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Direito de nacionalidade: uma abordagem crítica sobre a primeira parte da alínea “c”, inciso i, do art. 12, da CF/1988

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O legislador outorgou aos brasileiros naturalizados a faculdade de transmitir aquilo que não possuem: a nacionalidade originária.

Questão amplamente discutida nas salas de aula das academias de Direito e, da mesma forma, cobrada em diversos concursos públicos de admissão, a matéria concernente ao direito de nacionalidade está disciplinada no Título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo II, art. 12 do Texto Magno de 1988, com regramento infraconstitucional a cargo da Lei nº. 6.815/1980, o chamado Estatuto do Estrangeiro.

Consoante lição de José Afonso da Silva, direito de nacionalidade aduz ao elemento humano da noção de Estado – o povo –  e suas relações com o território, donde decorre o vínculo da nacionalidade. Chama a atenção, o referido autor, para a necessidade de distinção entre os conceitos de povo e população; esta última é  representada pelo conjunto dos residentes no território nacional, sejam nacionais ou não, ao passo que povo seria o elemento constituinte do Estado, englobando aqueles que tenham a mesma ascendência, com hábitos e costumes semelhantes, derivando daí a ideia de nação .

Preleciona, a respeito, o professor Celso Ribeiro Bastos  que “a nacionalidade representa o vínculo jurídico que designa quais são as pessoas que fazem parte da sociedade política estatal. Ao conjunto dessas pessoas chama-se “povo”, que não deve ser confundido com “população”, que é um conceito meramente demográfico, designativo do número de habitantes de um dado território num determinado momento”. Trata-se, portanto, de disciplina  do vínculo jurídico-político que liga o indivíduo a um certo e determinado Estado, de acordo com lição de Alexandre de Moraes.

Não temos a pretensão de, nessa breve digressão, tratar da matéria por inteiro; nossa condição de incipientes obstaria, de plano, tal aspiração. Entretanto, tencionamos chamar a atenção para um ponto sem tratamento na doutrina pesquisada, qual seja, o disposto na primeira parte do inciso I,  alínea c, do artigo 12 da Constituição Federal do Brasil. Tal dispositivo fora burilado na EC n. 54, de 20 de setembro de 2007. Prescreve o mesmo que serão  brasileiros natos todos aqueles  “nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira”.

É cediço que variados são os critérios utilizados pelos Estados para, discricionariamente,  definirem a forma de aquisição da nacionalidade pelos indivíduos. Os mais importantes são o “jus sanguinis” e o “jus solli”, conforme o vínculo derive, respectivamente, do fator nascimento ou filiação. Segundo magistério de Celso Ribeiro Bastos, “é de se notar que a conveniência para os Estados em adotar um ou outro critério também é variável segundo se trate de um país de emigração ou imigração. Os que exportam os seus nacionais inclinar-se-ão por adotar a teoria do “jus sanguinis”, visto que ela lhes permite manter uma ascendência jurídica mesmo sobre os filhos de seus emigrados. Ao reverso, os Estados de imigração tenderão ao “jus solli” procurando integrar o mais rapidamente possível aqueles contingentes migratórios, através da nacionalização dos seus descendentes”.

A República Federativa do Brasil elegeu o critério  “jus soli”, sem, contudo, abandonar, por completo, o critério “jus  sanguinis”.

Da dicção do artigo supramencionado tem-se a ilação de que o legislador reformador preocupou-se em desfazer o estipulado pela Emenda Constitucional de Revisão n. 3 de 1994, no que concerne à exigência – àqueles nascidos alhures –  de radicação na República Federativa do Brasil, antes de atingida a maioridade, passando a opção pela nacionalidade pátria a ser feita após os dezoito anos de idade. Exige, antes de qualquer outro fator, que a filiação advenha de pai ou mãe brasileiros; observemos, no entanto, que não foi feita qualquer distinção entre os dois tipos de brasileiros, não importando se nato ou naturalizado.

Daí decorre a nossa observação, pois entendemos terem – tanto o legislador constituinte originário quanto o revisor e o reformista – incorrido em imperfeição lógica na disciplina da matéria. Quando nada, estes últimos perderam a oportunidade de sanar impropriedade do primeiro.

Senão vejamos.

A nossa Carta Magna é taxativa no que concerne à nacionalidade, ao preconizar, nas alíneas do inciso I, do artigo 12, quais são os brasileiros natos. Ocorre que, com a não distinção entre brasileiros natos e naturalizados da primeira parte da alínea c, do inciso I do referido artigo, o legislador acabou por transferir a terceiros a capacidade que não atribuiu ao próprio Estado brasileiro, a saber, a possibilidade de brasileiros naturalizados transmitirem, aos seus descendentes,  nacionalidade brasileira originária, ao arrepio dos critérios que o País adota.

A situação aqui aventada é por demais casuística, mas vale a pena conjecturarmos algumas situações, como a seguinte: concebamos a hipótese de um casal de americanos que fixa residência no Brasil pelos quinze anos exigidos em lei, atendendo, outrossim, aos requisitos elencados na CF; logo, tem seu pedido de naturalização concedido e os dois passam a ser considerados brasileiros naturalizados. Após  a aquisição da nacionalidade secundária,  resolvem retornar ao seu país de origem. Lá estando, dão à luz um filho e o registram em repartição brasileira competente naquele país. Como os EUA  também adotam o critério do “jus soli” , a criança será americana nata. Malgrado não tenha nascido em território brasileiro nem provenha de brasileiros natos, a criança, incontinenti, integrará a rol dos brasileiros natos, com pleno gozo dos direitos a estes reservados em terras tupiniquins.

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Daí, teremos inúmeras situações inusitadas. V. g., um brasileiro nato, com as prerrogativas que lhe são peculiares, que nem sequer conheça o país donde é “natural”, e que, possivelmente, nunca pisará em solo brasileiro; que não domine a língua portuguesa. Ou, por exemplo – e mais relevante –, a possibilidade de termos, no exercício dos cargos privativos de brasileiros natos, um americano nato – ou outro qualquer – , jogando por terra os critérios salientados por Alexandre de Moraes, de impedimento, a brasileiros não natos, do exercício de cargos diretamente ligados à linha sucessória nacional.

Como dito acima, desconhecemos tratamento doutrinário acerca da matéria aqui aventada. Nos inquieta desvendar qual  critério adotou o legislador ao disciplinar a hipótese, pois não se trata de “jus soli”, tendo vista que a criança nascera em território estrangeiro; tampouco podemos falar em “jus sanguinis”, considerando que ambos os ascendentes são estrangeiros naturalizados brasileiros.

Em síntese, o legislador outorgou aos estrangeiros, pois não são nacionais – inobstante sejam brasileiros naturalizados –, a faculdade de transmitir aquilo que não possuem, a saber, a nacionalidade originária, haja vista que não há meio de não nacionais tornarem-se nacionais, no Brasil, sem a observância de um dos dois critérios aqui mencionados. A não ser que se admita a existência de um terceiro gênero.

 Entendemos que a impropriedade legislativa poderia ser sanada com a constância do termo “natos” na primeira parte da alínea “c”, do art. 12. Assim, estaríamos admitindo a natural transferência de nacionalidade originária, mas por aqueles que a detêm de fato, os brasileiros natos.

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Sobre o autor
Antônio Marcos de Jesus Ferreira

Estudante de Direito da Universidade Católica do Salvador - UCSAL

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Antônio Marcos Jesus. Direito de nacionalidade: uma abordagem crítica sobre a primeira parte da alínea “c”, inciso i, do art. 12, da CF/1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3296, 10 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22190. Acesso em: 31 out. 2024.

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