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O pagamento por meio de precatórios nos processos dos juizados especiais federais

O pagamento por meio de precatórios nos processos dos juizados especiais federais

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É errada a conclusão de que a execução de todos os processos contra entes federais que tramitam perante os JEFs seria feita por meio de RPVs, tendo em vista que o limite para ambos é de sessenta salários mínimos.

Introdução.

Dentre outras, os Juizados Especiais Federais Cíveis – JEFs - possuem competência para processar, conciliar e julgar as causas de afetas à Justiça Federal com valor de até sessenta salários mínimos[1].

Ao contrário da disciplina geral trazida pelo Código de Processo Civil, a competência em razão do valor da causa, nos foros em que estão instalados os JEFs, é absoluta.

O valor de sessenta salários-mínimos também é o limite para o pagamento realizado por meio de requisições de pequeno valor – RPVs – das condenações impostas a entes federais.

Em razão desses dados, uma interpretação açodada poderia levar à conclusão de que a execução de todos os processos que tramitam perante os JEFs seria feita por meio de RPVs.

Não obstante a regra geral seja a expedição da requisição de pequeno valor, há casos em que o pagamento das condenações deverá obedecer ao regime dos precatórios.


Desenvolvimento.

O processo nos Juizados Especiais Federais é regido pela Lei n. 10.259/2001. Essa Lei, já em seu art. 1º, dispõe sobre a aplicação subsidiária da Lei n. 9.099/95, que regula o processo nos Juizados Especiais dos Estados e do Distrito Federal[2].

Em relação a ambas, também se aplicam, de forma subsidiária, o Código de Processo Civil, considerado norma geral em matéria de Direito Processual.

Sobre o valor da causa, a disciplina dada pela Lei n. 10.259/2001 se resume a um único dispositivo[3] que praticamente reproduz um outro existente no Código de Processo Civil. Por esse motivo, aplicam-se as normas do Diploma Processual quanto a esse assunto.

Sobre a disciplina do Código de Processo Civil, o art. 282, IV, dispõe que o valor da causa é um dos elementos que devem obrigatoriamente constar da petição inicial. Já o art. 259, I, estabelece parâmetros para a apuração dessa grandeza nos seguintes termos:

Art. 259. O valor da causa constará sempre da petição inicial e será:

I - na ação de cobrança de dívida, a soma do principal, da pena e dos juros vencidos até a propositura da ação;

II - havendo cumulação de pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles;

III - sendo alternativos os pedidos, o de maior valor;

IV - se houver também pedido subsidiário, o valor do pedido principal;

V - quando o litígio tiver por objeto a existência, validade, cumprimento, modificação ou rescisão de negócio jurídico, o valor do contrato;

VI - na ação de alimentos, a soma de 12 (doze) prestações mensais, pedidas pelo autor;

VII - na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação, a estimativa oficial para lançamento do imposto.

O art. 260 do Código de Processo Civil, cuja redação é similar à do art. 3º, § 2º, da Lei n. 10.259/2001, por sua vez, dispõe o seguinte:

Art. 260. Quando se pedirem prestações vencidas e vincendas, tomar-se-á em consideração o valor de umas e outras. O valor das prestações vincendas será igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado, ou por tempo superior a 1 (um) ano; se, por tempo inferior, será igual à soma das prestações.

Sendo assim, antes de fazer o endereçamento da demanda judicial, a parte ou o advogado que desejar ver a ação processada no âmbito dos JEFs deverá verificar se a apreciação econômica do objeto em litígio se enquadra no limite de sessenta salários mínimos.

É muito comum que a demanda verse sobre o reconhecimento de um direito e, por conseguinte, enseje o pagamento de valores vencidos e vincendos, tal como ocorre nas ações em que se pleiteiam benefícios previdenciários ou assistenciais.

A dificuldade está no fato de não ser possível saber de antemão, na esmagadora maioria dos casos, o exato valor desses atrasados e tampouco a soma atingida com as 12 prestações que se vencerão depois de ajuizada a ação. Ou seja, é custoso encontrar o correto valor da causa.

Ademais, os próprios princípios da oralidade e simplicidade, que informam os Juizados Especiais, mostram-se incompatíveis com a exigência de que se junte com a petição inicial cálculos complexos, demonstrando o exato valor do objeto da ação.

Em contrapartida, isso se torna necessário para submeter a demanda ao rito especial dos JEFs.

Em face disso, a Turma Nacional de Unificação dos Juizados Especiais Federais elaborou a Súmula 17, que assim dispõe:

Súmula n. 17/TNU – Não há renúncia tácita no Juizado Especial Federal, para fins de competência.

Destarte,  exige-se que as petições iniciais distribuídas ao Juizado Especial Federal sejam acompanhadas da manifestação expressa de renúncia dos valores que excedam os sessenta salários mínimos que consubstanciam o teto encravado no art. 3º, caput, da Lei n. 10.259/01.

De fato, trata-se de uma solução prática e sem complexidade, que bem se afina com a simplicidade e com a informalidade que são a marca registrada dos Juizados Especiais.

Assim, veiculando o processo uma demanda sobre direitos disponíveis, à parte autora é lícito renunciar expressamente ao que ultrapassar o teto de sessenta salários mínimos, com o fim de litigar no âmbito do Juizado Especial Federal.

A renúncia ao montante se justifica em razão do trâmite célere do procedimento sumaríssimo. Além disso, o processo nos Juizados, conforme aludido, é guiado pelo princípio da informalidade, que atribui à própria parte capacidade postulatória, permitindo que demande na primeira instância sem que precise constituir advogado.

Ademais, também para os processos que tramitarem apenas na primeira instância, em caso de sucumbência, a parte não tem que arcar com o ônus de pagar custas processuais e honorários advocatícios.

Assim, caso o indivíduo possua direito a valores elevados e não queira renunciar ao montante que ultrapassa o teto de sessenta salários mínimos, deverá ponderar todos os prós e contras e, sendo o caso, escolher a via processual ordinária, de rito bem mais demorado e formal e sujeito a um sem-número de recursos.

O que não se pode deferir à parte é uma via híbrida, que congregue apenas o bônus de cada um dos procedimentos, permitindo que demande no Juizado, renunciando aos valores que ultrapassem o teto e, posteriormente, requeira a expedição de precatório que compreenda o valor global das prestações vencidas.

Acolher essa sistemática diferenciada, frise-se, significa albergar o comportamento contraditório da parte em âmbito processual em prejuízo das normas que emanam do princípio da boa-fé objetiva. Isso porque a renúncia seria considerada quando da propositura da ação, mas afastada no momento da expedição da requisição de pequeno valor.

Com isso, não se quer dizer que é impossível a expedição de precatórios para pagamento de valores às partes que demandam nos Juizados Especiais Federais.

É certo que na lei não existem palavras inúteis e que o parágrafo quarto do art. 17 da Lei n. 10.259/2001, abaixo transcrito, prevê a hipótese de se expedir precatório quando o valor da execução ultrapassar o teto de sessenta salários mínimos. Veja-se:

Art. 17. Tratando-se de obrigação de pagar quantia certa, após o trânsito em julgado da decisão, o pagamento será efetuado no prazo de sessenta dias, contados da entrega da requisição, por ordem do Juiz, à autoridade citada para a causa, na agência mais próxima da Caixa Econômica Federal ou do Banco do Brasil, independentemente de precatório.

§ 1º Para os efeitos do § 3º do art. 100 da Constituição Federal, as obrigações ali definidas como de pequeno valor, a serem pagas independentemente de precatório, terão como limite o mesmo valor estabelecido nesta Lei para a competência do Juizado Especial Federal Cível (art. 3º, caput).

§ 4º Se o valor da execução ultrapassar o estabelecido no § 1º, o pagamento far-se-á, sempre, por meio do precatório, sendo facultado à parte exeqüente a renúncia ao crédito do valor excedente, para que possa optar pelo pagamento do saldo sem o precatório, da forma lá prevista.

Assim, há casos em que o valor da execução da obrigação de pagar ultrapassará o montante de sessenta salários mínimos, mesmo que a parte tenha renunciado aos valores excedentes a essa baliza legal quando da propositura da ação.

Tal ocorre, por exemplo, quando se demanda pela concessão de um benefício de prestação continuada, com pagamento de valores em atraso, e o processo vem a tramitar por um longo período, ou quando o reajustamento do valor do salário mínimo é feito em índice inferior ao dos juros moratórios e ao da correção monetária.

Isso, porque a data de prolação do título condenatório - sentença ou acórdão da Turma Recursal - é a data base para a apuração da quantia que será paga por meio da requisição de pagamento – RPV ou precatório, a depender do valor em atraso – e a renúncia aos valores que extrapolam o teto apenas se refere àqueles que eram devidos na data da propositura da demanda.

Desse modo, numa ação em que se pretenda a concessão de benefício de aposentadoria por idade de segurado especial, cujo valor mensal é de um salário mínimo, o valor da causa será informado com base na soma dos valores atrasados, com doze das parcelas vincendas. Caso o resultado importe mais de sessenta salários mínimos, deverá a parte renunciar ao excedente, para poder litigar no JEF.

Todavia, essa renúncia apenas se opera em relação ao excesso verificado na data da propositura. Destarte, na eventualidade da tramitação do processo ensejar a demora na prolação do título condenatório, a parte não poderá ser prejudicada pela renúncia anteriormente feita, podendo, portanto, receber valor superior ao do teto do JEF por meio de precatório.

Ressalte-se que, constituindo esse valor direito disponível, também não há óbice para que a parte renuncie aos valores que excederam o teto, a fim de receber por meio de RPV, cujo procedimento de pagamento é muito mais célere que o dos precatórios.


Conclusão.

A competência em razão do valor da causa nos Juizados Especiais Federais é absoluta.

À míngua disso, para se beneficiar da celeridade e da simplicidade que o rito sumaríssimo proporciona, permite-se que a parte renuncie aos valores que extrapolam o teto de sessenta salários mínimos para propositura de ações no JEF.

Essa renúncia, todavia apenas se opera em relação ao excesso verificado na data da propositura. Assim, caso a demora na tramitação do processo enseje um valor de condenação superior a sessenta salários mínimos, não há óbice para que o pagamento seja feito por meio de precatório.


Notas

[1] Não se incluem nessa competência, nos termos do art. 3º, § 1º, da Lei n. 10.259/2001: a) as  referidas no art. 109, incisos II, III e XI, da Constituição Federal, as ações de mandado de segurança, de desapropriação, de divisão e demarcação, populares, execuções fiscais e por improbidade administrativa e as demandas sobre direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos; b) sobre bens imóveis da União, autarquias e fundações públicas federais; c) para a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal; d) que tenham como objeto a impugnação da pena de demissão imposta a servidores públicos civis ou de sanções disciplinares aplicadas a militares.

[2] Art. 1º São instituídos os Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Justiça Federal, aos quais se aplica, no que não conflitar com esta Lei, o disposto na Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.

[3] Art. 3º Compete ao Juizado Especial Federal Cível processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as suas sentenças.

(...)

§ 2º Quando a pretensão versar sobre obrigações vincendas, para fins de competência do Juizado Especial, a soma de doze parcelas não poderá exceder o valor referido no art. 3o, caput..


Autor


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SARAIVA, Marcos Antonio Maciel. O pagamento por meio de precatórios nos processos dos juizados especiais federais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3238, 13 maio 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21750. Acesso em: 26 abr. 2024.