado pelo Ministro Celso de Mello que se serviu da lição de Sérgio Cavalieri Filho:

[...] ninguém questiona que a Constituição garante o direito de livre expressão à atividade intelectual, artística, científica, ''e de comunicação'', independentemente de censura ou licença (arts. 5º, IX, e 220, §§ 1º e 2º). Essa mesma Constituição, todavia, logo no inciso X do seu art. 5º, dispõe que ''são invioláveis a intimidade'', a vida privada, a ''honra'' e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação''. Isso evidencia que, na temática atinente aos direitos e garantias fundamentais, esses dois princípios constitucionais se confrontam e devem ser conciliados. É tarefa do intérprete encontrar o ponto de equilíbrio entre princípios constitucionais em aparente conflito, porquanto, em face do ''princípio da unidade constitucional'', a Constituição não pode estar em conflito consigo mesma, não obstante a diversidade de normas e princípios que contém [...] (FILHO, 2005, item n. 19.11, p. 129/131 apud MELLO. 2005).

Por fim, cabe lembrar a possibilidade de se utilizar ou não o princípio da unidade da Constituição dentro do campo interpretativo, seja para esclarecer pontos obscuros, seja para manter a coerência do sistema constitucional, o que reforça a tese de um sistema flexível, que se adapta segundo o melhor pensamento possível visando assegurar a dignidade da pessoa humana.

4.1.2 Princípio da presunção de constitucionalidade

A presente norma deve ser avaliada com bastante cautela, lembrando aqui, com mais ênfase, a mesma ressalva feita em relação ao princípio anteriormente analisado, quanto a seu caráter relativo. O Princípio da Presunção de Constitucionalidade fulcra-se na eficácia do controle preventivo de constitucionalidade, sustentando que toda espécie normativa origina-se de acordo com a Constituição e por isso mesmo deve ser mantida, preservada. Logo, se houver uma interpretação possível que permita afirmar a compatibilidade da norma com a Constituição, essa interpretação deve ser escolhida, mantendo-se a compatibilidade constitucional. Dessa forma, observa-se o seguinte procedimento:

Em razão disso, não devem juízes e tribunais, como regra, declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo quando: a) a inconstitucionalidade não for patente e inequívoca, existindo tese jurídica razoável para preservação da norma; b) seja possível decidir a questão por outro fundamento, evitando-se a invalidação de ato de outro Poder; c) existir interpretação alternativa possível, que permita afirmar a compatibilidade da norma com a Constituição (BARROSO, 2009. p. 300.).

Por consequência, "não é possível uma interpretação sem critérios e limites que subverta o sentido da lei, existem limites formais e substanciais para que se dê vida socialmente adequada à ordem jurídica, com a máxima cautela" (POLTOSI DORNELES. 2006). E mais, "o apego excessivo e incondicional a literalidade da lei pode inviabilizar a operacionalização do Direito, mas a total indiferença à norma pode importar em ofensa ao próprio Direito" (POLTOSI DORNELES. 2006) .

4.1.3 Princípio da supremacia da Constituição

A Constituição é representada por uma unidade de regras e princípios jurídicos aos quais todos na sociedade, que vivem em um Estado Democrático de Direito, devem obedecer – especialmente os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.Em termos políticos a premissa que envolve essa norma é de que a supremacia constitucional decorre da soberania do povo que a institui. A Constituição goza de superior hierarquia em relação às demais normas, pois ela é (ou deveria ser) fruto de um momento especial, de conjuntura própria para sua elaboração (BARROSO. 2009. p. 299).

Essa supremacia somente ocorre quando se trata de uma Constituição rígida. Ou seja, sabe-se que as constituições, dentre outras classificações, podem ser rígidas ou flexíveis, a depender do procedimento de alteração do seu texto. No caso da Constituição brasileira, os critérios para a alteração do seu texto são diversos dos adotado para a criação das normas ordinárias, o que a define como rígida [14].

Assim, conclui-se que a compatibilização constitucional das normas no Brasil se dá, em face do princípio da supremacia da Lei Fundamental, quando necessário, pela via do controle de constitucionalidade, pois a Constituição brasileira é escrita e rígida, e mais, a especificidade da interpretação constitucional decorre dessa supremacia constitucional, que estabelece uma condição de validade de todo ordenamento jurídico (Ver BARROSO, 2009. p. 299).

4.1.4 Princípio da interpretação conforme a Constituição

Ao manter, inicialmente, normas de caráter dúbio, o princípio da interpretação conforme a Constituição assegura que diante dessas normas infraconstitucionais polissêmicas [15] – que possuem mais de um significado –, deve-se escolher o sentido que seja compatível com a Carta Maior. Ou seja, não se deve de imediato anular a norma, pois, devendo a inconstitucionalidade ser declarada em último caso.

Por óbvio, tal princípio somente será utilizado quando o texto legal não for claro o suficiente ou se o objetivo da própria norma não for inconstitucional.

Reforça-se a ideia sobre o limite de utilização do princípio de interpretação conforme a Constituição com o seguinte ensinamento: a) o intérprete não pode contrariar o texto literal e o sentido da norma interpretada, a fim de obter concordância da lei com a Constituição; b) a interpretação conforme a Constituição só é admitida quando existe, de fato, um espaço de decisão (espaço de interpretação) em que sejam admissíveis várias propostas interpretativas; c) no caso de se chegar a um resultado interpretativo de uma lei inequivocamente em contradição com a Constituição, não se pode utilizar a interpretação conforme a Constituição (PAULO; ALEXANDRINO. 2008. pp. 72-73).

Como pode ser notada, a norma-princípio em comento, além de exercer sua função dentro da hermenêutica jurídica, como foi salientado, auxilia ao mesmo tempo no controle de constitucionalidade das leis. Porém, teoricamente, não se pode considerar tal mecanismo interpretativo sinônimo declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto – apesar de na prática, em algumas situações, produzirem efeitos semelhantes.

Deixando-se de lado esse impasse teórico-prático (ou terminológico), a interpretação conforme a Constituição pode ser com ou sem redução de texto. Sobre o tema, primeiro sobre a interpretação conforme com redução do texto, depois, sobre a interpretação conforme sem redução do texto, cita-se a lição do professor Uadi Lammêgo Bulos:

Ocorre quando certa terminologia é declara inconstitucional por estar violando a lex legum. Impugna-se, pois, sua redação viciosa, contrária à supremacia das normas constitucionais. Exemplo: na ADIn 1.1.27-8, o Supremo concedeu medida liminar para suspender a eficácia da expressão "ou desacato", prevista no art. 7º, §2º, do Estatuto da OAB (Lei n. 8.906/94). Ao reduzir o alcance do preceito, concedeu imunidade material aos advogados, numa interpretação conforme o art. 133 da Carta de Outubro. A interpretação conforme sem redução do texto é uma modalidade de decisão da Corte Alemã, plenamente aceita e utilizada pelo nosso Supremo Tribunal Federal (STF, ADIn 1.510-9-ML/SC, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ, 1, de 25-2-1997). Possui natureza decisória não consistindo meramente, numa modalidade interpretativa. Ao revestir-se numa modalidade especial de ato decisório, encarregado de declarar nulidade sem a redução do texto, ela poderá conceder ou excluir da norma impugnada determinado sentido que a torne compatível com a Constituição (grifado) (BULOS. 2009. p. 377).

Ainda segundo o mesmo autor, esta última modalidade se divide em concessiva, que concede à norma impugnada uma interpretação que lhe preserve a constitucionalidade, e excludente, que exclui da norma impugnada uma interpretação que possa torná-la inconstitucional.

4.1.5 Princípio da razoabilidade ou proporcionalidade

A doutrina brasileira aponta que o referido princípio, quanto ao aspecto razoabilidade, em sua origem, que remonta ao sistema jurídico anglo-saxão (em especial o direito norte-americano), era "utilizado pelo Poder Judiciário para a correção de erros processuais cometidos por outros Poderes, nunca entrando no mérito dos atos por causa da autonomia e separação dos poderes" (CORRÊA, 2006).

Já no que tange a noção de proporcionalidade, o princípio possui raízes romano-germânicas (sistema alemão) e ajudou a desenvolver uma doutrina mais analítica e dogmática.

O princípio da razoabilidade/proporcionalidade encontra-se implicitamente na Constituição brasileira quando é assegurado o direito ao devido processo legal substancial [16], também conhecido na doutrina como due process of law. Segundo o professor L. R. Barroso "trata-se de um valioso instrumento de proteção dos direito fundamentais e do interesse público, por permitir o controle da discricionariedade dos atos do Poder Público" (BARROSO, 2009. p. 305).

Em síntese, o princípio da razoabilidade/proporcionalidade permite ao Judiciário invalidar atos dos poderes legislativo e administrativo quando não há adequação entre o instrumento utilizado e o fim almejado; quando não houver necessidade do ato; quando os custos sejam superiores aos benefícios e etc. Quanto à diferenciação que alguns doutrinadores fazem com relação a tais princípios, utiliza-se aqui as palavras de Andre L. D. Alves, citando Humberto Ávila, organizando o assunto da seguinte forma:

Verifica-se algumas diferenças entre estes postulados, entre elas constata-se que o postulado da razoabilidade foi cunhado no seio do direito administrativo, atuando como instrumento de controle do exercício, pela administração, de discricionariedade, e ele aplica-se, primeiro, como diretriz que exige a relação das normas gerais com as individualidades do caso concreto, quer mostrando sob qual perspectiva a norma deve ser aplicada, quer indicando em quais hipóteses o caso individual, em virtude de suas especificidades, deixa de se enquadrar na norma geral. [...] Já o postulado da proporcionalidade aplica-se nos casos em que exista uma relação de causalidade entre um meio e um fim concretamente perceptível. A exigência de realização de vários fins, todos constitucionalmente legitimados, implica a adoção de medidas adequadas, necessárias e proporcionais em sentido estrito. (ALVES. 2010).

Em termos práticos, quando da aplicação do presente princípio, a distinção entre razoabilidade e proporcionabilidade não gera nenhuma alteração significativa no caso concreto, por isso mesmo, não há óbices em tratar tais termos como sinônimos, no contexto do presente trabalho. O princípio da razoabilidade ou proporcionalidade é bastante utilizado atualmente na interpretação constitucional por está relacionado diretamente ao bom senso, a prudência, a moderação (BULOS, 2009. p. 364) e ao equilíbrio que devem permear qualquer atividade interpretativa sob pena de se obter um resultado extremista e injusto.

4.2 Conceitos jurídicos indeterminados

Em regra os preceitos jurídicos são delimitados num corpo normativo escrito (positivados) e apresentam significados completos, que não admitem, por sua própria exatidão, interpretações variadas – são termos exatamente determinados e unívocos. Por outro lado, e não são poucos, existem expressões que não seguem o mesmo rigor restritivo e por isso permitem uma variação dentro do seu significado. A CRFB de 1988 é um exemplo de norma que contém diversos conceitos incompletos, indeterminados [17]. Sobre o assunto, e ainda elucidando com alguns exemplos tem-se a lição do ilustre doutrinador Ferraz Jr (2003. p. 96.):

Conceitos indeterminados são aqueles utilizados pelo legislador para a configuração dos supostos fáticos e mesmo das consequências jurídicas, cujo sentido pede do aplicador uma explícita determinação. [...] São conceitos indeterminados, por exemplo, "repouso noturno", "ruído excessivo", "perigo iminente" etc., mas também alguns estritamente jurídicos como "antijuridicidade", "ato administrativo" etc. Os conceitos normativos também pedem do decididor uma co-participação na determinação do seu sentido, porque são indeterminados como os anteriores e, além disso, constituem, de per si valoração de comportamento cujos limites serão especificados na decisão.

Por oportuno, ressalta-se que não há problema em se considerar como sinônimas as expressões "conceitos indeterminados" e "cláusulas gerais", desde que ambas se refiram ao emprego intencional de linguagem vaga e aberta. Para melhor entender a função de tais elementos abertos, é necessário aprofundar em sua estruturação. Nesse sentido, pode-se afirmar que "todos os conceitos revelam uma zona fixa (um núcleo) e uma zona periférica. No domínio do núcleo conceitual são estabelecidas as certezas; onde se inicia a zona periférica, as dúvidas começam" (LAMY. 2007. p.54). Assim, identifica-se como conceitos indeterminados "quando suas zonas periféricas apresentam de forma extensa e difusa e as zonas nucleares de forma reduzida" (LAMY. 2007. p.54).

Segundo Gustavo Binenbojm, apesar da indeterminação de tais conceitos, é possível distinguir entre uma zona de certeza negativa e positiva, as quais devem ser trabalhadas independentemente da zona de penumbra (periférica). Nas palavras do citado e brilhante doutrinador:

[...] quando é possível identificar os fatos que, com certeza, se enquadram no conceito (zona de certeza positiva) e aqueles que, com igual convicção, não se enquadram no enunciado (zona de certeza negativa), o controle jurisdicional é pleno. Entretanto, na zona de penumbra ou incerteza, em que remanesce uma série de situações duvidosas, sobre as quais não há certeza sobre se se ajustam à hipótese abstrata, somente se admite controle jurisdicional parcial (BINENBOJM. 2006. p. 220).

A principal objeção que surge ao se falar na aplicação desses conceitos indeterminados reside exatamente no fato de existir margem para várias posições (onde estão as zonas cinzentas), o pode ocasionar uma insegurança jurídica e eventualmente gerar uma decisão arbitrária – por isso G. Binenbojm falou em controle jurisdicional parcial. Além do que já foi dito a respeito do princípio da dignidade da pessoa humana, nesse contexto, é de conhecimento comum que decisões judiciais não devem ser arbitrárias e devem apresentar certo grau de previsibilidade. Contudo, isso soa um tanto paradoxal na medida em que a lei não pode ser mecanicamente interpretada, sob pena de se cometer injustiças revestidas pelo positivismo. É fato que nem tudo o que está positivado é justo num sentido estrito. Neste ensejo, são pertinentes as palavras da eminente jurista Teresa Arruada Alvim Wambier (1997, p. 33-34):

Hoje se admite considerar que o Direito não é um sistema impecável e irrepreensivelmente lógico. O que de mais marcante existe no Direito é uma série de noções chaves, que desempenham um papel fundamental no que diz respeito à argumentação e à discussão de problemas jurídicos. Esses topoi (= noções-chaves) se exteriorizam por meio de conceitos vagos [...], que assumem determinados significados em função dos problemas a serem solucionados.

Na verdade, essa situação surgiu após a Segunda Guerra Mundial e em decorrência da própria modificação da sociedade. Com o crescimento da quantidade de conceitos indeterminados abdica-se da suposta segurança jurídica aclamada pelos códigos e segue-se rumo a construção de microssistemas normativos (COSTA. 2008. p. 92). Assim, como solução do óbice aparente, não se deve confundir o poder de valoração concreta dos conceitos jurídicos indeterminados com poder discricionário, pois nenhum dos Poderes estão autorizados a ignorar deveres que decorrem do núcleo de princípios constitucionais, e estes, por sua vez, atuam dentro e fora do corpo normativo, a depender do caso concreto (LAMY. 2007. p. 54; BARROSO. 2009. p. 314).

4.3 Técnicas da ponderação e a argumentação jurídica

Apresenta-se o presente tópico por último de forma proposital, uma vez que a aplicação dos princípios aqui mencionados – dentre outros existentes no direito e ainda dentre direitos fundamentais –, bem como a utilização de conceitos indeterminados, pode ensejar conflitos entre esses próprios elementos interpretativos. Assim, se faz necessária a utilização de alguma técnica jurídica capaz de resolver tais situações improdutivas. Percebe-se que assim como funciona o princípio da dignidade da pessoa humana, como orientador geral da atividade interpretativa, mas especificamente na aplicação de princípios constitucionais, a técnica da ponderação jurídica atua como fio condutor (atrelada ao princípio da proporcionalidade) na resolução de casos difíceis, onde a simples atividade de subsunção não é suficiente.

A ponderação jurídica envolve avaliações de caráter subjetivo, que variam conforme as circunstâncias do caso concreto e do próprio intérprete ou "impossibilitado o juízo de subsunção, mormente quando a mesma situação ampara a aplicação de normas da mesma hierarquia jurídica, mas que indicam direções completamente opostas" (GOMES, 2010).

Segundo Humberto Ávila, a ponderação jurídica (ou ponderação de bens) consiste "num método destinado a atribuir pesos a elementos que se entrelaçam, sem referência a pontos de vista materiais que orientem esse sopesamento" (ÁVILA. 2005. p.94). Ainda segundo o mesmo autor, pode-se citar o seguinte exemplo:

Os bens jurídicos são situações, estados ou propriedades essenciais á promoção dos princípios jurídicos. Por exemplo, o princípio da livre iniciativa pressupõe, como condição para sua realização, liberdade de escolha e autonomia. Liberdade e autonomia são bens jurídicos, protegidos pelo princípio da livre iniciativa, algum sujeito pode ter, em função de determinadas circunstâncias, condições de usufruir daquela liberdade e autonomia. Liberdade e autonomia passam, então, a integrar a esfera de interesses de determinado sujeito. Os valores constituem o aspecto axiológico das normas, na medida em que indicam que algo é bom e, por isso, digno de ser buscado ou preservado. Nessa perspectiva, a liberdade é um valor, e, por isso, deve ser buscado, determinam que esse estado de coisas deve ser promovido (2005. p. 95).

Na verdade a técnica de ponderação nada mais é do que a aplicação do princípio da proporcionalidade na colisão dos direitos fundamentais ou de princípios, por meio de juízos comparativos de ponderação dos interesses envolvidos no caso concreto.

A técnica da ponderação se distingue da interpretação clássica na medida em que esta se analisa norma e o fato, depois dá-se a sentença, enquanto naquela (ponderação), há identificação dos bens em conflito, exame conjunto das circunstâncias concretas e normas aplicáveis, apuração dos pesos que devem ser atribuídos a cada um dos bens em disputa, escolha da norma a ser ponderada, e somente após, haverá a sentença (BULOS, 2009. p. 368). Como se percebe, em casos difíceis onde é necessária a ponderação jurídica, não ocorrerá mera subsunção, e sim a construção de um raciocínio que fundamente de maneira detalhada a decisão tomada (procedimento mais demorado e complexo).

Pode-se aqui citar os seguintes exemplos de conflitos que ensejam ponderação: direito social à moradia versus penhorabilidade do bem de família; proibição de publicação atentatória à honra e à imagem versus liberdade intelectual; sigilo bancário versus privacidade de dados, dentre outros. Nesse sentido, utilizada a ponderação, requer-se automaticamente uma fundamentação juridicamente plausível como pressuposto de validade. Aqui entra a argumentação jurídica.

A argumentação é espécie de atividade humana decorrente da nossa capacidade comunicativa racional, em sentido amplo, nada mais é do que o uso de razões a favor ou contra determinada tese com o objetivo de demonstrar ou não a sua correção. A teoria da argumentação jurídica engloba tanto conteúdos de lógica jurídica, quanto de axiologia jurídica e teoria da interpretação (NETA DIAS. 2010). Nesse ponto serve-se mais uma vez da lição do ilustre doutrinador L. R. Barroso (2009. p. 339):

Argumentação é a atividade de fornecer razões para a defesa de um ponto de vista, o exercício de justificação de determinada tese ou conclusão. Trata-se de um processo racional e discursivo de demonstração da correção e da justiça da solução proposta, que tem como elementos fundamentais: (i) a linguagem, (ii) as premissas que funcionam como ponte de partida e (iii) regras norteadoras da passagem das premissas à conclusão.

Ainda segundo o mesmo autor, a necessidade da argumentação se potencializa com a substituição da lógica formal ou dedutiva pela razão prática, onde a razão teórica busca a verdade, o conhecimento e tem por conduta típica a contemplação e a razão prática busca a produção do bom e do justo, e realiza-se pela ação.

Na verdade, a argumentação jurídica não consiste exatamente numa técnica, mas sim na consequência natural da aplicação dos elementos interpretativos logicamente fundamentados. A reaproximação entre o Direito e a Ética promovida pelo neoconstitucionalismo, que permitiu a construção da nova interpretação constitucional por meio de princípios e conceitos indeterminados, onde a argumentação jurídica acompanha tal sistemática. Logo, segundo Carlos Roberto da Silva (2007):

Considerando que a argumentação é parte inseparável de uma decisão judicial, por meio dessa atividade, com um ou outro tipo de justificativa a solução do caso concreto será obtida. Essa escolha, ou em razão dessa escolha, abre-se o horizonte para uma nova opção, exatamente aquela do direito associado à moral, à ética e, portanto, que enfatize a dignidade do ser humano como objetivo inalienável.

Vê-se, então, que a perspectiva argumentativa enseja uma compreensão mais ampla, holística, do ordenamento jurídico, representando uma valiosa ferramenta na atualidade ao operador do direito preocupado com um Direito próximo de seu fim ideal (SILVA. 2007).


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A sociedade está em constante mutação e junto com essas alterações novos problemas surgem cada vez mais complexos. Tentando acompanhar essa onda inovadora surgiram, juntamente com o neoconstitucionalismo, novos elementos de interpretação constitucional que incidem diretamente no sistema jurídico e na forma como o Estado-juiz resolve as lides.

Notou-se com a elaboração desse artigo que a Constituição da República Federativa do Brasil apresenta elementos interpretativos que capazes de dar a flexibilização adequada diante dos casos concretos para se alcançar uma resposta juridicamente justa.

Quanto mais crescente o clamor por efetividade e pela jurisdição constitucional, a Hermenêutica jurídica inicia o processo de construção de uma resposta contemporânea para os problemas atuais e do porvir, pois um sistema interpretativo atualizado carrega em seu bojo os mecanismos de adequabilidade exigidos pelas profundas transformações que o mundo, de maneira geral, e o Brasil, em particular, sofrem. Nesse contexto os novos elementos de interpretação constitucional são reflexos dessa necessidade de adequação e podem ser utilizados de maneira efetiva pelos aplicadores do direito.


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Notas

  1. Conforme a lição do saudoso teólogo Luis Berkhof: "A palavra é derivada da palavra grega HERMENEUTIKE que, por sua vez, é derivada do verbo HERMENEUO. Platão foi o primeiro a usar HERMENEUTIKE (subentendendo-se a palavra TECHNE) como um termo técnico. Hermenêutica é, propriamente, a arte de HERMENEUEIN, mas, no caso, designa a teoria dessa arte. Podemos defini-la como a ciência que nos ensina os princípios, leis e métodos de interpretação" (BERKHOF, Louis. Princípios de Interpretação Bíblica. São Paulo: Cultura Cristã, 2000. p. 9).
  2. Muitos autores associam o termo a Hermes, o deus grego mensageiro, que trazia notícias. Hermes seria o deus, na mitologia grega, capaz de transformar tudo o que a mente humana não compreendesse a fim de que o significado das coisas pudesse ser alcançado. Hermes seria um "deus intérprete", na medida em que era a entidade sobrenatural dotada de capacidade de traduzir, decifrar o incompreensível. O termo hermenêutica ingressou na teologia protestante substituindo a expressão latina ars interpretandi (TONELLI, 2003).
  3. Além do Poder Judiciário, são legítimos (em uma ampla concepção) para interpretar a Constituição os advogados, membros do Ministério Público, integrantes dos Poderes Executivo e Legislativo e todos aqueles que se submetem aos seus ordenamentos.
  4. Optou-se por utilizar o adjetivo "tradicional" apenas para fazer contraste aos métodos mais contemporâneos de interpretação. Contudo, não há óbice para utilização do termo "clássico" ou "modelo alemão". Não obstante, não se quer aqui considerar o termo utilizado em sentido pejorativo, sinônimo de "arcaico" ou "ultrapassado".
  5. Pode-se lembrar aqui o famoso exemplo da palavra casa, no art. 5º, XI, da Constituição Federal. A não se restringe a um sentido estrito, pelo contrário, possui um significado amplo, englobando o escritório de um advogado, o consultório de um médico, uma imobiliária, e não apenas o domicílio civil – local onde se mantém residência com ânimo definitivo (STF, RT, 670:273; RTJ, 74:88, 84:302, 302, RE 331.303, AgRg/PR, Rel. Sepúlveda Pertence, j. Em 10-2-2004).
  6. Para melhor compreensão do assunto mutação constitucional recorre-se à lição didática do professor Pedro Lenza: "Reforma constitucional seria a modificação do texto constitucional, através dos mecanismos definidos pelo poder constituinte originário (emendas), alterando, suprimindo ou acrescentando artigos ao texto original. As mutações, por seu turno, não seriam alterações "físicas", "palpáveis", materialmente perceptíveis, mas sim alterações no significado e sentido interpretativo de um texto constitucional. A transformação não está no texto em si, mas na interpretação daquela regra enunciada. O texto permanece inalterado.As mutações constitucionais, portanto, exteriorizam o caráter dinâmico e de prospecção das normas jurídicas, através de processos informais. Informais no sentido de não serem previstos dentre aquelas mudanças formalmente estabelecidas no texto constitucional" (LENZA. 2006. p.60).
  7. Não se pretende aqui adentrar no contexto histórico do debate que fora desenvolvido por essas duas doutrinas. Contudo indica-se o Capítulo III, tópico 2.2 da excelente obra, já citada nesse trabalho, Curso de Direito Constitucional Contemporâneo, do ilustre professor Luis Roberto Barroso, p. 278-287.
  8. Palavras terminadas com sufixo -ismo sugerem um dogma ou ideologia a ser seguida, que possui postulados consolidados.
  9. Com relação a esse assunto indica-se o site do Instituto Brasileiro de Direito de Informática (http://www.ibdi.org.br/site) que contém artigos e jurisprudência interessantes.
  10. Ressalta-se que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.
  11. Como já foi mencionado anteriormente, o termo "elementos" é utilizado aqui genericamente. Contudo, o brilhante professor Luís Roberto Barroso utiliza tal termo como uma das espécies da divisão que faz do plano operacional de interpretação, que seria: regras de hermenêutica, elementos de interpretação e princípios específicos (BARROSO, 2009. p. 273).
  12. Para citar os mais conhecidos: Robert Alexy, Ronald Dworkin e J.J. Gomes Canotilho.
  13. Sobre o conceito dos princípios de interpretação constitucional: "Os princípios instrumentais de interpretação constitucional constituem premissas conceituais, metodológicas ou finalísticas que devem anteceder, no processo intelectual do intérprete, a solução concreta da questão posta. Nenhum deles encontra-se expresso no texto da Constituição, mas são reconhecidos pacificamente pela doutrina e pela jurisprudência. Embora toda classificação tenha um componente subjetivo, a sistematização que se segue parece ter resistido ao teste do tempo". (BARROSO; BARCELLOS. 2003. p. 299).
  14. Há quem classifique a Constituição Federal como super-rígida em virtude da existência das cláusulas pétreas, que possuem uma proteção extra no que concerne a alteração, não podendo ser excluídas.
  15. Sobre esse aspecto indica-se interessante julgado: Supremo Tribunal Federal, Pleno, ADI 1.344/ES (medida liminar), Rel. Min. Moreira Alves, DJ, 1, de 19 de abril de 1996, p. 122212.
  16. Sobre o devido processo legal substancial indica-se o artigo do Doutor em Direito Processual Civil, Paulo Henrique dos Santos Lucon, Devido Processo Legal Substancial, em Leituras Complementares de Processo Civil. 4. ed. Salvador: JusPODIVM, 2006. pp. 9-21
  17. São exemplos: notável saber, significativa degradação do meio ambiente, pluralismo político, desenvolvimento nacional, propriedade produtiva, segurança pública, interesse público, relevância e urgência, interesse social e etc.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Tiago Vasconcelos. Elementos da nova interpretação constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3009, 27 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20079. Acesso em: 26 abr. 2024.