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A compra pública sem licitação: adesão ao registro de preços.

Uma análise de legalidade e conveniência

A compra pública sem licitação: adesão ao registro de preços. Uma análise de legalidade e conveniência

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Este procedimento traz em si grande celeridade para a atividade da Administração Pública, mas esbarra em vários princípios como a isonomia entre concorrentes, a obrigatoriedade de licitar, a vinculação ao instrumento convocatório e a legalidade.

SUMÁRIO: Introdução. 1 O novo modelo de Administração Pública: eficiência, economia e agilidade. 1.1 O modelo gerencial de Administração Pública – foco no resultado. 1.1.1 Administração Pública Patrimonialista. 1.1.2 Administração Pública Burocrática 1.1.3 Administração Pública Gerencial. 1.2 O sistema de Registro de Preços como instrumento de modernização 1.2.1 Histórico do Sistema de Registro de Preços. 1.2.2 Breve noção sobre o Sistema de Registro de Preços. 1.2.3 Quais as vantagens da utilização do Sistema de Registro de Preços. 1.2.4 Uma ressalva quanto ao Sistema de Registro de Preços. 1.3 O instituto do carona como instrumento de potencialização do Sistema de Registro de Preços. 1.3.1 A demonstração de vantagem como principal condição para o carona. 1.3.2 As formas de controle sobre o carona. 1.3.3 Limites do procedimento do carona. 1.3.4 Vantagens para o fornecedor. 2 Inconstitucionalidades, ilegalidades e inconveniências da adesão à Ata de Registro de Preços. 2.1 Situação do carona frente ao princípio da legalidade. 2.2 Situação do carona frente ao princípio da obrigatoriedade da licitação. 2.3 Situação do carona frente ao princípio da vinculação ao edital. 2.4 Situação do carona frente ao princípio da isonomia. 2.5 Situação do carona frente ao princípio da concorrência. 2.6 Situação do carona frente à economicidade 2.7 Outras irregularidades do carona. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.


RESUMO

A vida em sociedade alcançou alto grau de complexidade, aumentando em muito as necessidades das pessoas. A demanda por serviços nas grandes áreas como saúde, segurança, educação, moradia, saneamento básico, urbanização, dentre outras, está cada vez maior. Conseqüência é a concorrência pelos recursos para o atendimento dessas demandas. Essa escassez de recursos em sentido inversamente proporcional às necessidades faz que com a Administração Pública procure meios de fazer cada vez mais com cada vez menos. Nesse contexto, ganha elevada importância o Princípio da Eficiência, erigido ao status constitucional em 1988 com a Emenda n° 19. Na busca pela eficiência muitas medidas têm sido adotadas, como a terceirização e a descentralização das decisões. Uma ferramenta interessante trazida com a Lei de Licitações de 1993 foi o Registro de Preços, o que traz consigo vários benefícios para a contração de bens e serviços pela Administração Pública, visto que consiste no cadastramento de preços e fornecedores para que seja efetivado o contrato de acordo com a necessidade do órgão público, sem a obrigação de contratar, dispensando a necessidade de crédito orçamentário no momento do oferecimento das propostas, tornando desnecessária a realização de sucessivas licitações, acabando (ou diminuindo) com a necessidade de manter depósitos. Enfim, sem dúvida alguma, uma grande vantagem para o Poder Público, que pode contribuir na dura tarefa de reduzir o desperdício nos gastos públicos. Buscando aprimorar este instrumento do Registro de Preços, foi editado o Decreto n. 3.931/2001, permitindo que outros órgãos que não tivessem participado do Registro de Preços aderisse à sua Ata, podendo, então, contratar com o fornecedor que apresentara a melhor proposta. Tal procedimento teria todos os benefícios do Registro de Preços, porém, multiplicado pelo número de órgãos que aderissem à Ata do Registro de Preços. Além do mais, a diferença é significativa, pois bastava uma licitação para que um número indeterminado de órgãos promovesse a contratação. É claro que este procedimento traz em si grande celeridade para a atividade da Administração Pública, o que é um dos pressupostos da eficiência, no entanto, esbarra em vários princípios constitucionais e legais como a isonomia entre concorrentes, a obrigatoriedade de licitar, a vinculação ao instrumento convocatório, a legalidade dentre outros. Isso sem falar que, quanto maior a adesão, mais vantagem deixa a Administração de obter, considerando que, se houvesse o planejamento dos órgãos para fazer a cotação de uma quantidade grande de bens ou serviços, certamente o preço oferecido seria sensivelmente menor. Este é o universo deste trabalho.

Palavras-chave: Litações Públicas; Registro de Preços; Carona; Eficiência.


INTRODUÇÃO

O tema das compras públicas pode parecer exclusivo das licitações públicas. Mas a verdade é outra. É através das compras que o Estado consome grande parte do que arrecada. Esse gasto faz toda diferença para a sociedade, visto que suas conseqüências serão sentidas por todos os indivíduos, sobretudo, os mais pobres. Mas qual seria a relação entre uma compra realizada por uma unidade do IBAMA situada no estado do Amazonas e as pessoas residentes em um município qualquer da Zona da Mata de Minas Gerais ou um município da Baixada Fluminense no estado Carioca?

No dia 15/08/2011a revista Grandes Construções [01] publicou a notícia: "Metrô de BH: 25 anos de promessas e desperdícios". A notícia conta que há 10 anos a Companhia Brasileira de Trens Urbanos liberou 24 milhões de reais para financiar estudos de viabilidade para a construção de outros dois ramais para o metrô: Barreiro/ Santa Tereza e Savassi/Pampulha. Em 2004 não houve repasse de verbas da União, ocasionando a interrupção da linha dois (Barreiro/Santa Tereza). O problema é que já havia sido gasto 60 milhões de reais, dinheiro esse que não teria como ser recuperado.

Um site [02] de notícias muito popular no Brasil, noticiou, com data de 29/08/2008, a informação de que o então Ministro da Controladoria Geral da União Jorge Hage, dissera que, pelo menos 20% dos municípios brasileiros apresentaram irregularidades graves na gestão de recursos públicos federais, número esse que alcançaria 70%, se considerem as irregularidades médias. Nas palavras do próprio Ministro,

"O índice de retorno (aos cofres) é muito baixo porque a CGU manda a auditoria para o TCU, que tem competência para buscar o ressarcimento, mas não pode exigir a tomada do bem ou do dinheiro. O Tribunal tem que mandar a cobrança para as Procuradorias, que recorrem ao Judiciário. Aí, entremos na tragédia de execução para cobranças de dívidas."

A notícia prossegue com a informação de que, em 2007, 77% das obras públicas apresentavam algum tipo de irregularidade, das quais 33% seriam irregularidades graves cuja paralisação era recomendada. Naquele ano, o TCU havia condenado 1.733 pessoas por má gestão de recursos públicos. Até junho de 2008 as condenações já haviam chegado a 1.152. O TCU considerou que, além da corrupção, os problemas estariam relacionados a irregularidades em obras públicas, necessidade de eliminação de desperdícios ou custos administrativos.

As informações acima contrastam com as divulgadas diariamente na grande mídia referentes à falta de leito em hospitais, falta de medicamentos gratuitos, falta de defensores públicos, professores em greve devido aos baixos salários, falta de estrutura para funcionamento dos órgãos de segurança entre tantos outros problemas. A sociedade brasileira não suporta mais conviver com a ineficiência da administração pública.

A relevância social, assim como o pressuposto de fato do tema, pode ser demonstrada através de simples reflexões: com os recursos do desperdício na administração pública quantos leitos de hospital poderiam ser construídos, quantas UTIs neo-natal, quantas salas de aula, quantas casas populares, quanto mais em segurança poderia ter sido oferecido em questão de segurança pública, quanto mais em assistência social poderia ser oferecido?

Daí o reconhecimento de que o problema no Brasil, atualmente, não seria falta de dinheiro, mas a ineficiência em sua aplicação. E esta constatação revela o pressuposto jurídico do tema, visto que a eficiência foi elevada ao patamar de Princípio Constitucional pela EC nº 19/1998. Buscar a eficiência da Administração Pública é forma de se buscar a efetivação de outros direitos fundamentais do cidadão. Esta é uma das razões pelas quais as compras públicas possuem tanta relevância.

A busca pela eficiência da Administração Pública situa-se no contexto do Modelo Gerencial de Administração Pública que atualmente vigora no Brasil. Entre as características desta Administração Gerencial destacam-se:

- Orientação pelo cidadão, o qual é visto como consumidor. Admite-se falar em cliente-cidadão, com foco em suas necessidades e perspectivas. A Administração reconhece que seu dever é oferecer serviços e não gerir programas;

- O reconhecimento pela Administração Pública, de que a sociedade é um campo de conflito, cooperação e incerteza, onde existe uma constante defesa de interesses e afirmação de posições ideológicas por parte dos cidadãos;

- O combate a patologias como o nepotismo e a corrupção persistem, porém, com menor ênfase para os mecanismos rígidos, haja vista que estes causam engessamento da administração pública, prejudicando a realização dos serviços públicos. O combate a tais patologias tende a ser feito através de outros instrumentos como indicadores de desempenho e controles de resultados;

- O agente público deve ter flexibilidade para delegar e decidir sobre o meio mais adequado para se alcançar os objetivos da administração;

- A descentralização, da qual algumas das ferramentas são: a privatização, a terceirização, a criação de agências, a delegação de poderes e atribuições etc;

- Incentivo à criatividade e à inovação nos procedimentos.

O crescente reclamo pelos serviços públicos, em termos quantitativos e qualitativos, aumenta a demanda do Poder Público por recursos, exigindo cada vez mais eficiência da administração pública e seus agentes. Nesse contexto é que surgem novos instrumentos para potencializar a atividade administrativa pública. Muitos instrumentos novos têm surgido para baratear, para acelerar os procedimentos, para combater o desperdício, para fazer com que o trabalho da administração pública alcance seus destinatários de modo mais eficiente. Um desses instrumentos foi o Sistema de Registro de Preços no campo das licitações.

A Lei das Licitações prevê:

Art. 15. As compras, sempre que possível deverão:

II – ser processadas através de sistema de registro de preços;

§1º O registro de preços será precedido de ampla pesquisa de mercado.

§2º Os preços registrados serão publicados trimestralmente para orientação da Administração, na imprensa oficial.

§3º O sistema de registro de preços será regulamentado por decreto, atendidas as peculiaridades regionais, observadas as seguintes condições:

I – seleção feita mediante concorrência;

II – estipulação prévia do sistema de controle e atualização dos preços registrados;

III – validade do registro não superior a um ano.

Com isso, a Administração Pública passou a dispor de um instrumento moderno de licitação, haja vista que a proposta mais vantajosa seria buscada por concorrência ou pregão, para uma compra futura e eventual. O sistema de registro de preços tem o condão de combater diretamente o desperdício na administração pública, pois, é como se fosse feito um cadastro de produtos, com seus preços e fornecedores, prontos para fornecimento a qualquer momento. As inegáveis vantagens desse sistema são: a desnecessidade de promover sucessivas licitações, principalmente as que possuam objetos parecidos, e, a desnecessidade de manutenção de estoques, evitando o desperdício e o risco que advém dos mesmos. Sem dúvida, um instrumento interessante para a modernização da atividade administrativa.

O Decreto nº 3.931, de 19/07/2001, do então Presidente Fernando Henrique Cardoso, seguindo a tendência de modernização da administração pública, regulamentou o sistema de registro de preços previsto no art. 15 da Lei nº 8.666/93. Porém, o referido Decreto foi além, instituindo que:

Art. 8º. A Ata de Registro de Preços, durante sua vigência, poderá ser utilizada por qualquer órgão ou entidade da Administração que tenha participado do certame licitatório, mediante prévia consulta ao órgão gerenciador, desde que devidamente comprovada a vantagem.

Com isso o Estado Brasileiro deu ainda mais passos no sentido da modernização nas compras públicas. Além de toda a agilidade trazida pelo sistema de registro de preços, passou-se a admitir que outros órgãos e entidades aderissem ao procedimento realizado e consolidado por órgão diverso. Criou-se a figura do "carona" nas licitações públicas.

O presente trabalho tem o condão de apontar as vantagens desse instituto do carona, pois, se o registro de preços, por si só, já tem a vantagem de não obrigar a contração, não sujeitar o órgão ou entidade aos riscos de desperdícios da manutenção de estoques e significar a possibilidade contratação a qualquer momento, o carona significa todas essas vantagens multiplicada "n" vezes, se se considerar que não existe um número limitado de órgãos ou entidades públicas que podem aderir à mesma ata de registro de preços. Evidenciando o respeito à eficiência como Princípio da Administração Pública previsto no art. 37 da Constituição Federal.

Por outro lado, ainda com maior ênfase, o presente trabalho, levanta a questão sobre as incorreções desse instituto do carona.

Em primeiro ligar, este trabalho discute a validade do art. 8° do Decreto n° 3.931/01. Adentra-se na discussão sobre a possibilidade desta espécie legislativa criar nova forma de compra e contração para órgãos e entidades da Administração Pública.

Em segundo lugar, indaga-se até que ponto a via do Decreto teria aptidão jurídica para criar uma dispensa de licitação para a administração pública.

Em terceiro lugar, estaria revogada parcialmente a Lei n° 8.666/93 no que dispõe ser possível, além dos 100% inicialmente previstos para contração, somente o montante de 25%? Pois, com o carona ou caronas, o quantitativo previsto no edital poderia alcançar número muitíssimo superior.

Em quarto lugar, a mera previsão de existência seria suficiente ou o instituto do carona careceria de melhor regulamentação? Estaria o princípio da eficiência sendo atendido? Esta discussão merece toda atenção da Administração Pública, porque a demanda de um órgão ou a de muitos pode influenciar substancialmente no preço do produto. Esta análise permitirá verificar se realmente estaria ocorrendo vantagem para o erário público.

Em quinto lugar, este trabalho pretende discutir sobre o potencial prejuízo para os demais concorrentes do certame, aqueles não vencedores no registro de preços. Será que a proposta vencedora também o seria se todos os concorrentes soubessem as quantidades reais pretendidas? Não estaria a Administração deixando de obter melhores propostas pelo fato de não se ter a certeza da quantidade de produtos a serem adquiridos? Não estaria o licitante vencedor sendo demasiadamente beneficiado em relação aos demais concorrentes?

A instrumentalização, a praticidade, a inovação, a flexibilização das formas e procedimentos representam etapa necessária à modernização das práticas administrativas públicas em busca da eficiência e do melhor atendimento às demandas sociais. Mas, até onde o Estado Brasileiro estaria disposto a chegar para alcançar esses resultados? Como se resolveriam os vários conflitos entre normas de igual ou diferente hierarquia, e os conflitos entre princípios de igual ou diferente hierarquia?

O método eleito para a elaboração deste trabalho é a pesquisa bibliográfica – legislação, doutrina, jurisprudência dos principais tribunais do País, jurisprudência administrativa do Tribunal de Contas da União, além de publicações na área.

Este trabalho não possui a pretensão de esgotar o tema, até mesmo porque o Direito é um fenômeno em construção, em constante transformação, como determinada a sociedade que lhe serve de objeto de regulação. A intenção é tão somente contribuir para o debate sobre a busca pela qualidade do gasto público, fazer mais com menos, a busca pela eficiência, conjugando tais objetivos com os princípios adotados pelo povo brasileiro na Constituição de 1988 e nas leis em vigor.


1 O NOVO MODELO DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: EFICIÊNCIA, ECONOMIA E AGILIDADE

1.1 O Modelo Gerencial de Administração Pública – foco no resultado

A administração pública pode ser entendida como a atividade do Estado, função exercida com o fim de atender ao bem comum. Administração Pública é, também, a organização estatal que se exerce funções políticas e executa serviços. Tendo como parâmetro o Estado Moderno, a Administração Pública apresenta, ao longo de sua trajetória, três diferentes formas de atuação: patrimonialista, burocrática e gerencial. A organização política se confunde com a organização administrativa. O Estado nasceu absolutista, daí o surgimento como organização patrimonial. Depois vieram as as ideias liberais e a limitação ao Estado, mostrando-se a Administração Pública uma organização burocrática. Por fim, esgotada do modelo focado em si própria, a Administração Pública assume um a organização gerencial. Portanto, observa-se duas grandes reformas administrativas.

1.1.1 Administração Pública Patrimonialista

A organização da Administração Pública teve seu período fundado no patrimonialismo devido a sua vigência no seio dos Estados absolutos, nos quais o patrimônio do monarca se confundia com o patrimônio do Estado (público). Nesse sistema, toda a máquina administrativa atua no sentido da manutenção do poder do rei. Os limites do Estado são os limites do patrimônio do monarca. Os servidores públicos são os servos do monarca, os quais, por sua vez, compunham a nobreza. O monarca presenteava alguns indivíduos com cargos para assim manter o controle sobre os órgãos e funções administrativas. O nepotismo era a regra e a corrupção inevitável.

1.1.2 Administração Pública Burocrática

A forma de organização administrativa pública anterior era marcada pela informalidade, amadorismo, nepotismo, corrupção e autoritarismo. O serviço prestado à coroa se confundia com o serviço público. A sociedade buscava o desenvolvimento, para o quê seria necessária a profissionalização do serviço público, criação da ideia de carreira pública com a presença de níveis hierárquicos, impessoalidade e um mínimo de formalidade no desempenho da função. A pedra de toque do novo paradigma é a lei, a qual todos deveriam submeter-se, inclusive o Rei (Estado).

O modelo patrimonialista coloca tudo em função do monarca, quando na verdade, era necessária uma separação: monarca e Estado. Nasce a ideia de controle para acesso aos cargos públicos, controle nas compras, controle sobre os bens. A razão de existir da Administração Pública não deveria ser a manutenção do poder real, mas a existência do Estado.

Há uma outra visão para essa mudança, qual seja, o surgimento e o fortalecimento da burguesia. O acúmulo de riqueza pelos artesãos, depois comerciantes e depois industriais, era incompatível com um Estado no qual uma pessoa ditava as regras para todas as demais. A ideia do Governo sem limites não dá segurança ao mercado.

A administração burocrática é caracterizada por:

- ser rigorosa em seus procedimentos;

- ser apegada ao formalismo;

- ser voltada para a técnica;

- ser centralizadora;

- não confiar nas pessoas, mas apenas nos processos postos;

- acreditar no controle rígido para combater o nepotismo, a corrupção e o desperdício;

- instaurar a racionalidade para garantir a impessoalidade no exercício d função.

Portanto, esse sistema é limitado por leis, orientado para dentro, pautado pela obediência e estático. É auto-regulado e paternalista, sendo a política dogmática, intervencionista e instável.

1.1.3 Administração Pública Gerencial

Antes de qualquer coisa é preciso reconhecer que o papel do Estado tem sido revisto, sobretudo após o final do século XX. Exemplo concreto é a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, onde a atenção principal do Estado se volta ao respeito dos princípios fundamentais de direitos humanos, almejando a promoção e realização dos indivíduos. A organização burocrática da Administração preocupou-se tanto em não estar submissa ao patrimonialismo que acabou se voltando exageradamente para suas próprias necessidades. Conclusão – o cidadão acabou ficando em segundo plano.

Lançado em 1995 pelo Governo Fernando Henrique Cardoso, o Plano Diretor da Reforma do Aparelho Estado possuía duas realidades muito claras: a adoção do gerencialismo e a perspectiva democrática. É possível identificar dois estágios, sendo que no primeiro foram realizadas a privatização, descentralização, desregulamentação e outros medidas, e o segundo se pautou na estruturação da capacidade administrativa institucional.

A segunda metade do século XX trouxe muitas e profundas mudanças no mundo. As guerras mundiais trouxeram muita reflexão sobre os modelos de política e de economia praticados pelos Estados. Ocorreu um processo de propagação da democracia, as sociedades ficaram mais plurais, as pessoas passaram a ser mais conscientes. Um número cada vez maior de países abriram suas economias.

Merece grande destaque o fator da globalização, a revolução da informação, mais especificamente, da propagação e do acesso à informação. Nesse contexto verificam-se mudanças tecnológicas, econômicas, sociais, culturais e políticas.

A sociedade ficou mais complexa e os cidadãos mais exigentes. A crise fiscal vivida pelo Brasil já havia atingido o patamar do absurdo. A condução da Administração Pública não poderia mais ser feita através das engrenagens caducas da burocracia, ainda com resquícios de patrimonialismo. A população estava cansada de conviver com o baixo desempenho dos serviços públicos, tanto em quantidade, quanto em qualidade. Surge a ideia do cidadão-cliente. Assim como na administração privada, o termômetro da Administração Pública também deveria ser o destinatário dos serviços, aquele que custeia a manutenção do serviço. Diante disso surgem ideias como a de focalizar no resultado, de flexibilizar os procedimentos, conferir a contraprestação pelo trabalho de acordo com a produção, entre outras.

De que adianta a democracia, a república, a consagração dos direitos fundamentais se a feição física de tudo isso, os serviços públicos, não atende aos anseios da sociedade? A reforma era necessária para se buscar a eficiência concreta do Estado Democrático.

O verdadeiro controle não é aquele que computa a existência do gasto público, mas sim, se o objetivo foi alcançado, se determinado serviço público chegou aos cidadãos. É o controle pelo resultado. Para isso, a atuação administrativa precisava se descentralizar. Através da terceirização, outras empresas passaram a realizar vários serviços que eram prestados diretamente. Serviços sociais e científicos passaram a ser realizados também por entidades não estatais (organizações sociais). Surgem as agências executivas e reguladoras para o desempenho de atividade exclusiva do Estado.

A reforma é abrangente, pois visa atender o desejo do cliente, a redução de gasto e melhorar a qualidade do serviço. A estabilidade econômica, a manutenção da inflação em patamares baixos, a estabilidade do câmbio, a flexibilização das regras de atuação entre outras, fazem parte de um conjunto de medidas para melhorar a eficiência da Administração Pública, buscando o controle do desempenho pelo resultado obtido.

O modelo gerencial da Administração Pública possui forma de atuação semelhante à do setor privado, buscando atender às necessidades do consumidor. O agente público não é investido somente para gerir programas e projetos, mas para atender à demanda da sociedade.

A Administração Pública gerencial não descuida do controle dos atos administrativos, mas ao invés de fiscalizar cada passo do processo, provocando seu retardo, exerce o controle por meio do resultado, atingimento de metas, consecução de objetivos etc.

O modelo gerencial de Administração Pública busca formas modernas de gestão para sempre alcançar os melhores resultados possíveis com o mínimo de recurso. A criatividade e a inovação passam a ser premiadas. É nesse sentido que surgem instrumentos para melhorar a qualidade do gasto público, para diminuir o tempo das decisões, para diminuir o risco das operações, enfim, para que o Estado gaste menos com o meio e mais com o fim. Dois desses instrumentos típicos dessa fase gerencial da Administração Pública, o Sistema de Registro de Preços e a Adesão à Ata de Registro de Preços, são tratados a seguir.

1.2 O SISTEMA DE REGISTRO DE PREÇOS COMO INSTRUMENTO DE MODERNIZAÇÃO

1.2.1 Histórico do Sistema de Registro de Preços

Ao contrário do que se imagina, o registro de preços não teria nascido com o atual Estatuto de Licitações. Devido ao trabalho do ilustre Professor Hely Lopes Meirelles o instrumento teria estado presente no art. 13 da Lei Paulista n. 10.395, de 17.12.1970. De qualquer forma, o registro de preços esteve previsto no art. 14, inciso II e seu §3°, do Decreto-Lei n. 2.300/86, norma editada pelo então Presidente da República José Sarney. Oportuno para sua época.

Isso mostra que o instituto não é nenhuma novidade para o País. Sua difusão e aplicação na Administração Pública é que são novas. A instabilidade econômica e a alta inflação podem ter sido os obstáculos à implantação de fato do instrumento. Imagine uma ata de registro de preços vigorando por período de um ano no seio de uma economia inflacionária! Sem estabilidade dos preços jamais teria reais condições de ser implantado o registro de preços.

A efetivação do sistema de registro de preços era ansiada pela sociedade. Numa decisão, o Tribunal de Contas da União proferiu orientação onde resolveu "recomendar à Secretaria de Administração Federal – SAF, a adoção de urgentes providências para regulamentar o sistema de registro de preços, conforme previsto no §3° do art. 14 do Decreto-Lei 2.300/86, com as alterações introduzidas pelos Decretos-leis 2.348/87 e 2.360/87". [03]

Uma suposta compra superfaturada de fardamento e roupa de cama e banho feita pelo Departamento Geral de Serviços – DGS – do Exército Brasileiro deu causa à instauração do processo 025.465/91 no Tribunal de Contas da União, cuja decisão levou o número 366/91. Este fato teria sido decisivo para a edição do Decreto n. 449, de 17.2.1992, que instituiu o Sistema Integrado de Registro de Preços (SIREP) e o Cadastro Unificado de Fornecedores (SICAF).

Esse Decreto n. 449/92 não levou o registro de preços a obter o resultado almejado, tanto que, em 21.8.1998 houve nova regulamentação. Porém, foi mesmo em 2001, com a edição do Decreto-lei n° 3.931 que o registro de preços passou a estar mais presente entre os instrumentos modernizadores nas licitações e compras públicas.

Três fatos devem ser destacados como importantes no sentido de serem reconhecidos como suporte à utilização do registro de preços:

- a Lei Complementar n. 101/00, a Lei de Responsabilidade Fiscal;

- a Medida Provisória n. 2.026, de 4.5.2000;

- a Medida Provisória n. 2.182, de 27.12.2000.

A Lei de Responsabilidade Fiscal não foi, ao contrário do muitos podem pensar, um instrumento engessador da Administração Pública, porque ela passou a exigir maior resolutividade dos agentes públicos. As medidas provisórias, por sua vez, concretizaram a objeção ao formalismo exagerado, muito presente nas licitações públicas. A norma que atualmente regulamenta o Sistema de Registro de Preços é o Decreto n° 3.931/2001

1.2.2 Breve noção sobre o Sistema de Registro de Preços

De acordo com o atual regulamento, o Decreto n° 3.931/01, Sistema de Registro de Preços – SRP – é um conjunto de procedimentos para registro formal de preços relativos à prestação de serviços e aquisição de bens, para contratações futuras. Realiza-se uma única licitação, cuja Ata de realização ficará documentada e terá validade por um ano. Dentro desse período, sempre que o órgão licitante necessitar de algum bem ou serviço dentre os registrados, bastará formalizar o contrato e requerer a entrega, quantas vezes for necessário e conveniente dentro do período de validade da Ata.

De acordo com o art. 2º do Decreto n° 3.931/01, o Sistema de Registro de Preços pode ser utilizado:

- quando, pelas características do bem ou serviço, houver necessidade de contratações frequentes;

- quando for mais conveniente a aquisição de bens com previsão de entregas parceladas ou contratação de serviços necessários à Administração para o desempenho de suas atribuições;

- quando for conveniente a aquisição de bens ou a contratação de serviços para atendimento a mais de um órgão ou entidade, ou a programas de governo;

- quando pela natureza do objeto não for possível definir previamente o quantitativo a ser demandado pela Administração.

1.2.3 Quais as vantagens da utilização do Sistema de Registro de Preços

Não exige contratação. Os bens ou serviços catalogados ficam à disposição do órgão ou entidade de acordo com as especificações do edital.

Dispõe o art. 15 da Lei n° 8.666/93:

§ 4o A existência de preços registrados não obriga a Administração a firmar as contratações que deles poderão advir, ficando-lhe facultada a utilização de outros meios, respeitada a legislação relativa às licitações, sendo assegurado ao beneficiário do registro preferência em igualdade de condições.

Uma consequência disso é a desnecessidade de previsão orçamentária. Se não há obrigação de adquirir um bem ou contratar um serviço, também não haverá obrigação de indicar o recurso para pagamento, salvo no momento da contratação.

Outra consequência é que a existência do registro de preços protege o órgão ou entidade contra as surpresas em relação ao consumo. A imprevisibilidade do consumo fica protegida quando o órgão ou entidade tem a possibilidade de contratar a qualquer momento.

O controle do volume do estoque é um desafio, pois, nas compras, buscando o melhor preço, são adquiridas grandes quantidades, assumindo o órgão o ônus de receber a mercadoria, conferir a quantidade, conferir se a mercadoria atende às especificações, e a partir daí um outro processo dispendioso para o órgão, a manutenção e o controle dos estoques. A aplicação do Sistema de Registro de Preços previne problemas com o volume do estoque, considerando que o bem ou serviço somente serão contratados quando convier ao órgão ou entidade, diminuindo riscos, desperdícios e prejuízos do armazenamento prolongado.

A realização de um processo licitatório consiste em um ato complexo: autorização, abertura de processo administrativo, indicação do recurso para a despesa, elaboração do edital e seus anexos, publicações legais, designação da comissão de licitação, do leiloeiro administrativo ou oficial, ou do responsável pelo convite, elaboração do projeto básico e/ou executivo, com todas as suas partes, desenhos, especificações e outros complementos entre outros tantos detalhes. Tudo isso significa estrutura física, recursos materiais e recursos humanos à disposição do ato de compra. Sem falar, é claro, do risco de erros, não necessariamente dolosos, mas erros comuns, seja de cálculo, seja falta previsão, seja um lapso qualquer de planejamento. Existindo o registro o registro de preços o órgão ou entidade teria tal trabalho uma única vez no período de um ano, o que em alguns casos poderia ser prorrogado por mais 12 meses. A Administração seria beneficiada pela redução do número de licitações.

Realizada a licitação, definidas as condições de fornecimento, o preço, o fornecedor e todos os detalhes para a contratação, o órgão ou entidade tende a sair favorecido na questão da agilidade nas contratações de bens ou serviços. Diante do surgimento da necessidade, o órgão formaliza o instrumento de contrato e solicita ao fornecedor a entrega do bem.

O Sistema de Registro de Preços tem a possibilidade de conferir enorme economia para a Administração Pública, tendo em vista a possibilidade de participação de outros órgãos ou entidades na licitação realizada por órgão ou entidade diversa, integrando a Ata do Registro de Preços. O órgão ou entidade deve cuidar de demonstrar ao órgão gestor o seu interesse em ser um participante, encaminhando sua estimativa de consumo, cronograma de contratação e respectivas especificações ou projeto básico. Essa possibilidade de união de órgãos em razão do registro de preços pode atrair preços consideravelmente mais baixos, proporcionando ganhos ao erário. Se o registro de preços é vantajoso para um único órgão que dele faça uso, muito mais o poderá ser se for realizado apenas uma licitação para vários órgãos em participação. As vantagens deverão ser multiplicadas pelo número de participantes. É uma economia em cascata.

1.2.4 Uma ressalva quanto ao Sistema de Registro de Preços

O planejamento deve ser uma prática presente nos órgãos e entidades que optarem por utilizar o Sistema de Registro de Preços.

A não obrigatoriedade da contratação e a manutenção dos preços registrados pelo prazo de até um ano, no mesmo patamar, tendem a não atrair os preços mais baixos. Numa licitação onde a contratação é garantida e a quantidade real, os preços ofertados tendem a ser melhores.

Definitivamente o registro de preços é um instrumento vantajoso quando se pretende uma quantidade maior de bens.

Também quando o bem não puder ser prestado no mesmo padrão para todos os participantes, não tratá vantagem para a Administração Pública. Não podendo atender a todos da mesma forma, volta-se à hipótese anterior da pequena quantidade.

1.3 O INSTITUTO DO CARONA COMO INSTRUMENTO DE POTENCIALIZAÇÃO DO SISTEMA DE REGISTRO DE PREÇOS

A regulamentação do Sistema de Registro de Preços criou outro mecanismo de agilidade e economia para a contração de bens e serviços na Administração Pública. O Decreto n. 3.931/01 disciplina:

Art. 8° A Ata de Registro de Preços, durante sua vigência, poderá ser utilizada por qualquer órgão ou entidade da Administração que não tenha participado do certame licitatório, mediante prévia consulta ao órgão gerenciador, desde que devidamente comprovada a vantagem.

§1° Os órgãos e entidade que não participaram do registro de preços, quando desejarem fazer uso da Ata de Registro de Preços, deverão manifestar seu interesse junto ao órgão gerenciador da Ata, para que este indique os possíveis fornecedores e respectivos preços a serem praticados, obedecida a ordem de classificação.

§2° Caberá ao fornecedor beneficiário da Ata de Registro de Preços, observadas as condições nela estabelecidas, optar pela aceitação ou não do fornecimento, independentemente dos quantitativos registrados em Ata, desde que este fornecimento não prejudique as obrigações anteriormente assumidas.

§3°As aquisições ou contratações adicionais a que se refere este artigo não poderão exceder, por órgão ou entidade, a cem por cento dos quantitativos registrados na Ata de Registro de Preços.

Este artigo 8º trata de uma figura que não foi contemplada inicialmente das definições do art. 1° do mesmo Diploma legal. Trata-se da figura do não–participante, que se traduz por haver um órgão ou entidade da Administração que não tenha participado dos procedimentos do SRP, mas mesmo assim pretende utilizar a Ata de Registro de Preços de outro órgão ou entidade para a contratação de bens ou serviços.

O órgão ou entidade não participante do registro de preços deverá levantar sua demanda para, a partir dela, verificar a compatibilidade com os itens da Ata. O levantamento deverá ser encaminhado ao Órgão Gestor, para que este negocie junto ao fornecedor a utilização da Ata por órgão ou entidade que não participara da licitação, respeitando o disposto no edital originário do certame.

Além de consultar o órgão gestor da licitação, o interessado em aderir à Ata em vigor deverá obter a aceitação por parte do fornecedor dono da melhor proposta para o item que interessa ao não-participante. O fornecedor deve ser consultado porque, sua aceitação não pode frustrar o atendimento dos quantitativos dos órgãos e entidades responsáveis pela licitação.

Devido à ausência de previsão, não há óbice a que órgão ou entidade se interesse por aderir à Ata de Registro de Preços de órgãos e entidades de outras esferas federativas.

Utilizando da Ata de Registro de Preços alheia, um órgão qualquer pode contratar até o limite de 100% do quantitativo previsto na própria Ata.

Para os que defendem o procedimento do carona (aquele que se aproveita do percurso de outro), ele significa que a melhor proposta estará sendo estendida a todos os órgãos ou entidades da Administração que possuam a mesma demanda em termos qualitativos, limitada, a quantidade, à demanda expressa no edital.

O escritor e professor Jorge Ulisses Jacoby Fernandes [04] afirma que a Constituição Federal de 1988 instaurou o princípio da licitação nas aquisições públicas, mas que em nenhum momento determinou que cada contratação deveria estar vinculada a uma única licitação. Não há determinação que exista uma licitação para cada contrato.

Segundo os defensores do carona, o órgão ou entidade pública deveria, antes de realizar uma licitação, verificar se existe, em outro órgão ou entidade pública, da mesma ou de outra esfera de governo, um registro de preços que contenha o bem almejado, que tenha oferta com comprovada vantagem sobre o preço praticado no mercado.

Tendo esse cuidado, o órgão ou entidade estaria economizando recursos na operacionalização de um processo de escolha. Sob esse aspecto, o foco sairia do processo e estaria voltado ao interesse público, que é o que realmente deve ser buscado. Seria o fim prevalecendo sobre a forma.

1.3.1 A demonstração de vantagem como principal condição para o carona

Para que um órgão ou entidade da Administração Pública faça uso da Ata de Registro de Preços de órgão diverso sem que tenha participado da licitado, mais do que autorização do órgão gestor, mais do que aceitação do fornecedor, será preciso demonstrar que a operação será vantajosa para si próprio. É o dizer do Decreto n° 3.931/01:

Art. 8º A Ata de Registro de Preços, durante sua vigência, poderá ser utilizada por qualquer órgão ou entidade da Administração que não tenha participado do certame licitatório, mediante prévia consulta ao órgão gerenciador, desde que devidamente comprovada a vantagem.

O órgão interessado em aderir à Ata de Registro de Preços deve proceder à pesquisa a fim de comparar o preço praticado no mercado e o registrado. Teoricamente, mesmo se os preços forem iguais, a adesão à Ata alheia seria vantajosa, tendo em vista o custo indireto da licitação.

1.3.2 As formas de controle sobre o carona

A sistemática do controle tornou-se central na Administração Pública, e em alguns momentos ganhando maior relevância que a própria política pública ou programa de Governo. De qualquer forma ele é necessário e é um fato. Assim como todo e qualquer ato administrativo, o procedimento do carona está sujeito a todos os modernos mecanismos de controle: autotutela, tutela, invalidação (se contiver vício de legalidade), revogação (se deixar de ser conveniente), questionamento pela via administrativa e questionamento pela via judicial. Todos os agentes públicos que já dedicam a exercer atividades de fiscalização sobre a Administração Pública também o fazem sobre o carona: Polícia Federal, Ministério Público, Tribunais de Contas, Auditorias e Controle Internos etc.

Esta obrigação legal de demonstração de vantagem funciona como verdadeiro instrumento de controle sobre o procedimento da adesão à Ata.

Importante mecanismo de controle é a abertura para que qualquer pessoa, qualquer contribuinte, atue na defesa do erário. É o que dispõe o art. 15 da Lei n° 8.666/93, que no §6° deixa claro que "Qualquer cidadão é parte legítima para impugnar preço constante do quadro geral em razão de incompatibilidade desse com o preço vigente no mercado". A informação, venha de onde

Seja qual for a origem da informação a respeito do preço registrado poderá desencadear outros mecanismos de controle previsto no Decreto n° 3.931/01, que lhe permitirá evitar prejuízos ao erário, nos termos do art. 12:

- a Ata de Registro de Preços pode sofrer alterações, nos termos do art. 65 da Lei n° 8.666/93;

- a redução dos preços praticados no mercado ou a ocorrência de fatos que provoquem a elevação do preços dos bens ou serviços registrados, permite que o órgão gerenciador convoque os fornecedores para negociação;

- se a negociação não obtiver sucesso, o órgão gerenciador poderá liberar o fornecedor do compromisso;

- por fim, a Ata deve ser revogada e outras medidas adotadas para a obtenção de proposta mais vantajosa.

Numa análise otimista, o carona se mostra como um inibidor de ofertas com preços altos, superando a licitação convencional. A razão é a possibilidade de advir demanda muito superior à inicialmente prevista, possibilitando um aumento substancial no fornecimento.

O procedimento da adesão à Ata de Registro de Preços estaria assim, permitindo um controle gerencial da licitação, considerando que passa pela autorização de outro órgão, pela aceitação do fornecedor, pela demonstração de vantagem, sujeita-se à impugnação de qualquer cidadão e, com a dinamização da publicidade, cada vez mais outros órgãos e agentes tendem a voltar seus olhares par o registro de preços, seja para buscar uma proposta mais vantajosa, seja para fiscalizar. De fato se mostra mais voltado para o resultado do que o procedimento tradicional.

1.3.3 Limites no procedimento do carona

A quantidade de bens ou serviços prevista na Ata de Registro de Preços representa o limite para a aquisição por parte do carona. Cada órgão que desejar aproveitar do registro de preços de outro órgão somente poderá contratar até 100% da quantidade prevista na Ata de Registro de Preços. A adesão se dará até o limite máximo previsto na Ata, ou seja, a intenção de adquirir 100 armários para alunos poderá ser efetivada com uma Ata que tenha licitado, pelo menos, o mesmo número de armários.

O carona está sujeito às mesmas condições do edital original da Ata, para entrega, para pagamento e todas as outras cláusulas.

1.3.4 Vantagens para o fornecedor

Ao final dessas poucas linhas sobre o carona, deve ficar claro que esse procedimento favorece consideravelmente o fornecedor, haja vista a possibilidade de, permanecendo o preço registrado adequado e sendo vantajoso para a Administração, aquele poderá ser beneficiado com a prorrogação da Ata por mais 12 meses.

Cabe aqui uma ponderação, que é a inexistência de previsão sobre limite no número de caronas que uma mesma Ata poderá ter. Existem recomendações sobre a necessidade dessa regulamentação, mas que até o presente momento não se tornaram norma.

A outra vantagem, a toda evidência, é a possibilidade de estender suas vendas a um sem número de órgãos e entidade caronas. Este é sempre o objetivo de todo comerciante.


2 INCONSTITUCIONALIDADES, ILEGALIDADES E INCONVENIÊNCIAS DA ADESÃO À ATA DE REGISTRO DE PREÇOS

2.1 SITUAÇÃO DO CARONA FRENTE AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

O formato liberal do Estado nasceu para atender aos interesses da sociedade moderna, que não se contentava mais com o absolutismo. O direito de propriedade jamais seria possível ante o risco constante de confisco. O acúmulo de riquezas por parte da burguesia sempre estaria comprometido diante da inexistência de limites do Estado Absoluto. Alguns historiadores e estudiosos acreditam que esse tenha sido o aspecto mais forte da liberdade que tenha motivado a Revolução Francesa, a mais emblemática dentre todas as revoluções do século XVIII. A participação população sempre foi importante, mas, os responsáveis maiores eram aqueles que desejam participar das decisões políticas do Estado, aqueles que desejam liberdade para contratar livremente entre si e com terceiros, aqueles que não queriam correr o risco de perder os bens em favor do "interesse do Estado". Tudo isso é de fácil constatação quando, no estudo da primeira geração de direitos descobre-se que se caracterizam pelo aspecto limitador, pela obrigação negativa do Estado de não interferir na liberdade do cidadão, pela possibilidade do cidadão fazer tudo aquilo que a lei não proíbe e o Estado somente fazer aquilo que a lei lhe permite. Assim, o liberalismo consolidou o que se chama de Estado de Direito, o qual tem como pilares:

- o império das leis,

- a divisão de poderes e

- o enunciado de direitos fundamentais.

Os direitos fundamentais limitam a ação do Estado sobre as pessoas. A divisão dos poderes sepulta a idéia de alguém que esteja acima aos demais membros da sociedade, e ainda, cria a obrigação de fiscalização entre os poderes, que é uma verdade grande forma de controle. Mas é a existência das leis e o respeito a elas, que irá conferir segurança para os demais pilares.

É claro que leis já existiam, porém, o componente diferenciador é a lei como obra da democracia e não imposta pelo Estado. Esse novo formato de Estado mostrava-se mais condizente com o Direito Natural e Universal do ser humano. A característica de generalidade da lei harmonizava-se com a razão. A generalidade, por sua vez, é que assegura a igualdade.

De todas as decisões políticas emanadas do Estado, a lei é a mais significativa. Não se está referindo à lei como qualquer ato emanado de qualquer órgão ou autoridade pública, pois se assim for, a liberdade do cidadão estará seriamente comprometida. A limitação não é incompatível com a liberdade, desde que seja criada mediante processo legítimo. Lei é um ato político oriundo de órgão legislativo eleito pelo povo, elaborado mediante processo previsto na Constituição Federal, elaborada também por representantes do povo. Fora disso, a limitação imposta aos cidadãos não é legítima.

A legalidade preserva a incolumidade da vontade dos indivíduos, presente nas leis que livremente as pessoas escolheram para respeitar. Nisto repousa a segurança das relações jurídicas estabelecidas na sociedade.

Estas poucas palavras sobre lei introduzem o debate sobre a legalidade do procedimento do carona, vez que o Estatuto das Licitações, a Lei n° 8.666/93, nada prevê a seu respeito. A adesão à Ata de Registro de Preços alheia nasceu de um Decreto Federal, o de n° 3.931/01.

Qual é o poder normativo de um Decreto Presidencial? O decreto do Chefe do Poder Executivo nem sequer figura como uma espécie legislativa dentre as previstas no art. 59 da Constituição Federal de 1988. O Decreto Presidencial é um regulamento. É um ato normativo sim, mas não tem o poder de criar ou suprimir direitos, não pode contrariar o que está posto na lei. O Decreto Presidencial não constitui ato produzido pelo Poder Legislativo, não é lei, não pode inovar a ordem jurídica. É uma cadeia: a lei se pauta na Constituição, o decreto se pauta na lei. O decreto é o meio pelo qual o Chefe do Poder Executivo pratica suas atribuições quando se refere a disposições gerais. Não existe o dever e nem o poder conferido ao Presidente da República de suprir eventuais lacunas de lei. Atente-se que, no caso em apreço, nem se pode falar de vazio legislativo.

Como forma de embasar o ato, o Decreto n° 3.931/01 menciona atender ao disposto no art. 84, VI, "a", da Constituição Federal de 1988. O referido dispositivo constitucional aduz ser competência do Presidente da República dispor, mediante decreto, sobre a organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de cargos públicos. O que a Constituição Federal fez foi proporcionar um instrumento para uso do Presidente no exercício de sua função de administrador. É o gerente que organiza, fiscaliza e mantém o funcionamento de um órgão ou entidade. Trata-se da obrigação de normatizar o que já existe, colocar pessoas e coisas nos seus devidos lugares para melhor atender à coletividade. Isso nada tem a ver com a edição de lei.

A complexidade do processo legislativo é, também, uma forma de assegurar que a ordem jurídica não estará sujeita às ingerências dos detentores do poder.

Tanto em seu conteúdo quanto em sua forma, o carona é contrário à lei. Quanto à forma as razões são as acima expostas, e quanto ao conteúdo, contraria a própria Lei n. 8.666/93 que dispõe de maneira taxativa as hipóteses em que a Administração poderá contratar sem licitação.

Dessa forma, a adesão à Ata de Registro de Preços constitui procedimento, a par de sua celeridade, que não encontra guarida na ordem jurídica brasileira.

2.2 SITUAÇÃO DO CARONA FRENTE AO PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE DA LICITAÇÃO

O art. 37 da Constituição Federal determina que:

XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o que somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações;

A Lei n° 8.666/93 dispõe que:

As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta lei.

Licitar é regra. Os arts. 24 e 25 da Lei n° 8.666/93 trazem as hipóteses de dispensa e inexigibilidade da licitação. Não se pode esquecer o caráter de ordem pública presente nas normas que regulam os atos da Administração Pública. O próprio Estado deve zelar pelo respeito e obediência a tais normas.

O carona trouxe é hipótese de dispensa de licitação, contrariando a Constituição Federal, contrariando o Estatuto das Licitações.

2.3 SITUAÇÃO DO CARONA FRENTE AO PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO AO EDITAL

O art. 3° da Lei n° 8.666/93 contempla a vinculação ao instrumento convocatório como um dos princípios básicos da licitação. Através do edital está aberta a concorrência para a contratação com a Administração Pública. No edital estarão as especificações do objeto e as condições do contrato. Portanto, o edital não é somente a lei da licitação, mas o é também do contrato. O desvio das cláusulas do edital pode trazer conseqüências graves e até nulidade da licitação ou do contrato. Olhando sobre esse prisma, qual mais sujeito a desvios está a contratação por carona, a qual nem sequer dispõe de edital?

O art. 40 da Lei nº 8.666/93 descreve o edital, determinando o que deve conter desde o preâmbulo até os anexos. O edital deverá informar de maneira clara o objeto da licitação, seu preço estimado e a quantidade prevista, o que norteará a contratação. A adesão à Ata de Registro de Preços contraria o ato convocatório porque a contratação que se dá por meio dela excede às previsões do edital, e mais, são contratações que se realizam sem qualquer publicidade. Aquilo que não estava previsto no edital não pode ser contratado.

A ausência de edital é danosa para o controle das compras feitas pela Administração Pública. Dispõe a Lei n° 8.666/93:

Art. 41. A Administração não pode descumprir as normas e condições do edital, ao qual se acha estritamente vinculada.

§1° Qualquer cidadão é parte legítima para impugnar edital de licitação por irregularidade na aplicação desta lei, devendo protocolar o pedido até 5 (cinco) dias úteis antes da data fixada para a abertura dos envelopes de habilitação, devendo a Administração julgar e responder à impugnação em até 3 (três) dias úteis, sem prejuízo da faculdade prevista no §1° do art. 113.

§2° Decairá do direito de impugnar os termos do edital de licitação perante a Administração o licitante que não o fizer até o segundo dia útil que anteceder a abertura dos envelopes de habilitação em concorrência, a abertura dos envelopes com as propostas em convite, tomada de preços ou concurso, ou a realização de leilão, as falhas ou irregularidades que viciaram esse edital, hipótese em que tal comunicação não terá efeito de recurso.

No caso do carona, em que momento poderia o cidadão impugnar o edital? Em que momento os outros licitantes poderiam impugnar o edital, considerando que não existem outros licitantes? Na verdade, nem existe edital a ser impugnado no órgão que contrata como carona. Dessa forma, os controles mais legítimos que existem, que seriam o do cidadão e o do próprio participante, restam prejudicados no procedimento do carona.

2.4 SITUAÇÃO DO CARONA FRENTE AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA

Vale a pena trazer novamente a disposição do art. 37 da Constituição Federal de 1988 que determina a realização de licitações:

XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública eu assegure igualdade de condições a todos os concorrentes ...

Corroborando a disposição acima, a Lei n° 8.666/93 dispõe:

Art. 3° A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

A licitação apresenta-se como um dos instrumentos que materializam o Brasil que está se tentando construir, democrático e de oportunidades iguais para todos. Desde a Revolução Francesa ouve-se muito mais falar em liberdade do que em igualdade. Isso porque a primeira se harmoniza com o espírito liberal e o acúmulo de poder e capital, enquanto que a igualdade é que de fato significa a base da democracia. O regime igualitário não suporta privilégios e diferenciações. A igualdade aborrece aqueles que aspiram pela dominação.

Ao lado da proposta mais vantajosa para a Administração, a igualdade é uma das colunas que justificam a existência do processo licitatório. A isonomia ganha contornos muito mais importantes nos dias atuais, onde se veiculam diariamente pela imprensa denúncias de favorecimento em compras e contratações públicas.

Tamanha é a preocupação do Estatuto das Licitações com a igualdade que ao longo do seu texto constam vários dispositivos buscando garanti-la, propiciando oportunidade a todos que quiserem participar:

Art. 3°

§1° É vedado aos agentes públicos:

I – admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato;

II – estabelecer tratamento diferenciado de natureza comercial, legal, trabalhista, previdenciária ou qualquer outra, entre empresas brasileiras e estrangeiras, inclusive no que se refere à moeda, modalidade e local de pagamentos, mesmo quando envolvidos financiamentos de agências internacionais, ressalvado o disposto no parágrafo seguinte e no art. 3° da Lei n. 8.248, de 23 de outubro de 1991.

Art. 30.

§5º É vedada a exigência de comprovação de atividade ou de aptidão com limitações de tempo ou de época ou ainda em locais específicos, ou quaisquer outras não previstas nesta Lei, que inibam a participação na licitação.

Art. 42.

§1° Quando for permitido ao licitante estrangeiro cotar o preço em moeda estrangeira, igualmente o poderá fazer o licitante brasileiro.

§3° As garantias de pagamento ao licitante brasileiro serão equivalentes àquelas oferecidas ao licitante estrangeiro.

§4° Para fins de julgamento da licitação, as propostas apresentadas por licitantes estrangeiros serão acrescidas dos mesmos gravames conseqüentes dos mesmos tributos que oneram exclusivamente os licitantes brasileiros quanto à operação final de venda.

§6° As cotações de todos os licitantes serão para entrega no mesmo local de destino.

Art. 90. Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação. Pena – detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

A igualdade entre os licitantes deve ser assegurada em todos os atos do procedimento licitatório. O carona não se preocupa com isso, se se considerar que o licitante vencedor em determinado certame, numa determinada época, numa situação específica, terá a prerrogativa de contratar com um número ilimitado de órgãos públicos sem concorrer com ninguém.

2.5 SITUAÇÃO DO CARONA FRENTE AO PRINCÍPIO DA CONCORRÊNCIA

A isonomia preconizada pela Lei das Licitações tem como um de seus sinônimos a competição e a concorrência.

Imagine um registro de preços realizado por uma Universidade Federal para a aquisição de 20 mil resmas de papel. Depois de pronta e encerrada a licitação e a compra usando da adesão à Ata de Registro de Preços da primeira, outra Universidade decide comprar 10 mil resmas de papel; um Ministério decide comprar 20 mil resmas de papel; 10 Institutos Federais decidem comprar mais 20 mil resmas de papel cada um. Assim, uma licitação que pretendia a compra de 20 resmas de papel acaba sendo utilizada para comprar 250 mil resmas de papel.

Pode até ser que o preço cotado inicialmente se mostrasse vantajoso. É impossível não concluir a enorme vantagem do licitante vencedor na licitação originária, o qual havia feito oferta para vender 20 mil resmas de papel e acabou sendo beneficiado com a venda de outras 230 mil resmas de papel.

Será que as ofertas para o fornecimento de 20 mil resmas de papel seriam melhores do que as ofertas para o fornecimento de 250 mil resmas de papel?

Todos os licitantes não vencedores ficam prejudicados, pois o preço ofertado para um quantidade mais de 1000 vezes superior ao previsto, poderia ser mais atraente do que o preço do licitante vencedor.

A venda de 250 mil resmas de papel poderia interessar empresas mais sólidas no mercado, aptas a praticar preços consideravelmente mais baixos.

Os concorrentes não são tratados igualmente. A competição acontece uma única vez para quantidade determinada, mas tem a possibilidade de ocorrer infinitas vezes. A vantagem de um concorrente sobre os outros é notória e muito grande.

Ao lado desse ataque à livre concorrência, ocorre um ataque ao Princípio da Impessoalidade, presente tanto no art. 37 da Constituição Federal quanto no art. 3° da Lei n° 8.666/93. Esse princípio determina que os atos públicos sejam direcionados a todos os cidadãos indistintamente, sem a manifestação de preferência de uns sobre outros. Nesse sentido, a impessoalidade toma como significado a imparcialidade.

Enfim, não há igualdade no carona.

2.6 SITUAÇÃO DO CARONA FRENTE À ECONOMICIDADE

Ao lado da isonomia entre os licitantes, o outro pilar das licitações é a procura da proposta mais vantajosa para a Administração Pública, conforme disposição do art. 3° do Estatuto das Licitações.

Tome-se o mesmo exemplo do item anterior, no qual um registro de preços para a aquisição de 20 mil resmas de papel possibilitou a aquisição de 250 mil resmas de papel. Qualquer dona de casa conhece essa equação e a põe em prática todos os dias nas feiras de todo o País. Quando se vai comprar uma quantidade pequena de bens, o comerciante dá seu preço, porém, quando o consumidor se dispõe a comprar uma quantidade maior, o comerciante propõe um preço melhor. No exemplo das resmas de papel, quanto a Administração não teria deixado de economizar comprando 250 mil resmas pelo preço de cotação de 20 mil resmas?

É impossível não verificar o conflito com o princípio da proposta mais vantajosa. O ganho pela aquisição de bens em escala que deveria ser auferido pela Administração Pública, no procedimento do carona é totalmente transferido para o particular.

O Acórdão 1487/2007 do Tribunal de Contas da União enfrentou a questão do carona e outra não foi a constatação, senão a de que tal procedimento fere princípios como o da isonomia, concorrência, e também, atinge em cheio a busca da proposta mais vantajosa para a Administração:

7. Refiro-me à regra inserida no art. 8°, §3°, do Decreto n° 3.931, de 19 de setembro de 2001, que permite a cada órgão que aderir à Ata, individualmente, contratar até 100% dos quantitativos ali registrados. No caso em concreto sob exame, a 4ª Secex faz um exercício de raciocínio em que demonstra a possibilidade real de a empresa vencedora do citado Pregão 16/2005 ter firmado contratos com 62 órgãos que aderiram à ata, na ordem de 2 bilhões de reais, sendo que, inicialmente, sagrou-se vencedora de um único certame licitatório para prestação de serviços no valor de R$ 32 milhões. Está claro que essa situação é incompatível com a orientação constitucional que preconiza a competitividade e a observância da isonomia na realização das licitações públicas.

8. Para além da temática principiológica que, por si só já reclamaria a adoção de providências corretivas, também não pode deixar de ser considerada que, num cenário desses, a Administração perde na economia de escala, na medida em que, se a licitação fosse destinada inicialmente à contratação de serviços em montante bem superior ao demandado pelo órgão inicial, certamente os licitantes teriam condições de oferecer maiores vantagens de preço em suas propostas.

Apesar da separação em órgãos e entidades, a Administração Pública é uma só. O contribuinte é o mesmo. O trabalhador e o consumidor que financiam a educação são os mesmos que financiam a segurança pública, as obras do PAC e as construções de pontes. Atualmente já se tem a convicção de que o maior problema do Brasil não é a falta de dinheiro, mas o mau uso dele. Isso prejudica o atendimento da demanda do povo por serviços na área social, saúde, segurança, moradia, educação etc.

2.7 OUTRAS IRREGULARIDADES DO CARONA

O procedimento do carona abre possibilidade para que haja violação da proibição de exigir bens de determinada marca, contida no art. 7°, §5°, da Lei n° 8.666/93, salvo nos casos em que for tecnicamente justificável. Um órgão ou entidade de posse da Ata de Registro de Preços de outro órgão tem plenas condições de escolher o material de determinada marca. Ou ainda, um órgão pode fazer busca pelas Atas de outros órgãos à procura de bens com especificações e marcas determinadas.

Outra regra contrariada pelo carona é a disposta no art. 20 da Lei das Licitações que determina que as mesmas devem ser realizadas no local onde se situar a repartição interessada. Muitos motivos podem ser invocados como justificativa para tal disposição, como o desenvolvimento local, a diminuição do tempo gasto para a entrega, a minimização dos riscos do transporte. Porém, o que a Lei das Licitações não quis ofender foi a autonomia dos órgãos e entidades, os quais, através do carona, delegam a outros órgãos uma tarefa estratégica que é a licitação.

O Brasil caminha para um momento de transparência e não aceitação de condutas suspeitas. O carona, quando nada, expõe a sério risco a probidade e a impessoalidade das contratações públicas. O que nasceu para ser objetivo e vinculado, com o carona se torna extremamente subjetivo. A discricionariedade do agente público com o carona é muito grande. O agente decide a hora de contratar, o que contratar, com quem contratar e a quantidade, mesmo que tais situações não estivessem no planejamento do órgão. Com todas essas possibilidades cresce a possibilidade de ocorrência de tráfico de influência, favorecimento pessoal, atendimento a lobby e tantas outras situações.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Brasil (assim como o mundo) vive um momento de mudanças no direito administrativo, principalmente após a Magna Carta de 1988. O Estado, na condição de administrador do patrimônio público e dos serviços públicos, tem sido cada vez mais pressionado pela sociedade e até mesmo por organismos internacionais, que têm exigido um Estado mais justo e eficiente.

No final do século XIX tem-se o marco da primeira reforma administrativa, quando foi encerrado o ciclo da Administração Pública Patrimonialista, própria de um governo absolutista, no qual o patrimônio do Estado se confundia com o patrimônio do rei, assim como os servidores públicos o eram também da coroa. Doravante surgiu a Administração Pública Burocrática, adequada a um Estado Liberal, marcada pelo autorreferenciamento. A burocracia estaria encarregada de manter a racionalidade, a combater a corrupção, o nepotismo e práticas semelhantes. Para se contrastar ao regime anterior, cujo referencial era a vontade do rei, a administração burocrática se pautava no formalismo, rigidez e rigor dos procedimentos. O problema é que isso tudo não garantia que os cidadãos teriam uma vida melhor.

Na segunda metade do século XX tem início a segunda reforma administrativa, nascendo a Administração Pública Gerencial, que passa a ter como referência, não o governante, nem os procedimentos, mas o cidadão. Este é reconhecido como cliente de toda ação administrativa, e que tudo o que era feito deveria tornar a vida daquele melhor. Esse é o fim último da Administração. A Administração Pública Gerencial se preocupa com os resultados, com as estatísticas de desempenho. Nisso reside a busca mais específica pela eficiência.

Nesse contexto é que são verificadas várias medidas para se alcançar esta eficiência, tais como a adoção de princípios próprios da ciência da administração, descentralização, a flexibilização das formas, criação de agências, a terceirização de serviços e mãos-de-obra, controle social, exigência de respeito a princípios e valores democráticos pela Administração e tantas outras coisas.

É interessante observar os caminhos trilhados pelo gerencialismo no Brasil. Alguns dos maiores escândalos de corrupção já ocorridos no País, o foram nos últimos oito anos. O Governo persegue a estabilidade da moeda e o controle da inflação. Conclusão: tanto a atual Presidenta da República, quanto seu antecessor, gozam da simpatia da sociedade, tendo em vista os resultados na área econômica.

Assim, mecanismos modernos e inovadores têm sido lançados e utilizados pela Administração Pública para alcançar resultados. Um deles foi o registro de preços, previsto no art. 15 da Lei 8.666/93, através do qual a Administração Pública obtém um cadastro de fornecedores e preços de determinados bens ou serviços conforme especificações de um edital, sendo este procedimento literalmente compensatório, pois não carece de previsão orçamentária, atende à eventuais surpresas do consumo, permite a manutenção de estoques de volume reduzido, exige certo planejamento do órgão tendo em vista a existência de prazo de vigência da ata, reduz o número de licitações e confere celeridade às contratações. Portanto, não há dúvida de que se trata de instrumento idôneo a ser utilizado pela Administração Pública.

Apoiado na inovação do registro de preços, através do Decreto n°3.931/01, surgiu a possibilidade de adesão ao registro de preços por órgão não-participante da licitação. Utilizando-se de licitação já realizada por determinado órgão, qualquer órgão do País poderia contratar, desde que demonstrasse a vantagem.

O problema é que a adesão à ata de registro de preços de outro órgão atenta contra o princípio da obrigatoriedade da licitação e vinculação ao instrumento convocatório. Ignora a exigência de imparcialidade, impessoalidade, isonomia e concorrência entre os fornecedores, por ter o vencedor a prerrogativa de realizar centenas de contratações com o Poder Público não previstas inicialmente e pelas quais os demais fornecedores não tiveram oportunidade de fazer propostas. O Carona é um golpe nas contas públicas, na economicidade, visto que, a maior quantidade de aquisições, que deveria ser motivo de maiores vantagens para o erário público, é transferida para o fornecedor, que, pelo preço comum para quantidade determinada, pode vir a fornecer quantidade muitíssimo superior. A adesão à ata de registro de preços abre a possibilidade para os órgãos escolherem determinadas marcas para contratação, ou mesmo escolherem determinadas empresas para contratação. A discricionariedade do agente público com o carona torna esse procedimento muito exposto à corrupção.

Como se não bastasse os vícios já expostos, o carona padece de um vício de legalidade, pois cria uma forma de dispensa de licitação, quando somente a lei, ato oriundo do processo legislativo, poderia tê-lo feito.

Por fim, mesmo que o carona fosse instituído por lei, mesmo que um Projeto de Lei o inserisse no mundo jurídico, ainda sim permaneceriam vícios constitucionais e legais insanáveis.

A Administração Pública e a sociedade não podem achar que a eficiência é um fim em si mesma, que se trata de um princípio a ser alcançado a qualquer preço. O Brasil tem vivido momento em que, para alcançar objetivos intermediários, princípios seculares ou disposições constitucionais têm sido simplesmente ignorados. É o mesmo que demolir uma casa por causa de uma janela. É o que acontece com o procedimento do carona, o qual usa do argumento da eficiência, mas que na verdade não está tão próximo a ela.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BRASIL. Decreto n° 3.931, de 19.9.2001 – Regulamenta o sistema de registro de preços.

BRSIL. Lei n° 8.666, de 21.6.1993 – Regulamenta o art. 37, XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24ª ed., São Paulo, Atlas, 2011.

MATIAS-PEREIRA, José. Curso de Administração Pública: foco nas instituições e ações governamentais. 3ª ed., São Paulo, Atlas, 2010.

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SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27ª ed., São Paulo, Malheiros, 2006.


Notas

  1. www.grandesconstrucoes.com.br
  2. www.notícias.uol.com.br
  3. TC 019.708/90-4, DOU de 22/10/91, p. 23.181.
  4. Carona em sistema de registro de preços: uma opção inteligente para redução de custos e controle. Disponível em: <http://www.jacoby.pro.br/Carona.pdf>. Acesso em: 10 set 2011.

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GOMES, André Luís da Silva. A compra pública sem licitação: adesão ao registro de preços. Uma análise de legalidade e conveniência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3103, 30 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20749. Acesso em: 19 abr. 2024.