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Breves anotações pontuais sobre a Lei nº 12.651/2012 (Novo Código Florestal)

Breves anotações pontuais sobre a Lei nº 12.651/2012 (Novo Código Florestal)

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Analisam-se aspectos da Lei nº 12.651/2012 (Novo Código Florestal), com única finalidade de fomentar o debate sobre a interpretação e aplicação desta nova lei nos pontos que, na visão do autor, podem causar mais polêmica ou dúvidas de interpretação.

I - INTRODUÇÃO

O presente estudo, como consta em seu título, visa traçar algumas anotações pontuais sobre a Lei n. 12.651/2012 (Novo Código Florestal), com única finalidade de fomentar o debate sobre a interpretação e aplicação desta nova lei nos pontos que, na visão do autor, podem causar mais polêmica ou dúvidas de interpretação.

Não se tem a pretensão de esgotar o tema, tendo-se ciência que em razão da inovação da matéria (na grande maioria de seu texto, reduzindo a proteção ambiental que existia no Código Florestal anterior), ainda haverá muita discussão na doutrina e jurisprudência.

Consigne-se por oportuno que não se entrará na discussão da inconstitucionalidade dos dispositivos que contenham retrocesso ambiental (entendimento deste autor para grande parte do Novo Código), uma vez que para tanto há outro artigo de nossa autoria em conjunto com eminente colega do Ministério Público do Mato Grosso do Sul, Luiz Antônio Freitas de Almeida no qual é feita a abordagem deste tema (vide em: http://www.mpambiental.org/index.php?acao=doutrinas-pop&cod=172 ou no site jusnavegandi).

Optou-se por fazer uma divisão por tópicos ligando-se muitas vezes artigos que estão dispersos no texto, de forma a tentar aglutinar temas comuns de implementação ou interpretação controversa do Novo Código.

Este artigo já tratou da lei, após as modificações feitas pela Lei n. 12.727/2012 e aborda também o Decreto n. 7.830/2012 que regulamenta o Cadastro Ambiental Rural e o Programa de Regularização Ambiental.


II – DA OBRIGAÇÃO IMEDIATA DA REGULARIZAÇÃO DAS RESERVAS LEGAIS

II.1 – INEXISTÊNCIA DE PRAZO CONCEDIDO PELO NOVO CÓDIGO FLORESTAL PARA REGULARIZAÇÃO/FORMALIZAÇÃO DA RESERVA LEGAL – OBRIGAÇÃO IMEDIATA

O primeiro ponto que poderia gerar dúvidas, diz respeito à análise da obrigatoriedade imediata de regularização (ou formalização, como preferiu o legislador) das Reservas Legais dos imóveis rurais.

Ao se analisar detidamente o Código Florestal, não há qualquer dúvida de que o mesmo continuou a exigir a obrigação deste instituto do Direito Ambiental, e não concedeu qualquer novo prazo para que os proprietários pudessem esperar para esta regularização/formalização. É o que se extrai da redação do artigo 12:

“Art. 12.  Todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal, sem prejuízo da aplicação das normas sobre as Áreas de Preservação Permanente, observados os seguintes percentuais mínimos em relação à área do imóvel, excetuados os casos previstos no art. 68 desta Lei:

I - localizado na Amazônia Legal:

a) 80% (oitenta por cento), no imóvel situado em área de florestas;

b) 35% (trinta e cinco por cento), no imóvel situado em área de cerrado;

c) 20% (vinte por cento), no imóvel situado em área de campos gerais;

II - localizado nas demais regiões do País: 20% (vinte por cento).”

Ora, quando o legislador determina que todo imóvel deve manter área com vegetação nativa, a título de Reserva Legal, é evidente que está determinando uma obrigação imediata, que entra em vigor no momento que publicada a lei. Na verdade, esta obrigação somente vem recepcionar o instituto criado há muito tempo, em que no Código Florestal Anterior (Lei n. 4.771/61), dispunha:

“Art. 16. As florestas e outras formas de vegetação nativa, ressalvadas as situadas em área de preservação permanente, assim como aquelas não sujeitas ao regime de utilização limitada ou objeto de legislação específica, são suscetíveis de supressão, desde que sejam mantidas, a título de reserva legal, no mínimo:

....

III - vinte por cento, na propriedade rural situada em área de floresta ou outras formas de vegetação nativa localizada nas demais regiões do País;

...

§ 2º A vegetação da reserva legal não pode ser suprimida, podendo apenas ser utilizada sob regime de manejo florestal sustentável, de acordo com princípios e critérios técnicos e científicos estabelecidos no regulamento, ressalvadas as hipóteses previstas no § 3º deste artigo, sem prejuízo das demais legislações específicas.

...

§ 4º A localização da reserva legal deve ser aprovada pelo órgão ambiental estadual competente ou, mediante convênio, pelo órgão ambiental municipal ou outra instituição devidamente habilitada, devendo ser considerados, no processo de aprovação, a função social da propriedade, e os seguintes critérios e instrumentos, quando houver:

I - o plano de bacia hidrográfica;

II - o plano diretor municipal;

III - o zoneamento ecológico-econômico;

IV - outras categorias de zoneamento ambiental; e

V - a proximidade com outra Reserva Legal, Área de Preservação Permanente, unidade de conservação ou outra área legalmente protegida.

...

§ 8º A área de reserva legal deve ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, de desmembramento ou de retificação da área, com as exceções previstas neste Código.”

Portanto, esta obrigação de regularizar/formalizar tais áreas já possui quase 50 anos e não houve uma concessão de prazo para tal. Ou seja, o proprietário de imóvel que não tenha sua Reserva Legal devidamente aprovada pelo órgão ambiental competente, roteirizada, demarcada e averbada na matrícula, já está inadimplente com tal obrigação, podendo ser compelido a fazê-lo de imediato.

Dispositivo semelhante está no Código Atual:

“Art. 14.  A localização da área de Reserva Legal no imóvel rural deverá levar em consideração os seguintes estudos e critérios:

I - o plano de bacia hidrográfica;

II - o Zoneamento Ecológico-Econômico 

III - a formação de corredores ecológicos com outra Reserva Legal, com Área de Preservação Permanente, com Unidade de Conservação ou com outra área legalmente protegida;

IV - as áreas de maior importância para a conservação da biodiversidade; e

V - as áreas de maior fragilidade ambiental.”

Estas áreas são insuscetíveis de desmatamento e devem ser mantidas em sua função ecológica, sendo possível, apenas, o manejo florestal (corte seletivo de árvores), desde que haja autorização do órgão ambiental competente expedida em plano de manejo, nos termos do artigo 17 do Novo Código:

“Art. 17.  A Reserva Legal deve ser conservada com cobertura de vegetação nativa pelo proprietário do imóvel rural, possuidor ou ocupante a qualquer título, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado.

§ 1º  Admite-se a exploração econômica da Reserva Legal mediante manejo sustentável, previamente aprovado pelo órgão competente do Sisnama, de acordo com as modalidades previstas no art. 20.

Para que a reserva legal cumpra sua função ecológica e, principalmente, para que a mesma não seja dizimada em cada desmembramento ou venda parcial do imóvel, impõe-se que ela seja demarcada e também averbada na matrícula do bem e inscrita no Cadastro Ambiental Rural (vide tópico específico sobre este tema).

Ao analisar-se o conteúdo do parágrafo segundo do art. 14 do Código Florestal, não resta dúvida que a obrigação de regularização é imediata:

“Art. 14. ...

...

§ 2º Protocolada a documentação exigida para análise da localização da área de Reserva Legal, ao proprietário ou possuidor rural não poderá ser imputada sanção administrativa, inclusive restrição a direitos, por qualquer órgão ambiental competente integrante do SISNAMA, em razão da não formalização da área de Reserva Legal.”

Em uma leitura ao contrario sensu fica evidente que, ao proprietário ou possuidor que não tiver protocolado a documentação exigida para análise da localização da área de Reserva Legal poderá ser imputada sanção administrativa e restrição a direitos, por qualquer órgão ambiental do SISNAMA, em razão da não formalização/regularização da área de reserva legal.

Com muito mais razão, além da sanção administrativa, é absolutamente possível a determinação judicial (ou via Termo de Ajustamento de Conduta) de “formalização” da Reserva Legal perante o órgão ambiental daquelas propriedades rurais que não tenham adotado esta obrigação de imediato.

Registre-se que aqueles proprietários que não deram entrada com tal documentação já estão irregulares e sujeitos à sanção administrativa prevista no art. 55, do Decreto 6.514/2008:

“Art. 55.  Deixar de averbar a reserva legal:

Penalidade de advertência e multa diária de R$ 50,00 (cinqüenta reais) a R$ 500,00 (quinhentos reais) por hectare ou fração da área de reserva legal. (Redação dada pelo Decreto nº 6.686, de 2008).

§ 1º  O autuado será advertido para que, no prazo de cento e oitenta dias, apresente termo de compromisso de regularização da reserva legal na forma das alternativas previstas na Lei no 4.771, de 15 de setembro de 1965.. (Redação dada pelo Decreto nº 7.029, de 2009)

§ 2º  Durante o período previsto no § 1º, a multa diária será suspensa. (Redação dada pelo Decreto nº 6.686, de 2008).

§ 3º  Caso o autuado não apresente o termo de compromisso previsto no § 1º nos cento e vinte dias assinalados, deverá a autoridade ambiental cobrar a multa diária desde o dia da lavratura do auto de infração, na forma estipulada neste Decreto. (Incluído pelo Decreto nº 6.686, de 2008).

§ 4º As sanções previstas neste artigo não serão aplicadas quando o prazo previsto não for cumprido por culpa imputável exclusivamente ao órgão ambiental. (Incluído pelo Decreto nº 6.686, de 2008).

§ 5º  O proprietário ou possuidor terá prazo de cento e vinte dias para averbar a localização, compensação ou desoneração da reserva legal, contados da emissão dos documentos por parte do órgão ambiental competente ou instituição habilitada. (Incluído pelo Decreto nº 7.029, de 2009)

§ 6º  No prazo a que se refere o § 5º, as sanções previstas neste artigo não serão aplicadas.(Incluído pelo Decreto nº 7.029, de 2009)

Este dispositivo teve prorrogada sua vigência por várias vezes, até que entrou em vigor em 11 de junho de 2012, por força do Decreto 7.719/2012.

É evidente que as sanções administrativas poderão ser suspensas conforme os parágrafos do próprio artigo e também as regras de transição tratadas adiante, mas, tais questões não têm interferência nenhuma na obrigação de dar entrada com tais documentos junto ao órgão ambiental.

Nestes termos, não resta dúvida que o Novo Código Florestal continua exigindo, de imediato, a partir de sua vigência, a regularização ou formalização da Reserva Legal perante o órgão ambiental competente, concedendo prazo, apenas, para a inscrição no Cadastro Ambiental Rural e também para a adesão ao Programa Recuperação Ambiental - PRA que são situações diferentes, conforme será analisado nos próximos passos.

II.2 – DA INTERFACE DO CADASTRO AMBIENTAL RURAL COM A RESERVA LEGAL – CRIAÇÃO DE ALTERNATIVA ENTRE AVERBAÇÃO NA MATRÍCULA E INSCRIÇÃO NO CAR PARA O PROPRIETÁRIO E OBRIGATORIEDADE DE AVERBAÇÃO PELO ÓRGÃO COMPETENTE

Recapitulando o item anterior, é necessário que se deixe claro: uma questão é a apresentação da documentação do órgão ambiental para a formalização ou regularização da Reserva Legal, outra questão é a aprovação da mesma pelo órgão, outra, ainda, é a inscrição no Cadastra Ambiental Rural ou a averbação da mesma na matrícula do imóvel.

O cadastro ambiental rural é cadastro independente da obrigação de regularização da Reserva Legal, que, conforme o artigo 14, § 1º, é aprovada pelo órgão estadual integrante do Sisnama (ou instituição por ele habilitada).

Por outro lado, a interface que existe é que a Reserva Legal – juntamente com as áreas de preservação permanente e outras áreas ambientais relevantes existentes no imóvel – deverá ser inscrita naquele cadastro. Confiram-se os seguintes dispositivos:

“Art. 29.  É criado o Cadastro Ambiental Rural - CAR, no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente - SINIMA, registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento.

 § 1o  A inscrição do imóvel rural no CAR deverá ser feita, preferencialmente, no órgão ambiental municipal ou estadual, que, nos termos do regulamento, exigirá do proprietário ou possuidor rural: 

I - identificação do proprietário ou possuidor rural;

II - comprovação da propriedade ou posse;

III - identificação do imóvel por meio de planta e memorial descritivo, contendo a indicação das coordenadas geográficas com pelo menos um ponto de amarração do perímetro do imóvel, informando a localização dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Preservação Permanente, das Áreas de Uso Restrito, das áreas consolidadas e, caso existente, também da localização da Reserva Legal.

§ 2º  O cadastramento não será considerado título para fins de reconhecimento do direito de propriedade ou posse, tampouco elimina a necessidade de cumprimento do disposto no art. 2o da Lei no 10.267, de 28 de agosto de 2001.

§ 3º  A inscrição no CAR será obrigatória para todas as propriedades e posses rurais, devendo ser requerida no prazo de 1 (um) ano contado da sua implantação, prorrogável, uma única vez, por igual período por ato do Chefe do Poder Executivo.”

“Art. 14. ...

§ 1º  O órgão estadual integrante do Sisnama ou instituição por ele habilitada deverá aprovar a localização da Reserva Legal após a inclusão do imóvel no CAR, conforme o art. 29 desta Lei.”

“Art. 18.  A área de Reserva Legal deverá ser registrada no órgão ambiental competente por meio de inscrição no CAR de que trata o art. 29, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento, com as exceções previstas nesta Lei.

§ 1º  A inscrição da Reserva Legal no CAR será feita mediante a apresentação de planta e memorial descritivo, contendo a indicação das coordenadas geográficas com pelo menos um ponto de amarração, conforme ato do Chefe do Poder Executivo.

§ 2º  Na posse, a área de Reserva Legal é assegurada por termo de compromisso firmado pelo possuidor com o órgão competente do Sisnama, com força de título executivo extrajudicial, que explicite, no mínimo, a localização da área de Reserva Legal e as obrigações assumidas pelo possuidor por força do previsto nesta Lei.

§ 3º  A transferência da posse implica a sub-rogação das obrigações assumidas no termo de compromisso de que trata o § 2º.

§ 4o  O registro da Reserva Legal no CAR desobriga a averbação no Cartório de Registro de Imóveis, sendo que, no período entre a data da publicação desta Lei e o registro no CAR, o proprietário ou possuidor rural que desejar fazer a averbação terá direito à gratuidade deste ato.”

“Art. 30.  Nos casos em que a Reserva Legal já tenha sido averbada na matrícula do imóvel e em que essa averbação identifique o perímetro e a localização da reserva, o proprietário não será obrigado a fornecer ao órgão ambiental as informações relativas à Reserva Legal previstas no inciso III do § 1º do art. 29.

Parágrafo único.  Para que o proprietário se desobrigue nos termos do caput, deverá apresentar ao órgão ambiental competente a certidão de registro de imóveis onde conste a averbação da Reserva Legal ou termo de compromisso já firmado nos casos de posse.”

Da leitura conjunta dos dispositivos acima, pode-se concluir:

a) que o CAR será criado em âmbito nacional pelo órgão federal competente – (art. 29, caput);

 b) que a inscrição neste cadastro será feita, preferencialmente, no órgão estadual ou municipal, conforme dispuser a regulamentação (art. 29, § 1º);

c) que no CAR deverão ser identificadas as áreas de preservação permanente, uso restrito, remanescentes e, se existentes, as áreas de Reserva Legal (art. 29, §1º, III);

d) que a inscrição no CAR será obrigatória um ano contado da implantação, prorrogável uma única vez, por igual período por ato do Chefe do Poder Executivo (art. 29, §3º);

e) que compete ao órgão ambiental estadual a aprovação da reserva legal (que não será, necessariamente, o mesmo órgão que efetivará a inscrição do CAR, já que atualmente é feito nacionalmente e futuramente poderá ser feito até pelo Município, dependendo da regulamentação e convênios - art. 14, § 1º);

f) que para haver a aprovação da Reserva Legal pelo órgão ambiental estadual, deverá haver primeiramente a inscrição no CAR (isto após a sua efetiva implementação, conforme exposto adiante - art. 14, § 1º);

g) que a Reserva Legal deverá ser registrada no CAR, mediante apresentação de planta e memorial descritivo, contendo a indicação das coordenadas geográficas com pelo menos um ponto de amarração (art. 18 e § 1º);

h) que o registro da Reserva Legal no CAR desobriga o proprietário  averbá-la no Cartório de Registro de Imóveis (art. 18, § 4º), sendo que, se pretender fazê-lo, poderá realizá-la de forma gratuita;

i) quando a Reserva Legal já tenha sido averbada na matrícula do imóvel com o perímetro e localização, o proprietário não está obrigado a fornecer os dados relativos à mesma ao órgão ambiental onde deverá se inscrever no CAR, desde que apresente a certidão de registro de imóveis (art. 30, parágrafo único).  

Destes dispositivos e das conclusões acima, ainda restam alguns questionamentos:

a) O CAR já está ativo e implementado ou seja, já é possível ao proprietário rural fazer sua inscrição no mesmo?

b) Se o órgão responsável pela inscrição no CAR não for o órgão ambiental estadual (atualmente é o órgão federal, futuramente poderá ser o Município) em que momento deve ser feita a aprovação da Reserva Legal pelo órgão estadual? Antes, durante ou depois da inscrição no CAR?

c) Quem já tem a Reserva Legal averbada na matrícula do imóvel está livre de realizar o CAR?

d) A averbação da Reserva Legal passou a ser uma faculdade, é uma obrigação do órgão ambiental ou é vedada? Caso não seja vedada, seria uma obrigação do órgão ambiental estadual (que aprova a mesma) ou do órgão gestor do CAR?

e) Enquanto não houver a implantação (ou regulamentação nos Estados) do CAR, é possível exigir-se a averbação da reserva legal na matrícula do imóvel?

Quanto à primeira indagação, é necessário registrar que o CAR já existia, operava e funcionava em todo o território nacional (o que pode faltar é a sua adequação às normas do Novo Código Florestal e sua adaptação às normas Estaduais). É o que se extrai dos artigos. 3 e 14 do Decreto n. 7.029/2009 do Programa Mais Ambiente (revogado pelo Decreto n. 7.830/2012 – que regulamenta o Novo Código Florestal):

“Art. 3º  São instrumentos do “Programa Mais Ambiente”:

...

II - Cadastro Ambiental Rural - CAR: sistema eletrônico de identificação georreferenciada da propriedade rural ou posse rural, contendo a delimitação das áreas de preservação permanente, da reserva legal e remanescentes de vegetação nativa localizadas no interior do imóvel, para fins de controle e monitoramento; ...”

“Art. 14.  Fica criado o Cadastro Ambiental Rural - CAR, no âmbito do Ministério do Meio Ambiente, parte integrante do Sistema Nacional de Informações sobre o Meio Ambiente, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais e as informações geradas com base no “Programa Mais Ambiente”.

§ 1º  O CAR será disciplinado em ato conjunto dos Ministérios do Meio Ambiente, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Desenvolvimento Agrário. 

§ 2º  As informações constantes do CAR poderão ser disponibilizadas para utilização dos demais órgãos públicos federais e estaduais interessados.” 

A única questão é que no regime anterior à Nova Lei, a inscrição no CAR era obrigatória para aqueles que pleiteavam a adesão ao programa “mais ambiente”, enquanto agora passou a ser obrigatória a todos os proprietários rurais, um ano a contar da edição da implementação do mesmo.

Para que não haja dúvidas sobre a operatividade do CAR anteriormente à nova regulamentação, bastava acessar a página do programa (www.maisambiente.gov.br) onde constavam as seguintes informações:

"Para aderir ao Programa e garantir seus benefícios, o produtor rural dever fazer o Cadastro Ambiental Rural – CAR de sua propriedade ou posse. O primeiro passo: Criar uma senha de acesso ao CAR no campo "Criar Senha". Os produtores cadastrados no Cadastro Técnico Federal - CTF poderão utilizar sua senha para os Serviços Online do IBAMA. Segundo passo: Preencher os dados do campo "Acessar o CAR", onde o produtor terá acesso ao Formulário para o preenchimento dos dados e informações do seu Imóvel Rural....

O proprietário ou detentor de posse rural que aderir ao Programa agora, não terá quaisquer prejuízos futuros com possíveis alterações no Código Florestal, em votação no Congresso Nacional.  Adequações ao CAR serão efetuadas, passando a valer para o produtor, as regras que vierem a ser estabelecidas pelo novo Código."

Por fim, havia uma nota esclarecedora sobre o novo código:

"AVISO

 O Sistema de Cadastramento Ambiental Rural continua disponível para receber a inscrição dos imóveis rurais.

Este Sistema está sendo adequado em função da aprovação da nova legislação ambiental relativa a proteção da vegetação nativa, Lei Nº 12.651/2012. Isso não impede que o produtor rural ou posseiro insira as informações sobre seu imóvel, indicando a área total do imóvel e a localização das áreas de APP, e quando couber, as áreas de Reserva Legal e Remanescentes Florestais. Nesse momento não será necessário indicar número de hectares ou os percentuais dessas áreas. Isso será feito apenas após a regulamentação da Nova Lei e do PRA – Programa de Apoio e Incentivo à Preservação e Recuperação do Meio Ambiente, mediante notificação do órgão ambiental ao produtor rural, quando então deverá se processar a complementação das informações necessárias para a conclusão do CAR.

NOTA IMPORTANTE

Registre-se que a Lei n° 12.651, de 25 de maio de 2012, estabelece parâmetros diferentes para o Programa de Regularização Ambiental daqueles preconceituados no Decreto n° 7.029, de 10 de dezembro de 2009."

Contudo, ao regulamentar o Novo Código Florestal, preferiu o Poder Executivo diferir a data em que considerará implementado para os fins do Decreto (e, consequentemente, da Lei), deixando-a a critério do Ministério do Meio Ambiente, conforme depreende-se do artigo 21:

“Art. 21.  Ato do Ministro de Estado do Meio Ambiente estabelecerá a data a partir da qual o CAR será considerado implantado para os fins do disposto neste Decreto e detalhará as informações e os documentos necessários à inscrição no CAR, ouvidos os Ministros de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Desenvolvimento Agrário.” 

Desta forma, somente a partir do ato previsto neste artigo é que passará a vigorar o prazo para a inscrição obrigatória no CAR.

A segunda indagação (nos casos em que o órgão estadual não é o responsável pela inscrição no CAR, em que momento proceder a aprovação da mesma), infelizmente perdeu o Poder Executivo uma ótima oportunidade, ao regulamentar a lei, de esclarecer este ponto.

O Decreto n. 7.830/2012, em seu artigo sexto, parágrafo primeiro, simplesmente repetiu a Lei e estabeleceu que o CAR deve ser requerido, preferencialmente, junto ao órgão Municipal ou Estadual, sem esclarecer como proceder durante a tramitação do CAR perante o órgão responsável pela inscrição para aprovação da localização da Reserva Legal. Claro que isto será muito mais fácil se ambos ocorrerem no órgão estadual competente.

Enquanto não implementado o CAR, o que haverá é a tramitação em separado da Reserva Legal junto ao órgão ambiental competente e sua averbação na matrícula, conforme exposto abaixo.

Outro ponto a ser esclarecido é que o fato de possuir o imóvel Reserva Legal averbada, com o devido memorial descritivo aprovado pelo órgão ambiental competente, não desobriga a sua inscrição no CAR. O que o artigo 30 excepciona é, somente, as informações relativas à Reserva Legal previstas no art. 29, § 1º, III, isto se naquela averbação houver indicação do perímetro e a localização da reserva (se não houver, ainda que haja a informação lacônica no registro de imóveis como “averbada a reserva legal de 20%”, esta inscrição continua obrigatória, inclusive dos dados da reserva legal).

Portanto, a inscrição com todas as outras obrigações, inclusive indicação de áreas de preservação permanente, uso restrito, consolidadas (inciso III), é obrigatória.

Ademais, é de se registrar que, ainda que indicado o perímetro e a localização da Reserva Legal na averbação da matrícula, caso ela não tenha os demais requisitos necessários à localização georreferenciada da Reserva Legal nos padrões mínimos a serem exigidos na regulamentação do CAR, também não poderá ser desonerado o proprietário, pois a finalidade deste dispositivo de exceção é somente evitar que o proprietário repita um trabalho já feito, e não descaracterizar o CAR, de forma que aquela informação repassada da matrícula do bem não tenha utilidade para o sistema.

Resta a análise da última indagação: se a averbação da Reserva Legal na matrícula do imóvel continua sendo obrigatória (e se obrigatória, quem tem tal obrigação), vedada ou é uma mera faculdade.

Para a resposta a esta pergunta é interessante registrar que a Lei n. 6.015/73 em seu art. 167, II, 22, dispõe:

“Art. 167. No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos:

...

II – a averbação:

...

22) da Reserva Legal;”

É necessário registrar, conforme ensina Marcelo Augusto Santana de Melo, o seguinte:

“Questão interessante é a permanência, na Lei n. 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), da direta possibilidade de averbação da reserva legal florestal (art. 167, II, 22). A Lei n. 12.651, de 25 de maio de 2012, não revogou expressamente o dispositivo da Lei de Registros Públicos nem promoveu qualquer alteração, diferentemente de outros diplomas legais, como as leis ns. 4.771/1965, 6.938/1981, 7.754/1989 e 11.428/2006.”

(MELO, Marcelo Augusto Santana de. O novo Código Florestal e o Registro de Imóveis. São Paulo: O novo Código Florestal e o Registro de Imóveis, 2012. Disponível em: <http://registradores.org.br/o-novo-codigo-florestal-e-o-registro-de-imóveis>. Acesso em: 09.08.2012.)

Assim, como bem explicou o autor, a Lei de Registros Públicos continua em vigor (uma vez que a nova lei não a revogou expressamente e não há incompatibilidade entre as duas) e estabelece como um dos casos de averbação a Reserva Legal.

Note-se que o Poder Executivo vetou a tentativa de revogação do art. 167, II, item 22, da Lei de Registros Públicos que estava prevista no artigo 83 do Novo Código Florestal, tendo na mensagem de veto exposto o seguinte:

Razões do veto

“... Ademais, ao propor a revogação do item 22 do inciso II do art. 167 da Lei no 6.015, de 31 de dezembro de 1973, dispensa a averbação da Reserva Legal sem que haja ainda um sistema substituto que permita ao poder público controlar o cumprimento das obrigações legais referentes ao tema, ao contrário do que ocorre no próprio art. 18, § 4o, da Lei no 12.651.”

Portanto, não há dúvidas que esta possibilidade permanece, não sendo vedada, até porque está prevista a coexistência dos dois sistemas (averbação e CAR), conforme fica claro do artigo 30, já citado anteriormente.

Resta saber, agora, se a averbação é uma mera faculdade ou é obrigatória e, sendo obrigatória, de quem é tal obrigação.

Com maestria o autor acima citado enfrenta a questão, deixando clara que a obrigação prevalece e é do órgão ambiental:

“É preciso considerar e não esquecer da regra constante do art. 169 da Lei de Registros Públicos que determina que “todos os atos enumerados no art. 167 são obrigatórios e efetuar-se-ão no Cartório da situação do imóvel”. Ora, se os atos de registro são obrigatórios, como interpretar a regra constante do § 4o do art. 18 do novo Código Florestal, que expressamente desobriga da averbação no Registro de Imóveis?

Obviamente, desobrigar não é sinônimo de impedir, de sorte que, para nós, a averbação da reserva legal florestal prevalece no Brasil. Os atos de registro continuam obrigatórios e o novo Código Florestal, a teor do que dispõe o art. 18, desobriga o proprietário de averbar a reserva florestal no Registro de Imóveis e não a autoridade ambiental ou qualquer interessado. Referido dispositivo representa uma obrigação do proprietário ou possuidor e a desobrigação da averbação da reserva é justificada em razão da centralização em um cadastro ambiental.

...

Entendemos que a averbação deva ser feita pela autoridade ambiental responsável pelo Cadastro Ambiental Rural (CAR) e o regulamento deve esclarecer como a comunicação deve ocorrer (§ 1º do art. 29). O Ministério Público – a nosso ver – poderá continuar a exigir que exista a vinculação entre registro e cadastro.

...

O Cadastro Ambiental Rural – CAR será objeto de necessário regulamento e deve tratar da comunicação entre cadastro e registro, que necessariamente será eletrônica, a teor do que dispõe o art. 29 do novo Código Florestal e especialmente o art. 37 da Lei n. 11.977, de 7 de julho de 2009, que criou o sistema de registro público eletrônico. Uma vez encerrado o cadastro, a autoridade ambiental responsável eletronicamente comunicaria o Registro de Imóveis que promoveria a averbação da reserva legal florestal na matrícula indicada.”

(MELO, Marcelo Augusto Santana de. O novo Código Florestal e o Registro de Imóveis. São Paulo: O novo Código Florestal e o Registro de Imóveis, 2012. Disponível em: <http://registradores.org.br/o-novo-codigo-florestal-e-o-registro-de-imóveis>. Acesso em: 09.08.2012.)

Realmente a interpretação do autor acima mencionada parece ser a mais acertada, uma vez que estando em vigor a Lei de Registros Públicos e as averbações ali previstas sendo obrigatórias, é de se interpretar que tal obrigação está mantida, sendo apenas transferida a sua obrigação para o órgão ambiental mediante comunicação e não mais ao proprietário rural.

Esta interpretação se justifica uma vez que é na matrícula do imóvel que se dá a publicidade sobre a reserva legal, inclusive sendo este um direito dos futuros adquirentes – que se obrigarão a preservá-la ou a recuperá-la, conforme o caso, por se tratar de obrigação propter rem (art. 2º, § 2º). Este entendimento já foi externando pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, quando da legislação anterior:

“RESERVA LEGAL. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. NULIDADE DE SENTENÇA. PRELIMINAR AFASTADA. IMÓVEL RURAL. AVERBAÇÃO DA ÁREA DE RESERVA LEGAL. EXIGÊNCIA LEGÍTIMA. DEVER A SER CUMPRIDO, AINDA QUE INEXISTENTE ÁREA DE FLORESTA. SENTENÇA REFORMADA. - A averbação da reserva legal na matrícula do imóvel tem o fim de lhe dar publicidade e de especificá-la, demarcando-a e gravando o imóvel com esse ônus, para conhecimento de todos e para que futuros e eventuais adquirentes do respectivo imóvel rural saibam, exatamente, a localização da reserva legal, com seus limites e confrontações. Essa obrigação a mais, prevista no Código Florestal (Lei Federal 4.771/1965), contribuiu para que se preservem áreas de florestas ou de vegetação nativa, sendo dever legal do proprietário e do futuro adquirente do imóvel respeitar e manter a reserva legal que deve constar da matrícula da propriedade no cartório de registro de imóveis. Tal obrigação independe da existência ou não de floresta ou do tamanho da propriedade rural.”(TJMG - APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0144.07.019885-4/001, 1ª Câmara Cível do TJMG, Rel. Armando Freire. j. 13.04.2010, Publ. 18.06.2010).

Ademais, é de se registrar que qualquer pessoa poderá efetivar a averbação da Reserva Legal, conforme muito bem ensina Leonardo Castro Maia:

“Contudo, conquanto seja uma obrigação para o proprietário, podendo inclusive ser dele exigida por meio de ação judicial, sempre houve a possibilidade de ser levada a efeito por terceiros (“qualquer pessoa”), nos termos do artigo 217 da Lei 6.015/1973

...

Qualquer pessoa pode dirigir-se diretamente ao Cartório de Registro de Imóveis para informar-se sobre a existência da averbação da Reserva Legal e, independentemente de ser ou não proprietário da propriedade rural, qualquer pessoa poderá promover a sua averbação, incumbindo-lhes as despesas respectivas, desde que ofereçam elementos fáticos e documentais.”

(O Novo Código Florestal e a Averbação da Reserva Legal No Registro de Imóveis – artigo inédito)

Neste caso, se qualquer pessoa pode promover esta averbação, certo é que também o Ministério Público poderá requisitá-la, pois estará agindo dentro das suas funções constitucionais de proteção ao meio ambiente, sendo que, neste caso, é evidente, não haverá quaisquer custas ou emolumentos a serem pagos.

Por fim, enquanto não implementado o CAR (ou regulamentada sua aplicação nos Estados), não há dúvidas que o sistema vigente continua sendo o anterior, qual seja, a aprovação junto ao órgão ambiental Estadual e sua averbação na matrícula como obrigação do proprietário do imóvel, pois, como dito, ainda que entenda-se agora ser facultativa esta averbação (e não uma obrigação imposta ao órgão ambiental), não podendo ser ela feita através do CAR, deverá, necessariamente, ser feita na matrícula do imóvel.

É esta a lição de Leonardo Castro Maia:

“Veja-se que, a nosso sentir, o resultado prático imediato da edição do §4o do artigo 18, até a total implantação do Cadastro, significaria o contrário do que foi concluído pelo citado autor. Ao invés de tornar facultativa a averbação da Reserva, acentua seu caráter obrigatório.

À mesma conclusão parece haver chegado a Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Santa Catarina, que, por meio do Ofício Circular n. 163, de 21 de junho de 2012, instruiu os registradores daquele Estado a realizarem as averbações, até a implantação do Cadastro Ambiental Rural.”

(O Novo Código Florestal e a Averbação da Reserva Legal No Registro de Imóveis – artigo inédito)

Destarte, segundo o que se expôs, enquanto não regulamentado o CAR nos Estados de forma que seja possível a plena inscrição da Reserva Legal naquele cadastro, permanece a obrigação da averbação na matrícula do imóvel.

II.3 – DA OBRIGAÇÃO DE REGULARIZAÇÃO DA RESERVA LEGAL PERANTE O ÓRGÃO AMBIENTAL DE FORMA ROTEIRIZADA

Para que a reserva legal cumpra sua função ecológica e, principalmente, para que a mesma não seja dizimada em cada desmembramento ou venda parcial do imóvel, impõe-se que ela seja demarcada e também aprovada pelo órgão ambiental, além de ser averbada na matrícula do bem e inscrita no Cadastro Ambiental Rural.

É o que se extrai do artigo 14, do Novo Código Florestal:

“Art. 14.  A localização da área de Reserva Legal no imóvel rural deverá levar em consideração os seguintes estudos e critérios:

I - o plano de bacia hidrográfica;

II - o Zoneamento Ecológico-Econômico 

III - a formação de corredores ecológicos com outra Reserva Legal, com Área de Preservação Permanente, com Unidade de Conservação ou com outra área legalmente protegida;

IV - as áreas de maior importância para a conservação da biodiversidade; e

V - as áreas de maior fragilidade ambiental.

§ 1º  O órgão estadual integrante do Sisnama ou instituição por ele habilitada deverá aprovar a localização da Reserva Legal após a inclusão do imóvel no CAR, conforme o art. 29 desta Lei.”

Ora, do dispositivo acima percebe-se que para se averbar a reserva legal é necessário que, primeiramente, se saiba onde a mesma se encontra, até porque, somente nestes casos é que será possível levar em conta os critérios como plano de bacia hidrográfica, zoneamento, etc.

Portanto, a reserva legal não pode ser tratada como mera abstração matemática em que se afirma na matrícula do imóvel laconicamente que o mesmo “possui 20% de reserva florestal”, sem que se informe – mediante memorial descritivo – o local em que a mesma se encontra, suas condições e se ela cumpre ou não seu papel ecológico.

Assim, para que tal norma cumpra seus efeitos é imprescindível que a reserva legal seja demarcada mediante elaboração de memorial descritivo indicando onde ela se encontra dentro do imóvel, devendo tal documento ser aprovado pelo órgão ambiental competente.

Por estes motivos é que o Supremo Tribunal Federal, sob a égide da lei antiga, já decidiu que a Reserva Legal deve ser devidamente caracterizada e demarcada dentro da propriedade, sob pena de ferir-se o Código Florestal (MS 23.370-2 Goiás, de 16/12/99: “A ‘reserva legal’, prevista no art. 16, § 2º, do Código Florestal, não é quota ideal que possa ser subtraída da área total do imóvel rural, para o fim do cálculo de sua produtividade (cf. L. 8.629/93, art. 10, IV), sem que esteja identificada na sua averbação” e MS 22.688-9 Paraíba, de 03/02/99: “A reserva legal não é uma abstração matemática. Há de ser entendida como uma parte determinada do imóvel. Sem que esteja identificada, não é possível saber se o proprietário vem cumprindo as obrigações positivas e negativas que a legislação ambiental lhe impõe. Por outro lado, se não se sabe onde concretamente se encontra a reserva, se ela não foi medida e demarcada, em caso de divisão ou desmembramento de imóvel, o que ocorreria é que cada um dos novos proprietários só estaria obrigado por lei a preservar vinte por cento de sua parte. Desse modo, a cada nova divisão ou desmembramento, haveria uma diminuição do tamanho da reserva proporcional à diminuição do tamanho do imóvel, com o que restaria frustrada a proibição da mudança de sua destinação nos casos de transmissão a qualquer título ou de desmembramento, que a lei florestal prescreve.).

Com base nestes fatos não há como negar que a obrigação de identificar a Reserva Legal com memorial descritivo é decorrência direta do Código Florestal, não podendo a legislação estadual dispensar ou modificar esta situação.

Nesta situação o Novo Código Florestal veio a ser mais expresso que o anterior, que não previa tal medida (mas decorria-se da interpretação do mesmo). Confira-se a redação do artigo 18:

“Art. 18.  A área de Reserva Legal deverá ser registrada no órgão ambiental competente por meio de inscrição no CAR de que trata o art. 29, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento, com as exceções previstas nesta Lei.

§ 1º  A inscrição da Reserva Legal no CAR será feita mediante a apresentação de planta e memorial descritivo, contendo a indicação das coordenadas geográficas com pelo menos um ponto de amarração, conforme ato do Chefe do Poder Executivo.”


III  – DA IMPOSSIBILIDADE DE OCUPAÇÃO DA RESERVA LEGAL E DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE COM ATIVIDADE PRODUTIVA – OBRIGAÇÃO DE ISOLAMENTO E ABANDONO IMEDIATO

Outro ponto que merece análise na atual legislação diz respeito às áreas de reservas legais que necessitam ser recuperadas para que atinjam o mínimo previsto no artigo 12, analisando-se a concessão ou não de prazo para que as mesmas deixem de ser exploradas.

Em relação àquelas Reservas Legais ocupadas (desmatadas) irregularmente após 22 de julho de 2008, a questão não apresenta qualquer dúvida, está clara tal determinação no artigo 17, parágrafo terceiro, da lei analisada:

“Art. 17.

...

§ 3º É obrigatória a suspensão imediata das atividades em Área de Reserva Legal desmatada irregularmente após 22 de julho de 2008.”

§ 4o  Sem prejuízo das sanções administrativas, cíveis e penais cabíveis, deverá ser iniciado, nas áreas de que trata o § 3o deste artigo, o processo de recomposição da Reserva Legal em até 2 (dois) anos contados a partir da data da publicação desta Lei, devendo tal processo ser concluído nos prazos estabelecidos pelo Programa de Regularização Ambiental - PRA, de que trata o art. 59. 

Percebe-se assim de forma clara que, nas áreas de reservas legais desmatadas irregularmente após 22 de julho de 2008, a sua desocupação é imediata, sendo que deverá o proprietário ingressar, no prazo de até dois anos da publicação da Lei, com o PRA que trata o art. 59, para beneficiar-se dos prazos relativos à recomposição (plantio), que, neste caso, deverão ser estabelecidos na regulamentação ou no termo de compromisso a ser firmado perante o órgão ambiental, mas, a desocupação de tais áreas é imediata.

Esta, portanto, é a regra para as propriedades desmatadas após 22 de julho de 2008 (prevista no artigo 17, parágrafos terceiro e quarto): desocupação imediata das áreas de reserva legal, abandonando-as para regeneração e, sendo necessária a recomposição, iniciar-se no prazo máximo de dois anos, mediante o Programa de Regularização Ambiental, previsto no art. 59.

Em relação às propriedades desmatadas anteriormente à 22 de julho de 2008, também não há qualquer menção na Lei sobre prazo para a desocupação/isolamento destas áreas.

O que estabelece a lei é a necessidade de regularização imediata da Reserva Legal, independentemente de adesão ao PRA, conforme previsto no artigo 66:

“Art. 66.  O proprietário ou possuidor de imóvel rural que detinha, em 22 de julho de 2008, área de Reserva Legal em extensão inferior ao estabelecido no art. 12, poderá regularizar sua situação, independentemente da adesão ao PRA, adotando as seguintes alternativas, isolada ou conjuntamente: 

I - recompor a Reserva Legal; 

II - permitir a regeneração natural da vegetação na área de Reserva Legal; 

III - compensar a Reserva Legal. 

...

§ 2º  A recomposição de que trata o inciso I do caput deverá atender os critérios estipulados pelo órgão competente do Sisnama e ser concluída em até 20 (vinte) anos, abrangendo, a cada 2 (dois) anos, no mínimo 1/10 (um décimo) da área total necessária à sua complementação.”

Assim, a necessidade de regularização das Reservas Legais é imediata, e não depende da adesão ao PRA, que tem as finalidades específicas previstas no capítulo atinente ao artigo 59.

Adverte-se, também, que do dispositivo em questão acima transcrito resta bem clara a diferenciação entre regularização (gênero) que pode ser feita através das seguintes espécies: recomposição (mediante plantio de mudas), regeneração natural (mediante abandono) ou compensação da Reserva Legal.

Pois bem, no que diz respeito à regeneração natural, não há dúvidas de que não está abrangida por qualquer prazo para seu abandono, devendo ser feita de imediato (já que o artigo 12 é claro que todos os imóveis devem manter sua Reserva Legal com vegetação nativa e o art. 17 determina que tal vegetação deve ser mantida, possibilitando, apenas, seu manejo sustentável).

Mas, também, no que diz respeito à recomposição – que pode ser feita na razão de 1/10 da área total, com prazo máximo de 20 anos – não pode haver dúvidas de que tais áreas deverão ser abandonadas.

Isto porque não pode o proprietário continuar exercendo atividade econômica sobre as mesmas – perpetuando as agressões ambientais no local de forma a impedir a regeneração natural – uma vez que aquela área é subtraída de sua utilização.

Neste sentido, decidindo sobre o Código Florestal revogado – que tinha dispositivo similar ao atual (art. 44) - o Superior Tribunal de Justiça assim já se posicionou:

“Tanto a faixa ciliar quanto a reserva legal, em qualquer propriedade, incluída a da recorrente, não podem ser objeto de exploração econômica, de maneira que, ainda que se não dê o reflorestamento imediato, referidas zonas não podem servir como pastagens. ...”

(RESP 217858 / PR ; Relator(a) Ministro FRANCIULLI NETTO; Órgão Julgador T2 - SEGUNDA TURMA; Data do Julgamento 04/11/2003; Data da Publicação/Fonte DJ 19.12.2003 p. 386)(Luciano Furtado Loubet – MPMS)

No corpo deste acórdão, deixa-se claro que mesmo não sendo obrigatório o reflorestamento de imediato, é obrigatória a não exploração da área:

“Oportuno ressaltar que não buscou a ação civil pública, que culminou com a interposição do presente recurso especial, impor à recorrente a obrigação de reflorestamento, mas sim a abstenção de utilização da zona destinada à "reserva legal', isolando-a do acesso do gado.”

Por fim, é de se registrar que a única exceção estabelecida pelo artigo 59 nestes termos, é a impossibilidade de aplicação de sanções administrativas. Confira-se a redação do parágrafo quarto:

“Art. 59. ...

§ 4º  No período entre a publicação desta Lei e a implantação do PRA em cada Estado e no Distrito Federal, bem como após a adesão do interessado ao PRA e enquanto estiver sendo cumprido o termo de compromisso, o proprietário ou possuidor não poderá ser autuado por infrações cometidas antes de 22 de julho de 2008, relativas à supressão irregular de vegetação em Áreas de Preservação Permanente, de Reserva Legal e de uso restrito.”

 Assim, há apenas a suspensão da possibilidade de autuação por supressão irregular, mas, não se pode, de qualquer forma, continuar ocupando irregularmente tal área, na parte que não procederá o plantio de imediato.

Por tais motivos, é flagrantemente ilegal (por inovar a legislação e contrariar frontalmente os artigos 12 e 17 do Novo Código), o parágrafo primeiro do artigo 16 do Decreto 7.830/2012, com o seguinte teor:

“Art. 16.  As atividades contidas nos Projetos de Recomposição de Áreas Degradadas e Alteradas deverão ser concluídas de acordo com o cronograma previsto no Termo de Compromisso.

§ 1o  A recomposição da Reserva Legal de que trata o art. 66 da Lei nº 12.651, de 2012, deverá atender os critérios estipulados pelo órgão competente do SISNAMA e ser concluída em até vinte anos, abrangendo, a cada dois anos, no mínimo um décimo da área total necessária à sua complementação.

§ 2o  É facultado ao proprietário ou possuidor de imóvel rural, o uso alternativo do solo da área necessária à recomposição ou regeneração da Reserva Legal, resguardada a área da parcela mínima definida no Termo de Compromisso que já tenha sido ou que esteja sendo recomposta ou regenerada, devendo adotar boas práticas agronômicas com vistas à conservação do solo e água.”

Ora, conforme apontado acima, o Decreto não respeitou a diferenciação entre recomposição (com plantio de mudas e que implica custos ao proprietário) e regeneração (mero abandono da área), permitindo ao órgão ambiental outorgar o uso destas áreas que, de imediato, devem ser abandonadas para sua recuperação.

Portanto, tal dispositivo é inválido, em razão de contrariar o determinado na Lei e inconsitucional por violar o princípio da legalidade e a proteção ao meio ambiente, conforme estabelecido no art. 225, da Constituição Federal.

Impõe-se esclarecer que somente na opção de reserva legal extra-propriedade (compensação) é que poderá ele continuar usando a área em questão, uma vez que não haverá recomposição ou regeneração dentro do próprio imóvel.

Já no que diz respeito às áreas de preservação permanente, a situação é ainda mais evidente, uma vez que o Código Florestal não dispõe sobre qualquer prazo para sua desocupação (salvo aqueles previstos na regulamentação transitória, que serão objeto de análise abaixo), e, portanto, aplica-se o acórdão acima transcrito do Superior Tribunal de Justiça.

Para que não reste dúvida, basta a leitura do artigo 7º, da nova lei:

“Art. 7º  A vegetação situada em Área de Preservação Permanente deverá ser mantida pelo proprietário da área, possuidor ou ocupante a qualquer título, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado.

§ 1º  Tendo ocorrido supressão de vegetação situada em Área de Preservação Permanente, o proprietário da área, possuidor ou ocupante a qualquer título é obrigado a promover a recomposição da vegetação, ressalvados os usos autorizados previstos nesta Lei.

§ 2º  A obrigação prevista no § 1º tem natureza real e é transmitida ao sucessor no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural.

§ 3º  No caso de supressão não autorizada de vegetação realizada após 22 de julho de 2008, é vedada a concessão de novas autorizações de supressão de vegetação enquanto não cumpridas as obrigações previstas no § 1º.”

Ora, o dispositivo é claro em seu caput de que a vegetação em APP deverá ser mantida pelo proprietário, possuidor ou ocupante a qualquer título, sendo que em seu parágrafo primeiro determina a recomposição destas áreas, sem conceder qualquer prazo, o que significa que deverá ser feito de imediato.

Novamente, como dito acima, a única questão é que, não poderá haver autuação administrativa de quem suprimiu APP irregularmente (nas hipóteses do art. 59, § 4º), o que não significa que poderá continuar explorando tal área.

Ademais, é de se registrar que a perpetuação da ocupação irregular em área de preservação permanente e de reserva legal é contínua, danificando dia a dia a área e impedindo que a mesma atinja suas finalidades ambientais, sendo que, neste caso, é inclusive crime permanente, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça:

“EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. INEXISTÊNCIA. CRIME PERMANENTE VERSUS CRIME INSTANTÂNEO DE EFEITOS PERMANENTES. SÚMULA 711. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. INOCORRÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. 1. A conduta imputada ao paciente é a de impedir o nascimento de nova vegetação (art. 48 da Lei 9.605/1998), e não a de meramente destruir a flora em local de preservação ambiental (art. 38 da Lei Ambiental). A consumação não se dá instantaneamente, mas, ao contrário, se protrai no tempo, pois o bem jurídico tutelado é violado de forma contínua e duradoura, renovando-se, a cada momento, a consumação do delito. Trata-se, portanto, de crime permanente. 2. Não houve violação ao princípio da legalidade ou tipicidade, pois a conduta do paciente já era prevista como crime pelo Código Florestal, anterior à Lei n° 9.605/98. Houve, apenas, uma sucessão de leis no tempo, perfeitamente legítima, nos termos da Súmula 711 do Supremo Tribunal Federal. 3. Tratando-se de crime permanente, o lapso prescricional somente começa a fluir a partir do momento em que cessa a permanência. Prescição não consumada. 4. Recurso desprovido.” (STF – 1ª Turma, RHC 83437-SP- Relator Min. Joaquim Barbosa, julgado em 10/02/2004)

“Relativamente ao delito descrito no art. 48 da Lei 9.605/98, deve-se referir que o denunciado, além se ser responsável pela construção em solo não edificável (art. 64 da lei Ambiental), a manutenção da referida edificação ilegalmente construída ainda impede a regeneração da vegetação natural, conduta na qual incide no tipo penal insculpido no art. 48 da Lei n.º 9.605/98, que se trata de delito permanente e, por esse motivo, não pode ser absorvido pelo disposto no art. 64 da mesma lei, que é instantâneo.

Insta referir a manifestação da douta Procuradoria da República em Santa Catarina quanto a essa questão (fls. 256/257):

"Frise-se que o crime de impedimento à regeneração natural da vegetação não se consuma apenas com um ato comissivo do agente, podendo também ocorrer por ato omissivo seu. Logo, a conduta do autor dos fatos, ainda que não seja tida como um ato comissivo, pode ser tida como uma omissão sua em retirar a construção do local em que havia vegetação considerada de preservação permanente.

(...)

Desse modo, pode-se, sim, atribuir ao autor dos fatos a conduta do art. 48 da Lei n.º 9.605/98, já que a manutenção de construção no local é um novo crime, diverso e autônomo em relação ao tipo do artigo 64 da Lei 9.605/98, por tratar-se de vegetação que possui grande capacidade regenerativa." (grifei).” (STJ - RECURSO ESPECIAL Nº 1.125.374 – SC)

Assim, não há dúvidas de ser obrigatório o abandono imediato de todas as áreas de preservação permanentes previstas no Novo Código e irregularmente ocupadas com atividades econômicas.


IV – OBRIGAÇÃO DE REGULARIZAÇÃO DA RESERVA LEGAL ANTES DOS DESMEMBRAMENTOS E TRANSMISSÃO DOS IMÓVEIS RURAIS

Tema de extrema importância diz respeito à necessidade de exigir-se antes da transmissão, fracionamento ou desmembramento dos imóveis rurais a regularização da Reserva Legal, sendo que tal exigência decorre da interpretação de vários dispositivos da nova lei, uma vez que a partir do momento em que se determina ser a reserva legal imutável após a sua aprovação, é evidente que se busca evitar nos fracionamentos de imóveis que haja a possibilidade de mutilar-se a mesma em razão do imóvel, após dividido, ficar com área menor.

Sob a vigência do Código Anterior, ao comentar esta questão, Nicolao Dino de Castro e Costa Neto (Proteção Jurídica do Meio Ambiente – florestas – Ed. Del Rey, 2003, p. 216) ensinava:

“A perpetuidade e a inalterabilidade da destinação evidenciam, a seu turno, que, em face do interesse público na proteção das florestas, a restrição é perene e imutável, não podendo ser modificadas a reserva e sua destinação, inclusive nas hipóteses de transmissão do imóvel, seja a que título for, bem como em caso de desmembramentos. A limitação administrativa acompanha o imóvel, para que o interesse na conservação do ecossistema florestal sobressaia e seja resguardado, a despeito dos interesses particulares mais imediatos. ...

Noutras palavras, em caso de venda de parte do imóvel em que esteja inserida a reserva legal florestal, se fosse admitida a redefinição do percentual da reserva legal, adequando seu percentual à dimensão da área desmembrada (nova propriedade), estar-se-ia aceitando, por via oblíqua, a redução do espaço territorial protegido, com ofensa adicional às características de imutabilidade e perpetuidade. O Direito não pode ser instrumento viabilizador de fraudes, razão pela qual a hipótese de diminuição não deve ser admitida, mantendo-se a limitação administrativa no mesmo percentual, por ser imutável e perpetua.”(grifo nosso)

No código atual a situação de exigir-se a regularização da Reserva Legal antes do desmembramento ou transmissão do imóvel é ainda mais clara. É o que se extrai da leitura dos seguintes artigos:

“Art. 18.  A área de Reserva Legal deverá ser registrada no órgão ambiental competente por meio de inscrição no CAR de que trata o art. 29, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento, com as exceções previstas nesta Lei.”

“Art.. 12. ...

§ 1º  Em caso de fracionamento do imóvel rural, a qualquer título, inclusive para assentamentos pelo Programa de Reforma Agrária, será considerada, para fins do disposto do caput, a área do imóvel antes do fracionamento.”

Ocorre que, ao deixar claro que a Reserva Legal não pode ter sua destinação alterada nos casos de transmissão ou desmembramento (art. 18) e que em casos de fracionamento a área a ser considerada para fins desta reserva é aquela anterior a este fracionamento, fica evidente que o Novo Código exige que tal regularização seja feita antes da consecução destes atos.

Conforme apontado acima, não houve concessão de prazo para a regularização/formalização da Reserva Legal, devendo ser ela imediata. Por outro lado, para evitar-se a burla aos dispositivos acima citados, fica evidente que antes que haja esta transmissão, desmembramento ou fracionamento deverá ser exigida a regularização. 

Não fosse assim, caso se admitisse ser possível a transmissão, desmembramento ou fracionamento sem a regularização da Reserva Legal, fica evidente que tais dispositivos cairiam como letra morta, uma vez que haveria mudança da destinação daquela área como reserva legal (inclusive com possibilidade de, uma vez desmembrado o imóvel, ser dizimada parte da reserva legal), bem como a área a ser considerada não seria aquela anterior ao fracionamento.

Até porque, não sendo exigida esta regularização antes da transmissão ou desmembramento/fracionamento o novo proprietário não saberá, sequer, onde ficava a Reserva Legal.

Além disto, é de se registrar que, inclusive, o desmembramento/fracionamento de imóvel antes da regularização da reserva legal tem implicações até mesmo naqueles casos em que o proprietário ver-se-á desonerado de recompor a Reserva Legal por força do artigo 67, que determina de forma clara que a área a ser considerada é aquela existente em 22 de julho de 2008.

Esta obrigação deverá ser averiguada/fiscalizada pelo Oficial de Registro de Imóveis, conforme já entendeu o Superior Tribunal de Justiça (ao interpretar o Código Florestal anterior que era ainda menos expresso que o atual - RESP 1221867). No corpo deste acórdão destacam-se as palavras do Ministro Herman Benjamim: “não se pode esperar do registrador uma postura passiva, que o separe dos outros sujeitos estatais e o imunize da força vinculante dos mandamentos constitucionais e legais”.

Sobre esta questão o autor Leonardo Castro Maia assim já escreveu, inclusive citando outro precedente do STJ:

“Note-se que, muitas vezes, a necessidade da averbação assegurava não apenas a publicidade do ato, como conduzia à própria implementação da Reserva Legal, como nas hipóteses em que havia modificação na matrícula do imóvel, já que o proprietário era compelido a procurar pelo órgão ambiental, demarcar a Reserva Legal etc., conforme decidira o Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial 831212/MG (julgado em 01/09/2009 e publicado no DJ de 22/09/2009):

“A defesa do meio ambiente naturalmente implica restrição ao direito de propriedade. E a melhor forma de tornar efetiva essa obrigação, como bem notado pelo STJ no já citado julgamento do RMS 18.301/MG, é a de vincular qualquer modificação na matrícula do imóvel à averbação da reserva legal.” (trecho do voto da Relatora, Ministra Nancy Andrighi).”

(O Novo Código Florestal e a Averbação da Reserva Legal No Registro de Imóveis – artigo inédito)

Desta forma, está evidenciado ser obrigatório que haja anteriormente à transmissão, desmembramento, fracionamento ou qualquer modificação na matrícula do imóvel que haja a devida regularização da Reserva Legal.


V – OUTROS PONTOS RELATIVOS ÀS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE

V.1 – APPS PREVISTAS EM OUTROS INSTRUMENTOS NORMATIVOS

Questão interessante a se registrar é que continua em vigor, naquilo que não for contrária à nova legislação, a legislação anterior, especialmente sobre as áreas de preservação permanente, seja estabelecida em outras leis (Federais, Estaduais ou Municipais) ou outros instrumentos normativos.

Portanto, é plenamente possível que continue sendo exigida a proteção das áreas de preservação permanentes criadas ou previstas em outros atos normativos, especialmente, nas resoluções do CONAMA.

Ocorre que o CONAMA foi criado justamente para implementar a Política Nacional do Meio Ambiente e vem sendo reconhecido, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência, sua competência para criar ou regulamentar estas áreas de Preservação Permanente.

Esta competência decorre, inicialmente, do próprio artigo 225, da Constituição Federal quando dispõe no parágrafo primeiro, III, que compete ao Poder Público definir em todo o território nacional espaços especialmente protegidos.

Ademais, a competência normativa do CONAMA está estabelecida no art. 8º, VII, da Lei n. 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente), e já foi reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme depreende-se do seguinte  acórdão:

“PROCESSUAL CIVIL E DIREITO AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. OBRA EMBARGADA PELO IBAMA, COM FUNDAMENTO NA RESOLUÇÃO DO CONAMA N. 303/2002. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. EXCESSO REGULAMENTAR. NÃO-OCORRÊNCIA. ART. 2º, ALÍNEA 'F', DO CÓDIGO FLORESTAL NÃO-VIOLADO. LOCAL DA ÁREA EMBARGADA. PRETENSÃO DE ANÁLISE DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7 DO STJ. RECURSO ESPECIAL NÃO-CONHECIDO.

1. O fundamento jurídico da impetração repousa na ilegalidade da Resolução do Conama n. 303/2002, a qual não teria legitimidade jurídica para prever restrição ao direito de propriedade, como aquele que delimita como área de preservação permanente a faixa de 300 metros medidos a partir da linha de preamar máxima.

2. Pelo exame da legislação que regula a matéria (Leis  6.938/81 e 4.771/65), verifica-se que possui o Conama autorização legal para editar resoluções que visem à proteção do meio ambiente e dos recurso naturais, inclusive mediante a fixação de parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente, não havendo o que se falar em excesso regulamentar.

3. Assim, dentro do contexto fático delineado no acórdão recorrido, e, ainda, com fundamento no que dispõe a Lei n. 6.938/81 e o artigo 2º, "f", da Lei n. 4.771/65, devidamente regulamentada pela Resolução Conama n. 303/2002, é inafastável a conclusão a que chegou o Tribunal de origem, no sentido de que os limites traçados pela norma regulamentadora para a construção em áreas de preservação ambiental devem ser obedecidos.

4. É incontroverso nos autos que as construções sub judice foram implementadas em área de restinga, bem como que a distância das edificações está em desacordo com a regulamentação da Resolução Conama n. 303/2002. Para se aferir se o embargo à área em comento se deu apenas em razão de sua vegetação restinga ou se, além disso, visou à proteção da fixação de dunas e mangues, revela-se indispensável a reapreciação do conjunto probatório existente no processo, o que é vedado em sede de recurso especial em virtude do preceituado na Súmula n. 7, desta Corte.

5. Recurso especial não-conhecido.”

(STJ - REsp 994881 / SC RECURSO ESPECIAL 2007/0236340-0 – relator: Ministro BENEDITO GONÇALVES (1142) – Primeira Turma, Publicado em 09/09/2009)

Assim sendo, continuam em vigor as áreas de preservação permanentes estabelecidas, por exemplo, na Resolução n. 303/2002 do CONAMA, dentre elas, a proteção às nascentes ou olhos d´água não perenes (art. 3º, III), já que não há proibição desta proteção pelo art. 4º, IV, do Novo Código Florestal.

Também prevalecem as APPs em locais de refúgio ou reprodução de aves migratórias e exemplares de fauna ameaçadas de extinção (art. 3º, XIII e XIV), uma vez que não contrariam o que está previsto na nova lei.

V.2 – A QUESTÃO DAS APPS DE NASCENTES E OLHOS D´ÁGUA INTERMITENTES

Ainda que não houvesse previsão na Resolução CONAMA 303/2002 para a proteção das nascentes e olhos d´água intermitentes – e há, sendo suficiente aquela resolução para a proteção destas áreas – estariam protegidas as nascentes de cursos d´água intermitentes, pelo menos, em 30 metros (e não 50 metros, como a previsão para nascentes de cursos d´água perenes).

Esta constatação decorre da interpretação dos artigos 3º e 4º, da Nova Lei, com o seguinte teor:

“Art. 3º

XVII - nascente: afloramento natural do lençol freático que apresenta perenidade e dá início a um curso d’água;

XVIII - olho d’água: afloramento natural do lençol freático, mesmo que intermitente;”

“Art. 4º  Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:

...

IV – as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros;”

Ocorre que, segundo a própria definição do código, uma nascente é o afloramento natural do lenço freático que dá início a um curso d´água e tenha perenidade. Já o olho d´água é o mesmo afloramento, mas pode ser intermitente.

Sendo a nascente e o olho d´água perene, estará protegido em 50 metros conforme o artigo 4º, IV. Contudo, tratando-se de nascente ou olho d´água intermitente, é de se averiguar que, dando ela início a um curso d´água, ainda que intermitente, é evidente que faz a mesma parte deste curso d´água e, portanto, deverá ter uma área de preservação permanente de, no mínimo, 30 metros, com fundamento no artigo 4º, I, “a” da mesma legislação.

Ora, não faria sentido que um curso d´água intermitente fosse protegido em suas margens – e é de se registrar que o inciso I não faz diferenciação entre ser intermitente ou perene (apenas exclui os efêmeros – que, no conceito trazido pelo Decreto é o “corpo de água lótico que possui escoamento superficial apenas durante ou imediatamente após períodos de precipitação”), motivo pelo qual ambos estão protegidos – e seu começo não tivesse proteção alguma, somente por ser a sua nascente, já que a nascente faz parte do curso d´água e portanto deve ter a APP para ele estabelecida.


VI – DA NECESSIDADE DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL E COMPENSAÇÃO PARA OS CASOS DE SUPRESSÃO DE APP

A nova legislação ao tratar sobre os casos de intervenção ou supressão nas áreas de preservação permanente foi menos específica do que a anterior. Observe-se o artigo 8º e seu parágrafo terceiro:

“Art. 8º  A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta Lei.

...

§ 3º  É dispensada a autorização do órgão ambiental competente para a execução, em caráter de urgência, de atividades de segurança nacional e obras de interesse da defesa civil destinadas à prevenção e mitigação de acidentes em áreas urbanas.”

Ocorre que o art. 4º do Código Florestal de 1965 era mais claro ao prever que tais supressões deveriam ser caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio, quando inexistisse alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto.

Uma leitura apressada do dispositivo do novo código, poderia levar à conclusão de que não é mais necessário o licenciamento para tal atividade, ou que não se exigirá mais a alternativa técnica e locacional, bem como a devida compensação ambiental.

Primeiramente, o licenciamento ambiental é imperioso e decorre da própria leitura a contrario sensu do parágrafo terceiro, que dispensa a autorização do órgão ambiental somente nos casos ali previstos. Ou seja, nos demais casos a autorização é obrigatória.

Isto decorre, também, do fato da legislação ambiental necessitar ser interpretada de forma sistemática, sendo que o licenciamento nestes casos é obrigatório por força do artigo 10 da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente:

“Art. 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento por órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis.”

Por outro lado, é evidente que dentro do processo de licenciamento ambiental ainda continua necessário demonstrar que não há alternativa técnica e locacional para tal supressão, uma vez que, se houver outra possibilidade, em nome do princípio do desenvolvimento sustentável e da indisponibilidade do meio ambiente, dentre outros, é evidente que não poderá ser autorizada tal intervenção.

Também há que ser apontada a recepção pela nova legislação da Resolução CONAMA n. 369 que regulamenta os procedimentos para autorizações de supressões em APP, já que tal instrumento infralegal em nada confronta com o Novo Código.

Por fim, é imperiosa a exigência das medidas mitigatórias e compensatórias em decorrência desta supressão por parte dos órgãos ambientais, com fundamento no princípio do usuário-pagador.

Ocorre que nestes casos está sendo feito o sacrifício do bem ambiental, sendo que tal custo deve ser internalizado na atividade, conforme ensina Jacson Corrêa (CORRÊA, Jacson. Proteção Ambiental e Atividade Mineraria. Curitiba, Juruá, 2002., p. 44):

“Embora ainda não tenha sido tratado em nosso ordenamento jurídico com a amplitude e definição desejados, não há dúvida de que o princípio do poluidor-pagador, ou usuário-pagador, como prefere a melhor doutrina, tem a vantagem de indicar com maior exatidão e de forma definitiva que toda atividade econômica é, em sua origem, poluidora, e que os agentes responsáveis por ela devem arcar com os custos sociais que são dirigidos, com especial relevo, à prevenção do dano ambiental, retirando, com isso, da sociedade, a tarefa de subvencionar os poluidores, como soeu ocorrer durante largo tempo por conta de políticas públicas viciadas e equivocadas.”

O viés jurídico-econômico do princípio está estampado em seu conceito trazido pelo princípio 16 da Declaração Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento:

“Tendo em vista que o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo decorrente da poluição, as autoridades nacionais devem promover a internalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, levando na devida conta o interesse público, sem distorcer o comércio e os investimentos internacionais.”

Assim, conforme ensina Herman Benjanim (BENJAMIM, Antônio Herman de V. O princípio poluidor-pagador e a reparação do dano ambiental. In Dano Ambiental, prevenção, reparação e repressão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 229), “o objetivo maior do princípio poluidor-pagador é fazer com que os custos das medidas de proteção do meio ambiente – as externalidades ambientais – repercutam nos custos finais dos produtos e serviços cuja produção esteja na origem da atividade poluidora.”

Do que foi exposto conclui-se que, independentemente de haver uma previsão expressa sobre a necessidade das medidas mitigadoras ou compensatórias, as mesmas deverão ser exigidas pelo órgão ambiental com fundamento no princípio do usuário-pagador.


VII – DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE E DE USO RESTRITO NÃO ELENCADAS EXPRESSAMENTE – AS EXPRESSÕES “VEDADA SUPRESSÃO/CONVERSÃO DE NOVAS ÁREAS” – IMPOSSIBILIDADE DE OCUPAÇÃO APÓS 22 DE JULHO DE 2008

O Novo Código em alguns pontos, aparentemente, não previu proteção para certas áreas, mas, da leitura mais atenta e interpretação sistemática, percebe-se que, em verdade, o que houve foi uma previsão de manutenção de atividades consolidadas em tais áreas protegidas.

A primeira observação neste sentido é no que diz respeito aos lagos naturais com área inferior a um hectare que, em uma primeira leitura, poder-se-ia entender que não estão mais protegidos por áreas de preservação permanente. Para tanto, veja-se o artigo 4º, II, § 4º:

“Art. 4º  Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:

II - as áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais, em faixa com largura mínima de:

a) 100 (cem) metros, em zonas rurais, exceto para o corpo d’água com até 20 (vinte) hectares de superfície, cuja faixa marginal será de 50 (cinquenta) metros;

b) 30 (trinta) metros, em zonas urbanas;

§ 4o  Nas acumulações naturais ou artificiais de água com superfície inferior a 1 (um) hectare, fica dispensada a reserva da faixa de proteção prevista nos incisos II e III do caput, vedada nova supressão de áreas de vegetação nativa, salvo autorização do órgão ambiental competente do Sistema Nacional do Meio Ambiente - Sisnama.”

Do disposto acima se pode concluir que, tratando-se de lagos com área inferior a 20 hectares e superior a 01 hectare, deverão manter APP de cinquenta metros.

Naqueles lagos naturais com área inferior a 01 hectare, em uma leitura a contrario sensu também deverão ser mantidas tais áreas de APP de 50 metros, desde que existentes até 22 de julho de 2008.

Esta é a interpretação mais acertada do dispositivo, já que, a partir do momento em que afirma ser “vedada nova supressão de áreas de vegetação nativa”, está afirmando que, somente está dispensado de APP o lago em que esta supressão seja antiga.

A questão aqui é saber: o que é uma supressão “antiga”. A interpretação sistemática leva à análise temporal da lei, quando trata de ocupação consolidada, sendo aquela que foi feita até 22 de julho de 2008 (art. 3º, IV).

Não fosse esta interpretação, pelo menos, seria de se entender que o marco temporal é o da entrada em vigor da nova lei. Contudo, ressalta-se que o entendimento mais acertado é o de se conjugar o marco temporal maior criado pela lei: 22 de julho de 2008.

A única diferenciação é que nestes casos (lagos com área inferior a 01 hectare) a recuperação não será aquela prevista no artigo 61-A, § 6º, escalonada por módulo rural, mas sim deverá simplesmente recuperar a vegetação existente em 22 de julho de 2008, e, caso não houvesse nenhuma (ou sendo inferior aos limites daquele artigo), não será necessária a recuperação.

Note-se que a expressão “salvo autorização do órgão competente integrante do SISNAMA” deve ser conjugada com o dispositivo previsto para as supressões de APP em casos excepcionais, previstas no art. 8 º, acima citado.

O mesmo raciocínio e argumentação deve ser utilizado para os casos de várzeas, com fundamento no artigo 4º, § 5º:

“§ 5º  É admitido, para a pequena propriedade ou posse rural familiar, de que trata o inciso V do art. 3º desta Lei, o plantio de culturas temporárias e sazonais de vazante de ciclo curto na faixa de terra que fica exposta no período de vazante dos rios ou lagos, desde que não implique supressão de novas áreas de vegetação nativa, seja conservada a qualidade da água e do solo e seja protegida a fauna silvestre.”

Deste dispositivo conclui-se: a) que a várzea somente pode ser ocupada por pequeno proprietário ou possuidor familiar (ou seja, excluem-se todos os demais); b) os plantios somente podem ser temporários e sazonais; c) não implique supressão de novas áreas de vegetação nativa; d) seja conservada a qualidade da água e do solo e seja protegida a vida silvestre.

Pois bem, inexistente um dos critérios acima, não pode ser ocupada a área de várzea, e, isto implica dizer que, se a área não estivesse ocupada até 22 de julho de 2008 (critério temporal da lei para áreas “antigas”), não poderá ser ocupada, ainda que presentes os outros três critérios.

Portanto, ao contrário do que muitos estão apregoando, as áreas de várzeas continuam com sua proteção garantida por lei, admitindo-se, somente a título de exceção, a ocupação acima descrita.

Os mesmos argumentos aplicam-se também às áreas previstas no artigo 4º, § 6º, desta Lei, já que no inciso V há expressa determinação que “não implique novas supressões de vegetação nativa.”

Por fim, merece análise a área de uso restrito criada pelo artigo 11:

“Art. 11.  Em áreas de inclinação entre 25° e 45°, serão permitidos o manejo florestal sustentável e o exercício de atividades agrossilvipastoris, bem como a manutenção da infraestrutura física associada ao desenvolvimento das atividades, observadas boas práticas agronômicas, sendo vedada a conversão de novas áreas, excetuadas as hipóteses de utilidade pública e interesse social.”

De tudo o que se sustentou acima, fácil concluir que ao estabelecer neste artigo “vedada a conversão de novas áreas”, em verdade, o legislador pretendeu proteger todas as áreas com inclinação entre 25º e 45º não ocupadas após 22 de julho de 2008, que deverão ser mantidas sem qualquer ocupação, já que as atividades de manejo florestal sustentável, exercício de atividades agrossilvipastoris e a infraestrutura física associada somente poderão ser executadas se forem antigas ou seja, anteriores a 22 de julho de 2008.

Assim, caso a ocupação seja posterior a esta data, deverá ser feita a recuperação de tais áreas.

Ora, não fosse este o entendimento, estar-se-ia admitindo a “conversão de novas áreas”, e esvaziando o conteúdo jurídico desta área de uso restrito, que, segundo o próprio código, deve ser preservada e declarada aos órgãos ambientais, conforme se depreende de vários artigos da nova lei onde há citação deste termo (art.26, I, 29, III, 41, II, “c”, “d”, “f”, § 1º, II e II e § 4º e 59, § 4º).  


VIII – DA IMPOSSIBILIDADE DE ABERTURA DE NOVAS ÁREAS COM BASE NA SOMA DA APP NA RESERVA LEGAL

Tema ligado ao que foi exposto acima diz respeito à impossibilidade de abertura de novas áreas em decorrência da possibilidade de soma das áreas de preservação permanentes com a Reserva Legal.

É necessário ressaltar que o Novo Código trata de forma diversa ambos os institutos, tanto que dá conceituação diferente aos mesmos em seu artigo 3º, II e III.

Ademais, quando trata da reserva legal, o faz de forma expressa excetuando as áreas de preservação permanente, conforme estabelecido no artigo 12:

“Art. 12.  Todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal, sem prejuízo da aplicação das normas sobre as Áreas de Preservação Permanente, observados os seguintes percentuais mínimos em relação à área do imóvel...”

Ora, o dispositivo que trata da reserva legal é claro: a mesma deve ser mantida sem prejuízo das normas de Preservação Permanentes, ou seja, tais áreas não entram em seu cômputo.

Todavia, no artigo 15, o novo Código permite tal cômputo, mediante algumas condições:

“Art. 15.  Será admitido o cômputo das Áreas de Preservação Permanente no cálculo do percentual da Reserva Legal do imóvel, desde que:

I - o benefício previsto neste artigo não implique a conversão de novas áreas para o uso alternativo do solo;

II - a área a ser computada esteja conservada ou em processo de recuperação, conforme comprovação do proprietário ao órgão estadual integrante do Sisnama; e

III - o proprietário ou possuidor tenha requerido inclusão do imóvel no Cadastro Ambiental Rural - CAR, nos termos desta Lei.

§ 1º  O regime de proteção da Área de Preservação Permanente não se altera na hipótese prevista neste artigo.”

Percebe-se de forma clara que, para ser possível somar a APP no percentual da Reserva Legal, deverão estar presentes as seguintes condições: a) que este benefício não implique na conversão de novas áreas para uso alternativo do solo; b) a área computada esteja conservada ou em processo de recuperação; c) o proprietário ou possuidor tenha requerido a inscrição do imóvel junto ao CAR.

Assim, ausentes quaisquer um destes requisitos, não se poderá fazer o cômputo da APP na Reserva Legal.

Traduzindo para exemplos práticos (levando-se em conta o percentual de 20% aplicado na maior parte do país): aquele proprietário que, no sistema antigo (em que a soma da APP e da Reserva Legal era restrita a alguns casos específicos), preservou 20% de sua propriedade e as áreas de preservação permanente, não poderá computar uma na outra e, da diferença entre este cômputo, solicitar licença para desmatamento; já aquele proprietário que não cumpriu a legislação anterior e que, somada a APP na Reserva Legal, chegue a 20% do imóvel, nada necessitará recuperar, desde que cumpra os demais requisitos acima mencionados.

A situação é injusta, mas foi criada pela lei. Contudo a amenização da injustiça criada pode vir da redação do parágrafo segundo do mesmo artigo:

“§ 2º  O proprietário ou possuidor de imóvel com Reserva Legal conservada e inscrita no Cadastro Ambiental Rural - CAR de que trata o art. 29, cuja área ultrapasse o mínimo exigido por esta Lei, poderá utilizar a área excedente para fins de constituição de servidão ambiental, Cota de Reserva Ambiental e outros instrumentos congêneres previstos nesta Lei.”

A interpretação deste artigo leva à seguinte conclusão: aquele proprietário que possua 20% da sua propriedade (para os casos mais comuns em todo o país, fora da Amazônia) preservada com vegetação nativa, sem contar as APPs, poderá computá-las e, na diferença entre elas, mesmo não podendo desmatar estas áreas ou convertê-las – já que continuam sendo reserva legal – poderá constituir servidão ambiental, cota de reserva ambiental ou outros e vendê-la ou arrendá-la a terceiros que não queiram recompor suas reservas legais dentro das próprias propriedades.

Por fim, é de se registrar que por força do inciso II (que a área deva estar preservada ou em recuperação), não poderão ser computadas para constituir a Reserva Legal aquelas áreas de APP consolidadas (art. 61-A), na parte em que não será exigida a recuperação, até porque aquelas áreas não estão cumprindo sua função ambiental.


IX – OBSERVAÇÕES SOBRE ALGUMAS CONDIÇÕES PARA EMISSÕES DE AUTORIZAÇÕES OU LICENÇAS DE DESMATAMENTO

Ao analisar-se o novo diploma legal extrai-se que criou algumas condições para a emissão de licenças ou autorizações de desmatamento que no Código anterior não estavam tão evidenciadas, a despeito de estar pressupostas.

A primeira delas diz respeito à obrigação de que o imóvel esteja cadastrado no CAR e com sua reserva legal devidamente regularizada antes da concessão de qualquer autorização ou licença para supressão.

É o que se extrai do art. 12, § 3º:

“Art. 12. ...

§ 3º  Após a implantação do CAR, a supressão de novas áreas de floresta ou outras formas de vegetação nativa apenas será autorizada pelo órgão ambiental estadual integrante do Sisnama se o imóvel estiver inserido no mencionado cadastro, ressalvado o previsto no art. 30.”

A questão que se impõe é a seguinte: e enquanto não estiver implantado (ou regulamentado, conforme o caso) o CAR? Como única resposta possível parece ser a de que não se podem conceder tais licenças/autorizações se não estiver averbada a reserva legal na matrícula do imóvel, mediante prévia aprovação do órgão ambiental competente.

Tal interpretação decorre da própria leitura do respectivo parágrafo, em que expressamente dispõe “ressalvado o previsto no art. 30”, que é justamente a averbação da Reserva Legal na Matrícula do imóvel (que continua subsistindo, conforme apontado em item anterior).

Este entendimento também é reforçado pela leitura do artigo 26:

“Art. 26.  A supressão de vegetação nativa para uso alternativo do solo, tanto de domínio público como de domínio privado, dependerá do cadastramento do imóvel no CAR, de que trata o art. 29, e de prévia autorização do órgão estadual competente do Sisnama.”

Não bastasse isto, os processos de autorização de desmatamento ou supressão de vegetação nativa deverão, agora, também ser muito mais criteriosos, o que significa dizer: não é direito subjetivo do proprietário do imóvel desmatar toda a área, excluídas as reservas legais e áreas de preservação permanente. Ao contrário, deverá ele cumprir uma série de requisitos para que haja esta autorização.

O primeiro deles – além da regularização da reserva legal – é demonstrar que na área não há na área espécies de flora ou fauna ameaçadas de extinção ou espécies migratórias. É esta a dicção do art. 27:

“Art. 27.  Nas áreas passíveis de uso alternativo do solo, a supressão de vegetação que abrigue espécie da flora ou da fauna ameaçada de extinção, segundo lista oficial publicada pelos órgãos federal ou estadual ou municipal do Sisnama, ou espécies migratórias, dependerá da adoção de medidas compensatórias e mitigadoras que assegurem a conservação da espécie.”

Ocorrendo na área tais tipos de espécies, não poderá haver desmatamento ou supressão sem que haja demonstração de alternativa técnica e locacional.

Note-se que, nestes casos, tais áreas podem ser consideradas de preservação permanentes, conforme o at. 3º, XIII e XIV, da Resolução CONAMA n. 303/2002 (em vigor, conforme apontado acima), com o seguinte teor:

“Art. 3º Constitui Área de Preservação Permanente a área situada:

...

XIII – nos locais de refúgio ou reprodução de aves migratórias;

XIV – nos locais de refúgio ou reprodução de exemplares da fauna ameaçadas de extinção que constem de lista elaborada pelo Poder Público Federal, Estadual ou Municipal.”

Caso a área seja considerada de preservação permanente, é evidente, não poderá haver supressão fora das hipóteses previstas no código para tal (utilidade pública, interesse social e baixo impacto).

Mas, caso não se enquadre a área como de preservação permanente, e estando ela na situação prevista no art. 27, será obrigatório no procedimento de autorização para supressão avaliar as hipóteses de alternativas locacionais e técnicas, sendo que na ausência de regulamentação, poderão ser usados os procedimentos e critérios previstos na resolução CONAMA n. 369, que, a despeito de ser voltada às áreas de preservação permanente, nada impede que se aplique por analogia a este tipo de área com uso restrito para a adoção de medidas mitigatórias e compensatórias.

Ademais, deverá haver dentro deste procedimento estudos que prevejam o levantamento e alternativas para estas populações vegetais ou animais ameaçadas, podendo seguir-se como baliza no conteúdo de tais estudos aqueles previstos no art. 6º, da Resolução Conama 01/86 que preveem diagnósticos dos meios físicos e biológicos, dentre eles o de fauna e flora raros e ameaçadas de extinção (inciso I, letra “b”).

Por fim, há que se salientar haver, dentre outros, um critério muito importante que deverá ser observado: a ocupação produtiva da área.

Esta ocupação produtiva é exigência expressa do Novo Código para que haja concessão de autorização/licença para desmatamentos ou supressão de vegetação nativa, pelo que se depreende da dicção do artigo 28:

“Art. 28.  Não é permitida a conversão de vegetação nativa para uso alternativo do solo no imóvel rural que possuir área abandonada.”

Note-se que o conceito de área abandonada havia sido definido pela Medida Provisória n. 571/2012, expresso no código em seu artigo 3º, XXV:

“Art. 3º. ...

XXV - área abandonada, subutilizada ou utilizada de forma inadequada: área não efetivamente utilizada, nos termos dos §§ 3o e 4o do art. 6o da Lei no 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, ou que não atenda aos índices previstos no referido artigo, ressalvadas as áreas em pousio; (Incluído pela Medida Provisória nº 571, de 2012).

Este dispositivo era muito mais restritivo, impondo como área abandonada aquela que não atingisse os índices necessários para que o imóvel seja considerado produtivo, nos termos da legislação agrária.

Contudo, tal dispositivo foi revogado pela Lei n. 12.727/2012, não havendo conceito legal de área abandonada, sendo que o Decreto n. art. 2, VII, trouxe um conceito muito mais brando, conforme evidencia-se de sua redação:

“Art. 2o  Para os efeitos deste Decreto entende-se por:

...

VII - área abandonada - espaço de produção convertido para o uso alternativo do solo sem nenhuma exploração produtiva há pelo menos trinta e seis meses e não formalmente caracterizado como área de pousio;”

Contudo, é de se admitir ser possível exigir, com fundamento na função sócio-ambiental da propriedade rural, prevista na Constituição Federal, que se demonstre que tal supressão vegetal é necessária e que o imóvel atende sua função mediante a consecução dos índices agrários estabelecidos na Lei n. 8.629/03.

Pode-se afirmar então que, a partir da vigência do Novo Código, compete ao órgão ambiental exigir e ao proprietário comprovar que está utilizando o restante das áreas já abertas na propriedade em índices que demonstrem estar atingindo a mesma sua finalidade social, evitando-se, assim, a abertura de novas áreas apenas para especulação imobiliária, venda da vegetação para carvão, ou outra finalidade qualquer.

Registre-se que, em função do princípio da precaução, compete ao proprietário rural o ônus da prova relativo a todos os critérios acima mencionados, ou seja, de que averbou a reserva legal, de que a área que se pretende suprimir não é de preservação permanente e não abriga fauna ou flora em extinção ou migratória, além de já explorar em níveis satisfatórios as áreas abertas do imóvel.

Isto porque é a ele quem cabe comprovar os que atinge os requisitos necessários para obter a licença ambiental para o desmatamento.

Ademais, se assim não fosse, haveria a inversão do ônus da prova com fundamento no princípio da precaução que é muito bem explanada por Clóvis Eduardo Malinverni da Silveira, em seu artigo “A inversão do ônus da prova na reparação do dano ambiental difuso” (Aspectos Processuais do Direito Ambiental, Ed. Forense Universitária, 2003, p. 29/30):

“A precaução, enfim, constitui referencial teórico relevantíssimo, capaz de promover um grande avanço no que tange a relações humanas com o meio ambiente. Contudo, como assinala Nogueira, o princípio tem sido evocado em dimensão meramente retórica, fato que comprova a necessidade de precisar sua natureza jurídica e seu real valor normativo. Permitir-se-ia, só assim, a superação das atuais divergências teóricas e especialmente da vagueza das atuais formulações. A efetivação do instituto da inversão do ônus da prova, tanto judicial como extrajudicialmente, seria, talvez, a mais plausível conseqüência normativa concreta da aplicação do princípio de precaução no direito brasileiro. As possibilidades teóricas para tal existem, prática, suprimindo a não congruência entre o modelo civilista tradicional e a qualidade dos direitos a serem tutelados.”


X – DA IMPOSSIBILIDADE DE MANEJO SUSTENTÁVEL SEM AUTORIZAÇÃO AMBIENTAL ENQUANTO NÃO HOUVER REGULAMENTAÇÃO

O Código Florestal atual ao pretender simplificar o manejo sustentável para exploração florestal nas propriedades rurais criou situação que poderá servir de subterfúgio para muitas infrações ambientais. Tal situação está prevista no artigo 23:

“Art. 23.  O manejo sustentável para exploração florestal eventual sem propósito comercial, para consumo no próprio imóvel, independe de autorização dos órgãos competentes, devendo apenas ser declarados previamente ao órgão ambiental a motivação da exploração e o volume explorado, limitada a exploração anual a 20 (vinte) metros cúbicos.”

Ora, como poderá, na prática, ser fiscalizado que realmente houve a extração tão-somente de 20 metros cúbicos?

Tal situação será de muito difícil fiscalização e deverá vir aliada de uma regulamentação – seja federal ou em âmbito estadual – de instrumentos que permitam a averiguação pelo órgão ambiental desta metragem máxima estabelecida.

Contudo, o que se pode afirmar é que enquanto não houver regulamentação, não poderá este artigo ser invocado pelos proprietários rurais, já que não há procedimento estabelecido para esta “declaração prévia” junto ao órgão responsável.

Pelos mesmos motivos, enquanto não houver regulamentação, também não poderá ser invocado o artigo 56 (restrito aos agricultores familiares), que prevê:

“Art. 56.  O licenciamento ambiental de PMFS comercial nos imóveis a que se refere o inciso V do art. 3º se beneficiará de procedimento simplificado de licenciamento ambiental.

§ 1º  O manejo sustentável da Reserva Legal para exploração florestal eventual, sem propósito comercial direto ou indireto, para consumo no próprio imóvel a que se refere o inciso V do art. 3º, independe de autorização dos órgãos ambientais competentes, limitada a retirada anual de material lenhoso a 2 (dois) metros cúbicos por hectare.

§ 2º  O manejo previsto no § 1º não poderá comprometer mais de 15% (quinze por cento) da biomassa da Reserva Legal nem ser superior a 15 (quinze) metros cúbicos de lenha para uso doméstico e uso energético, por propriedade ou posse rural, por ano.

§ 3º  Para os fins desta Lei, entende-se por manejo eventual, sem propósito comercial, o suprimento, para uso no próprio imóvel, de lenha ou madeira serrada destinada a benfeitorias e uso energético nas propriedades e posses rurais, em quantidade não superior ao estipulado no § 1º deste artigo.

§ 4º  Os limites para utilização previstos no § 1º deste artigo no caso de posse coletiva de populações tradicionais ou de agricultura familiar serão adotados por unidade familiar.

§ 5º  As propriedades a que se refere o inciso V do art. 3º são desobrigadas da reposição florestal se a matéria-prima florestal for utilizada para consumo próprio.”

É evidente que este artigo deve ser conjugado com a regra do artigo 23 que dispõe ser necessária a comunicação prévia ao órgão – caso contrário, seria impossível fiscalizar os limites ali estabelecidos – e, enquanto não houver tal regulamentação, não poderá haver exploração econômica da Reserva Legal sem que haja autorização ambiental do órgão competente.


XI – DOS DISPOSITIVOS APLICÁVEIS À AGRICULTURA FAMILIAR – REQUISITOS E ÔNUS DA PROVA

Na análise do Código Florestal é possível perceber haver sido a nova legislação muito mais flexível com o pequeno produtor rural – ou agricultor familiar.

Há todo um capítulo tratando destas situações especiais, além de vários dispositivos esparsos tratando de forma diferenciada.

Justamente por conta deste tratamento diferenciado é que se impõe a análise do que pode ser considerado “pequena propriedade ou posse rural familiar”, sendo que tal situação vem estabelecida no artigo 3º, V, do novo Código:

“Art. 3º

...

V - pequena propriedade ou posse rural familiar: aquela explorada mediante o trabalho pessoal do agricultor familiar e empreendedor familiar rural, incluindo os assentamentos e projetos de reforma agrária, e que atenda ao disposto no art. 3o da Lei no 11.326, de 24 de julho de 2006;

Já o artigo 3º da Lei n. 11.326/06, dispõe dos critérios para a caracterização deste tipo de propriedade:

“Art. 3º  Para os efeitos desta Lei, considera-se agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo,  simultaneamente, aos seguintes requisitos:

I - não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais;

II - utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento;

III - tenha percentual mínimo da renda familiar originada de atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento, na forma definida pelo Poder Executivo;

IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família.

§ 1º  O disposto no inciso I do caput deste artigo não se aplica quando se tratar de condomínio rural ou outras formas coletivas de propriedade, desde que a fração ideal por proprietário não ultrapasse 4 (quatro) módulos fiscais.

§ 2º  São também beneficiários desta Lei:

I - silvicultores que atendam simultaneamente a todos os requisitos de que trata o caput deste artigo, cultivem florestas nativas ou exóticas e que promovam o manejo sustentável daqueles ambientes;

II - aqüicultores que atendam simultaneamente a todos os requisitos de que trata o caput deste artigo e explorem reservatórios hídricos com superfície  total de até 2ha (dois hectares) ou ocupem até 500m³ (quinhentos metros cúbicos) de água, quando a exploração se efetivar em tanques-rede;

III - extrativistas que atendam simultaneamente aos requisitos previstos nos incisos II, III e IV do caput deste artigo e exerçam essa atividade artesanalmente no meio rural, excluídos os garimpeiros e faiscadores;

IV - pescadores que atendam simultaneamente aos requisitos previstos nos incisos I, II, III e IV do caput deste artigo e exerçam a atividade pesqueira artesanalmente.

V - povos indígenas que atendam simultaneamente aos requisitos previstos nos incisos II, III e IV do caput do art. 3º;   

VI - integrantes de comunidades remanescentes de quilombos rurais e demais povos e comunidades tradicionais que atendam simultaneamente aos incisos II, III e IV do caput do art. 3º.   

§ 3º  O Conselho Monetário Nacional - CMN pode estabelecer critérios e condições adicionais de enquadramento para fins de acesso às linhas de crédito destinadas aos agricultores familiares, de forma a contemplar as especificidades dos seus diferentes segmentos.

§ 4º  Podem ser criadas linhas de crédito destinadas às cooperativas e associações que atendam a percentuais mínimos de agricultores familiares em seu quadro de cooperados ou associados e de matéria-prima beneficiada, processada ou comercializada oriunda desses agricultores, conforme disposto pelo CMN.”

Todavia a questão que pode gerar alguma dúvida diz respeito à redação do parágrafo único do artigo 3º do Novo Código Florestal:

“Parágrafo único.  Para os fins desta Lei, estende-se o tratamento dispensado aos imóveis a que se refere o inciso V deste artigo às propriedades e posses rurais com até 4 (quatro) módulos fiscais que desenvolvam atividades agrossilvipastoris, bem como às terras indígenas demarcadas e às demais áreas tituladas de povos e comunidades tradicionais que façam uso coletivo do seu território.” 

Inicialmente, sobre o termo “agrossilvipastoril” observe-se o item específico neste artigo quando do tratamento das áreas rurais consolidadas.

Pois bem, da leitura do dispositivo dá-se a entender que todos os benefícios dispostos à “pequena propriedade ou posse rural familiar” estar-se-iam estendidos às demais propriedades que tenham atividades agrossilvipostoris, pelo simples fato de serem inferiores a 04 módulos fiscais.

Contudo, não é esta a interpretação sistemática e teleológica do Código.

Na interpretação sistemática do código, pode-se perceber que toda vez em que este pretendeu beneficiar as propriedades rurais, pelo simples fato de seu tamanho (sem conjugação com os outros critérios que a tornam familiar previstos na Lei n. 11.326/06) o fez de forma expressa, como, por exemplo, no artigo 61-B e 67. Nos demais casos, em que se mencionou expressamente a questão da “pequena propriedade ou posse familiar” o fez de forma a que somente aquelas que atendam aos critérios previstos na Lei n. 11.326/06 pudessem ser beneficiadas.

No mesmo sentido é a interpretação teleológica, uma vez que a intenção da lei nestes casos é diminuir as restrições aos hipossuficientes, não tendo sentido em beneficiar, por exemplo, algum proprietário de imóveis que seja dono de inúmeras propriedades abaixo de quatro módulos rurais, ou, ainda, aquele que tem este tipo de imóvel apenas para complementação de renda ou para lazer.

Assim a interpretação do parágrafo único deve ser no sentido de que os benefícios ali mencionados são aqueles dos dispositivos em que houve a menção expressa a “propriedades com tamanho inferior a 04 módulos fiscais”, sendo que, quando houve menção expressa à “pequena propriedade ou posse familiar” deve a mesma cumprir as exigências da Lei n. 11.326/06.

Aliás, se assim não fosse, não haveria necessidade alguma da conceituação da pequena propriedade familiar trazida no art. 3º, V, bastando que se constasse que “para fins desta lei entende-se por pequena propriedade aquela com área inferior a quatro módulos fiscais”.

Portanto, como a interpretação deve ser procedida de forma que não haja na lei palavras inúteis, a única interpretação possível é a acima mencionada.

De outro lado, há que se registrar ser ônus da prova do proprietário demonstrar ser ele pequeno proprietário e possuidor rural e cumprir as exigências da Lei n. 11.326/2006, já que a regra geral do Código Florestal é aquela prevista em seu texto como um todo, sendo que as regras menos restritivas para as propriedades familiares são a exceção. Portanto, como exceção, compete ao interessado comprovar que se encontra naquela situação de excepcionalidade legal, caso contrário, aplica-se a regra geral.


XII – DA APLICAÇÃO DE LEGISLAÇÃO ESTADUAL OU MUNICIPAL MAIS RESTRITIVA

Ao enfrentar-se a aplicação do Novo Código Florestal às situações concretas, um tema interessante e que deve ser analisado é aquele relativo à legislação ambiental mais restritiva por ventura existente no Estado ou Município em que será aplicada.

Ressalte-se que tais dispositivos, acaso existentes, são constitucionais, uma vez que a competência para proteger o meio ambiente é concorrente entre União, Estados e Municípios, conforme se percebe dos seguintes artigos da Constituição Federal:

“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

...

VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;

VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;”

“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;

VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;

VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;”

“Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;”

Em termos legislativos, sabe-se que a competência para emissão de leis de proteção ambiental é concorrente, não havendo dúvida sobre a possibilidade do Estado ou Município legislar nesta matéria, desde que observado o interesse local.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já previu estas situações:

“PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE – CONTROLE DA POLUIÇÃO – COMPETÊNCIA CONCORRENTE DO ESTADO PARA LEGISLAR – CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 24, INC. VI – A competência legislativa da União para baixar normas gerais sobre a defesa e proteção da saúde, a abranger as relativas ao meio ambiente, não exclui a dos Estados para legislar supletiva e complementarmente sobre a matéria, desde que respeitadas as linhas ditadas pela União. Prevalência da legislação estadual, editada com base na regra de competência ditada pela Carta Federal. O exame da validade das normas locais frente às federais (Lei nº 6.938/81) não pode ser feito no âmbito do recurso extraordinário, por extrapolar o contencioso constitucional. Precedentes das duas Turmas do STF.” (STF – RE 144.884-9 – 1ª T. – Rel. Min. Ilmar Galvão – DJU 07.02.1997)

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro também assim já se posicionou:

“EMBARGOS A EXECUÇÃO FISCAL – DANO AMBIENTAL – MULTA – COMPETÊNCIA LEGISLATIVA DA UNIÃO – COMPETÊNCIA LEGISLATIVA DOS ESTADOS E MUNICÍPIOS – EXCLUSÃO – INOCORRÊNCIA – Apelação. Embargos `a execução fiscal. Meio ambiente. Multa aplicável por violação de norma. CF 88. Art. 24, par. 1. e 23, VI. Competência da União para legislar sobre meio ambiente que não exclui a dos Estados-Membros e Municípios. Legislação Estadual que, regulamentando a questão do meio ambiente, tem incidência no caso de imposição de multa.” (TJRJ – AC 15071/1999 – (31082000) – 13ª C.Cív. – Rel. Des. Azevedo Pinto – J. 08.06.2000)

Também a doutrina especializada reforça este entendimento, nos termos da lição de Paulo de Bessa Antunes:

“O artigo 30 da Constituição Federal atribui aos Municípios competência para legislar sobre: assuntos de interesse local; suplementar a legislação federal e estadual no que couber; ...

Está claro que o meio ambiente está incluído dentre o conjunto de atribuições legislativas e administrativas municipais e, em realidade, os Municípios formam um elo fundamental na complexa cadeia de proteção ambiental. A importância dos Municípios é evidente por si mesma, pois as populações e as autoridades locais reúnem amplas condições de bem conhecer os problemas e mazelas ambientais de cada localidade, sendo certo que são as primeiras a localizar e identificar o problema. É através dos Municípios que se pode implementar o princípio ecológico de agir localmente, pensar globalmente.” (Direito Anbiental, Ed. Lumen Juris, 6ª ed., p. 79-80­)

Especificamente sobre flora, Paulo Affonso Leme Machado também reconhece como incontroversa a competência do Município:

“Na Constituição anterior à de 1988, a competência para a legislação florestal era exclusiva da União. Mesmo àquela época, o Município tinha competêcia para legislar sobre a flora urbana. Atualmente, com a Constituição Federal em vigor, pacífica é a competência municipal para legislar sobre a flora como um todo e, portanto, especificamente sobre legislação florestal. Essa legislação, contudo, obedece ao sistema já anunciado, isto é, o Município deve seguir as normas gerais da União.

Constatado o interesse local, o Município tem o direito de legislar sobre a flora, mesmo quando a União e os Estados estiverem inertes sobre a matéria.” (Direito Ambiental Brasileiro, Ed. Malheiros, 11ª Ed., p. 385)

Registre-se que, tratando-se de competência concorrente ambiental, vige o princípio do in dubio pro natura, devendo prevalecer a lei mais restritiva, independentemente do ente federativo que a expediu. É esta a lição do Professor da Universidade Católica de Brasília, Paulo José Leite Farias:

“Pelos já citados §§ 1º e 4º do art. 24, pelo art. 225 da Constituição, bem como pela indefinição do que seja norma especial, deve-se, fortiori ratione, fixar como diretriz exegética que os eventuais conflitos, nos quais a noção de norma geral e especial não seja suficiente, devem ser resolvidos pela prevalência da norma que melhor defenda o direito fundamental tutelado, por tratar-se de preceito constitucional (lei nacional) que se impõe à ordem jurídica central ou regional (in dubio pro natura).

Assim, o princípio in dubio pro natura deve constituir um princípio inspirador da interpretação. Isto significa que, nos casos em que não for possível uma interpretação unívoca, a escolha deve recair sobre a interpretação mais favorável à proteção ambiental.

Fica assim solucionado o conflito em função da maior restritividade da legislação federal ou estadual, caso não se possa distinguir com clareza que se trata de normas específicas ou gerais. Exemplificando, a proibição regional ou local da pesca de determinadas espécies deve prevalecer sobre a norma federal que não preveja tal situação.”  (Competência Federativa e Proteção Ambiental, Ed. Sério Antônio Fabris, 1999, p. 356)

Ao tratar sobre caso concreto de interesse local, o Professor e Desembargador Federal Vladimir Passos de Freitas cita exemplo interessante:

“A Constituição Federal estabelece no art. 24, inc. VI, que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar, de forma concorrente, sobre pesca. No âmbito federal, acha-se em vigor o Código de Pesca (Decreto-lei 221, de 28.02.1967) e a Lei 7.679, de 21.11.1988. O art. 20 da lei municipal de Barra do Quarai é claro ao determinar que as penalidades decorrentes de infração à lei serão as mesmas dos arts. 4º, 5º e 6º da Lei 7.679, de 23.11.1988. Na esfera estadual, a Lei 10.164, de 11.05.1994, dispõe sobre a definição da pesca artesanal no território do Estado do Rio Grande do Sul. O decreto estadual 35.539, de 19.09.1994, que regulamentou a lei estadual, faz expressa referência no art. 7º à possibilidade de proibição de locais para pesca, à quantidade de pescado por habilitação, ao uso de petrechos e aos períodos de defeso.

Poderia o Município legislar a respeito? ....

Pois bem: a resposta no caso é sim. È verdade que existem leis da União e do Estado-membro. Todavia, são normas de natureza mais genérica, que não atendem à situação específica do município fronteiriço. São as pessoas da localidade que conhecem e enfrentam os problemas da pesca desenfreadas. São elas que sofrem os efeitos da diminuição de indivíduos, com direto efeito na alimentação da comunidade. Isso sem falar no fato de que a diminuição do pescado poderá resultar em diminuição das rendas com ausência de turistas na região.

Vale a pena, aqui, abrir um parêntese para citar um exemplo concreto da importância da pesca para o município. No Estado do Mato Grosso do Sul, o rio Paraguai separa a cidade de Porto Murtinho, no Brasil, e a de Islã Margarita, no país vizinho. No lado brasileiro, a pesca com rede é proibida; no lado paraguaio, não é. Segundo o jornal Correio do Estado, de 12.06.1998, o ministro paraguaio de Assuntos Econômicos Internacionais anunciou um acordo com o governo brasileiro, liberando o uso de rede. Tal fato é causa de enorme preocupação na cidade brasileira, porque a principal fonte de turismo local é a pesca amadora, que se vê fortemente ameaçada diante da pesca predatória praticada pelos paraguaios. É evidente que, no caso, o interesse local é maior que o estadual e o federal.

Disso tudo conclui-se que a lei municipal de Barra do Quarai é constitucional e baseia-se no art. 30, inc. I, da Lei Maior, especificamente no item ‘interesse local’. Trata-se de lei suplementar. Não se daria o mesmo se a lei municipal fosse mais concessiva que o diploma federal e o estadual. Aí certamente incorreria em inconstitucionalidade, pois estaria o município invadindo área de competência alheia e autorizando aquilo já estava proibido por aqueles que detêm competência constitucional para legislar. No entanto, sendo mais restritiva a lei municipal, ela em nada está a afrontar os textos dos demais entes políticos; ao contrário, está protegendo o meio ambiente e sensibilizando a comunidade para a importância da preservação dos pescados. Essa me parece a inteligência do dispositivo constitucional.” (A Constituição Federal e a Efetividade das Normas Ambientais, Ed. RT., 2ª ed., p. 67-68, grifo nosso)

Não restam dúvidas, então, que tanto o Estado, quanto o Município podem editar legislação ambiental mais restritiva e, enquanto esta estiver em vigor, permanece a sua aplicação.

É o que ocorre, por exemplo, no Estado de Minas Gerais, que por meio de seu Código Florestal (Lei Estadual n. 14.308/02) não estabelece quaisquer exceções às ocupações consolidadas em APP e Reserva Legal e, portanto, deve prevalecer sobre a legislação federal menos restritiva.

De outro norte, também é o que ocorre no Município de Bonito, em que há a Lei Orgânica Municipal que, em seu artigo 179, prevê uma APP mínima de 50 metros às margens dos rios, sendo que tal metragem vem sendo aplicada há muito tempo, inclusive em rios com metragem inferior a 10 metros, mesmo sendo superior ao mínimo vigente no Código Florestal anterior.

Há também, para os rios turísticos da região a Lei Estadual n. 2.223/01 que é mais restritiva que a Lei Federal. Neste caso, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul já decidiu que prevalece a lei mais restritiva, é o que se depreende do disposto no seguinte trecho de voto:

“Por fim, não há falar em ilegalidade ou inconstitucionalidade da Lei Estadual 2.223/01, pois a começar o Estado possui competência comum para preservar florestas, a fauna e a flora, além de possuir competência concorrente para legislar sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição (art. 23, VI c/c 24, VI, ambos da Constituição Federal).” (TJMS – Agravo n. 2006.019067-5, Quarta Turma Cível, Des. Atapoã da Costa Feliz, julgado em 22 de maio de 2007)

Nestes mesmos autos, quando de parecer no Recurso Especial n. 1043286/MS (que não chegou a ser julgado por questões processuais), o Procurador da República Aurélio Virgílio Veiga Rios assim destacou:

“25. Por igual, o artigo 23, inciso VI da carta Magna determina que é de competência comum da União, dos Estados, do distrito Federal e dos Municípios ‘proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas’.

26. Por sua vez, o artigo 225, caput, da Constituição Federal ainda destaca que deve ser imposto ‘ao Poder Público e á coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo (meio ambiente) para as presentes e futuras gerações.’

27. Nesse sentido, não há confronto da Lei Municipal n. 983 e da Lei Estadual n. 2.223/2001 com o sistema constitucional de distribuição de competência legislativas. Houve, ao contrário, utilização, pelo Município, da competência legislativa suplementar em matéria ambiental, de preponderante interesse local, conforme autorização expressa da Constituição Federal, contida nos artigos 23, inciso VI, 30, insicos I e II e 225, § 1º, inciso V.” (Parecer de 28 de maio de 2008 – grifo nosso)

De tudo o que foi apontado, a conclusão é uma só: havendo Lei Estadual ou Municipal mais restritiva em matéria ambiental – e, no caso presente, mais especificamente sobre as metragens, percentuais e forma de ocupação das áreas de preservação permanente e reservas legais – há de prevalecer tal restrição, por se coadunar com a divisão de competências estabelecidas pela Constituição Federal, além de prestigiar a proteção ambiental buscada pelo art. 225.


XIII – DO REGULAMENTO TRANSITÓRIO DA NOVA LEI

XIII.1 – QUESTÕES GERAIS

Tema que afetará diretamente a questão da aplicação e interpretação da nova lei em comento é a regulamentação transitória estabelecida no capítulo XIII que compreende os artigos 59 a 68.

Ao analisar-se todo este capítulo das disposições transitórias percebe-se que o mesmo tem a finalidade de ser um marco entre os fatos ocorridos antes desta lei e os que ocorrerem após. Mas não é só, percebe-se de forma clara que este marco temporal escolhido não é o da publicação da lei, mas sim o estabelecido no conceito de área rural consolidada previsto no artigo 3º, IV, com o seguinte teor:

“Art. 3º  Para os efeitos desta Lei, entende-se por:

...

IV - área rural consolidada: área de imóvel rural com ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris, admitida, neste último caso, a adoção do regime de pousio;”

Tal afirmação tem por sustentação a interpretação sistemática de todo este capítulo, em que nos vários artigos e parágrafos citados faz-se a menção às áreas consolidadas até 22 de julho de 2008, conforme se percebe do art. 59, § 4º, art. 61-A, 61-B, 63 e 66.

Portanto, em todo este capítulo o marco temporal é o mesmo: 22 de julho de 2008, em consonância com o conceito de área consolidada trazida no artigo 3º, IV, acima citado.

De outro norte, esta situação também é evidente se houver uma interpretação histórica, dos motivos, alegações e discussões sobre o Novo Código, em que toda vez que se alegava a situação do retrocesso ambiental criado, os setores defensores (agronegócio, usineiros, etc...) sempre defenderam que tal código não daria azo para novos desmatamentos, anistia ou impunidade e sim serviria para regularizar a situação das áreas consolidadas há muito tempo, e que supostamente estariam sendo prejudicadas pela suposta legislação anacrônica anterior “que jogava milhares de agricultores na ilegalidade”.

Pois bem, esta é a única conclusão possível: para que não haja uma anistia ainda maior do que a que foi feita, dando azo a novos desmatamentos, impunidade e tudo que se sabe decorrente deste Novo Código Florestal, a exclusiva interpretação possível é a de que todos os dispositivos previstos no capítulo XIII somente são aplicáveis às áreas consolidadas, conforme a redação do próprio código, inclusive do art. 60, com o seguinte teor:

“Art. 60.  A assinatura de termo de compromisso para regularização de imóvel ou posse rural perante o órgão ambiental competente, mencionado no art. 59, suspenderá a punibilidade dos crimes previstos nos arts. 38, 39 e 48 da Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, enquanto o termo estiver sendo cumprido.

§ 1º  A prescrição ficará interrompida durante o período de suspensão da pretensão punitiva.

§ 2º  Extingue-se a punibilidade com a efetiva regularização prevista nesta Lei.”

 Portanto, a suspensão de punibilidade prevista no artigo 60 para os artigos 38, 39 e 48 da Lei n. 9.605/98, bem como a extinção da mesma, constante no parágrafo segundo do mesmo artigo, deve ser interpretada dentro do contexto destas disposições transitórias, sendo claro que somente se aplicam para aquelas infrações cometidas até a data de 22 de julho de 2008.

Ressalte-se que, neste caso, interpretação diversa causaria perplexidade, já que as multas administrativas previstas para os mesmos fatos têm de forma clara este marco temporal (art. 59, § 4º), não havendo razão para que se entendesse de forma diversa em relação ao crime, até porque o artigo 60 é expresso a vincular este benefício ao programa previsto no artigo 59, de forma que ambos estão umbilicalmente ligados, inclusive, por força desta limitação temporal.

Não sendo este o entendimento – o que parece não ser crível – é de se reconhecer que, pelo menos, tal situação aplica-se somente aos casos anteriores à edição da lei, uma vez que as disposições são “transitórias”, caso contrário, seriam permanentes.

Ainda na análise do art. 60, é de se reconhecer que nos casos de continuidade de ocupação das áreas de preservação permanente ou reservas legais após a data de 22 de julho de 2008 - por se tratarem de crimes permanentes conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça já citado anteriormente - não poderá ser enquadrada na benesse estabelecida neste dispositivo, já que estarão estas situações fora do marco temporal estabelecido pela lei, uma vez que a consumação do delito continua (ou continuou, caso tenha cessado após aquela data) ocorrendo.

É de se registrar, também, que o artigo 60 carece de regulamentação, uma vez que somente após a criação do “Programa de Regularização Ambiental – PRA” previsto no artigo 59 e após a assinatura do termo de compromisso é que haverá a suspensão da punibilidade. Até lá, continuam a correr os processos criminais independentemente.

De igual maneira, o fato de haver o proprietário assinado Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público ou com outro co-legitimado não impede a continuidade da ação penal, uma vez que o artigo em questão, por tratar-se de exceção à regra deve ser interpretado de forma restritiva, sendo que o legislador, quando quis suspender as penalidades relativas a estes fatos, enquanto não implementado o PRA, o fez de forma expressa, conforme consta no parágrafo quarto do artigo 59.

Em reforço a isto, é de se reconhecer que a regra geral é aquela prevista na Constituição Federal de que a responsabilidade ambiental é tríplice (art. 225, § 3º). Aliás, impõe-se deixar claro, inclusive, ser este dispositivo em questão eivado de inconstitucionalidade por violentar este princípio da tríplice responsabilidade ambiental, sendo este o posicionamento já defendido pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul, que em reunião editou a seguinte súmula de entendimento:

“SÚMULA: O art. 60 da Lei n. 12.651/12 afronta o princípio constitucional da tríplice responsabilização do poluidor, estabelecido no art. 225, § 3º da Constituição Federal, ao impedir a aplicação da sanção penal em decorrência da celebração de um acordo administrativo.”

XIII.2 – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A  REGULAMENTAÇÃO PARA ÁREAS CONSOLIDADAS EM APP E RESERVAS LEGAIS

Sem qualquer dúvida, as disposições estabelecidas para as áreas consolidadas em áreas de preservação permanente e reserva legal, são um dos maiores retrocessos estabelecidos por esta lei, eivado de inconstitucionalidade, conforme posição já defendida no artigo mencionado na introdução deste estudo.

Contudo, eventualmente superada a inconstitucionalidade, cabe ao aplicador do Direito a interpretação do texto legal e sua aplicação nas situações do dia a dia.

O artigo 61 assim determina:

“Art. 61-A. Nas Áreas de Preservação Permanente é autorizada, exclusivamente, a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008.”

Em seus parágrafos, conforme o tamanho da propriedade e a largura da área a ser protegida, estabelece faixas de recuperação que variam entre ínfimos 05 (cinco) metros e o máximo de 100 metros nas margens dos rios, nascentes, veredas, entre outros.

A primeira questão a ser verificada é que, por ser esta uma disposição de exceção à regra geral (prevista nos artigos 4º e seguintes), sua interpretação deve ser feita de forma restritiva.

Ademais, é de se levar em conta que também por tratar-se de exceção, o ônus da prova de que a área em questão enquadra-se no conceito de atividade consolidada compete a quem alega, uma vez que a regra geral é da recuperação de todas as Áreas de Preservação Permanente nos percentuais previstos a partir do artigo 4º.

Neste raciocínio, competirá ao proprietário de tal área juntar provas cabais de que a área já era ocupada anteriormente a 22 de julho de 2008, especialmente, através de provas técnicas e de imagens de satélite, o que hoje é perfeitamente possível além de economicamente viável.

Não se desincumbindo deste ônus, aplica-se a regra geral prevista, impondo-se a recuperação de toda a área.

Além disto, não é qualquer ocupação que poderá ser mantida, mas, exclusivamente, aquelas relativas às três atividades previstas no “caput”: a) agrossilvipastoris; b) ecoturismo; c) turismo rural.

Sobre o termo “agrossilvipastoril” há que se entender que o mesmo tem conteúdo científico delimitado, não se confundindo com a simples existência de agricultura, pecuária, silvicultura ou mesmo agropecuária. 

William Freire e Daniela Lara Martins (Dicionário de Direito Ambiental e Vocabulário Técnico de Meio Ambiente, Editora Mineira, 2003, p. 31) ensinam que “Agrossilvicultura – São povoamentos permanentes de aspecto florestal, biodiversificados, manejados pelo homem de forma sustentada e intensiva, para gerar um conjunto de produtos úteis para fins de subsistência e ou de comercialização.”.

Portanto, somente se houver a conjunção entre um sistema florestal, juntamente com agricultura e/ou criação de animais é que poderão tais áreas permanecerem ocupadas.

Assim, a simples presença de lavouras, pastos ou monoculturas florestais (eucalipito, pinos, etc...) por não serem sustentáveis e não serem conjugadas, não poderão permanecer, pois não se enquadram no conceito de “agrossilvipastoris” estabelecido no dispositivo em estudo.

É de se ressaltar que o legislador quando quis tratar de forma separada tais atividades assim o fez, usando o termo “agropecuária” (art. 1º, III, 3º VI, 41 e 74) ou agricultura (38, § 2º, capítulo XII, etc...).

Não resta dúvida, assim, que ao usar o termo “agrossilvipastoril” usou-o na acepção científica acima aludida, o que exclui sua aplicação aos casos isolados de agricultura, pecuária ou silvicultura, atividades estas que não poderão permanecer em preservação permanente, ainda que já ocupadas anteriormente a 22 de julho de 2008.

Note-se que o Decreto n. 7.830/2012 não conceituou o termo “agrossilvipastoril”, assim como também não o fez a Lei. Contudo, o Decreto conceituou o termo “agroflorestal”, que muito se aproxima do primeiro, com a seguinte descrição:

“Art. 2o  Para os efeitos deste Decreto entende-se por:

...

XVI - sistema agroflorestal - sistema de uso e ocupação do solo em que plantas lenhosas perenes são manejadas em associação com plantas herbáceas, arbustivas, arbóreas, culturas agrícolas, forrageiras em uma mesma unidade de manejo, de acordo com arranjo espacial e temporal, com alta diversidade de espécies e interações entre estes componentes;”

Portanto, é de se reconhecer a similitude destes termos e entender que, aqueles proprietários que não utilizavam este tipo de cultura anteriormente a 22 de julho de 2008, não estão abrangidos pela norma de transição elencada neste capítulo.

De igual maneira, também não o poderão permanecer aquelas situações comuns de ranchos de pesca e lazer, uma vez que ao tratar de “ecoturismo” e “turismo rural” está se tratando da atividade econômica ali desenvolvida, e não a simples ocupação para o deleite de alguns proprietários de áreas particulares não exploradas economicamente.

Ainda tratando desta questão da ocupação das áreas de preservação permanentes em áreas consolidadas, necessário registrar que tais situações somente podem ser admitidas em áreas inferiores a 15 metros, naqueles casos de rios não navegáveis.

Ocorre que, nos casos em que os rios são navegáveis, as áreas às suas margens são de propriedade pública, e portanto não podem ser ocupadas por particulares.

Esta situação é decorrente do artigo 14 do Código de Águas, com o seguinte teor:

“Art. 14. Os terrenos reservados são os que, banhados pelas correntes navegáveis, fora do alcance das marés, vão até a distância de 15 metros para a parte de terra, contados desde o ponto médio das enchentes ordinárias.”

Para que não haja dúvida da titularidade pública destas áreas, observe-se a Súmula 479, do STF:

Súmula nº 479: "As margens dos rios navegáveis são de domínio público, insuscetíveis de expropriação e, por isso mesmo, excluídas de indenização"

Nestes termos, sendo o rio navegável, é indiscutível que a ocupação não poderá permanecer em área inferior a 15 metros, sob pena de usurpação de bem público.

Por tais motivos, o parágrafo 12 que em uma primeira leitura dá a entender ser possível a permanência de residências e infraestruturas, inclusive, em área inferior ao estabelecido no caput, deve ser interpretado com base nesta limitação de 15 metros para os rios navegáveis.

Além disto, independentemente, tal interpretação deve ser feita em conjunto também com o artigo 65, § 2º, que estabelece faixa não edificável de 15 metros às margens dos cursos d´água.

Ora, é evidente que se na área urbana esta margem deve ser respeitada, tal situação também se aplica à área rural, que por ser menos habitada tem muito mais espaço para sua implantação. Não haveria razoabilidade nenhuma na interpretação dissociada deste dispositivo ao ponto de chegar-se ao absurdo de permitir-se uma faixa edificável até às margens do curso d água para a área rural e, na área urbana, onde há maiores conflitos de ocupação, aceitar-se que tal faixa não pode aproximar-se a 15 metros do curso d´água.

Por fim, no que diz respeito às áreas de reserva legais consolidadas, especialmente com a exceção estabelecida no artigo 67 em que estabeleceu que as propriedades rurais com área inferior a quatro módulos rurais terão constituídas sua reserva legal com a vegetação existente em 22 de julho de 2008, aplicam-se todos os argumentos acima esposados no que diz respeito ao ônus da prova de que foram exploradas até aquela data, isto caso venha a ser superada a evidente inconstitucionalidade do dispositivo já sustentada em outro estudo.

Ademais, há que se verificar que tais proprietários não estão desobrigados ao procedimento da Reserva Legal, ao contrário, com muito mais razão deverão proceder esta regularização, já que será durante este procedimento administrativo junto ao órgão ambiental competente que deverá ficar muito bem comprovada que a inexistência do percentual mínimo é anterior à data mencionada, restando claro que, deverá ser reconhecida como reserva legal – e portanto  deverá ser demarcada e preservada, inclusive com inscrição no CAR e averbação na matrícula – a vegetação existente que exceda as áreas de preservação permanente.

Também é de se registrar que o regime diferenciado previsto para as propriedades rurais inferiores a 4 módulos fiscais deve ser aferido com base na situação de fato, sendo que nas hipóteses de haver mais de uma matrícula para imóveis contíguos que, somadas, ultrapassem este montante, não será aplicável tal regime, sob pena de desobedecer-se a finalidade legal de proteção ao pequeno proprietário.

Esta deve ser a situação, uma vez que o tamanho da propriedade deverá ser feito com base na situação real, de forma que, havendo mais de uma matrícula, mas, de fato, sendo uma só propriedade (fazenda), deve-se estabelecer o regime da propriedade segundo o somatório delas e, sendo superior a soma das áreas das matrículas a quatro módulos, não poderá ser beneficiada a propriedade das exceções estabelecidas nesta Lei, já que a intenção legislativa foi proteger o pequeno proprietário, naqueles moldes.


XIV – DA NATUREZA REAL DAS OBRIGAÇÕES DO NOVO CÓDIGO E DAS AÇÕES CIVIS PÚBLICAS A ELE RELACIONADAS – INSCRIÇÃO DA AÇÃO NA MATRÍCULA DO IMÓVEL

A Lei n. 12.651/2012 foi mais expressa que o Código anterior ao estabelecer que as obrigações pertinentes à ela têm natureza real e são transmitidas ao sucessor.

Tal situação ficou expressa nos artigos 2º, § 2º e 7º, § 2º, com o seguinte teor:

“Art. 2o.

...

§ 2º  As obrigações previstas nesta Lei têm natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural.”

“Art. 7º  A vegetação situada em Área de Preservação Permanente deverá ser mantida pelo proprietário da área, possuidor ou ocupante a qualquer título, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado.

§ 1º  Tendo ocorrido supressão de vegetação situada em Área de Preservação Permanente, o proprietário da área, possuidor ou ocupante a qualquer título é obrigado a promover a recomposição da vegetação, ressalvados os usos autorizados previstos nesta Lei.

§ 2º  A obrigação prevista no § 1º tem natureza real e é transmitida ao sucessor no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural.”

Justamente por esta razão – por serem inerentes à propriedade rural – tais obrigações têm caráter proper rem, ou seja, são transferidas ao novo proprietário em caso de aquisição do mesmo. É este o entendimento de Paulo de Bessa Antunes:

“Efetivamente, a reserva legal é uma característica da propriedade florestal que se assemelha a um ônus real que recai sobre o imóvel e que obriga o proprietário e todos aqueles que venham a adquirir tal condição, quaisquer que sejam as circunstâncias. Trata-se de uma obrigação ‘in rem’, ‘ob’ ou ‘propter rem’, ou seja, uma obrigação real ou mista.” (Direito Ambiental, Lumen Juris, 6ª ed., p. 399)

É interessante ressaltar que, com fundamento no reiterado entendimento do STJ sobre as obrigações proter rem nesta matéria, o Ministério Público de Mato Grosso do Sul vem postulando judicial a inscrição da ação civil pública na matrícula do imóvel objeto de litígio, sendo que as liminares concedidas vêm sendo mantidas pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.

A ação necessita ser inscrita na matrícula do imóvel, justamente porque seu pedido envolve obrigações propter rem relativas às áreas de APP e Reservas Legais, por força do que dispõe  o art. 167, I, ‘21’, da Lei n. 6.015/73 (Lei de Registros Públicos):

“Art. 167. No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos:

I – o registro:

...

21) das citações de ações reais ou pessoais reipersecutórias, relativas a imóveis;”

Assim, tratando-se a ação de imposição de cumprimento de obrigações propter rem, adquire ela a natureza de ação real sobre imóvel, uma vez que tais obrigações são subjetivamente reais, conforme ensina Orlando Gomes:

“A natureza jurídica de tais obrigações in rem scriptae, ob ou propter rem não está definida. Para determiná-la, tomando posição no debate que se trava, necessário se faz defini-las. Tais obrigações existem quando o titular de um direito real é obrigado, devido a essa condição, a satisfazer determinada prestação. O direito de quem pode exigi-la é subjetivamente real. Quem quer que seja o proprietário da coisa, ou titular de outro direito real, é ipso facto, devedor da prestação. Pouco importa, assim, a pessoa em quem surgir pela primeira vez. A obrigação está vinculada à coisa.” (Direitos Reais, Forense, 1976, p. 22)

De outro norte, ainda que se entenda que a ação que cobra obrigação de caráter propter rem não seja real – ficando fora da alínea 21 do dispositivo citado – não se pode esquecer que o rol do art. 167, da Lei de Registros Públicos não é taxativo, mas exemplificativo, podendo existir outras causas de registro na matrícula – dentre elas ambientais – conforme ensina Walter Ceneviva:

O enunciado do art. 167 não esgota as hipóteses possíveis – A enumeração constante do n. I do art. 167 é exemplificativa, na medida em que não esgota todos os registros possíveis. A renúncia (CC/2002, art. 1.275, II), embora objeto de disposição expressa do Código Civil de 1916 (art. 589, § 1º), não é incluída; também a perpetuidade de florestas, que cuidou a Lei n. 4.771, de 15 de setembro de 1965 (art. 6º. Incompleta a relação, não atente ao fim a que se destinaria a pormenorização casuística: distinguir com clareza os atos registráveis dos averbáveis.” (Lei dos Registros Públicos Comentada, 15ª ed., Saraiva, p. 167)

Esta medida, portanto, é até mesmo para proteção de terceiros de boa-fé, uma vez que eventual comprador do bem irá “comprar” também a ação intentada, sendo certo que dela deverá ter conhecimento através da publicidade do registro de imóveis.

Aliás, a necessidade de dar conhecimento a terceiros é decorrente do próprio artigo 42 e seu parágrafo terceiro, do Código de Processo Civil:

“Art. 42. A alienação da coisa ou do direito litigioso, a título particular, por ato entre vivos, não altera a legitimidade das partes.

...

§ 3º A sentença, proferida entre as partes originárias, estende os seus efeitos ao adquirente ou ao cessionário.”

Ora, se inclusive eventual sentença de procedência determinando a restauração da área valerá contra terceiros adquirentes, fica evidenciada a necessidade de dar conhecimento aos mesmos e, em registro de imóveis, a publicidade se perfaz mediante inscrição na matrícula. 

Neste sentido já decidiu o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DIREITO AMBIENTAL – PROIBIÇÃO DO DESMATAMENTO E ALTERAÇÃO DA VEGETAÇÃO NATIVA SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DO ÓRGÃO COMPETENTE – PROIBIÇÃO DO PLANTIO DE ESPÉCIES EXÓTICAS E CRIAÇÃO DE ANIMAIS NA ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – LEGALIDADE DA MEDIDA DE CERCAMENTO DA ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – AVERBAÇÃO NA MATRÍCULA DO IMÓVEL DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA – LEGALIDADE E CONSTITUCIONALIDADE DA LEI ESTADUALN. 2.223/01”  (TJMS – Agravo de Instrumento n. 2006.019067-5, Bonito, Rel. Des. Atapoã da Costa Feliz, j. 22.05.07)

No corpo do acórdão foi decidido o seguinte:

Já a averbação na matrícula do imóvel de existência da ação civil pública ajuizada mostra-se necessária para que eventualmente terceiros interessados na aquisição do imóvel tenham conhecimento da situação, porquanto se ao final houver condenação, a obrigação de reparação dos danos ambientais tornar-se-á obrigação propter rem, que seguirá com o imóvel independentemente do futuro proprietário ter sido ou não o causador do dano.” (grifo nosso)

Desta forma, plenamente justificada e necessária a inscrição de eventual ação civil pública na matrícula do imóvel objeto da demanda.


CONCLUSÕES:

De tudo o que foi exposto, pode-se concluir que:

1) O Novo Código Florestal não concedeu qualquer prazo para a regularização e formalização da Reserva Legal – que já era exigida desde o código anterior - sendo tal obrigação imediata [artigos art. 12 (“deve”), 14, § 2º (contario sensu), 17 da Lei n. 12.651/2012 e art. 55, do Decreto 6.514/2008];

2) O Cadastro Ambiental Rural – CAR – já existia anteriormente ao Novo Código, mas, somente será considerado implementado após ato do Ministério do Meio Ambiente, quando começará a correr o prazo de um ano previsto na lei para os proprietários rurais fazerem seu cadastramento (art. 28, § 3º da Lei n. 12.651/2012 c/c arts. 3 e 14 do Decreto n. 7.029/2009 e art. 21 do Decreto n. 7.830/2012);

3) As regulamentações sobre a tramitação dos procedimentos para aprovação da Reserva Legal em nível estadual foram recepcionadas pelo Novo Código, podendo ser feito simultaneamente o protocolo deste pedido junto ao órgão ambiental estadual e o início do procedimento de inscrição no CAR junto ao órgão federal;

4) Mesmo que haja a Reserva Legal aprovada pelo órgão ambiental e inscrita na matrícula do imóvel é obrigatório o cadastarmento no CAR, pois o que o artigo 30 excepciona são, somente, as informações relativas à Reserva Legal previstas no art. 29, § 1º, III, permanecendo a necessidade de prestar as informações constantes nos outros incisos (I e II), bem como a indicação de áreas de preservação permanente, uso restrito e consolidadas constantes no inciso III.

5) A Lei de Registros Públicos em que prevê a averbação obrigatória da Reserva Legal na matrícula do imóvel (art. 167, II, 22) permanece em vigor, sendo que tal obrigação passa, agora, a ser do órgão ambiental que a aprova, podendo, também, ser requerida por qualquer pessoa ou órgão, inclusive, o Ministério Público.

6) Após a aprovação da Reserva Legal pelo órgão ambiental estadual, caso não haja convênio ou regulamentação para inscrição da mesma no CAR é obrigação do proprietário a inscrição na matrícula do imóvel (art. 30);

7) A Reserva Legal para atingir suas finalidades deve ser caracterizada, mapeada, demarcada e aprovada pelo órgão ambiental, não podendo ser uma mera abstração matemática sem comprovação de existência (art. 18);

8) Para as Reservas Legais ocupadas após 22 de julho de 2008, o regime aplicável é o do artigo 17, sendo que o prazo de dois anos previstos no parágrafo quarto, diz respeito apenas à recomposição da Reserva Legal feita mediante plantio de mudas, sendo que a área total a ser recomposta deverá ser desocupada imediatamente, conforme o parágrafo terceiro do mesmo artigo; Para as Reservas Legais ocupadas anteriormente a 22 de julho de 2012, também é obrigação imediata o seu abandono, quando se tratar de opção pela regeneração natural;

9) Mesmo nos casos de recomposição da Reserva Legal mediante plantio de mudas (art. 66, II), ainda que não se dê o reflorestamento imediato, não poderá o proprietário ocupar a área com pastoreio de gado, plantações ou qualquer outra atividade econômica, conforme entendimento consolidado pelo STJ frente ao Código Florestal revogado que tinha dispositivo similar ao presente (RESP 217858), sendo ilegal por contrariar a Lei e inconstitucional por ferir o princípio da legalidade e o art. 225 da Constituição Federal, o parágrafo segundo do artigo 16 do Decreto n. 7.830/2012;

10) É obrigatória a regularização da Reserva Legal antes do desmembramento, divisão ou transmissão de qualquer imóvel, por força dos artigos 12, § 1º e 18, competindo ao oficial de registro exigir a comprovação desta regularização (STJ - RMS 18.301/MG, RESP 831212/MG e RESP 1221867);

11) Permanecem em vigor as áreas de preservação permanente criadas por outros instrumentos normativos (federais, estaduais ou municipais), desde que não contrariem o Novo Código Florestal, em especial aquelas previstas em resoluções do CONAMA;

12) As nascentes e olhos d´água intermitentes continuam sendo protegidas por áreas de preservação permanente por força da Resolução CONAMA n. 303/2002;

13) Ainda que não houvesse a Resolução CONAMA n. 303/2002, as nascentes intermitentes seriam protegidas por áreas de preservação permanente, pelo menos, com 30 metros, em razão de darem início a curso d´água intermitente, os quais têm sua proteção garantida por força do art. 4º, I, do Novo Código Florestal;

14) As intervenções ou supressões de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente, nos casos de utilidade pública ou interesse social previstas no art. 8 da Lei Federal n. 12.615/2012, deverão ser precedidas do licenciamento ambiental previsto no artigo 10 da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, regulamentada pela Resolução 369 do CONAMA, ainda em vigor, inclusive com previsão de estudos com alternativas locacionais e a respectiva compensação ambiental, que tem fundamento constitucional no princípio do usuário-pagador;

15) São áreas de preservação permanente o entorno de lagos naturais com área inferior a um hectare, bem como as áreas de várzeas, sendo que, apenas, poderão permanecer nestas áreas aquelas atividades de uso consolidado, até a data de 22 de julho de 2008 (art. 3º, IV da Lei n. 12.651/2012) e obedecidos os outros critérios legais, uma vez que ao dispor “desde que não implique supressão de novas áreas de vegetação nativa” a lei pretendeu, apenas, proteger a ocupação antiga, preservando aquelas áreas ainda não ocupadas (art. 4º, § 4º e 5º, do Código Florestal);

16) As áreas de uso restrito com inclinação entre 25 e 45º não ocupadas até 22 de julho de 2008 são insuscetíveis de qualquer ocupação, uma vez que ao dispor ser “vedada a conversão de novas áreas” a lei pretendeu, apenas, proteger as ocupações antigas, preservando aquelas áreas ainda não ocupadas (art. 3º, IV c/c art. 11º, do Código Florestal);

17) As áreas de preservação permanente não poderão ser computadas na de reserva legal, para fins de abertura de novas áreas de exploração (art. 15, I), de molde que àquele proprietário que preservou a Reserva Legal no percentual mínimo previsto na legislação, sem computar as áreas de preservação permanente, somente poderá computá-las para fins de emitir títulos de cota de reserva legal em relação ao excedente (art. 15, § 2º);

18) As áreas de preservação permanente com ocupação consolidada que não serão recuperadas, não podem ser computadas para fins de compor o percentual mínimo de reserva legal por não cumprirem sua função ecológica, já que o artigo 15, II, da Lei n. 12.651/12 exige que tais áreas estejam conservadas ou em processo de recuperação;

19) A emissão de licença/autorização de supressão vegetal/desmatamento somente poderá ser levada a efeito, após a aprovação da Reserva Legal pelo órgão ambiental e inscrição no CAR, sendo que, enquanto não houver implementação ou regulamentação do cadastro, deverá estar devidamente averbada na matrícula do imóvel pelo proprietário (arts. 12, § 3º, 26 e 30 da Lei n. 12.615/12);

20) Compete ao proprietário rural o ônus de comprovar durante o procedimento administrativo de autorização/licença de supressão vegetal/desmatamento, dentre outros critérios: a) não haver espécies de flora ou fauna ameaçadas de extinção ou migratórias (art. 27 da Lei 12.615/12); b) que a propriedade atinge os percentuais mínimos de produtividade estabelecidos pela legislação agrária nas áreas já exploradas (art. 28, c/c 3º, XXXV e 6º, da Lei n. 8.629/93, c/c art. 186, II, da Constituição Federal);

21) Enquanto não regulamentada no âmbito dos órgãos ambientais a declaração de exploração de manejo sustentável para consumo próprio prevista no art. 23, da Lei n. 12.651/2012, tal exploração deverá seguir os trâmites previstos na legislação pertinente do licenciamento ou autorização ambiental.

22) O art. 56 da Lei n. 12.651/2012 não é auto aplicável e depende de regulamentação, devendo o mesmo ter sua interpretação conjugada com o artigo 23, em relação aos limites ali estabelecidos e à obrigação de comunicação ao órgão ambiental para fins de conhecimento e fiscalização;

23) Os dispositivos em que a Lei Federal n. 12.615/2012 menciona expressamente os termos “pequena propriedade ou posse rural familiar” ou o artigo 3, V, são aplicáveis tão-somente àquelas propriedades ou posses que cumpram os requisitos previstos no art. 3, da Lei n. 11.326/2006, não sendo aplicáveis a todas as propriedades inferiores a quatro módulos fiscais, uma vez que o legislador quando pretendeu beneficiar todas as propriedades com aquela dimensão, o fez expressamente no texto legal;

24) É ônus da prova do proprietário ou possuidor comprovar que sua propriedade enquadra-se nas hipóteses do artigo 3, da Lei n. 11.326/2006, para que venha obter os benefícios legais diferenciados e menos restritivos previstos na Lei Federal n. 12.615/2012;

25) As normas ambientais estaduais e/ou municipais com níveis de proteção mais elevados do que a Lei n° 12.651/2012, prevalecem sobre ela, em razão da competência concorrente e suplementar para legislar sobre o tema e do princípio da aplicação da lei mais benéfica ao meio ambiente.

26) O regramento transitório previsto no Capítulo XIII da Lei n. 12.651/2012 são aplicáveis somente às situações consolidadas, conforme previsto no artigo 3º, IV, da mesma lei;

27) Somente será considerada atividade consolidada aquela em que o proprietário comprove por meios idôneos de prova que exercia anteriormente a 22 de julho de 2008 atividades agrossilvipastoris, assim consideradas aquelas que se configurem como atuação sustentável e cumulativa de espécies florestais conjugada com agricultura e criação de animais, não sendo aplicável tal regime às que exerçam de forma isolada a atividade de agricultura, pecuária ou silvicultura;

28) O art. 60 da Lei n. 12.651/12 afronta o princípio constitucional da tríplice responsabilização do poluidor, estabelecido no art. 225, § 3º da Constituição Federal, ao impedir a aplicação da sanção penal em decorrência da celebração de um acordo administrativo (Conclusão com base em Súmula aprovada pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul);

29) A exceção prevista no artigo 60 da Lei n. 21.651/2012 é restrita às situações transitórias previstas no capítulo XIII daquele diploma legal, de forma que se aplica apenas às situações consolidadas até 22 de julho de 2008, dentro do contexto do artigo 59 (assinatura de termo de compromisso junto ao órgão ambiental para adesão ao Programa de Regularização Ambiental – PRA), não se aplicando aos crimes cometidos após esta data, nem aqueles crimes que, considerados como continuados, tiveram sua execução estendida após o prazo mencionado;

30) O artigo 60 da Lei n. 12.615/12 não é auto-aplicável e carece de regulamentação, sendo que enquanto não implementado o Programa de Recuperação Ambiental não há possibilidade de suspensão da punibilidade dos artigos ali mencionados;

31) Tratando-se o artigo 60 da Lei n. 12.651/12 de exceção à regra, sua interpretação deve ser restritiva, de forma que a assinatura de Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público ou com qualquer outro co-legitimado não impede o início ou continuidade da ação penal, uma vez que o dispositivo legal condiciona tal benefício à adesão ao Programa de Recuperação Ambiental, ainda não implementado;

32) Não poderão ocupar as áreas de preservação permanente, ainda que anteriores a 22 de julho de 2008, os ranchos de pesca ou lazer, uma vez que não se enquadram na categoria de “ecoturismo” ou “turismo rural” previstas no artigo 61-A da Lei n. 12.615/2012, já que não exercem qualquer atividade econômica na área;

33) É ilegal a ocupação da Área de Preservação Permanente em margens dos rios navegáveis até a distância de 15 metros contados desde o ponto médio das enchentes ordinárias estabelecida pelo artigo 14 do Código de Águas, uma vez que tal área é de domínio público nos termos da Súmula 479, do STF;

33) O parágrafo 12 do artigo 61-A deve ser conjugado com a previsão do art. 65, § 2º, da Lei n. 12.651/2012 em razão da interpretação sistemática e do princípio da razoabilidade, considerando-se, portanto, área mínima não edificável também na área rural, 15 metros contatos da margem do rio;

34) Ainda que superada a inconstitucionalidade do artigo 67, as propriedades com área inferior a 04 módulos fiscais não estão isentas de inscrição no CAR  e regularização da Reserva Legal perante o órgão ambiental, até porque será neste procedimento administrativo que competirá ao proprietário o ônus da prova de demonstrar que se enquadra na situação de exceção prevista neste dispositivo;

35) O regime diferenciado previsto para as propriedades rurais inferiores a 4 módulos fiscais deve ser aferido com base na situação de fato, sendo que nas hipóteses de haver mais de uma matrícula para imóveis contíguos que, somadas, ultrapassem este montante, não será aplicável tal regime, sob pena de desobedecer-se a finalidade legal de proteção ao pequeno proprietário.

36) As ações civis públicas relativas ao cumprimento da função ambiental da propriedade, especialmente aquelas que tenham ligação com os institutos da Reserva Legal e de Áreas de Preservação Permanente – que são obrigações propter rem (art. 2º, § 2º e 7º, § 2º da Lei n. 12.651/20012) e transmitidas para os novos proprietários – devem ser inscritas na matrícula do imóvel para conhecimento de terceiros, por força do art. 167, I, 21 da Lei de Registros Públicos e também do art. 42, § 3º, do CPC, uma vez que eventual sentença proferida contra o antigo proprietário, réu na ação, surtirá efeito contra o adquirente.


Autor

  • Luciano Furtado Loubet

    Luciano Furtado Loubet

    Pós-Graduado em Direito Ambiental pela UNIDERP – Universidade para o Desenvolvimento da Região do Pantanal. Promotor de Justiça no Estado de Mato Grosso do Sul. Ex-Juiz de Direito no Estado do Acre. Especialista em Direito Tributário pelo IBET – Instituto Brasileiro de Estudos Tributários.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOUBET, Luciano Furtado. Breves anotações pontuais sobre a Lei nº 12.651/2012 (Novo Código Florestal). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3406, 28 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22898. Acesso em: 19 abr. 2024.