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Uma Polícia Civil mais eficiente se faz com carreira única

Uma Polícia Civil mais eficiente se faz com carreira única

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É viável a extinção das atuais carreiras policiais civis e seus respectivos cargos, criando uma nova carreira (carreira policial civil) e aproveitando os servidores das carreiras e cargos anteriores. É ato discricionário do chefe do Poder Executivo. Basta verificar a compatibilidade funcional e remuneratória, além da equivalência dos requisitos exigidos em concurso público.

Sumário: 1. INTRODUÇÃO; 2. POLÍCIA CIVIL; 2.1. Conceito; 2.2. Direção; 2.3. Competências (funções estatais); 2.4. Subordinação;2.5. Organização e funcionamento (princípio da eficiência); 2.6. Subsídio e servidor policial; 2.7. Servidor policial civil; 2.8. Carreira única nas polícias civis: resistências; 2.9. Delegado de polícia de que carreira?; 2.9.1. Emenda Constitucional nº 19/1998 e a Polícia Civil; 2.9.2. CARREIRA ÚNICA e o Supremo Tribunal Federal - STF; 2.9.3. STF ADI 245 RJ; 3. REGIME JURÍDICO: DIREITO ADQUIRIDO?; 4. POLÍCIA CIVIL: órgão público autônomo (Hely Lopes Meirelles); 5. CARREIRA, CARGO E CLASSE; 6. CRIAÇÃO, EXTINÇÃO E TRANSFORMAÇÃO DE CARGOS; 7. APROVEITAMENTO; 7.1. APROVEITAMENTO: conceito; 7.2. APROVEITAMENTO: decisões do STF.


1. INTRODUÇÃO:

Com o crescimento da violência e a falta de resposta das instituições policiais constitucionalmente definidas, percebe-se que há algo de errado no estabelecimento dos órgãos estaduais de segurança pública. Em alguns poucos Estados já houve, além de fortes investimentos em recursos materiais, uma significativa melhoria nas remunerações dos servidores policiais. Todavia, nota-se que não há uma conseqüente e marcante redução nos índices de violência e criminalidade.

Alguns teóricos podem afirmar que a violência e a criminalidade são fenômenos sociais que somente serão consideravelmente reduzidos com uma forte presença social do Estado. Em parte, isso é verdade, mas só em parte. Não é muito explorada, principalmente pela chamada “mídia especializada”, a desorganização administrativa dos órgãos de segurança pública, em especial os estaduais: polícia civil, polícia e corpo de bombeiro militar. Estes, se fossem empresas privadas, já estariam falidos há muito tempo pela falta de EFICIÊNCIA.

As “empresas” estaduais de Segurança Pública, na atual conjuntura, não estimulam seus “empregados”. Estes, na sua grande maioria não têm qualquer perspectiva de crescimento profissional com o consequente crescimento econômico. Dessa maneira, na Polícia Civil sergipana, quem ‘nasce’ delegado, ‘morre’ delegado, quem ‘nasce’ escrivão, ‘morre’ escrivão, quem ‘nasce’ agente, ‘morre’ agente; na Polícia e Bombeiro Militar sergipanos, quem ‘nasce’ praça, ‘morre’ praça, quem ‘nasce’ oficial, ‘morre’ oficial.

Os profissionais de segurança pública permanecem profissionalmente estáticos sem se preocupar em crescer em seu labor. Suas únicas preocupações são as recomposições e/ou os aumentos salariais. Não se debate internamente se o serviço está ou não sendo prestado com qualidade e eficiência, se o “cliente” está ou não satisfeito. Dessa forma, aumentar a folha de pagamento será sempre considerado aumento de despesa e nunca investimento.

Nesse contexto, todas as manifestações de classe têm como foco central: o aumento de salário. Exige-se aumento simplesmente pelo fato de se existir, sem nenhuma preocupação orgânica com a necessidade de se dar aos “clientes” a devida contrapartida, qual seja, melhoria na prestação dos serviços.

É uma percepção óbvia que todo trabalhador vai sempre querer perceber melhor salário. Afinal, ser remunerado pela sua força de trabalho é o justo. Agora, há que existir aumentos gerais e indistintos para todos e aumentos pontuais para aqueles que objetiva e efetivamente mereçam.

Nesse contexto, em que a única causa trabalhista é o salário, o “funcionário” faz de seu “emprego” um bico. Busca-se ascensão social por outras vertentes profissionais completamente diversas da sua profissão de origem. Até os poucos cursos oferecidos pelas academias das polícias não interessam, pois em nada serve de requisito para possíveis promoções.

É urgente, portanto, uma mudança de paradigma organizacional nas estruturas funcionais dos órgãos de segurança pública. Não se realizará um serviço público policial verdadeiramente eficiente enquanto houver concurso para chefe. Este deve ser nascer da base, forjado na experiência e na qualidade técnica observada com critérios objetivos. É preciso a instituição da MERITOCRACIA OBJETIVA no serviço público policial.


2. POLÍCIA CIVIL.

Antes de entrarmos propriamente na proposta sindical de projeto lei orgânica da Polícia Civil do estado de Sergipe que venha a garantir a eficiência do trabalho policial civil é imperioso o conhecimento de informações básicas.

2.1. Conceito

A Polícia Civil, ao lado da Polícia e do Corpo de Bombeiros Militar, é órgão público estadual de Segurança Pública, com previsão constitucional, cuja função estatal é prestação do serviço público policial civil. Este tido como dever do Estado e responsabilidade de todos.

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

V- polícias civis.

2.2. Direção

De acordo com a primeira parte do §4º do art. 144 da Constituição Federal, os órgãos públicos denominados Polícias Civis devem ser dirigidas por SERVIDOR PÚBLICO ocupante do CARGO PÚBLICO EFETIVO de delegado de polícia de CARREIRA. Ver-se-á adiante que essa carreira pode ser a carreira de delegado ou a carreira policial civil.

Art. 144. (...).

§4º. Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

Assim, delegado de polícia é o nome do cargo público efetivo ocupado pelo servidor apto a comandar o órgão público Polícia Civil.

A direção do órgão público POLÍCIA CIVIL, é atribuição constitucional do cargo de delegado de polícia, esteja ou não descrita na Lei Orgânica Nacional das Polícias Civis (prevista no §7º do art. 144 da CF e ainda inexistente) bem como nas respectivas Leis Orgânicas Estaduais. Assim, acrescente-se às atribuições legais do cargo de delegado de polícia a atribuição de direção do órgão policial civil.

2.3. Competências (funções estatais)

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos.

§4º. Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

De acordo com a segunda parte do §4º do art. 144 da Constituição Federal, o ÓRGÃO PÚBLICO denominado Polícia Civil tem a função estatal de prestar o serviço público policial civil, através (rol taxativo):

a) da preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio – competência geral de todos os órgãos de segurança pública (CF, art. 144, caput); e,

b) do exercício da função de polícia judiciária estadual comum e da apuração de infrações penais comuns – ou seja, a INVESTIGAÇÃO CRIMINAL ESTADUAL COMUM (CF, art. 144, §4º, 2ª parte). A Polícia Civil investiga os delitos, exceto aqueles que não são de competência da Polícia Federal, bem como os chamados delitos militares.

2.4. Subordinação

A Polícia Civil, ao lado da Polícia e do Corpo de Bombeiros Militar, é órgão estadual de Segurança Pública subordinado diretamente ao governador. E esta prerrogativa é indelegável (se fosse delegável a própria Constituição Federal assim disporia).

Art. 144. (...):

§6º. As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

Assim, os chefes da Polícia Civil têm status constitucional de Secretário de Estado.

2.5. Organização e funcionamento (princípio da eficiência)

Art. 144. (...):

§7º. A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.

O citado dispositivo constitucional originário ainda não regulamentado (§7º do art. 144) traz uma informação muito cara aos legisladores infraconstitucionais. A legislação de organização e funcionamento dos órgãos de segurança pública DEVE GARANTIR a eficiência de suas atividades.

Celso Antonio Bandeira de Melo[1], referindo-se a doutrina italiana, trata o princípio da eficiência como sendo ‘princípio da boa administração’ que consiste em desenvolver a atividade administrativa ‘do modo mais congruente, mais oportuno e mais adequado aos fins a serem alcançados, graças à escolha dos meios e da ocasião de utilizá-los, concebíveis como os mais idôneos para tanto’.

Diógenes Gasparini[2] leciona que ao se atender o princípio da eficiência, deve-se ir ‘mais além’. Para ele, ‘de fato, certas situações não devem ser mantidas se o contrariarem. O agente público, em tais casos, deve tomar as medidas necessárias para pôr fim a certa situação tida, em termos de resultados, por desastrosa para o Estado. Assim, deve extinguir órgãos e entidades e remanejar servidores sempre que se verificar um descompasso entre a situação existente e o princípio da boa administração, (...)’.

Dirley da Cunha Junior[3], citando Maria Sylvia Zanella di Pietro, diz que “o princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e pode ser também considerado em relação ao modo de organizar, estruturar e disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar o melhores resultados no desempenho da função ou atividade administrativa”.

Este segundo aspecto (modo de organizar, estruturar e disciplinar a administração pública), é o que deve ser observado quando da formulação de uma nova lei orgânica estadual da Polícia Civil. A atual forma de organização dos cargos e classes em diversas carreiras em nada favorece uma prestação de serviço público policial civil eficiente.

O princípio da eficiência (boa administração) somente foi expressamente previsto para a Administração Pública em geral, através da EC nº 19/98, que o inseriu no caput do art. 37 do texto constitucional. Até então era um princípio implícito para o conjunto da Administração Pública. O princípio da eficiência para a Administração Pública em geral é, pois, norma constitucional derivada.

CF, art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Para Daniel Augusto Mesquita e outros[4], este ‘princípio está intimamente ligado aos objetivos da Reforma Administrativa do Estado, realçada no final da década de 1990, que objetivava atingir um modelo de Administração Pública Gerencial. Preconizava o controle de resultados e não de meios’.

Dessa maneira, enquanto a Administração Pública em geral somente teve a obrigação constitucional de observar o princípio da eficiência com a EC nº 19/98, o legislador constituinte originário deixou, desde início, expresso que o princípio da eficiência deveria ter observação obrigatória quando o tema fosse Segurança Pública.

CF, art. 144. (...).

§7º. A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.

Então, é racional se buscar um novo modo de organizar, estruturar e disciplinar a Administração Pública Policial Civil em que se prime pela EFICIÊNCIA.

Ver-se-á adiante que é mais EFICIENTE organizar os cargos e classes policiais civis, preservando o cargo de delegado de polícia, em uma ÚNICA CARREIRA, a CARREIRA POLICIAL CIVIL.

2.6. Subsídio e servidor policial

Art. 144. (...).

§9º. A remuneração dos servidores policiais integrantes dos órgãos relacionados neste artigo será fixada na forma do § 4º do art. 39. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

O §9º do art. 144, da CF, inserido pela EC nº 19/98, conhecida como a emenda da reforma administrativa, veio informar a obrigatoriedade do subsídio com modalidade remuneratória obrigatória para os servidores da atividade fim dos órgãos de Segurança Pública.

O serviço público relativo à Segurança Pública sempre foi considerado pela doutrina e pela jurisprudência como sendo um serviço público essencial. O subsídio é a modalidade remuneratória dos agentes políticos e dos integrantes das chamadas Carreiras de Estado. Desse modo, com a obrigatoriedade do subsídio como modalidade remuneratória dos servidores da atividade fim dos órgãos de Segurança Pública, estes passaram a ter status constitucional de integrantes de CARREIRA DE ESTADO.

Outra preciosa informação trazida pelo §9º do art. 144, foi a denominação genérica de SERVIDORES POLICIAIS para todos os integrantes dos órgãos de Segurança Pública.

Assim, pode-se depreender o seguinte:

2.7. Servidor policial civil

Fácil então se perceber que todos os servidores públicos da atividade fim do órgão policial civil são denominados, por decorrência constitucional, SERVIDORES POLICIAIS CIVIS. Estes, na medida das atribuições que a lei lhes conferir, são autoridades policiais civis. Ou seja, a eles a lei deve conferir, na medida exata, o múnus público da INVESTIGAÇÃO CRIMINAL (poder de polícia judiciária estadual comum e de apurar as infrações penais comuns).

Em Sergipe, são servidores policiais civis, e por via de conseqüência autoridades policiais civis, os ocupantes dos cargos públicos efetivos de DELEGADO, ESCRIVÃO, AGENTE E AGENTE AUXILIAR.

2.8. Carreira única nas polícias civis: resistências.

A primeira resistência a ser debelada é a utilização de normas de direito processual penal comum para explicar conteúdos de direito constitucional e/ou administrativo. Assim, cumpre afirmar que a análise sobre a possibilidade de organização dos cargos e classes policiais civis em carreira única deve ser feita sob o prisma jurídico dos modernos ditames do direito constitucional e do direito administrativo.

Muitos, seja por ignorância, seja por má vontade, reduzem o debate técnico-jurídico a especulações acerca da interpretação da expressão ‘autoridades policiais e seus agentes’, presente no Código de Processo Penal. Essa redação data da promulgação do texto legal, ou seja, 1941. Essa figura não existe mais, pois, segundo a moderna concepção, todos são agentes públicos.

Assinale-se, ainda, que a expressão ‘delegado de polícia’ somente foi inserida no texto do referido código através da Lei nº 5.126/1966, que deu nova redação ao inciso XI do art. 295 do CPP, ao elencar as autoridades com direito à prisão especial.

Concluir-se-á, adiante, que todo integrante de órgão de segurança pública é considerado como servidor policial, ou seja, autoridade policial.

Outra resistência a ser extirpada, quando se fala em modernização das Polícias Civis brasileiras através da instituição da CARREIRA ÚNICA, é o fato de que somente se autorizaria a legislação infraconstitucional a organizar os cargos e classes policiais civis em carreira única através de uma alteração no atual texto constitucional. Ou seja, através de uma Proposta de Emenda Constitucional – PEC. O “equívoco” está na única e tendenciosa interpretação que se dá ao texto do parágrafo 4º do art. 144 da Constituição Federal. Reflexo ainda de sua exegese antes da promulgação da Emenda Constitucional nº 19 de 04 de junho de 1998.

Ver-se-á adiante que esta emenda constitucional abriu não apenas a possibilidade de modernização geral da Administração Pública brasileira, como também a possibilidade de modernização da Administração Pública relativa à Polícia Civil.

Aqueles que resistem se esquecem que a Polícia Civil é um órgão público (estadual) que deve prestar um serviço público (investigação criminal) através de seus agentes públicos (servidores policiais civis) que ocupam cargos públicos com atribuições definidas e delimitadas por lei. Esses cargos podem ser organizados em ‘cargos isolados’ ou em ‘cargos em carreira’.

2.9. Delegado de Polícia de que Carreira?

Como visto anteriormente, a Constituição Federal determinou que o comando da Polícia Civil fosse uma atribuição exclusiva do servidor policial civil ocupante do cargo público efetivo de delegado de polícia de CARREIRA.

Conforme dito inicialmente, a grande resistência na organização dos cargos e classes policiais civis em carreira única reside na única interpretação que é dada à expressão CARREIRA no contexto do dispositivo constitucional citado.

Art. 144. (...).

§4º. ÀS POLÍCIAS CIVIS, DIRIGIDAS POR DELEGADOS DE POLÍCIA DE CARREIRA, (...).

Como não há Lei Orgânica Nacional da Polícia Civil, por ainda não haver sido regulamentado o §7º do art. 144 da Constituição Federal, o campo interpretativo da expressão “DELEGADOS DE POLÍCIA DE CARREIRA” se amplia.

Assim, é plenamente possível se afirmar que as Polícias Civis devem ser dirigidas:

a) por delegados de polícia da CARREIRA DE DELEGADO DE POLÍCIA; ou,

b) por delegados de polícia da CARREIRA POLICIAL CIVIL.

Na primeira hipótese, haverá ainda outras carreiras, dentre as quais, a carreira de agente, a carreira de escrivão etc. Já na segunda hipótese, haverá apenas uma única carreira policial civil, organizada em classes e cargos com atribuições ligadas à função estatal do órgão policial civil, qual seja, a investigação criminal.

Crê-se que ambas as interpretações são juridicamente possíveis, mormente após a promulgação da Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998.

2.9.1. Emenda Constitucional nº 19/1998 e a Polícia Civil.

Antes da EC nº 19/1998.

Para percebermos o impacto desta emenda na organização da Polícia Civil, é fundamental conhecermos os textos originais, por ela revogados, ei-los:

Art. 241. Aos delegados de polícia de carreira aplica-se o princípio do art. 39, §1º, correspondente às carreiras disciplinadas no art. 135 desta Constituição.

Art. 39. (...).

§1º. A lei assegurará, aos servidores da administração direta, isonomia de vencimentos para cargos de atribuições iguais ou assemelhados do mesmo Poder ou entre servidores dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, ressalvadas as vantagens de caráter individual e as relativas à natureza ou ao local de trabalho.

Art. 135. Às carreiras disciplinadas neste título aplicam-se o princípio do art. 37, XII, e o art. 39, §1º.

Como se vê, interpretação combinada dos textos originais dos arts. 39 e 241 da CF (anterior a EC nº19/98) concediam aos delegados de polícia de carreira isonomia de vencimentos com as chamadas doutrinariamente carreiras jurídicas, aquelas cujas funções são essenciais à justiça (MP, AGU, Advocacia e Defensoria Pública). Assim, delegados nunca tiveram o status de carreira jurídica, apenas tinham garantida de isonomia vencimental.

A isonomia de vencimentos com as ditas carreiras jurídicas, numa análise conjunta destes dispositivos constitucionais, era a fundamentação jurídico-constitucional para se considerar a carreira de delegado de polícia como uma carreira (categoria) específica, diferenciada. Isso deixou de ocorrer com o advento da Reforma Administrativa do Estado, trazida pela EC nº 19/1998.

Depois da EC nº 19/1998.

A EC nº 19/1998, ou como também ficou conhecida, a emenda da reforma administrativa do Estado brasileiro, alterou por completo os textos dos artigos 39 e 241, bem como incluiu o parágrafo §9º ao artigo 144.

Como dito acima, essas alterações suprimiram a especificidade da carreira (categoria) de delegado de polícia civil. O novo texto do art. 241 acabou com a isonomia de vencimentos dos delegados de polícia civil com os integrantes das chamadas carreira jurídicas. O texto do incluído §9º do art. 144 passou a denominar todos os integrantes dos órgãos de segurança pública como servidores policiais. As carreiras destes passaram então a ser consideradas como ‘carreiras de Estado’, em razão da obrigatoriedade de fixação da remuneração na forma de subsídio. Este espécie de remuneração utilizada para as carreiras de Estado (membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais).

Art. 144. (...):

§9º. A remuneração dos servidores policiais integrantes dos órgãos relacionados neste artigo será fixada na forma do § 4º do art. 39. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Art. 39. (...).

§4º. O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por SUBSÍDIO fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI. (incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Dessa forma, todos os integrantes (atividade-fim investigação) do órgão de segurança pública Polícia Civil passaram a ser compreendidos como SERVIDORES POLICIAIS CIVIS, integrantes de carreira ou de carreiras de Estado. São todos, portanto, membros de uma mesma categoria, qual seja, a categoria policial civil. Ao servidor policial civil ocupante do cargo público efetivo de delegado de polícia permaneceu a exclusividade da direção máxima do órgão (CF, art. 144, §4º).

A falta de regulamentação do §7º do art. 144 da CF associada ao conjunto de reformas produzidas pela EC nº 19/1998, passou a permitir aos Estados, firmes na regra do §3º do art. 24 da CF, a formulação de leis orgânicas para suas Polícias Civis, podendo optar em organizar os cargos e classes policiais civis, ou em diversas carreiras, ou em uma única carreira. A primeira opção tem sido a utilizada. Todavia, vem se mostrando como uma má escolha, pois divide o órgão, desagregando seus servidores.

CF, art. 144. (...):

§7º. A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.

Art. 24. (...).

§3º. Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

Abriu-se, portanto, o caminho para a instituição da CARREIRA ÚNICA não apenas nos órgãos policiais civis, como também em todos os órgãos de segurança pública brasileiros.

Diante da prova da ineficiência das Policiais Civis brasileiras, em sua grande maioria, sucateada, com baixos salários, desmotivada e servindo como mero órgão de registro cartorário, com pontuais e inconsistentes operações midiáticas, vê-se que o modelo atual de organização dos cargos e classes policiais civis em várias carreiras não é o mais eficiente. Não é, pois, a melhor das opções.

2.9.2. CARREIRA ÚNICA e o Supremo Tribunal Federal (STF).

Não há, até o presente momento, nenhuma decisão do STF que diga ser inconstitucional a instituição da CARREIRA ÚNICA na Polícia Civil, na hipótese de extinção de um regime jurídico com a criação de outro, com progressão funcional previsto por provimento derivado na modalidade PROMOÇÃO, respeitando-se o contido no §4º do art. 144 da Constituição Federal, ou seja, que o órgão policial civil deve ser dirigido pelo servidor policial civil ocupante do cargo público efetivo de delegado de polícia civil.

Via de regra, as decisões do STF que vedam a possibilidade de instituição da CARREIRA ÚNICA na Polícia Civil se fundamentam na manutenção do regime jurídico associado à progressão funcional mediante o provimento derivado denominado ASCENÇÃO. Esta modalidade de provimento derivado não mais tem respaldo constitucional, segundo reiteradas decisões do Guardião da Constituição Federal.

2.9.3. STF ADI 245 RJ.

EMENTA: ação direta de inconstitucionalidade. Polícia Civil. Carreira de Delegado. Ascensão funcional. - Se a Constituição Federal, no parágrafo 4º do artigo 144, estabelece que as polícias civis dos Estados serão dirigidas por delegados de polícia de carreira, não será possível, inclusive para as Constituições Estaduais, estabelecer uma carreira única nas polícias civis, dentro da qual se incluam os delegados, ainda que escalonados em categorias ascendentes. O que a Constituição exige é a existência de carreira específica de delegado de polícia para que membro seu dirija a polícia civil, tendo em vista, evidentemente, a formação necessária para o desempenho dos cargos dessa carreira. – A ascensão funcional não mais é admitida pelo inciso II do artigo 37 da atual Constituição. – Ação direta de inconstitucionalidade que se julga procedente para declarar inconstitucional o parágrafo 1º do artigo 185 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro.

Ao ler a presente ementa, os mais ‘apressados’ podem afirmar que o STF já decidiu não ser possível organizar os cargos e classes policiais civis em carreira única. Essa interpretação ou é fruto da pressa (que é a inimiga da perfeição), ou é oriunda do mau corporativismo, aquele que enfraquece a instituição em prol de interesses de pequenos grupos.

A única certeza que a presente decisão traz é que a ASCENSÃO é forma de provimento derivado não permitida pela atual ordem jurídica constitucional, portanto não pode servir de suporte jurídico para a organização dos cargos e classes policiais civis em CARREIRA ÚNICA. Ou seja, as polícias civis não podem organizar seus cargos em carreira única através da ascensão.

Vejamos o texto do dispositivo declarado inconstitucional, por maioria:

Constituição do Estado do Rio de Janeiro

Art. 185. (...):

§1º. A carreira de Delegado de Polícia faz parte da carreira única da polícia civil, dependendo o respectivo ingresso de classificação em concurso público de provas e títulos e, por ascensão, sendo que metade das vagas será reservada para cada uma dessas formas de provimento, podendo ser aproveitadas para concurso público as vagas que não forem preenchidas pelo instituto da ascensão.

Impende pontuar, ainda que a presente decisão, datada de 05 de agosto de 1992, não mais tem significado jurídico algum com o advento da Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998, que retirou a isonomia de vencimentos dos delegados de polícia civil com os cargos das carreiras jurídicas.


3. REGIME JURÍDICO: DIREITO ADQUIRIDO?

Os servidores públicos têm direito adquirido a permanecerem com o atual regime jurídico?

José dos Santos Carvalho Filho[5], cujo entendimento é pacífico, assinala que a resposta reclama a análise de dois vetores.

O primeiro diz respeito ao estatuto funcional. O servidor, quando ingressa no serviço público sob o regime estatutário, recebe o influxo das normas que compõem o respectivo estatuto. Essas normas, logicamente, não são imutáveis; o Poder Público pode introduzir alterações com vistas à melhoria dos serviços, à concessão ou extinção de vantagens, à melhor organização dos quadros funcionais etc. Como as normas estatutárias são contempladas em lei, segue-se que têm caráter genérico e abstrato, podendo sofrer alterações como ocorre, normalmente, em relação aos demais atos legislativos. O servidor, desse modo, não tem direito adquirido à imutabilidade do estatuto, até porque, se o tivesse, seria ele um obstáculo à própria mutação legislativa.

E segue o autor, afirmando que as leis que traduzem normas gerais e abstratas, como é o caso dos estatutos, são normalmente alteráveis.

José dos Santos Carvalho Filho define como o segundo vetor, o fato de a lei estatutária contemplar vários direitos individuais para o servidor. A aquisição desses direitos, porém, depende sempre de um fato gerador que a lei expressamente estabelece. Se se consuma o suporte fático previsto na lei e se são preenchidos os requisitos para o seu exercício, o servidor passa a ter direito adquirido ao benefício ou vantagem que o favorece. Aqui, portanto, não se trata do problema da mutabilidade das leis, como antes, mas sim, da imutabilidade do direito em virtude da ocorrência do fato que o gerou. Cuida-se nesse caso de direito adquirido do servidor, o qual se configura como intangível mesmo se a norma legal vier a ser alterada.

José Maria Pinheiro Madeira[6] ensina que ‘na doutrina brasileira a posição sufragada é que a extinção de cargo do Poder Executivo efetivamente é de iniciativa do Chefe do Executivo, que tem discricionariedade para propor ou não a referida extinção, de acordo com os estudos que realizar e conclusões a que chegar, de acordo com o juízo de conveniência e oportunidade. Por não possuir caráter punitivo, não há falar na aplicação da Teoria dos Motivos Determinantes.

Percebe-se, portanto, que os atuais servidores da Polícia Civil e da COGERP NÃO têm direito adquirido à manutenção do atual regime jurídico.

O que deve restar garantido para os servidores é a IRREDUTIBILIDADE DOS VENCIMENTOS.


4. POLÍCIA CIVIL: Órgão Público Autônomo (Hely Lopes Meirelles).

Como todo ÓRGÃO, parafraseando Hely Lopes Meirelles[7], a Polícia Civil é um centro de competência instituído para o desempenho de funções estatais (investigação criminal estadual comum), através de seus agentes (agentes, agentes auxiliares, delegados e escrivães), cuja atuação é imputada à pessoa jurídica a que pertencem. A Polícia Civil é, portanto, uma unidade de ação com funções específicas (investigação criminal estadual comum) na organização estatal.

A Polícia Civil, como centro de competência (órgão)[8], tem necessariamente funções, cargos e agentes, mas se distingui desses elementos, os quais podem se modificados, substituídos ou retirados sem supressão da unidade orgânica.

A Polícia Civil é seu mero instrumento de ação, preordenada ao desempenho das funções (investigação criminal estadual comum) que lhes forem atribuídas pelas normas de sua constituição e funcionamento (lei orgânica). Para a eficiente realização de suas funções a Polícia Civil é investida de determinada competência (investigação criminal estadual comum), redistribuída entre seus cargos (agentes, agentes auxiliares, delegados e escrivães), com a correspondente parcela de poder necessária ao exercício funcional de seus agentes (servidores policiais civis).

Os órgãos do Estado, e a Polícia Civil é um deles, são o próprio Estado compartimentado em centros de competência, destinados ao melhor desempenho das funções estatais[9].

A POLÍCIA CIVIL, segundo a atual Constituição Federal, é um dos órgãos públicos estaduais responsáveis pelo exercício do serviço público de segurança pública[10]. É, portanto, um ÓRGÃO da Administração Pública direta dos Estados-membros. Por ser, segundo a Constituição Federal[11], diretamente subordinado ao chefe do poder executivo estadual, pode ser classificado, segundo Hely Lopes Meirelles, como sendo um órgão autônomo[12].

A Polícia Civil, por disposição constitucional[13], deve estar localizada na cúpula da Administração, imediatamente abaixo do órgão independente (Governadoria) e diretamente subordinada a seu chefe (governador). Por essa razão, deveria ter ampla autonomia administrativa, financeira e técnica, o que lhe caracterizaria como órgão diretivo, com funções precípuas de planejamento, supervisão, coordenação e controle das atividades que constituem sua área de competência (investigação criminal). Deveriam participar das decisões governamentais e executar com autonomia as suas funções específicas (investigação criminal), mas segundo diretrizes do órgão independente (Governadoria), que expressa as opções políticas do Governo.

Hely Lopes Meirelles[14] exemplifica os órgãos autônomos, citando “os Ministérios, as Secretarias de Estado e de Município, a Advocacia-Geral da União”. E finaliza a explicação atribuindo a condição de órgãos autônomos a “todos os demais órgãos subordinados diretamente aos Chefes de Poderes, aos quais prestam assistência e auxílio imediatos”. Ensina o doutrinador que, os dirigentes dos órgãos autônomos, em regra, não são servidores comuns, mas sim agentes políticos nomeados em comissão. Dessa forma, percebe-se que, sendo a Polícia Civil um órgão autônomo, seu dirigente, no caso de Sergipe, o ocupante do cargo de Superintendente, é sim um agente político, tem status de secretário de Estado, devendo inclusive ser formalmente tratado pelo pronome Vossa Excelência.


5. CARGO, CLASSE e CARREIRA.

Ver-se-á que não há propriamente cargos de carreiras na Polícia Civil ou no COGERP sergipanos. O que há é uma sucessão de cargos isolados.

Segundo Dirley da Cunha Jr.[15], CARGOS e empregos públicos são unidades específicas de atribuições, localizadas no interior dos órgãos, (...). São unidades de atribuições e responsabilidades funcionais instituídas e situadas na estrutura administrativa das entidades estatais (...). É um conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor.

Os cargos podem ser classificados quanto à organização e quanto ao provimento.

Quanto à organização, os cargos distinguem-se entre cargos de carreira e cargos isolados. Os cargos de carreira são aqueles que estão distribuídos e escalonados em classes. CLASSE é o conjunto ou agrupamento de cargos da mesma natureza de trabalho, com idênticas atribuições, responsabilidades e vencimentos. As classes constituem os degraus da carreira. Já a CARREIRA é o agrupamento de classes escalonadas em função do grau de responsabilidade e nível de complexidade das atribuições. Já os cargos isolados são todos aqueles que não estão escalonados em classes, por serem os únicos na sua categoria. Quadro é o conjunto de cargos em carreira e cargos isolados.

Os cargos isolados constituem exceção no funcionalismo, porque a hierarquia administrativa exige escalonamento das funções para o aprimoramento do serviço e estímulo aos servidores, através da promoção vertical.[16] Têm natureza estanque e inviabilizam a progressão.[17]

Para haver uma carreira, diz a boa doutrina que o cargo (ou cargos) esteja(m) escalonado(s) em classes, para acesso privativo de seus titulares, até o da mais alta hierarquia profissional.[18] CARGOS DE CARREIRA permitem a progressão funcional dos servidores através de diversas classes até chegar à classe mais elevada.[19]

Carreira é o conjunto de classes funcionais em que seus integrantes vão percorrendo os diversos patamares de que se constitui a progressão funcional.[20] É o agrupamento de classes da mesma profissão ou atividade, escalonadas segundo a hierarquia do serviço, para acesso privativo dos titulares dos cargos que a integram, mediante provimento originário.[21] É o conjunto de classes funcionais em que seus integrantes vão percorrendo os diversos patamares de que se constitui a progressão funcional.[22] A carreira, portanto, permite o desenvolvimento do servidor mediante promoção, por meio de classes evolutivas. [23]

Os cargos das carreiras policiais civis e das carreiras da atividade pericial sergipanos, embora dispostos em classes, não possibilitam, com a promoção, a evolução funcional do servidor, fazendo-o adquirir mais atribuições e responsabilidades e a consequente maior remuneração. As tais classes, das tais carreiras policiais civis e da atividade pericial tão somente repercutem na remuneração do servidor. Assim, não há hierarquia de serviço entre os agentes auxiliares de 1ª e 2ª classes, entre os agentes de 1ª, 2ª e 3ª classes, entre os escrivães de 1ª, 2ª e 3ª classes, entre os delegados de 1ª, 2ª e 3ª classes, entre os peritos de 1ª, 2ª e 3ª classes, ou entre os agentes técnicos e papiloscopistas de 1ª, 2ª e 3ª classes. Estar na 1ª classe apenas possibilita que os servidores estejam aptos a ocuparem funções de confiança ou cargos em comissão.

As classes, na organização dos cargos das carreiras policiais civis e das carreiras da atividade pericial sergipanos, não ensejam degraus de acesso nas carreiras, mediante promoção, por não promoverem aumento de atribuições e responsabilidades. Dessa forma, esses cargos são aparentemente CARGO DE CARREIRA, mas com uma configuração próxima a dos CARGOS ISOLADOS. Em realidade, são uma sucessão ascendente de cargos isolados.


6. CRIAÇÃO, EXTINÇÃO E TRANSFORMAÇÃO DE CARGOS.

A transformação de um cargo significa a extinção do antigo cargo e a criação de um cargo novo, com o aproveitamento dos servidores ocupantes do antigo cargo no novo cargo ‘de atribuições e vencimentos compatíveis com o anteriormente ocupado’[24].

‘A transformação de cargos, funções ou empregos do Executivo é admissível desde que realizada por LEI de sua iniciativa. Pela transformação extinguem-se os cargos anteriores e se criam os novos, que serão providos por concurso ou por simples enquadramento dos servidores já integrantes da Administração, mediante apostila de seus títulos de nomeação. Assim, a investidura nos novos cargos poderá ser originária (para estranhos ao serviço público) ou derivada (para os servidores que forem enquadrados), desde que preencham os requisitos da lei’.[25]

Transformados os cargos através de um novo regime estatutário, a movimentação dos servidores dar-se-á através do provimento derivado vertical na modalidade de PROMOÇÃO.

Assim, a pretensa progressão funcional do servidor policial civil, através da promoção, somente ocorrerá no novo regime jurídico estatutário.

A progressão funcional pretendida não fará com que o servidor migre de um regime jurídico estatutário para outro, permanecendo ambos incólumes. Um regime jurídico estatutário será extinto, com a revogação total da legislação que o estabelece, havendo, então, uma nova lei, amparando assim um novo regime jurídico estatutário.

Não haverá burla ao princípio constitucional do concurso público[26].

Segundo julgado recorrente do STF[27]:

O critério do mérito aferível por concurso público de provas ou de provas e títulos é, no atual sistema constitucional, ressalvados os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração, indispensável para cargo ou emprego público isolado ou em carreira. Para o isolado, em qualquer hipótese; para o em carreira, para o ingresso nela, que só se fará na classe inicial e pelo concurso público de provas ou de provas e títulos, não o sendo, porém, para os cargos subseqüentes que nela se escalonam até o final dela, pois, para estes, a investidura se fará pela forma de provimento que é a ‘promoção’.

Estão, pois, banidas das formas de investidura admitidas pela Constituição a ascensão e a transferência, que são formas de ingresso em carreira diversa daquela para a qual o servidor público ingressou por concurso público, e que são, por isso mesmo, ínsitas ao sistema de provimento em carreira, ao contrário do que sucede com a promoção, sem a qual obviamente não haverá carreira, mas, sim, uma sucessão ascendente de cargos isolados.

Assevere-se que a proposta sindical que será detalhada adiante NÃO se configura em hipótese de ASCENÇÃO (TRANSPOSIÇÃO) de cargos públicos, espécies de provimento derivado banidos do ordenamento jurídico pela nova ordem constitucional. Pelo simples fato de propor a extinção dos cargos atuais, com a revogação total da atual lei orgânica, com o consequente aproveitamento dos servidores, que ficariam em disponibilidade, nos novos cargos. Ver-se-á, mais a frente, que ASCENÇÃO (ou TRANSPOSIÇÃO) somente se verifica quando não se extingue a relação jurídica anterior.

No dizer de Dirley da Cunha Jr.[28], ASCENÇÃO ou TRANSPOSIÇÃO ‘consistia na passagem do agente público de um cargo de uma carreira para outro cargo de carreira diversa sem concurso público ou, quando muito, mediante concurso interno (ex.: de agente de polícia de último nível ou classe de sua carreira para o primeiro nível ou classe de delegado de polícia, de carreira diversa). Quando se chegava à última classe de uma carreira, passava-se para a classe inicial de outra carreira, sem necessitar de concurso público’.

A hipótese inserta na proposta sindical é de EXTINÇÃO DE CARGOS, com a revogação total dos dispositivos legais que os fundamenta, com a posterior CRIAÇÃO DE NOVOS CARGOS e o consequente ADEQUADO APROVEITAMENTO[29] dos servidores dos cargos extintos, colocados em disponibilidade, nos novos cargos. O aproveitamento, segundo Dirley da Cunha Jr.[30], é o reingresso do servidor estável, que se encontrava em disponibilidade, em cargo de atribuições e vencimentos compatíveis com o anteriormente ocupado.

Os problemas nas recentes legislações sergipanas é que se quer “enquadrar” servidores, mantendo, ao menos parcialmente, os estatutos anteriores. A Polícia Civil sergipana é regida atualmente pelas Leis nº 4.122/1999, 4.133/1999, 4.364/2001, LC nº 10/1992, Lei nº 2.068/76, além da Lei nº 2.248/77. Daí recaírem sempre nas hipóteses de ascensão e transferência, conforme visto, abolidas pela Constituição Federal, segundo o STF.

José dos Santos Carvalho Filho[31] diz que ‘a regra geral para a criação, transformação e extinção dos cargos públicos é contemplada no art. 48, X, da CF.

E segue mais adiante: ‘na criação, formam-se novos cargos na estrutura funcional; na extinção, eliminam-se os cargos; e a transformação nada mais é que a extinção e a criação simultânea de cargos: um cargo desaparece para dar lugar a outro. A norma constitucional significa que, como regra, todos esses fatos relativos aos cargos pressupõem a existência de lei.

No caso de cargos do Executivo, a iniciativa é privativa do Chefe desse poder (art. 61, §1º, II, ‘a’, CF).

É importante destacar que o poder de iniciativa para a criação ou reestruturação funcional de cargos e carreiras se aloja no âmbito de discricionariedade de cada titular, cabendo-lhe o exame da conveniência e oportunidade para tomar aquela providência.


7. APROVEITAMENTO.

7.1. APROVEITAMENTO: conceito.

O aproveitamento é, segundo a doutrina, uma espécie de provimento derivado plenamente aceita pelo STF. É, pois, o retorno ao serviço público do servidor estável que foi colocado em disponibilidade em razão de seu cargo ter sido extinto ou de ter sido declarada a sua desnecessidade. O outro cargo em que o servidor for investido deverá ter natureza e vencimento compatíveis com o anteriormente ocupado.

“Fiscais de tributos do açúcar e do álcool. Auditor fiscal do tesouro nacional. Aproveitamento. O servidor público posto em disponibilidade tem o direito de ser aproveitado em outro cargo da administração pública direta ou indireta, desde que observada a compatibilidade de atribuições e vencimentos com o cargo anterior.” (RE 560.464-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 11-12-2007, Segunda Turma, DJEde 15-2-2008.)

Está expresso na Constituição Federal, em seu §3º do art. 41, desde a sua promulgação. As alterações promovidas pela Emenda Constitucional nº 19/98 na redação do art. 41 e de seus parágrafos, não tocaram nas considerações constitucionais originais acerca do aproveitamento.

Constituição Federal

Art. 41. (...).

§3º. Extinto o cargo ou declarada a sua desnecessidade, o servidor estável ficará em disponibilidade, com remuneração proporcional ao tempo de serviço, até seu adequado aproveitamento em outro cargo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

O mencionado dispositivo constitucional diz que o aproveitamento dar-se-á em duas hipóteses: 1ª. Extinção de cargo público; e, 2ª. Declaração de desnecessidade de cargo público.

Para a 1ª hipótese (extinção de cargo público), o STF tem reiterado decisões no sentido de apenas admiti-la em razão de lei.

"Os cargos públicos apenas podem ser criados e extintos por lei de iniciativa do Presidente da República. A declaração de desnecessidade sem amparo legal não é hábil a extingui-los." (RE 240.735-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 28-3-2006, Segunda Turma, DJ de 5-5-2006.)

Para a 2ª hipótese (declaração de desnecessidade de cargo público), o STF tem reiterado decisões no sentido de não ser necessária edição de lei, ficando subordinada ao juízo de discricionariedade da Administração.

"Desnecessidade de cargo público. Precedentes da Corte. Já assentou a Suprema Corte que a declaração de desnecessidade de cargos públicos está subordinada ao juízo de conveniência e oportunidade da Administração, não dependendo de lei ordinária para tanto." (RE 194.082, Rel. Min. Menezes Direito, julgamento em 22-4-2008, Primeira Turma, DJE de 30-5-2008.) 

Segundo a norma constitucional, ‘extinto o cargo, o servidor estável ficará em disponibilidade, com remuneração proporcional ao tempo de serviço, até seu adequado aproveitamento em outro cargo’.

7.2. APROVEITAMENTO: decisões do STF.

Em situações bem semelhantes a que pretende a proposta sindical de nova lei orgânica, o STF já decidiu pela constitucionalidade. Seguem alguns exemplos:

O Estado de Santa Catarina, através da Lei Complementar nº 189/2000, extinguiu os cargos e as carreiras de Fiscal de Tributos Estaduais, Fiscal de Mercadorias em Trânsito, Exator e Escrivão de Exatoria, e criou, em substituição, a carreira de Auditor Fiscal da Receita Estadual (AFRE), determinando o aproveitamento dos ocupantes dos cargos extintos nos recém-criados e estabelecendo regras pertinentes à nova carreira. Eis a ementa da decisão proferida em 11 de junho de 2003.

STF ADI 2335 SC.

EMENTA: Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. Lei Complementar nº 189, de 17 de janeiro de 2000, do Estado de Santa Catarina, que extinguiu os cargos e as carreiras de Fiscal de Tributos Estaduais, Fiscal de Mercadorias em Trânsito, Exator e Escrivão de Exatoria, e criou, em substituição, a de Auditor Fiscal da Receita Estadual. 3. Aproveitamento dos ocupantes dos cargos extintos nos recém criados. 4. Ausência de violação ao princípio constitucional da exigência de concurso público, haja vista a similitude das atribuições desempenhadas pelos ocupantes dos cargos extintos. 5. Precedentes: ADI 1591, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ de 16.6.2000; ADI 2713, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 7.3.2003. 6. Ação julgada improcedente.

Nesse julgamento, o Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, julgando pela improcedência da ADI, relembrando o julgamento da ADI 1591 RS, disse, parafraseando o Ministro Octávio Gallotti, “que não haveria ofensa ao princípio do concurso público, haja vista a similitude das funções desempenhadas pelas carreiras unificadas”. Mendes, mais adiante, transcreveu parte do voto de Gallotti:

“Julgo que não se deva levar ao paroxismo o princípio do concurso para acesso aos cargos públicos, a ponto de que uma reestruturação convergente de carreiras similares venha a cobrar (em custos e descontinuidade) o preço da extinção de todos os antigos cargos, com a disponibilidade de cada um dos ocupantes seguida da abertura de processo seletivo, ou então, do aproveitamento dos disponíveis, hipótese esta última que redundaria, na prática, justamente a situação que a propositura da ação visa a conjurar.”

Mendes, ainda em seu voto, afirma que, na hipótese atacada pela ADI 1591 RS, “E, está demonstrado, e que há correspondência e pertinência temática entre aquelas carreiras. Eventualmente surgem distinções de grau; algum grupo está incumbido de fiscalizar microempresas, mas não há qualquer diferença que se possa substancializar.”

Ainda nesse mesmo julgamento, a Ministra Ellen Gracie, julgando pela improcedência da ADI, disse que “a lei impugnada ligou, por um fio de racionalidade, como diz o Ministro Gilmar Mendes, quatro carreiras que tinham competência e atribuições, em parte, idênticas e, em parte, extremamente semelhantes, fundindo-as em uma única carreira; o que significa racionalização administrativa.”

Nessa mesma linha, o Estado do Rio Grande do Sul, através da Lei Complementar nº 10.933/97, unificou duas carreiras fiscais em apenas uma. Assim, as carreiras de Auditor de Finanças Públicas e de Fiscal de Tributos Estaduais foram transformadas na carreira única de Agente Fiscal do Tesouro. Eis a ementa da decisão proferida em 19 de agosto de 1998.

STF ADI 1591 RS

EMENTA: Unificação, pela Lei Complementar nº 10.933/97, do Rio Grande do Sul, em nova carreira de Agente Fiscal do Tesouro, das duas, preexistentes, de Auditor de Finanças Públicas e de Fiscal de Tributos Estaduais. Assertiva de preterição da exigência de concurso público rejeitada em face da afinidade de atribuições das categorias em questão, consolidada por legislação anterior à Constituição de 1988. Ação direta julgada, por maioria, improcedente.

A União, através da Medida Provisória nº 45, de 25/06/2002, convertida na Lei nº 10.549, de 13/11/2002, transformou a carreira e os respectivos cargos de Assistente Jurídico da Advocacia-Geral da União em cargo de Advogado da União. A Associação Nacional dos Advogados da União ingressou com ação direta de inconstitucionalidade, todavia não logrou êxito. Eis a ementa da decisão proferida em 18 de dezembro de 2002.

STF ADI 2713 DF

EMENTA: ação direta de inconstitucionalidade. Artigo 11 e parágrafos da medida provisória nº 43, de 25.06.2002, convertida na lei nº 10.549, de 13.11.2002. Transformação de cargos de assistente jurídico da Advocacia-Geral da União em cargos de advogado da união. Alegação de ofensa aos arts. 131, caput; 62, §1º, III; 37, II e 131, §2º, todos da Constituição Federal. (...). Rejeição, ademais, da alegação de violação ao princípio do concurso público (CF, arts. 37, II e 131, § 2º). É que a análise do regime normativo das carreiras da AGU em exame apontam para uma racionalização, no âmbito da AGU, do desempenho de seu papel constitucional por meio de uma completa identidade substancial entre os cargos em exame, verificada a compatibilidade funcional e remuneratória, além da equivalência dos requisitos exigidos em concurso. Precedente: ADI nº 1.591, Rel. Min. Octavio Gallotti. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.

Está, portanto provado que é juridicamente viável a extinção das atuais carreiras policiais civis e seus respectivos cargos, criando uma nova carreira (carreira policial civil) e aproveitando os servidores das carreiras e cargos anteriores. É ato discricionário do Chefe do Poder Executivo, basta verificar a compatibilidade funcional e remuneratória, além da equivalência dos requisitos exigidos em concurso público.


Notas

[1] Celso Antonio Bandeira de Melo, Curso de Direito Administrativo, 26ª Ed., Malheiros Editores, 2009, p. 122.

[2] Diógenes Gasparini, Direito Administrativo, 16ª Ed., Editora Saraiva, 2011, p. 77.

[3] Dirley da Cunha Junior, Curso de Direito Administrativo, 7ª ed., Editora Podium, 2009. pp. 45-46.

[4] Daniel Augusto Mesquita e outros, Direito Administrativo, volume 3, Editora Método, 2011, p.46.

[5] José dos Santos Carvalho Filho, op. cit., p.594.

[6] José Maria Pinheiro Madeira, Servidor Público na atualidade, 8ª Ed., Editora Campus Jurídico, 2009, p.239.

[7] Hely Lopes Meirelles, op. cit., p. 68-69.

[8] Hely Lopes Meirelles, op. cit., p. 69.

[9] Hely Lopes Meirelles, op. cit., p. 70.

[10] CF, art. 144, inciso IV.

[11] CF, art. 144, §5º.

[12] Hely Lopes Meirelles, op. cit., p. 72.

[13] Constituição Federal, art. 144, §5º.

[14] Hely Lopes Meirelles, op. cit., p. 72.

[15] Dirley da Cunha Jr., op. cit., pp. 241 e 242.

[16] Hely Lopes Meirelles, op. cit., p. 461.

[17] José dos Santos Carvalho Filho, op. cit., p.582.

[18] Hely Lopes Meirelles, op. cit., p. 461.

[19] José dos Santos Carvalho Filho, op. cit., p.582.

[20] José dos Santos Carvalho Filho, op. cit., p.580.

[21] Hely Lopes Meirelles, op. cit., p. 460.

[22] José dos Santos Carvalho Filho, op. cit., p.580.

[23] Daniel Augusto Mesquita e outros, op. cit., p. 162.

[24] Dirley da Cunha Junior, op. cit., pp. 251.

[25] Hely Lopes Meirelles, op. cit., p. 463.

[26] CF/88, art. 37, inciso II.

[27] STF, ADI 231-7 RJ

[28] Dirley da Cunha Junior, op. cit., pp. 249.

[29] CF/88, art. 41, §3º.

[30] Dirley da Cunha Junior, op. cit., pp. 251.

[31] José dos Santos Carvalho Filho, Manuel de Direito Administrativo, 22ª ed., Editora Método, 2011, p.585.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAES, Antonio. Uma Polícia Civil mais eficiente se faz com carreira única. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3163, 28 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21164. Acesso em: 25 abr. 2024.