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Análise das ações afirmativas à luz do princípio da igualdade

Análise das ações afirmativas à luz do princípio da igualdade

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As ações afirmativas objetivam maior convivência com a diversidade; eliminar o racismo institucional e as barreiras artificiais e invisíveis; reparar danos causados a grupos no passado e no presente; concretizar o princípio do pluralismo; criar personalidades emblemáticas; e fortalecer a consciência de que pertencemos todos a uma comunidade política comum.

As ações afirmativas objetivam maior convivência com a diversidade; eliminar o racismo institucional e as barreiras artificiais e invisíveis; reparar danos causados a grupos no passado e no presente; concretizar o princípio do pluralismo; criar personalidades emblemáticas; e fortalecer a consciência de que pertencemos todos a uma comunidade política comum.

Sumário: 1 INTRODUÇÃO. 2 IGUALDADE FORMAL E IGUALDADE SUBSTANCIAL. 3 AÇÃO AFIRMATIVA. 3.1 Origem. 3.2 Conceito. 3.3 Natureza. 3.4 Objetivos . 4. DAS AÇÕES AFIRMATIVAS FRENTE AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE. 4.1 Racismo, Preconceito e Discriminação. 4.2 Discriminação legítima e Discriminação ilegítima. 4.3 Análise dos argumentos contrários às Ações afirmativas . 4.4 Análise das ações afirmativas frente ao princípio constitucional da igualdade. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


1. INTRODUÇÃO

As ações afirmativas são políticas, públicas ou privadas, que pretendem neutralizar discriminações. Por meio dessas políticas, disponibilizam-se para um dado grupo desfavorecido, vantagens não extensíveis a outros integrantes da sociedade.

Com efeito, as ações afirmativas são instrumentos, direcionados para as minorias sociais, que objetivam a promoção da igualdade material ou substancial.

Na terminologia do direito europeu, tais ações são denominadas “discriminações positivas”.

Sublinhemos, desde logo, que usaremos o termo “minoria” neste trabalho para qualificar juridicamente os grupos em relação aos quais constatamos, quando comparados a outros, que possuem um "cabedal menor de direitos" assegurados.

Portanto, no enfoque que adotaremos, “maioria” é o grupo dominante, detentor das riquezas e do poder.  Já o termo “minoria”, usaremos para definir grupos com caracteríticas culturais ou físicas desvalorizadas pela sociedade em geral, desencadeando um "processo de exclusão e discriminação".

Nada obsta que uma minoria compreenda um contingente que supera em número o que é tido por maioria. Trata-se, portanto, de conceito que independe de amplitude quantitativa. Simplificando a questão, o critério para identificar as minorias é a vulnerabilidade. 

Constituem-se como minorias no Brasil, grupos relacionados às questões de gênero, idade, etnia/raça, religiosidade, compleição física, além dos homossexuais, portadores de doenças estigmatizantes, os povos indígenas, as comunidades ciganas, entre outros.

São várias as medidas com o intuito de reparar as perdas decorrentes da marginalização desses grupos minoritários. Entre elas, têm-se ações que ocorrem sem causar danos a terceiros, como é o caso da aposentadoria da mulher com menor tempo de contribuição e de idade (arts. 40, § 1º, III, a e b, e 201, § 7º, I e II, CF).

  Há, entretanto, medidas que causam danos a outras pessoas. Isso porque  nestas, o que é dado a alguém, é retirado de outrem. O favorecimento de  uns implica, necessária e imediatamente, a exclusão dos demais.

  Ou seja, o que acontece é que se seleciona uma categoria de pessoas a serem premiadas com certas vantagens, que, se não fossem as discriminações reversas, seriam disputadas por um grupo maior.

 Deste modo, um segmento da população se beneficia, enquanto outro - de qualificação igual ou superior - é preterido.

Tendo isso em vista, muitos são os que se opõem a política de ações afirmativas. Pois, como relatado, ela pode gerar uma “discriminação reversa”.  Esta expressão é muito difundida na doutrina norte-americana.

Uma das formas mais conhecidas da “discriminação reversa” é a quota mínima para participação de minorias raciais, a exemplo das adotadas para ingresso nas Universidades Federais.

Integrantes da maioria, não necessariamente culpados pela discriminação sofrida no passado por grupos minoritários, têm suas oportunidades diminuídas em função da reserva minoritária. Esse raciocínio foi denominado “argumento das pessoas inocentes”, Tal expressão também é oriunda da doutrina norte-americana.

Apesar de admitirmos a existência de um suporte fático das ações afirmativas, precisamos analisar seus limites constitucionais.

Percebemos que, ocorrem medidas de constrição da idéia de igualdade formal para que haja a equiparação de segmentos populacionais excluídos.

O art. 5º, caput, da Constituição, consagra serem todos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Esse princípio isonômico tem duas dimensões, uma formal e outra, material.

Em relação ao ângulo formal, atribui-se a todos, o mesmo valor perante a lei, independente de rasgos peculiares ou condição social. Nessa perspectiva, Juliano Heinen (2007, p. 28) explica que a igualdade consiste no poder de exigir do Estado uma abstenção no que tange ao tratamento desigual fundado em fatores não racionais e não universalizantes.

Essa vertente formal, consagrada no Liberalismo Clássico, é um princípio negativo, pois, veda a discriminação, impedindo que a lei dê tratamento desigual. Porém, Paulo Gustavo Gonet Branco (2003, p. 131-140) adverte que esse princípio negativo não impõe um comportamento concreto, material e útil para a situação de desnível no gozo efetivo de bens e direitos.

Já o princípio isonômico sob o ângulo material, consagrado no Estado Social, é um princípio positivo, isto é, de ação contra as desigualdades e não mera abstenção. Ainda segundo Paulo Gustavo Gonet Branco (2003, p. 131-140), a igualdade material autoriza o Estado a se desviar, ao menos em parte, dos postulados da igualdade formal. Desta forma, o Estado pode gerir interesses, sobrepondo o ideal da igualdade de fato às exigências da igualdade na lei.

Ora, os “tratamentos normativos diferenciados são compatíveis com a Constituição quando verificada uma finalidade razoavelmente proporcional” (MORAES, 2003, p. 181). A maior parte da doutrina compartilha esse entendimento.

Tendo feito essas explicações, entendemos que a constituição permite as chamadas ações afirmativas com base na igualdade material. A grande dificuldade, porém, consiste em identificar até que ponto a desigualdade dessas ações não gera inconstitucionalidade.

Em virtude do exposto, far-se-á um estudo sobre as ações afirmativas e a constitucionalidade delas, analisando que desequiparações podem ser feitas sem ferir o conteúdo jurídico da igualdade.

Precisamos perquirir então, até que ponto o desvio da igualdade formal é admissível para se atender a propósitos de igualdade de fato. Perscrutaremos, dessa forma, a constitucionalidade das ações afirmativas frente às dimensões do princípio da igualdade qual direito fundamental.


2. IGUALDADE FORMAL E IGUALDADE SUBSTANCIAL

No que tange ao processo evolutivo do constitucionalismo moderno, é perceptível que este se deu em duas fases distintas: a do Estado liberal e a do Estado Social.

A ótica contratualista do Estado Liberal surgiu em resposta aos excessos do regime absolutista. O objetivo era combater o absolutismo e, com isso, findar os privilégios, as isenções pessoais, as regalias de classes e as sujeições de uma sociedade estamental. Nesse sentido, Alyson Lendro Mascaro (2002, p.38) afirma:

O Absolutismo, justificado pelo Direito Divino, estabelecendo uma diferença entre os estamentos sociais – nobreza, clero e povo -, impedia o avanço capitalista, à medida que não havia liberdade negocial à classe burguesa, tampouco igualdade de tratamento em relação à nobreza. A burguesia, sendo juridicamente parte do povo, não participava dos privilégios nobres.

Ressalte-se que as necessidades propugnadas nas revoluções liberais foram elaboradas na exata medida dos desejos da burguesia. Buscava-se, portanto, garantir os direitos individuais e liberais, deixando de lado a previsão de direitos de cunho social.

O individualismo fica claro na Petition of Rights (1628), no Bill of Rights (1688), na Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia (1776) e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789). Tal visão preconizava que primeiro vinha o indivíduo singular, que tem valor em si mesmo e, só depois, vinha o Estado (BOBBIO, 1992, p. 60).

Nas palavras de Alyson Leandro Mascaro (2002, p. 36-37):

É em função do indivíduo e de seus interesses e direitos fundamentais – entre os quais, asseveram os modernos, o de propriedade – que deve ser posto o Estado, e as leis morais e jurídicas pensadas racionalmente pelo homem devem atender a esse individualismo originário, de igualdade formal entre todos, e em atenção à liberdade individual.

Economicamente, proclamava-se a liberdade negocial, ou seja, a não-intervenção do Estado, permitindo que a “lei da oferta e da procura” regulasse o mercado, em indiscutível aplicação dos ensinamentos de Adam Smith.  A respeito de tal concepção liberal do Estado, pode-se destacar o voto proferido pelo Ministro Celso de Mello, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 319-4 (Diário da Justiça, Brasília, 30 abr. 1993):

O Estado Liberal caracterizava-se pela neutralidade assumida na cena econômica e social. A doutrina do laissez-faire, laissez-passer conferia base ideológica ao liberalismo econômico. O Estado Liberal, também denominado Estado Mínimo ou Absenteísta, não intervinha na ordem econômica e social.  [...] Dentro dessa concepção estritamente liberal do Estado, insensível ante a questão social, as liberdades clássicas ou negativas tornaram-se conquistas jurídicas e políticas meramente formais.

 Enquanto isso, na área jurídica, reivindicavam-se direitos iguais para todos. Porém, conforme apregoa Flávia Piovesan (2001, p. 1123), o princípio da igualdade aparece “sem qualquer graduação, traduzido em mero princípio de prevalência da lei, isto é, puramente formal”.

No mesmo sentido, Anacleto de Oliveira Faria (1973, p. 48) ensina:

[,,,]a igualdade resultante da legislação revolucionária foi considerada num sentido idealista e absoluto, mas sob um prisma estritamente formal. Isto significava o primado da teses igualitárias, mas unicamente sob o ângulo negativo: da igualdade jurídica ou formal.

Assim, a igualdade significava isonomia perante a lei, estendida a todos os cidadãos, mas de maneira uniforme e abstrata. Ainda que se reconhecessem as desigualdades entre os homens, considerava-se que estas eram sem relevância no âmbito do tratamento jurídico.

Nessa perspectiva, Juliano Heinen explica que a igualdade consistia no poder de exigir do Estado uma abstenção no que tange ao tratamento desigual fundado em fatores não racionais e não universalizantes. Portanto, a todos se atribuía o mesmo valor perante a lei, independente de rasgos peculiares ou condição social.

Essa vertente formal da igualdade, consagrada no Liberalismo Clássico, é um princípio negativo, pois, veda a discriminação, impedindo que a lei dê tratamento desigual. Porém, Gustavo Gonet Branco (2003, p. 131-140) explica que a igualdade formal não impõe um comportamento concreto, material e útil para a situação de desnível no gozo efetivo de bens e direitos.

Note-se que a burguesia, desejosa de conservar seus benefícios de classe, não postulou um regime igualitário com empenho semelhante ao que manifestou na busca da liberdade.  Isso porque o domínio de classes e a continuidade dos privilégios eram à base da democracia liberal burguesa.

Ora, ao não considerar as desigualdades reais, o Estado Liberal criou um sistema iníquo. Nesse sentido, Paulo Roberto de Oliveira Lima (1993, p.14) ensina:

É que aqueles que se batiam pela igualdade, perseguiam-na com tanto afinco, que terminaram por obter sistema iníquo, onde todos eram considerados iguais, a despeito das fundas diferenças que de fato apresentavam. Essa igualdade absoluta, DITA FORMAL, sobre ser utópica, termina por gerar rasgadas injustiças, visto que as desigualdades reais hão de ser consideradas, não para desmerecer e sim para proteger os carentes de discrimine.

Porém, após a primeira guerra mundial e a quebra da bolsa de valores de Nova Iorque, em 1929, o modelo liberal entra em colapso, necessitando da intervenção estatal. Finda, desta forma, a anterior neutralidade e inicia-se, a partir daí, um novo ciclo social-democrático. Passa-se do Estado Liberal para o Estado Social.

O Estado passa a conduzir a economia, inaugurando o dirigismo econômico. Firma-se, portanto, um Estado assistencialista. Conforme Sidney Madruga (2005, p. 34):

A pobreza que assolava a Europa após a 1ª Guerra Mundial e a quebra da bolsa de valores de Nova York, em 1929, são fatores que propiciam o surgimento de um novo ciclo social-democrático, na medida em que a neutralidade estatal mostrava-se, na prática, fomentadora de profundas desigualdades e impotente para resolução de problemas de oredem social e econômica, com evidentes desdobramentos no campo político. É o Estado assistencialista.

 Na área jurídica, ocorre a superação do individualismo jurídico. Isso é perceptível, primeiro, na Constituição Mexicana, de 1917. Tal diploma traz um programa de legislação social com ampla proteção aos menores, às mulheres, à maternidade e ao trabalhador. Porém, o forte caráter nacionalista desse documento fez com que a sua influência sobre outras constituições não fosse tão forte (RUSSOMANO, 1998, p. 192).

Outra manifestação do constitucionalismo social está na Constituição de Weimar de 1919, que garantiu proteção da família, da maternidade e do trabalhador, bem como, a gratuidade de ensino, o direito de propriedade, a reforma agrária e o desenvolvimento econômico baseado em justiça social. Essa Constituição, mais do que a Mexicana, influenciou a cultura ocidental.

Surgiram, assim, outros documentos de natureza constitucional, inspirados na Constituição Alemã, como a Constituição Espanhola de 1931 e a Brasileira de 1934.

Com efeito, o Estado agora possui iniciativa dualista, sendo tanto o Estado do bem-estar social com fins redistributivos, quanto o do desenvolvimento. Desta forma, ele intervém na ordem econômica mediante um instrumental tributário e operações de finanças públicas.

Com o advento do Estado Social, o princípio da igualdade ganha novo contorno, incorporando a igualdade material (MELO, p. 80). O princípio isonômico sob o ângulo material é um princípio positivo, isto é, de ação contra as desigualdades e não mera abstenção. Sublinhe-se que este é um ponto de extrema relevância na democracia, dentro do qual se busca “a igualização dos desiguais pela outorga de direitos sociais substantivos” (SILVA, 2001, p. 210).

Ainda segundo Paulo Gustavo Gonet Branco (2003, p. 131-140), a igualdade material autoriza o Estado a se desviar, ao menos em parte, dos postulados da igualdade formal. Desta forma, o Estado pode gerir interesses, sobrepondo o ideal da igualdade de fato às exigências da igualdade na lei.

Como assinala Alexandre de Moraes (2004, p. 66):

Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual, dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito.

Essa perspectiva mostrou as fases percorridas pelo constitucionalismo ocidental desde a igualdade na visão clássica, passando pela filosófico–liberal até chegarmos, enfim, ao prisma social-democrático.

 Vimos que a igualdade formal pedia a realização do direito existente, sem consideração da pessoa e sem abrir exceções. Já a material, também chamada de substancial, conforme Renata Malta Vilas-Bôas (2003, p. 21), permite “tratamento prioritário e diferenciado àqueles grupos ou pessoas que são carecedoras, [...] em razão de circunstâncias específicas”.

Com efeito, estamos afirmando que houve uma evolução do princípio isonômico. Partimos de um Estado Liberal em que vigorava a neutralidade e uma obtusa igualdade formal. Chegamos, enfim, ao Estado Social capaz de sopesar as desigualdades e implantar medidas afirmativas. Essa nova política afirmativa e inclusiva será o tema do capítulo que segue.


3. AÇÕES AFIRMATIVAS

3.1 Origem

As ações afirmativas ganharam espaço e relevo no cenário mundial a partir dos Estados Unidos. Trata-se de criação pioneira do Direito desse país.

Inicialmente, tais ações restringiam-se, sobretudo, aos negros. Só depois elas alcançaram outras minorias. Faz-se necessário, antes de tudo, que expliquemos em que contexto essas ações surgiram.

Aboliu-se a escravidão em todo o território americano, em 1865. Entretanto, mesmo depois disso, os negros americanos não tiveram a possibilidade de inserção na sociedade, sendo inclusive prejudicados pela segregação e por uma educação inferior.

Em vários Estados-Membros, os negros eram proibidos de viajar nos mesmos vagões que os brancos e freqüentar as mesmas escolas que estes. Eram proibidos também de participar de júri popular, testemunhar, votar e ocupar determinados cargos públicos. Acrescente-se ainda que não podiam ser servidos dentro das lanchonetes, ter propriedades, obter licença para trabalhar em algumas profissões, ou mesmo, ter acesso a parques, praias e hospitais.

 Ademais, eles não podiam casar com brancos, beber água nos mesmos bebedouros que estes, hospedar-se nos mesmos hotéis ou dirigir nas mesmas estradas. Não deviam nem mesmo sentar na mesma sala de espera ou morar nos mesmos quarteirões habitados por brancos.

O regime de segregação imposto aos negros, principalmente, nos estados do sul dos Estados Unidos, ficou conhecido como Jim Crow. Tal sistema teve por conseqüência a formação de duas sociedades paralelas: a dos negros e a dos brancos.

 Destaquemos desde já que a discriminação não ocorreu de forma esporádica, mas institucionalizada, isto é, estimulada pelo governo, pelas leis, pelos atos administrativos e também pelas decisões da Suprema Corte.

A resposta a esse tratamento foi a formação de movimentos negros organizados (Malcolm X, Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor, Associação de Mrlhoramentos de Montgomery, a Comissão Estudantil de Coordenção Não-Violenta, Congresso de Igualdade Racial, Muçulmanos Negros, Panteras Negras, entre outros), bem como, a formação de organizações contrárias aos negros (Conselho de Cidadãos Brancos e  Ku Klux Klan).

Muitas foram às manifestações violentas, tanto dos brancos, quanto dos negros. Milhares de pessoas foram mortas, feridas ou presas. De tal forma que o desenvolvimento dos programas positivos nos Estados Unidos foi necessário para restabelecer a ordem social e evitar uma segunda guerra civil.

Percebemos, portanto, que as ações afirmativas não se originaram nesse país devido a grande preocupação dele com a raça negra, mas porque não era mais possível levar adiante o sistema Jim Crown. Conforme ensinamentos de Roberta Fragoso Menezes Kaufmann (2007, p. 206):

Procuramos demonstrar, quando estudamos o aparecimento dos primeiros programas positivos estadunidenses, que tais medidas surgiram com o intento de restabelecer a ordem social, em vez de efetivamente promover o princípio da igualdade, ainda que a igualação das oportunidades aparecesse como corolário dos programas positivos.

Tendo feito esse rápido comentário referente a situação dos negros nos Estados Unidos, vejamos agora quando as ações afirmativas surgiram e com que natureza.

A primeira vez em que se usou a expressão “ação afirmativa” foi  na Lei Nacional sobre Relações de Trabalho (National Labor Relations Act), de 1935. Tal lei proibia o empregador de promover discriminação contra os dirigentes sindicais e demais operários sindicalizados. Além disso, determinava que as vítimas da segregação fossem postas nos cargos que lhe caberiam caso não houvessem sido discriminadas.

Apesar de já ter sido usada nessa legislação trabalhista, a expressão só se popularizou na década de 60,  no contexto da luta pelos direitos civis.

Desta forma, o Presidente Kennedy, em 1961, usou o termo “ação afirmativa” na Ordem Executiva nº 10.925, vedando a prática de discriminações em desfavor de funcionário ou candidato a emprego, em função de sua raça, credo ou nacionalidade, nos contratos firmado com a Adminstração Federal.

Ainda a  partir dessa ordem executiva, criou-se a Comissão para a Igualdade de Oportunidades de Emprego (Equal Employment Opportunity Comission – EECO). Essa comissão objetivava identificar políticas segregacionistas e revisá-las, de tal forma que houvesse uma neutralidade nos atos do governo.

Dois anos depois, em 1963, o Senado aprovou o Equal Pay Act, que estabelecia que nenhum empregador, em matéria de contraprestação salarial, poderia discriminar tendo por base o sexo de seu empregado, cujo desempenho demandasse, igualmente, habilidade, esforço e responsabilidade do empregador do sexo oposto (SEC. 206, Section 6,d, 1).

Também foi de ajuda na popularização das “ações afirmativas”, a promulgação, pelo presidente Lyndon Johnson, da Lei dos Direitos Civis (Civil Right Act), em 1964. Nessa lei, havia dez artigos combatendo a discriminação, inclusive a realizada no emprego, nas escolas, nas acomodações públicas e nos programas de governo.

Depois disso, foram promulgadas várias outras normas contra a discriminação, como a Lei sobre os direitos de voto (Voting Right Act), de 1965, garantindo aos negros capacidade eleitoral ativa e passiva.

Ainda em 1965, Lyndon Johnson usou a expressão ação afirmativa, na Ordem Executiva nº 11.246, a qual determinava que a celebração de contratos do Estado com particulares estava condicionada ao cumprimento, por estes, de práticas não-discriminatórias.

Notemos que a referida expressão consolidou-se na sociedade americana só a partir 1960 e que seu conteúdo inicial era apenas de política institucionalizada de combate a discriminação e ao sistema Jim Crown, não significando até esse momento, inclusão de minorias.

Sublinhemos ainda que essas medidas não foram recebidas de forma pacífica.  Emergiram vários movimentos negros radicais como o Poder Negro (Black Power) e a Revolta dos Guetos (Guetto Revolts).

Os conflitos sociais eram duramente reprimidos pela polícia, que usava de violência. Mesmo assim, as manifestações continuavam. Em decorrência disso, o  Presidente Johnson criou uma Comissão Nacional Consultiva da Desordem Civil (Nacional Advisory Comission on Civil Disorders), também chamada de Comissão Kerner, em homenagem a Otto Kerner, governador do Illinois e presidente da referida comissão.

Essa instituição deveria identificar a raiz dos problemas raciais e indicar soluções para eles. Conforme Roberta Fragoso Kaufmann (2007, p. 174) a Comissão conclui que estavam se formando duas sociedades, uma negra e outra branca e recomendou a implementação de programas sociais. Estabeleceu ainda no relatório final:

Violência e destruição precisam acabar- nas ruas dos guetos e na vida das pessoas. Segregação e pobreza criaram nos guetos raciais um ambiente destrutivo totalmente desconhecido para a maioria dos americanos brancos. O que os brancos americanos nunca entenderam completamente – e que os negros não conseguirão nunca esquecer – é que a sociedade branca está profundamente relacionada com o gueto. Instituições brancas criaram-no, instituições brancas mantiveram-no e a sociedade branca tolera-o. É chegada a hora de provocar uma mudança, a partir dos propósitos do nosso comando para a principal questão inacabada deste país. É chegada a hora de adotar estratégias de ação que irão produzir um rápido e visível progresso. (Kaufmann, 2007, p. 174)

As manifestações dos negros aumentaram e tornaram-se mais violentas a partir de 1968, com a morte do líder Martin Luther King. Também se tornou mais agressiva a atuação da Ku Klux Klan.

Em 1969, a Suprema Corte Americana decidiu que a extinção da política segregacionista nas escolas públicas deveria ser posta em prática de imediato, sem atrasos ou prorrogações.

Já durante a presidência de Nixon (1969-1974) deixa-se de lado a mera política de não-discriminação, passando-se enfim, a política afirmativa inclusiva. Ou seja, a partir dessa época, adotam-se medidas positivas para incluir o negro na sociedade, promovendo a integração.

Porém, destaque-se desde já que o intento inicial não era o de efetivar a justiça e a igualdade. Pelo contrário, as medidas não foram implementadas para favorecer o negro, mas para proteger o branco dos conflitos gerados pelos motins urbanos. Queria-se, portanto, evitar que os brancos sofressem danos patrimoniais ou físicos. Tanto assim, que Nixon explicou as vantagens concedidas aos negros dizendo que se estes possuíssem suas próprias casas, não incendiariam as vizinhanças dos brancos.

Assim, o presidente Nixon, a Suprema Corte e as Agências Governamentais iniciaram, de fato, as ações afirmativas. A Secretaria do Trabalho passou a contar com um orçamento bilionário para elaborar projetos que efetivassem a Lei dos Direitos Civis de 1964.

Além disso, os contratos administrativos passariam a oferecer vantagens para as empresas que cumprissem as metas estabelecidas pelo governo, como cotas na contratação de empregados negros.

Tais cotas eram definidas proporcionalmente a quantidade de negros da comunidade. Essa fixação de cotas ficou conhecida como Plano Filadélfia  (Philadelphia plan)  e foi inclusa ao ordenamento jurídico em 1971.

As ações afirmativas ganharam força na década de 70, proliferando-se no âmbito estadual e no municipal, bem como entre as empresas privadas, nas escolas, nas associações e no comércio. Ademais, elas passaram a abranger não somente os negros, mas também as mulheres, os deficientes físicos e os veteranos da Guerra do Vietnã.

Muitas ações afirmativas advieram de decisões da Suprema Corte, caracterizando uma verdadeira reviravolta no entendimento claramente racista antes esposado. Esse tribunal mostrou-se favorável ao fim da segregação institucionalizada nos casos McLaurin v. Oklahoma State Regents for Higher Education , Brown v. Board Education, Cooper v. Aaron, entre outros.

Ora, por tudo isso, entendemos que o desenvolvimento dos programas positivos nos Estados Unidos surgiram com o objetivo de evitar uma segunda guerra civil e não da grande preocupação desse país com a raça negra. Afinal, lembremos que foi o próprio governo americano quem criou o sistema Jim Crown de segregação.

Assim, não foi com o intento de se promover o princípio da igualdade que a  elite branca masculina pôs em prática as ações afirmativas. Mas, tão somente, porque não havia outra solução para a profunda ruptura da tranqüilidade social..

Percebemos também que as medidas se iniciaram como políticas neutras de combate à discriminação institucionalizada, a chamada “política cega à cor”, só depois evoluindo para um sentido ativo e inclusivo. 

3.2. Conceito

As ações afirmativas ou discriminações positivas são instrumentos de promoção da igualdade material ou substancial direcionados para as minorias sociais. Termo este que se vincula a idéia de vulnerabilidade e que independe de amplitude quantitativa.  

Tais ações são políticas de caráter temporário para a maior parte da doutrina (Maria José Morais Pires, Renata Malta Vilas-Bôas, Sales Augusto dos Santos). Porém, há quem defenda que podem ser temporárias ou definitivas (Sidney Madruga). Elas podem ser adotadas, impostas ou incentivadas pelo poder público, ou ainda, concebidas pela iniciativa privada. Objetivam combater desigualdades historicamente acumuladas.

Joaquim Barbosa Gomes conceitua-as da seguinte forma (2001, p. 40):

Atualmente as ações afirmativas podem ser definidas como um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego.

Nesse mesmo sentido, a professora Carmem Lúcia Antunes Rocha (1996, p.88) diz que as ações afirmativas são “uma forma jurídica para se superar o isolamento ou a diminuição social a que se acham sujeitas as minorias”.

Ainda enfrentando o desafio de oferecer um conceito às ações afirmativas, Renata Malta Vilas-Bôas (2003, p. 29) explica que elas são medidas temporárias e especiais, tomadas ou determinadas pelo Estado, de forma compulsória ou espontânea, com o propósito específico de eliminar as desigualdades que foram acumuladas no decorrer da história da sociedade, medidas estas que tem como principais beneficiários os membros dos grupos que enfrentam preconceitos.

Destaque-se que maioria dos doutrinadores afirma que as ações afirmativas devem ser de caráter temporário. Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2003, p. 76) salienta que as medidas devem obedecer à regra da temporariedade, pois não visam criar um status jurídico permanente em favor de um grupo, e sim propiciar a este grupo a igualdade em relação a outros. Assim, tão logo conseguido tal objetivo de igualdade substancial, findar-se-iam as ações afirmativas.

Tal entendimento é também defendido por Roberta Fragoso Menezes Kaufmann (2007, p. 221):

É importante destacar que a adoção de políticas afirmativas deve ter um prazo de duração, até serem sanados ou minimizados os efeitos do preconceito e da discriminação sofridos pelas minorias desfavorecidas. Se as ações afirmativas visam a estabelecer um equilíbrio na representação das categorias nas mais diversas áreas da sociedade quando os objetivos forem finalmente atingidos, tais políticas devem ser extintas, sob pena de maltratarem a necessidade de um tratamento equânime entre as pessoas, por estabelecerem distinções não mais devidas. A prática de programas positivos de forma ilimitada terminaria por ser delimitada pelo subprincípio da proibição do excesso, previsto no princípio da proporcionalidade.

Nesse mesmo sentido, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, promulgada no Brasil pelo Decreto n.º 4.377, de 13 de setembro de 2002, no inciso I, do art. 4º dispõe da seguinte forma:

A adoção pelos Estados-Partes de medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a mulher não se considerará discriminação na forma definida nesta Convenção, mas de nenhuma maneira implicará, como conseqüência, a manutenção de normas desiguais ou separadas; essas medidas cessarão quando os objetivos de igualdade de oportunidade e tratamento houverem sido alcançados. (MENEZES, 2003, p. 57)

Sidney Madruga (2005, p. 60) discorda da idéia de que elas são apenas temporárias. Segundo ele, essa é uma questão de fundo social e como tal, não comporta a simplicidade sustentada pelos doutrinadores que aceitam as ações afirmativas como temporárias. As discriminações positivas, ainda conforme Sidney Madruga, estender-se-iam por um prazo extenso, quando não definitivo:

É que tal equação, de fundo social e, não matemático, não é tão simples, como parece sê-lo à primeira vista, porquanto existem grupamentos minoritários nos quais a implementação e o aperfeiçoamento constante de políticas afirmativas demandariam um lapso extenso, quando não definitivo. É o caso, por exemplo, das comunidades indígenas e de quilombolas, cujas especificações, sobretudo as diretamente relacionadas a sua identificação, saúde e habitat, requerem, por certo, o implemento de programas e políticas governamentais de caráter permanente. Diga-se o mesmo a respeito do povo cigano, cujos padrões étnico-culturais demandam, igualmente, uma constante atuação do Estado no que concerne a sua proteção, garantia e preservação, tal como dispõe o § 1º do art. 215 da Constituição Federal.

No que se refere à fonte de que emanam as ações afirmativas, estas podem ser de iniciativa do poder público ou de organismos privados. Na sua origem, tais ações foram concebidas como medidas de combate à discriminação, praticadas exclusivamente pelo Estado ou por seus agentes. Era a teoria do “state action”, que circunscrevia as ações afirmativas ao âmbito de atuação do poder público.

 Nesse contexto, surgiu a indagação bem explicitada por Joaquim B. Barbosa Gomes (2001, p. 60), “deve o Estado permitir que os particulares tomem a si a iniciativa de corrigir as injustiças e discriminações do passado mediante medidas de ‘integração’ e ‘promoção’ de pessoas pertencentes a grupos sociais historicamente marginalizados?”.

A orientação atual é que pessoas e entidades privadas podem apresentar propostas e programas de discriminação positiva. Tratam-se das denominadas “Voluntary Affirmative Action Plans”.

3.3 Natureza Das Ações Afirmativas

No que se refere à natureza das ações afirmativas, analisaremos se estas se caracterizam sob a ótica de uma justiça compensatória ou de uma justiça distributiva.

Ora, afirmar que são medidas compensatórias indica que elas têm o condão de reparar injustiças praticadas no passado. Por essa teoria, admiti-se que a adoção de ações afirmativas em prol de certos grupos sociais, historicamente marginalizados, fundamenta-se em uma tentativa de compensar esses grupos pelas injustiças sofridas por seus antepassados.

Joaquim Benedito Barbosa Gomes (2001, p. 62) explica que a idéia de justiça compensatória tem natureza “restauradora” e visa corrigir os efeitos perversos da discriminação sofrida por sociedades que por longo tempo adotaram políticas de subjugação de um ou vários grupos ou categorias de pessoas por outras.

Para os que apóiam essa idéia, isso seria justo porque o processo de marginalização social sofrido pelas gerações passadas tem se transmitido às gerações futuras. Nas palavras de Joaquim Barbosa Gomes (2001, p.62):

Assim, ao adotarem os programas de preferência em prol de certos grupos sociais historicamente marginalizados, essas sociedades estariam promovendo, no presente, uma <<reparação>> ou <<compensação>> pela injustiça cometida no passado aos antepassados das pessoas pertencentes a esses grupos sociais. Tal reparação se justificaria na medida em que o processo de marginalização social tem uma inegável inclinação perenizante. O preconceito e a discriminação oficial ou <<social>> de que foram vítimas as gerações passadas tendem a se transmitir às gerações futuras, constituindo-se em um insuportável e injusto ônus social, econômico e cultural a ser carregado, no presente, por essas novas gerações.

É certo que, juridicamente, quem causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Porém, a crítica a essa teoria de justiça compensatória funda-se no fato de que somente os diretamente lesionados poderiam pleitear a correspondente reparação e só contra quem efetivamente lhes causou prejuízo (Kaufmann, 2007, p. 223). Com efeito, a compensação deve ser paga à pessoa prejudicada por aquele que praticou o ato ilícito do qual resultou o dano.

Sendo desta forma, não temos como reparar, por exemplo, a escravidão sofrida pelos negros no passado. Pois não há como fazer isso sem promover injustiças. Afinal, responsabilizar os descendentes dos antigos senhores escravocratas por atos que não cometeram, nem endossaram, seria culpar inocentes. Ademais, os beneficiários do programa compensatório não seriam os diretamente lesionados, mas os negros de hoje que nunca foram vítimas da escravidão.

O problema dessa teoria é bem traduzido pela professora Roberta Fragoso Menezes Kaufmann (2007, p. 222):

O problema da adoção dessa teoria para justificar a imposição de políticas afirmativas é que se afigura deveras complicado responsabilizar, no presente, os brancos descendentes de pessoas que, em um passado remoto, tiveram escravos. Ademais seria praticamente impossível, em um país miscigenado como o Brasil, identificar quem seriam os beneficiários do programa compensatório, já que os negros de hoje não foram vítimas da escravidão. Culpar pessoas inocentes pela prática de atos dos quais discordam parece promover a injustiça, em vez de procurar alcançar a eqüidade. Assim, a teoria compensatória não poderia ter espaço quando os indivíduos que são tratados como um grupo – o dos descendentes dos antigos senhores escravocratas – não endossaram as atitudes em relação às quais serão responsabilizados ou, então, não exerceram qualquer tipo de controle em relação a elas.

Além de tudo isso, em um país tão miscigenado quanto o nosso, não há como definir quem são os descendentes de escravos e quem são os descendentes dos escravocratas. Consoante a esse entendimento, Roberta Fragoso Menezes Kaufmann ensina (2007, p. 224):

Além do que, em um país miscigenado como o Brasil, saber quem é ou não descendente de escravos nos afigura uma missão praticamente impossível. O país adotou a mão de obra escrava por um período de 300 anos, mas durante todos os 500 anos, desde o início da colonização até os presentes dias, houve uma miscigenação fortíssima entre as raças. Como o Brasil nunca conheceu leis que proibissem o relacionamento inter-racial, ou o casamento entre negros e brancos, essa prática foi amplamente difundida, e muitas vezes até motivada.

O outro fundamento para aplicação das ações afirmativas é a teoria da Justiça Distributiva. No meio jurídico, essa idéia é mais bem recebida que a da Justiça Compensatória. Segundo tal concepção, é necessário promover a redistribuição equânime de direitos, benefícios e obrigações entre os membros da sociedade, para com isso, mitigar as iniqüidades decorrentes da discriminação. “É um pleito de justiça no presente” (Kaufmann, 2007, p. 221).

 A esse respeito Joaquim B. Barbosa Gomes (2001, p.66) ensina que a noção de justiça distributiva é a que repousa no pressuposto de que um indivíduo ou grupo social tem direito de reivindicar certas vantagens, benefícios ou mesmo o acesso a determinadas posições, às quais teria naturalmente acesso caso as condições sociais sob as quais vive fossem de efetiva justiça.

Ora, as ações afirmativas, pela teoria redistributiva, objetivam minimizar a exclusão de grupos minoritários e promover a concretização do princípio da igualdade. Nesse sentido, Roberta Fragoso Menezes Kaufmann explica (2007, p. 225):

Assim, por meio da teoria redistributiva, há um redirecionamento dos benefícios, dos direitos e das oportunidades entre os cidadãos. O Estado age de forma interventiva para poder garantir a efetivação do princípio da igualdade, porque, se nada for feito, as barreiras impostas pelo preconceito e pela discriminação dificilmente permitiriam a igualdade de acesso às melhores chances de emprego e de educação às minorias.

Ademais, segundo Joaquim B. Barbosa Gomes (2001, p.68), entre os que defendem a tese distributivista, há os que nela vislumbram um substrato utilitarista. Estes defendem que a redistribuição de benefícios e ônus na sociedade tem o inegável “efeito de promover o bem-estar geral, eis que ao se reduzirem a pobreza e as iniqüidades, tendem igualmente a desaparecer o ressentimento, o rancor, a perda do auto-respeito decorrente da desigualdade econômica” (GOMES, 2001, p.68).

Embora a tese da justiça distributiva seja sustentada pela grande maioria dos partidários das ações afirmativas, os seus detratores não a consideram convincente, “eis que nem sempre é possível identificar, dentre as diversas iniqüidades sociais, quais decorreriam da discriminação racial ou sexual e quais seriam resultantes de outros fatores” (GOMES, 2001, p. 72).

Há ainda quem rejeite tanto a teoria compensatória quanto a distributivista, como Álvaro Ricardo de Souza Cruz (2003, p. 171-184). Para ele, as a ações afirmativas legitimam-se com base nos princípios do pluralismo jurídico e da dignidade humana, estruturadas no paradigma do Estado Democrático de Direito.

Percebemos, portanto, que debates quanto à natureza das ações afirmativas dividem juristas e doutrinadores. Ressaltemos, porém, que nada obsta que todas as correntes sejam conjugadas. A esse respeito, Sidney Pessoa Madruga da Silva (2005, p. 97) assevera:

Isto porque, ao se propor o incremento de políticas de discriminação positiva, respeitados os princípios do pluralismo e da dignidade da pessoa humana, não se deixa de levar em conta as injustiças cometidas no passado, as quais se refletem nos dias atuais na forma de desvantagens sócioeconômicas e, tampouco, deixa-se de considerar que é preciso uma distribuição mais equânime de oportunidades entre aqueles marginalizados socialmente.

Assim, vimos que, prioritariamente, firmam-se duas correntes quanto à natureza das ações afirmativa: a da Justiça Compensatória e a da Justiça Distributiva. A primeira tem conteúdo reparatório, destinando-se a ressarcir prejuízos causados no passado a determinado grupo social. Já a segunda, considera que as ações afirmativas caracterizam-se pela distribuição de direitos e vantagens entre a coletividade com base em critérios de equidade e proporcionalidade.

Vimos, por fim, que essas correntes podem ser conjugadas, pois nada obsta que as ações afirmativas encontrem justificativas tanto nas injustiças cometidas no passado, quanto na necessidade de distribuir benefícios, vantagens e posições que foram monopolizadas por certos grupos em razão da discriminação.

3.4 Objetivos

São vários os objetivos das ações afirmativas. O principal deles é o de promover a igualdade de oportunidades por meio de medidas de inclusão social tomadas, determinadas ou incentivadas pelo Estado.

Ora, o que se quer, em primeiro lugar, é a eficácia da igualdade preconizada e assegurada constitucionalmente na principiologia dos direitos fundamentais. Neste sentido, Cármen Lúcia Antunes Rocha (1996, p. 88) ensina:

Assim, a definição jurídica objetiva e racional da desigualdade dos desiguais, histórica e culturalmente discriminados, é concebida como uma forma para se promover a igualdade daqueles que foram e são marginalizados por preconceitos encravados na cultura dominante na sociedade. Por essa desigualação positiva promove-se a igualação jurídica efetiva; por ela afirma-se uma fórmula jurídica para se provocar uma efetiva igualação social, política, econômica e segundo o Direito, tal como assegurado formal e materialmente no sistema constitucional democrático. A ação afirmativa é, então, uma forma jurídica para se superar o isolamento ou a diminuição social a que se acham sujeitas as minorias.

Deseja-se com isso, a participação dos entes discriminados em áreas em que dificilmente conseguiriam ter acesso. Notemos ainda, que a prática dessas ações, em especial por meio de políticas públicas, funciona como um reconhecimento oficial de que as discriminações existem e precisam ser eliminadas.

Outro objetivo seria uma mudança na mentalidade dos homens, já tão acostumados com as discriminações praticadas ao longo da história e disseminadas pelos costumes e tradições.

Isso é necessário porque a discriminação do passado se arraigou na cultura e no comportamento das pessoas, apresentando efeitos persistentes.  Nas palavras de Joaquim B. Barbosa Gomes (2001, p.44) entre os objetivos almejados pelas políticas afirmativas está o de “induzir transformações de ordem cultural, pedagógica e psicológica, aptas a subtrair do imaginário coletivo a idéia de supremacia e subordinação de uma raça em relação a outra”.

Com efeito, a discriminação exerce influência no psiquismo do indivíduo e, consequentemente, na ordem social. Comentando esse problema Fávila Ribeiro (1990, p. 62) afirma:

As situações socialmente discriminatórias crivam-se no psiquismo individual e dilatam-se por todos os tecidos sociais, refletindo condições vantajosas para uns e desfavoráveis para outros, antagonismos ostensivos ou latentes, provocando reações divergentes aos valores circulantes e diversidade nas condutas que podem, por vezes, ir às raias das transgressões.

Ora, tendo isso em vista, as ações afirmativas objetivam uma maior convivência com a diversidade e uma ruptura dos estigmas arraigados culturalmente no imaginário coletivo. Dessa forma, a convivência com as minorias propiciaria condições para superação desses preconceitos.

Esse mesmo entendimento é defendido por Roberta Fragoso Menezes Kaufmann (2007, p.226) que ensina que as ações afirmativas, por promoverem a inserção de representantes de diferentes minorias em setores nos quais dificilmente teriam acesso, possibilitam o surgimento de uma sociedade mais diversificada, aberta, tolerante, miscigenada e multicutural.

É esta também a opinião esposada por Cármen Lúcia Antunes Rocha (1996, p. 286), que nos diz que a convivência jurídica obrigatória faria com que a maioria se acostumasse “a trabalhar, a estudar, a se divertir etc. com os negros, as mulheres, os judeus, os orientais, os velhos etc., habituando-se a vê-los produzir, viver, sem inferioridade genética determinada pelas suas características pessoais resultantes do grupo a que pertencessem”.

Além dos já citados objetivos, as ações afirmativas buscam também eliminar o racismo institucional e as barreiras artificiais e invisíveis (glass ceiling) que emperram o avanço das minorias. Dessa forma, seria possível aumentar a representatividade desses grupos minoritários nos diversos domínios da atividade pública e da privada, concretizando com isso, os princípios da diversidade e do pluralismo. 

Admitindo a existência dessas barreiras, a juíza Ruth Bader Ginsburg, em seu voto perante a Suprema Corte dos Estados Unidos, por ocasião do julgamento do caso Adarand Constructor v. Pena, de 1995 sustentou o seguinte:

O preconceito, tanto consciente quanto inconsciente, reflete modos de pensar tradicionais e irrefletidos, e mantém vivas as barreiras cuja eliminação será requisito indispensável caso a igualdade de oportunidade e não discriminação venham genuinamente a constituir a lei e a prática desse país. (GOMES, 2001, p. 47)

 A política afirmativa objetiva ainda criar personalidades emblemáticas (role models) - isto é, “exemplos vivos de mobilidade social ascendente” (GOMES, 2001, p. 48-49). Tais pessoas serviriam de exemplo para as gerações futuras de que é possível transpor obstáculos e conseguir posições de prestígio. Trata-se, portanto, de um reforço a auto-estima das minorias.

Esclareça-se, desde logo, com base nas lições de Juan Carlos Velasco Arroyo (2000, p. 219-220), que as ações afirmativas não buscam um multicuturalismo extremo. Ainda que as minorias tenham direito de manter seus costumes, sua religião e sua cultura distinta, não há que se admitir a atitude segregacionista de formação de guetos.  Pelo contrário, a idéia é justamente a de integração, ou seja, deseja-se fortalecer a consciência de que pertencemos todos a uma comunidade política comum.

Em linhas gerais, portanto, entendemos que as ações afirmativas buscam primeiramente a consecução do princípio da igualdade material, garantindo oportunidades aos indivíduos ou grupos excluídos socialmente.

 Além desse objetivo principal, tais ações buscam também mudança na mentalidade dos homens, posto que preconceitos e discriminações estão arraigados culturalmente nos modos de pensar tradicionais.

Desejam ainda: uma maior convivência com a diversidade; eliminar o racismo institucional e as barreiras artificiais e invisíveis; reparar danos causados a grupos no passado e no presente; concretizar os princípios da diversidade e do pluralismo; criar personalidades emblemáticas; e fortalecer a consciência de que pertencemos todos a uma comunidade política comum.


4. DAS AÇÕES AFIRMATIVAS FRENTE AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE

4.1 Racismo, Preconceito e Discriminação

Na leitura dos textos constitucionais, muitas vezes encontramos as palavras: racismo, preconceito e discriminação. Tais termos confundem-se no ordenamento jurídico, embora sejam diferentes por definição. Tendo isso em vista, procuraremos sinteticamente distingui-los.

Racismo é conceituado pelos dicionários jurídicos da seguinte forma:

RACISMO. 1. Direito penal, a) Teoria defensora da superioridade de uma raça humana sobre as demais; b) crime inafiançável e imprescritível consistente em fazer discriminação racial, sujeito a pena de reclusão; c) segregacionismo; tipo de preconceito conducente à segregação de determinadas minorias étnicas; d) ação ou qualidade de pessoa racista; e) discriminação e perseguição contra raças consideradas inferiores (Matteucci). 2. Sociologia Geral, a) Conjunto de caracteres físicos, morais e intelectuais que distinguem certa raça; b) apego à raça." (DINIZ, MARIA HELENA, in "Dicionário Jurídico", vol. 4, Editora Saraiva, 1998, p. 29)

Acrescente-se ainda essa segunda definição:

RACISMO. S.m. (Fr. racisme) Dir. Pen. Forma extremada de preconceito que leva à segragação certas minorias étnicas. Segregacionismo. Cognato: racista (adj.), que é adepto do racismo. CF. arts. 3 (IV), 4 (VIII), 5 (XLII); L 7716, de 5.1.1989...." (OTHON SIDOU, J.M., in "Dicionário Jurídico da Academia Brasileira de Letras Jurídicas", 2a. edição, Ed. Forense Universitária, p. 465)

Ora, racismo pressupõe a crença em uma hierarquia entre determinados grupos humanos, isto é, que haveria um grupo superior dominante e um grupo inferior dominado (MADRUGA, 2005, P. 134).

Nesse sentido, Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2000, p. 57) ensina que constitui racismo propugnar a separação de etnias. Ele diz ainda que a forma comum de racismo é a afirmação da superioridade de certas raças em relação a outras, idéia antiga e que não será eliminada de um sopro pela lei. Nas palavras dele:

Na mesma linha, José Cretella Júnior (1988, p. 175) entende que racismo é a "ideologia que defende a superioridade de um grupo étnico sobre outro (arianos e não-arianos)", tendente a promover a segregação ou até mesmo a eliminação de determinados grupos étnicos, como ciganos e judeus.

Salientemos desde já que tal conceito está ligado a fatores socioeconômicos e culturais. Ou seja, a noção de racismo não está restrita a noções de ordem antropológica ou biológica, projetando-se, ao contrário, numa dimensão abertamente cultural e sociológica (ABREU, 1999, p. 67).

Assim, configura racismo qualquer discriminação ilegal em relação a grupos de pessoas. Conforme deduzido pelo parquet federal no julgamento do Habeas Corpus n° 15.155 - RS (2000/0131351-7):

[...] também configura  racismo qualquer discriminação ilegal em relação à grupos de pessoas, quer sejam ligadas  por uma cultura e religião comuns (católicos, protestantes,  mulçulmanos, budistas, judeus, etc), quer sejam unidas pelos liames da mesma nacionalidade (alemães, americanos, argentinos, portugueses, israelitas, chineses, brasileiros, etc), quer sejam jungidas por laços de uma origem regional semelhante (nordestinos, sulistas, etc), quer sejam vinculadas por outros traços emocionais ou psicológicos, tais como a aparência da cor da pele (negros, índios, europeus,mestiços, etc.).

 Aliás, sublinhemos que a subdivisão da espécie humana em raças, do ponto de vista genético, não é cabível, pois brancos, negros, índios e amarelos formam todos, uma só raça. A diferença genética entre um ser humano e outro - independente de seus fenótipos - é tão pequena que a genética não autoriza a divisão em raças. Conseqüentemente, o termo racismo deve ter suas origens trabalhadas no âmbito sociocultural e não na biologia.

A idéia de inexistência de raça é aceita pelo Supremo Tribunal Federal, conforme julgamento do HC 82424/RS, em que foi Relator o Ministro Moreira Alves e Relator do Acórdão o Ministro Maurício Correa:

3. Raça humana. Subdivisão. Inexistência. Com a definição e o mapeamento do genoma humano, cientificamente não existem distinções entre os homens, seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pêlos ou por quaisquer outras características físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos iguais. 4. Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista. (HC 82424 / RS - Relator:  Min. MOREIRA ALVES - Relator p/ Acórdão:  Min. MAURÍCIO CORRÊA- Julgamento:  17/09/2003 - Órgão Julgador:  Tribunal Pleno)

Por tudo isso, na mesma linha de entendimento do Ministro Celso de Mello, temos que o racismo é “um indisfarçável instrumento de controle ideológico, de dominação política e de subjugação social”.

Fica claro também que este é um conceito político-social e não biológico. Nas palavras do Min. Maurício Corrêa:

[,,,] o racismo é antes de tudo “uma realidade social e política”, sem nenhuma referência à raça enquanto caracterização física ou biológica, refletindo, na verdade, em reprovável comportamento que decorre da convicção de que há entre os diversos grupos humanos uma hierarquia, suficiente para justificar atos de segregação racial, inferiorização e até mesmo de eliminação de pessoas, como ocorreu no Holocausto da Alemanha nazista.

Esclarecida essa primeira definição, é necessário entender o que é preconceito. Esse termo designa um juízo de valoração a respeito de algo que ainda não se conhece (MADRUGA, 2005, P. 137). Trata-se, portanto, de um julgamento de forma antecipada.

Registra o Dicionário Aurélio que preconceito significa:

PRECONCEITO: "1.Conceito ou opinião formada antecipadamente sem maior ponderação ou conhecimento de fatos, idéia preconcebida. 2. julgamento ou opinião formada sem se levar em conta o fato que os conteste, prejuízo. 3. Superstição, crendice, prejuízo. 4. Suspeita, intolerância, ódio irracional ou aversão a outras raças, credos, religiões." - Novo Aurélio - O Dicionário da Língua Portuguesa - Século XXI - Editora Nova

Observe que suas conseqüências são suspeitas, intolerância, ódio irracional ou aversão a outras raças, credos, religiões, culturas, etnias, etc.

Ressaltemos que o preconceito tem índole subjetiva, ou seja, expressa opinião de foro íntimo. É uma postura interna preconcebida, de ordem psicológica, em relação ao próximo.

Por fim, entendamos o conceito de discriminação. Discriminar é separar, denota um ato segregacionista.  Trata-se de uma distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em diferenças reais ou imaginárias.

Conforme ensinamento de Joaquim B. Barbosa Gomes (2001, p.19) discriminação constitui a valorização generalizada e definitiva de diferenças, reais ou imaginárias, em benefício de quem a pratica, não raro como meio de justificar um privilégio. Ele afirma ainda que discriminar nada mais é do que insistir em apontar ou em inventar diferenças, valorizar e absolutizar essas diferenças, mediante atividade intelectual voltada à legitimação de uma agressão ou de um privilégio.

Adelino Brandão (2003, p. 12-13) diferencia os termos preconceito e discriminação da seguinte forma:

A discriminação (segregação, separação, apartação) é ato. Como ato, pode ser observado, descrito, testemunhado. Preconceito, como a etmologia do vocábulo indica (pré+conceito) é um pré-juízo, ou seja, um pré julgamento: juízo antecipado ou a priori – opinião formada sem reflexão, conceito anterior a toda experiência ou fato: prevenção, abusão. Encarado como fenômeno psicológico-social, o preconceito é atitude; isto é: expectativa de comportamento do outro. Não pode ser fixado, fotografado, registrado, realmente. Somente pode ser inferido. Num caso de discriminação, desde que os critérios sejam comuns, todos os observadores do fato estarão forçosamente de acordo sobre ele e poderão relatar, objetivamente, o que testemunharam. Num caso de preconceito, cada observador verá e interpretará a seu modo os dados apresentados e as contradições serão inevitáveis. O que a este pareceu manifestação inequívoca de “preconceito racial”, para aquele terá sido um simples “mal entendido”, enquanto um terceiro inferirá que se trataria de preconceito, mas de outra ordem ou categoria, nada tendo de ofensivo. A discriminação envolve desigualdade de tratamento. O preconceito envolve sentimentos (antipatia, aversão, ódio, medo, insegurança, desconfiança etc.).

Fica claro até agora que o racismo é a doutrina que sustenta a superioridade de um grupo em relação a outro. Ele está na raiz do preconceito e da discriminação ilegítima. Preconceito, por sua vez, é uma idéia preconcebida, isto é, formada antecipadamente, sem maiores ponderações ou conhecimento dos fatos. Diz respeito a sentimentos e opiniões intolerantes. Ora, trata-se de algo abstrato, de índole subjetiva, que pode inclusive nunca se manifestar. Já a discriminação estabelece diferenças, separa, segrega. Esta é, portanto, uma desigualdade de tratamento.

4.2 Discriminação legítima e Discriminação ilegítima

A discriminação pode ser ilegítima ou legítima.

Na ilegítima, os critérios usados são irrazoáveis. Utilizando-se de um díscrimen injustificado são atribuídos privilégios a determinados grupamentos, em detrimento de outros. Essa discriminação segrega grupos ou pessoas, em razão de sua cor, orientação sexual, idade, compleição física, etc.

Entre as formas ilegítimas, uma das mais perversas e mais difíceis de serem combatidas é a “discriminação por impacto desproporcional ou adverso”, também chamada de “discriminação de resultados” ou “estrutural”. Trata-se de uma discriminação indireta, ou seja, não advém de uma manifestação expressa. Ela é dissimulada, quase invisível. São, conforme explicação de Joaquim B. Barbosa Gomes (2001, p. 24), “práticas administrativas, empresariais ou de políticas públicas aparentemente neutras, porém, dotadas de grande potencial discriminatório”.

Ainda que não haja intenção discriminatória no momento da concepção dessa prática legislativa ou administrativa, em conseqüência de sua aplicação resultam efeitos nocivos sobre certas categorias de pessoas, historicamente vistas como socialmente vulneráveis.

Nas palavras de Álvaro Ricardo de Souza Cruz (2005, p. 33-34):

Conhecida também como discriminação indireta, a discriminação de fato, que não se dá por meio de atos concretos ou de manifestações expressas, aparece até mesmo nas práticas administrativas, empresariais e nas políticas públicas aparentemente neutras, quando recebe a denominação de discriminação por impacto desproporcional. Diz respeito a práticas já arraigadas, consolidadas no cotidiano e por isso consideradas legítimas até mesmo pelos operadores do Direito. A denominação discriminação por impacto desproporcional explica-se pelo fato de tais práticas procederem a um favorecimento desarrazoado de um grupo em detrimento de outro. Ocorre quando um mesmo tratamento aplicado a todos traz conseqüências negativas somente para alguns.

Ora, é mais fácil perceber e combater a “discriminação intencional”, isto é, aquela que tem o intuito deliberado de marginalizar e traduz-se em atos concretos. É justamente pela dificuldade de ser identificada e combatida que a “disparate impact” - desprovida de concretude – torna-se a forma mais perversa de discriminação.

O “leading case” nessa matéria é o caso Griggs v. Duke Power Co., de 1970. Conforme Joaquim B. Barbosa Gomes (2001, p. 179) a empresa de energia elétrica Duke Power Co., pressionada pelo Estatuto dos Direitos Civis de 1964, permitiu que os negros fossem admitidos em outros setores, não mais se limitando as tarefas em que predominava o trabalho braçal.

Porém, tal empresa estabeleceu como requisito para a promoção de seus funcionários, a aprovação em dois testes de inteligência. Tal exigência, embora impostas indistintamente a negros e brancos, tinha um impacto desproporcional sobre os negros, posto que estes estudaram em escolas de ensino inferior ao ministrado nas escolas dos brancos.

Independente de existir ou não um “ânimo discriminatório” por parte da empresa, o fato é que havia um resultado econômico que perpetuava as iniqüidades sociais.

A Suprema Corte decidiu que provas de admissão, quando não estritamente relacionadas ao desempenho do ofício ou atividade almejada, são inconstitucionais.   Afirmou ainda que “a lei proíbe não apenas a discriminação manifesta, mas também as práticas que são justas na forma, porém, discriminatórias em sua operacionalização” (GOMES, 2001, p. 184).

Percebe-se com isso que as discriminações ilegítimas nem sempre são fáceis de serem identificadas.

Outra questão que dificulta demonstrar a ocorrência da discriminação ilegítima decorre do fato de que o ato configurador da prática discriminatória pode resultar de mais de um motivo, alguns deles legítimos. A isso se dá o nome de “Teoria dos Motivos Mistos” (Mixed motive theory).

Já a discriminação legítima é aquela que pode ser justificada e chancelada pelo direito.  Para que uma discriminação atenda os princípios de igualdade e seja constitucional, segundo Celso Antônio Bandeira de Melo (1978, p.49, 51) é necessário que haja uma relação de pertinência lógica entre “o fator de desequiparação e a diversificação de regime que se lhe faria corresponder”.

Em outras palavras, a discriminação não pode ser gratuita ou fortuita. É necessário que haja uma adequação racional entre: o tratamento diferenciado e o motivo desse tratamento. Nas palavras do próprio Celso Antônio Bandeira de Melo (1978, p. 51):

Em síntese: a lei não pode conceder tratamento específico, vantajoso ou desvantajoso, em atenção a traços e circunstâncias peculiarizadoras de uma categoria de indivíduos se não houver adequação racional entre o elemento diferencial e o regime dispensado aos que se inserem na categoria diferençada.

 Ademais, Celso Antônio Bandeira de Melo (1978, p. 55) ensina que essa correlação lógica precisa estar em conformidade com o sistema constitucional:

De logo, importa, consoante salientado, que haja correlação lógica entre o critério desigualador e a desigualdade de tratamento. Contudo, ainda se requer mais, para lisura jurídica das desequiparações. Sobre existir nexo lógico, é mister que esse retrate concretamente um bem – e não um desvalor – absorvido no sistema normativo constitucional.

Portanto, é necessário, primeiramente, que haja pressupostos fáticos diversos a serem diferenciado. Segundo, precisa-se de uma lei que os diferencie, instituindo um benefício ou exonerando de um encargo determinada categoria de pessoas ou uma pessoa futura e indeterminada. Tal lei deve ter a intenção de desequiparar, ou seja, a diversidade de tratamentos tem de ser professada inequivocamente e não obtida por via implícita ou fortuita. Por fim, é necessário que essa diferenciação tenha um fundamento racional e prestigiado em nossa ordenação jurídica máxima.

Como exemplo de discriminação legítima, temos o ato discriminatório decorrente das necessidades inerentes ao trabalho a executar (“business necessity”).  Ou seja, a natureza do negócio pode validamente justificar algum tipo de discriminação. Por exemplo, as mulheres não participam em certos setores das forças armadas em que é imprescindível a força física. Trata-se de uma discriminação juridicamente admissível, pois há uma justificativa racional para atribuir esse específico tratamento. O Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº. 173312/MS, compartilhou desse mesmo entendimento:

EMENTA: CONCURSO PÚBLICO - ACESSO À CARREIRA MILITAR - DISTINÇÃO DE SEXOS - ISONOMIA - NÃO VIOLAÇÃO - "Resp- administrativo - Concurso público – Sexos masculino e feminino - Não pode haver distinção, em face da isonomia, dos direitos de homem e mulher, embora, pela própria natureza, certas atividades sejam próprias para o homem ou mais recomendadas para a mulher. O acesso é facultado às carreiras militares. Hoje, fica à deliberação do Estado, naquele concurso, precisar de pessoas para atividades recomendadas para homem e não para mulher. Em sendo assim, não vejo que a simples distinção, em si mesma, possa afrontar o princípio da isonomia." (Ac un da 6.ª T do STJ -Resp 173.312 - MS - Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro - j 23.11.98 - Recte.: Estado de Mato Grosso do Sul; Recda.: Francis Helen Dornelas Gimenez - DJU-e 1 22.03.99, p. 262 – ementa oficial) (IOB n.º 9/99 - Caderno 1 - pág. 257).

Outra pratica aceita como discriminação legítima são as ações afirmativas. Tais ações constituem justamente o foco do nosso trabalho.  Como já vimos anteriormente, elas consistem em dar tratamento preferencial a um grupo marginalizado, com o objetivo social de impedir a perpetuação de desigualdades historicamente comprovadas.

Porém, nem todos concordam com a legitimidade dessas ações. Analisaremos a partir de agora os argumentos dos opositores das ações afirmativas. Veremos ainda que, mesmo os que reconhecem a legitimidade dessas medidas, admitem que elas precisam preencher certas condições de validade, que também serão mencionadas no decorrer do capítulo.

4.3 Análise dos argumentos contrários às Ações afirmativas

A partir das ações afirmativas, vantagens não-extensíveis aos demais integrantes da sociedade são concedidas aos grupos desfavorecidos. Alguns desses benefícios não criam danos diretos a terceiros. É o caso, por exemplo, de uma legislação laboral protetora da condição singular feminina que garanta licença maternidade. Ora, conceder tal proteção à mulher não causa prejuízo direto a outros grupos.

 Existem, porém, outras medidas de promoção de grupos socialmente vulneráveis que provocam danos aos demais integrantes da sociedade. Tais medidas recebem o nome de discriminação reversa (reverse discrimination). A partir delas, uma categoria restrita é selecionada para receber vantagens, que, de outra forma, seriam disputadas por um grupo maior.

Com efeito, essas vantagens acabam sendo subtraídos do alcance dos não-beneficiários da política afirmativa. Ou seja, o favorecimento de um grupo implica, necessária e imediatamente, a exclusão de outro. O professor Paulo Gustavo Gonet Branco (2003, p. 131-140), comentando o assunto, assim nos explica:

Trata-se de ‘um jogo de soma zero, no qual a destinação de um bem a uma pessoa significa tirar esse mesmo bem de outra (...). É também um jogo de tudo-ou-nada, porque os bens e as posições alocados não podem ser divididos’. O estabelecimento de quotas para grupos desfavorecidos manifesta bem essa situação de soma zero, característica da discriminação reversa. Veja-se o que acontece aqui: há um número reduzido de vagas para estudantes numa universidade, que normalmente é posto à disputa de todos os interessados que preencham certas condições de capacidade mínima. Quando se adota uma política de quotas para favorecer um segmento da população, um certo número das vagas na universidade não estará mais em disputa pelos estudantes que não pertencem àquela parcela da população. E não estará à disposição de integrantes da maioria apenas por isso – por ele não compartilhar as características, no mais das vezes inatas, daquele segmento beneficiado com a reserva de vagas. Daí se falar em jogo de soma zero – o que é dado a alguém o é porque é retirado de outrem.

Os não contemplados pelas ações afirmativas não raro sentem-se descontentes com o tratamento preferencial dispensado aos beneficiários dessa política.

As principais críticas à ação afirmativa são as de que ela menospreza o princípio universal da igualdade; não leva em conta o sistema de mérito individual; reforça a discriminação e o preconceito racial e; a dificuldade de identificar quem é negro e quem é branco no Brasil.

Analisemos a primeira crítica, isto é, a afirmação de que as políticas de discriminação positiva são inconstitucionais pela quebra do princípio isonômico.

Ora, como vimos no primeiro capítulo deste trabalho, a igualdade ganhou novo contorno, incorporando ao seu conteúdo, a igualdade material.

Logo, o princípio da isonomia não deve ser analisado puramente em seu aspecto formal, mas também em perspectiva material. Com efeito, a aplicação pura e simples da igualdade formal perpetuaria as heranças discriminatórias históricas.

Assim, tomada a acepção material do princípio sob exame, as ações afirmativas nada têm de ilegítimas. José Joaquim Gomes Canotilho (1999, p. 385) bem retrata essa opinião:

Uma das funções dos direitos fundamentais ultimamente mais acentuada pela doutrina (sobretudo a doutrina norte-americana) é a que se pode chamar de função de não-discriminação. A partir do princípio da igualdade e dos direitos de igualdade específicos consagrados na constituição, a doutrina deriva esta função primária e básica dos direitos fundamentais: assegurar que o Estado trate seus cidadãos como cidadãos fundamentalmente iguais. (...) Alarga-se [tal função] de igual modo aos direitos a prestações (prestações de saúde, habitação). É com base nesta função que se discute o problema das quotas (ex.: parlamento paritário de homens e mulheres) e o problema das affirmative actions tendentes a compensar a desigualdade de oportunidades (ex.: quotas de deficientes).

Ainda seguindo esse raciocínio, temos o acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, na Apelação Cível n.º 70013034152, julgada em 25/05/2006, pela terceira câmara cível, tendo como Relator o Des. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino:

A deflagração de políticas pró-ativas, de ações afirmativas frente à questão da segregação racial, de forma a apaziguar os prejuízos impingidos a determinados grupos, excluídos de certos segmentos sociais, econômicos e culturais e com o gozo de direitos humanos e liberdades fundamentais mitigados, não revela violação ao princípio da igualdade. Configura apenas mais uma alternativa para viabilizar o seu hegemônico alcance, indo ao encontro da instituição do tão almejado Estado Democrático de Direito, como sabidamente está dito no preâmbulo da Constituição Federal: ‘(...) destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias (...)’.

Por tudo isso, percebemos que o entendimento predominante é o de que houve uma mudança de paradigmas do sistema jurídico, de tal forma que a igualdade formal foi alijada, dando-se preferência à faceta material do princípio isonômico. Ressaltamos ainda que a igualdade material  respaldam as ações afirmativas.

A própria Constituição-cidadã, como já vimos, foi além da mera vedação das práticas discriminatórias para adotar, por conta própria, políticas públicas de caráter afirmativo.

Em relação à segunda crítica, relativa ao sistema meritocrático, os detratores das ações afirmativas afirmam que, ao dar preferência a determinados grupos, adotam-se critérios de avaliação preestabelecidos, como a cor da pele, em detrimento das aptidões intelectuais e profissionais do indivíduo.

Já os que defendem as políticas afirmativas, sustentam a necessidade de alterar os critérios de apuração de mérito, buscando outros valores, que não digam respeito só ao intelecto. Eles sustentam que os padrões de admissão têm de incluir valores étnicos-raciais e socioeconômicos. Isso porque a inteligência é afetada pela trajetória escolar do indivíduo, de tal forma que os estudantes de condição econômica desfavorável ou marginalizados por serem negros, evidentemente, ficam prejudicados (MADRUGA, 2005, p. 211). 

Ora, tomemos um aluno que desfruta de uma educação de qualidade, em uma escola particular de ensino. Em geral, além de uma boa escola, este aluno também tem a sua disposição, os melhores livros, freqüenta cursos de idiomas estrangeiros, recebe de professores particulares reforço em certas matérias e tem um computador a sua disposição para fazer pesquisas.

Imaginemos, então, outro aluno, que estuda em uma das escolas públicas brasileiras - as quais passam à metade do ano em greve – e que vai para escola sem nem ao menos alimentar-se direito.

 Digamos que o primeiro aluno seja aprovado com 70 por cento de acertos num exame de admissão e o segundo aluno seja aprovado - graças ao sistema de cotas - com apenas 55 por cento de aproveitamento da mesma prova. Esse percentual de acerto indica que o primeiro estudante é mais inteligente que o segundo? Parece-nos que não.

Com efeito, se o segundo aluno, superando as adversidades de sua condição sócio-econômica ou a discriminação em razão da cor de sua pele, conseguiu concluir o segundo grau e obteve ainda os pontos necessários para sua admissão em um vestibular, ainda que dentro de um sistema de cotas, é sem dúvida porque tem seus méritos e estes em nada são inferiores ao de qualquer outro aprovado. Ambos os estudantes demonstraram amor à aprendizagem e alta capacidade de aproveitamento.

Semelhante posicionamento é esboçado por Sales Augusto dos Santos (2003, p. 113-114):

Contudo, faz-se necessário saber de quem é o mérito, ou, se se quiser, quem tem mais mérito. Serão aqueles estudantes que tiveram todas as condições normais para cursar os ensinos fundamental e médio e passaram no vestibular ou aqueles que, apesar das barreiras raciais e de outras adversidades em sua trajetória, conseguiram concluir o ensino médio e também estão aptos para cursar uma adversidade? Devemos considerar somente o mérito da chegada, aquele que se vê ou se credita somente no “cruzamento da linha de chegada”: na aprovação do vestibular? Ou devemos considerar também o mérito de trajetória, aquele que se computa durante a vida escolar dos estudantes, que leva em consideração as facilidades e as dificuldades dos alunos para concluírem os seus estudos?

Assim, mais uma vez mostra-se frágil o argumento contra as ações positivas. O mérito não precisa ser abolido, apenas ter um conjunto mais coerente de critérios, considerando questões econômicas e socioculturais.

O terceiro argumento contrário a essa nova política sustenta que as ações afirmativas reforçam a discriminação e o preconceito racial. Ou seja, elas aumentam a importância da raça na dos indivíduos, “reforçando tendências à racialização da vida política” (MUNANGA, P. 92-93). O resultado final disso seria a divisão da América em subnações raciais e étnicas.

Nesse sentido, George Reid Andrews (1997, p. 139) advertiu que a instituição de ações afirmativas nos Estados Unidos aumentou ainda mais o racismo contra os negros. Em relação a esse agravamento dos conflitos e tensões raciais no país, ele afirma que “Pesquisas indicam que a mera menção às ações afirmativas pode provocar a expressão de atitudes e comportamentos mais racistas entre os brancos do que na ausência de uma menção de tais programas”.

Combatendo essa idéia, Ronald Dworkin (2001, p. 438-439) ensina que a existência de uma consciência racial, tal qual existe nos Estados Unidos, é conseqüência de uma história de escravidão, repressão e preconceito, e não da criação de ações afirmativas. Ele afirma ainda que, os Estados Unidos permanecerão impregnados de divisões raciais enquanto as carreiras mais lucrativas, gratificantes e importantes continuarem a ser prerrogativas de membros da raça branca. Por fim, ele esclarece que é por aumentar o número de negros atuando como elite profissional, que se reduzirá o sentimento de frustração, injustiça e constrangimento racial na comunidade negra.

Assim, as ações afirmativas, ao buscarem a solução de distorções sociais e econômicas, não têm o condão de reforçar a discriminação e o preconceito enraizados no corpo social.

Grupos vulneráveis, como os negros e os índios, não serão diminuídos em seus valores pessoais ao serem beneficiados. Como defende Kabengele Munanga (1996, p. 126) “Desde quando a reparação de danos causados por séculos de discriminação prejudica a dignidade e o orgulho de uma população?”.

O quarto argumento contra as ações afirmativas é o fato de nos constituirmos em um país cuja miscigenação inter-racial foi tão constante que torna difícil a definição de quem é negro.

Nos Estados Unidos, conforme Kaufmann (2007, p. 240-241), prepondera um sistema birracial, isto é, só existem duas “raças”: negros e brancos. Não há categoria de mulatos, morenos ou pardos. Apenas uma gota de sangue negro enegrece a pessoa, ainda que, aparentemente, o indivíduo seja branco. São consideradas negras as pessoas que possuem qualquer ancestralidade africana, tal critério é conhecido como “one drop rule”. Assim, tem-se nesse sistema a necessária objetividade para definir os beneficiários das ações afirmativas.

Já no Brasil, existem várias “raças” intermediárias entre os brancos e os negros, por isso, dizemos tratar-se de um sistema multiracial. Na definição das “categorias raciais” conjugam-se fatores como aparência física, cor da pele e status social (Kaufman, 2007, p. 245-251).

Aqui, sempre se adotou o sistema de autoclassificação, o qual permite fraudes, pois pessoas usando de má-fé podem se declarar negras para se beneficiarem das políticas afirmativas  (Kaufman, 2007, p. 253).

Combatendo esse argumento dos detratores, Cidinha da Silva (2003, p. 39) afirma que é contraditório que todos saibam quem é negro na hora de preteri-los, mas não quando se trata de resguardá-los de manifestações racistas. A autora assim expõe seus argumentos:

Tão logo se iniciou a discussão sobre a implantação das cotas para negros (as) nas universidades brasileiras, seus opositores tentaram impor-nos um falso dilema: quem é negro(a) no Brasil? “Dúvida” nova, haja vista que, para discriminar, o tiro vem historicamente sendo certeiro, mas para garantir direitos (desconstruindo privilégios), surpreendentemente, a pessoa negra se desvanece na decantada miscigenação racial brasileira.

Por tudo isso, vemos o quanto são frágeis os argumentos contrários às ações afirmativas. Assim, esta nova política se estabelece firmemente como instrumento hábil de combate a discriminação.

4.4 Análise das ações afirmativas frente ao princípio constitucional da igualdade

Já constatamos que as normas podem estabelecer critérios diferenciadores entre as pessoas, desde que à eleição de tais critérios seja justificável. São as chamadas discriminações legítimas.

Verificamos ainda que essas discriminações constituem-se em gênero, do qual as discriminações decorrentes da natureza da atividade ou do negócio (business necessity) e as ações afirmativas são espécies.

Entretanto, o fato das ações afirmativas, em tese, serem tidas como não significa que todo programa positivo é invariavelmente amparado pelo sistema constitucional. Isso porque, uma análise desse teor não pode ser feita em abstrato. Assim, cada medida específica deve ser diagnosticada no caso concreta.

 Ademais, uma mesma medida pode ser constitucional em uma região e não o ser em outra, pois a análise depende também do contexto social e cultural para o qual for estabelecida.

Ora, as diferenciações não transgridem a igualdade desde que possuam fundamento razoável e proporcional. É justamente a proporcionalidade que fornece subsídios para melhor interpretação dos casos que digam respeito à restrição de direitos.

Dessa forma, precisamos analisar primeiramente se há conformidade ou adequação dos meios ao objetivo visado. Assim, as políticas afirmativas devem ser adequadas aos nossos problemas, não cabendo a simples transposição de modelos europeus ou norte-americanos para nosso país. Conforme ensinamentos de Munanga (1996. p. 268): aproveitar sem copiar, as experiências estrangeiras, para reinventar nossas próprias soluções.

Além disso, devemos examinar também se a ação afirmativa possui um critério exigível e necessário. Isso porque entendemos que o programa adotado não pode extravasar os limites da consecução dos objetivos determinados.

É necessário ainda diagnosticar se não há um meio de ação menos gravoso, capaz de produzir resultado similar. 

Conforme ensina Roberta Fragoso Menezes Kaufmann (2007, p. 272), as medidas precisam ser as mais limitadas possíveis. Por isso, é conveniente estabelecer prazos certos de duração para as ações afirmativas e elas devem prever um critério de qualificação mínima para os candidatos. Mesmo porque pessoas sem qualificação não conseguiriam acompanhar o ritmo dos demais colegas, ficariam desmotivadas e, conseqüentemente, abandonariam seus cargos e ou estudos.

Tal idéia, de que não se podem ampliar demasiadamente os programas positivos, é conhecida como narrowly tailored (estreitamente desenhadas) e é utilizada pela Suprema Corte dos Estado Unidos como base para analisar a constitucionalidade de programas desse tipo.

Ora, uma política melhor desenhada é mais específica e diminui a margem de pessoas reversamente discriminadas. Por exemplo, imaginemos a reserva de 30 por cento de vagas para negros em um determinado concurso público. Com efeito, a adoção do critério racial isolado acaba beneficiando, sobretudo, a classe alta e média negra que não é a mais carente de benefícios. Dessa forma, a classe pobre negra não seria tão beneficiada.

Ademais, tanto os brancos ricos, quanto os brancos pobres estariam sofrendo danos decorrentes dessa discriminação reversa. Seria justo um programa que beneficiasse negros ricos em um país em que brancos pobres também não tem igualdade de oportunidades? Parece-nos que não.

Entendemos, portanto, que uma ação afirmativa bem desenhada, nesse caso, conjugaria o binômio: raça e pobreza. Acrescentemos inclusive que a união do critério racial com o social daria mais legitimidade a essa medida e a tornaria passível de maior apoio popular.

Por fim, deve-se analisar a proporcionalidade em sentido estrito, na qual se procura perquirir se os resultados obtidos pela política afirmativa são proporcionais à intervenção efetuada. Como ensina Robert Alexy (1999, p. 78), “quanto mais grave é a intervenção em um direito fundamental, tanto mais graves devem ser as razões que a justifiquem”.

Comentando as condições de validade das ações afirmativas Sydney Pessoa Madruga da Silva (2005, p. 268) ensina:

Os critérios diferenciadores suficientes a caracterizar a legitimidade de determinado ato consistem, basicamente, nos seguintes elementos: os objetivos dos atos discriminatórios devem ser lícitos; a desigualdade deve possuir um nexo plausível com a finalidade da norma; e o estabelecimento da diferença ter um conteúdo de razoabilidade e proporcionalidade.

Similar a essa idéia, segundo Mônica de Melo (1998, p.92), a Corte Internacional de Direitos Humanos aceita discriminações quando, cumulativamente: os objetivos da norma ou medida que estabelece o tratamento diferenciado são lícitos; a distinção é baseada em desigualdades reais e objetivas entre as pessoas e circunstâncias; e a proporcionalidade é obedecida.

Ainda nesse sentido, Cláudio Petrini Belmonte (1999, p. 157-174) ressalta serem proibidas diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante (sem qualquer justificação razoável), segundo critérios relevantes. Diz ainda que a norma será arbitrária se não se basear num fundamento sério, se for sem sentido e sem um fim ou se criar diferenciações jurídicas em relação às quais não é evidente um fundamento razoável .

Quem faz uma análise bem detalhada a respeito desse tema é Celso Antônio Bandeira de Melo, em “O Conteúdo Jurídico Constitucional da Igualdade”. Já inclusive citamos algumas considerações desse autor ao tratar das discriminações legítimas, debaixo do tema, “Racismo, Preconceito e Discriminação”. Porém, consideraremos, a partir de agora, de forma mais detalhada essa obra, fundamental para entender que diferenciações podem ser feitas sem a quebra da isonomia.

O referido autor procura delinear qual o critério legitimamente manipulável que autoriza distinguir pessoas e situações em grupos apartados, para fins de tratamentos jurídicos diversos, sem que haja agravos à isonomia.

Cabe a lei dispensar tratamentos desiguais. Ela elege um elemento diferencial e atribui-lhe relevo para fins de discriminar situações. Ou seja, a lei cria regimes diversos, por deferir direitos e obrigações diferentes, para categorias diferentes.

Ora, já que a lei tem a função de discriminar, que este é seu exercício normal, resta saber quando lhe é vedado estabelecer discriminações.

Por via do princípio da igualdade, não se pode estabelecer desequiparações fortuitas, arbitrárias ou injustificadas. Qualquer especialidade ou prerrogativa deve ser fundada em uma razão muito valiosa do bem público.

Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello (1978, p. 16), entre as pessoas há diferenças facilmente perceptíveis a olhos vistos, as quais, todavia, não poderiam ser, em quaisquer casos, erigidas, validamente, em critérios distintivos justificadores de tratamentos jurídicos díspares. Exemplificando isso, ele nos diz:

Assim, ‘exempligratia’, são nitidamente diferenciáveis os homens altos dos homens de baixa estatura. Poderia a lei estabelecer – em função dessa desigualdade evidente - que os indivíduos altos têm direito a realizar contratos de compra e venda, sendo defeso o uso desse instituto jurídico às pessoas de amesquinhado tamanho? Por sem dúvida, qualquer intérprete, fosse ele doutor da maior suposição ou leigo de escassas luzes, responderia pela negativa.

Porém, atentemos ao seguinte fato: se a estatura, nesse caso, não é suscetível de erigir um critério diferencial das pessoas, não significa que, em outra situação, ela não possa caracterizar-se como um discrímen legítimo. Prova disso é a decisão do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº.140889:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO - CONSTITUCIONAL - ADMINISTRATIVO - CONCURSO PÚBLICO PARA INGRESSO NA CARREIRA DE DELEGADO DE POLÍCIA - ALTURA MÍNIMA - REQUISITO - RAZOABILIDADE DA EXIGÊNCIA - 1. Razoabilidade da exigência de altura mínima para ingresso na carreira de delegado de polícia, dada a natureza do cargo a ser exercido. Violação ao princípio da isonomia. Inexistência. Recurso extraordinário não conhecido. (STF - RE 140889 - 2ª T. - Rel. Min. Marco Aurélio - DJU 15.12.2000 - p. 00104)

Nesse segundo caso, portanto, o díscrimen estatura é justo, pois se mostra adequado à função a ser exercida. Existe uma razoabilidade nessa exigência. Pelo que se conclui que em um caso o díscrimen pode ser ilegítimo e em outro legítimo.

Qualquer elemento residente nas coisas, pessoas ou situações pode ser escolhido como fator discriminatório (estatura, credo religioso, cor da pele, cor dos olhos, sexo, compleição física, etc.) sem que isso signifique, por si só, um desacato ao princípio isonômico. Conseqüentemente, não é no traço de diferenciação escolhido que se firmam as desequiparações, sejam elas odiosas ou legítimas.

Ainda assim, o critério discriminatório adotado tem de preencher dois requisitos.  O primeiro é que ele deve ou voltar-se para um único indivíduo indeterminado e indeterminável no presente, ou atingir uma categoria de pessoas. Pois, caso se refira a um sujeito único, atual, determinado ou determinável estará transgredindo a isonomia. O motivo disso fica claro na explicação de Celso Antônio Bandeira de Mello (1978, p. 32):

Figure-se grotesca norma que concedesse benefício ao Presidente da República empossado com tantos anos de idade, portador de tal título universitário, agraciado com as comendas tais e quais e que ao longo de sua trajetória política houvesse exercido os cargos X e Y. Nela se demonstraria uma finalidade singularizadora absoluta; viciosa, portanto. Trata-se, então, de saber se a regra questionada deixa postas abertas à eventual incidência futura sobre outros destinatários inexistentes à época de sua edição, ou se, de revés, cifra-se que ostensiva quer sub-repticiamente apenas a um destinatário atual. Neste último caso é que haveria quebra do preceito igualitário.

O segundo requisito é que o critério discriminatório há de residir, necessariamente, na pessoa, coisa ou situação, pois elemento algum que não resida nelas mesmas poderá servir de base para sujeitá-las a regimes diferentes. Afinal, não há como desequiparar pessoas e situações quando nelas não se encontram fatores desiguais.

Além disso, deve haver uma correlação lógica entre o fator de desigualação e o tratamento jurídico diferenciado. Essa pertinência lógica não pode ser aferida de forma abstrata, pois dependendo do momento histórico e das concepções próprias da época, uma mesma lei poderá ora ser ofensiva ao princípio isonômico, ora ser plenamente compatível com ele.

Por fim, é necessário que a correlação lógica entre o critério de discriminação e o tratamento jurídico diferenciado esteja em consonância com os interesses prestigiados na ordenação jurídica máxima, a Constituição.

Por tudo isso, concluímos que nem todo programa positivo é invariavelmente amparado pelo princípio constitucional da igualdade. Sendo assim, é imprescindível que cada medida específica seja diagnosticada no caso concreto.

Nessa análise, devemos apurar: se há fundamento razoável e proporcional para atribuir um tratamento diferenciado; se há conformidade ou adequação dos meios ao objetivo visado; se não há um meio de ação menos gravoso, capaz de produzir resultado similar; se os resultados obtidos pela política afirmativa são proporcionais à intervenção efetuada; se há uma correlação lógica entre o fator de desigualação e o tratamento jurídico diferenciado; e, por fim, se essa correlação está de acordo com os interesses absorvidos no sistema constitucional.


5. Conclusão

Afirmamos ainda categoricamente que houve uma evolução do princípio isonômico. Partimos de um Estado Liberal em que vigorava a neutralidade e uma obtusa igualdade formal. Chegamos, enfim, ao Estado Social capaz de sopesar as desigualdades e implantar medidas afirmativas.

Dessa forma, ficou evidente que as ações afirmativas são uma evolução do princípio da igualdade.

A respeito do surgimento dessas medidas afirmativas, entendemos que o desenvolvimento dos programas positivos começou nos Estados Unidos. Entretanto, não foi com o intento de se promover o princípio da igualdade que eles puseram em prática tais programas. Pelo contrário, os programas positivos foram implementados com o objetivo de evitar uma segunda guerra civil nesse país e não em razão da grande preocupação deles com a raça negra. Afinal, como vimos, foi o próprio governo americano quem criou o sistema Jim Crown de segregação.

Percebemos também que as medidas se iniciaram como políticas neutras de combate à discriminação institucionalizada, a chamada “política cega à cor”, só depois evoluindo para um sentido ativo e inclusivo.

Vimos que as ações afirmativas, também denominadas discriminações positivas na terminologia do direito europeu, são instrumentos de promoção da igualdade material ou substancial direcionados para as minorias sociais. Termo este que se vincula a idéia de vulnerabilidade e que independe de amplitude quantitativa.  

Compreendemos ainda que as ações afirmativas são políticas de caráter temporário para a maior parte da doutrina. Havendo, porém, quem defenda que estas são definitivas. Por fim, vimos que elas podem ser praticadas por entidades privadas ou pelo governo, nos diferentes poderes e nos diversos níveis.

Em relação à natureza dessas ações, concluímos que a teoria da Justiça Compensatória e a da Justiça Distributiva podem ser conjugadas, pois nada obsta que as ações afirmativas encontrem justificativas tanto nas injustiças cometidas no passado, quanto na necessidade de distribuir benefícios, riquezas, direitos, vantagens e posições que foram monopolizadas por certos grupos em razão da discriminação.

Quanto aos objetivos dessas medidas, entendemos que as ações afirmativas buscam primeiramente a consecução do princípio da igualdade material, garantindo oportunidades aos indivíduos ou grupos excluídos socialmente. Além desse objetivo principal, tais ações buscam também mudança na mentalidade dos homens, posto que preconceitos e discriminações estão arraigados culturalmente nos modos de pensar tradicionais.

 Desejam ainda: uma maior convivência com a diversidade; eliminar o racismo institucional e as barreiras artificiais e invisíveis; reparar danos causados a grupos no passado e no presente; concretizar os princípios da diversidade e do pluralismo; criar personalidades emblemáticas; e fortalecer a consciência de que pertencemos todos a uma comunidade política comum.

Percebemos também, ao analisar o ordenamento jurídico brasileiro, que no sistema constitucional e infraconstitucional já são adotadas algumas medidas afirmativas. Ademais, ficou claro que as cotas não são a única modalidade de política positiva. Existem diversas outras medidas, como bolsas de estudos, reforço escolar, programas especiais de treinamento, linhas especiais de crédito, estímulos fiscais diversos e assim por diante.

Oportunamente, diferenciamos racismo, preconceito e discriminação. Nesse tópico, ficou claro que o racismo é a doutrina que sustenta a superioridade de um grupo em relação a outro. Preconceito, por sua vez, é uma idéia preconcebida, isto é, formada antecipadamente, sem maiores ponderações ou conhecimento dos fatos. Diz respeito a sentimentos e opiniões intolerantes. Com efeito, trata-se de algo abstrato, de índole subjetiva, que pode inclusive nunca se manifestar. Já a discriminação estabelece diferenças, separa, segrega. Esta é, portanto, uma desigualdade de tratamento.

Vimos ainda que a discriminação pode ser legítima ou ilegítima. Na ilegítima, os critérios usados são irrazoáveis. Essa discriminação segrega grupos ou pessoas, em razão de sua cor, orientação sexual, idade, compleição física, etc. Já na legítima, os critérios diferenciadores entre as pessoas são justificáveis.

Constatamos ainda que as discriminações decorrentes da natureza da atividade ou do negócio (business necessity) e as ações afirmativas são espécies de discriminações legítimas.

Analisamos os argumentos contrários às ações afirmativas. Observamos que as principais críticas à ação afirmativa são as de que ela menospreza o princípio universal da igualdade; não leva em conta o sistema de mérito individual; reforça a discriminação e o preconceito racial e; a dificuldade de identificar quem é negro e quem é branco no Brasil.

Mostramos o quanto cada um desses argumentos é frágil, razão pela qual as ações afirmativas se estabelecem firmemente como instrumento hábil de combate a discriminação ilegítima.

Ao analisar as ações afirmativas à luz do princípio constitucional da igualdade, concluímos que nem todo programa positivo é invariavelmente amparado por esse princípio. Sendo assim, constatamos que é imprescindível que cada medida específica seja diagnosticada no caso concreto.

Assim, em resposta a problematização oferecida na introdução do presente do trabalho, sobre até que ponto o desvio da igualdade formal é admissível para se atender a propósitos de igualdade de fato, entendemos que a resposta não pode ser dada a partir de uma análise em abstrato.

Cada caso de desequiparação deve ser analisado frente às dimensões do princípio da igualdade qual direito fundamental. Nessa análise, devemos apurar: se há fundamento razoável e proporcional para atribuir um tratamento diferenciado; se há conformidade ou adequação dos meios ao objetivo visado; se não há um meio de ação menos gravoso, capaz de produzir resultado similar; se elas são estreitamente desenhadas para o problema social a visam combater; se os resultados obtidos pela política afirmativa são proporcionais à intervenção efetuada; se há uma correlação lógica entre o fator de desigualação e o tratamento jurídico diferenciado; e, por fim, se essa correlação está de acordo com os interesses absorvidos no sistema constitucional.


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GARCIA, Poliana Pereira. Análise das ações afirmativas à luz do princípio da igualdade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3160, 25 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21152. Acesso em: 18 abr. 2024.