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Responsabilidade civil do transportador no transporte de pessoas

Responsabilidade civil do transportador no transporte de pessoas

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Sumário: Introdução. 1. O tríplice aspecto da responsabilidade do transportador. 2. O contrato de transporte de passageiros. 2.1. A cláusula de incolumidade. 3. Presunção de responsabilidade e não simples culpa presumida. 4. A responsabilidade do transportador face ao código do consumidor. 5. A exclusão da responsabilidade do transportador. 5.1. O fortuito interno e externo. 5.2. O fato exclusivo do passageiro. 5.3. Ofato exclusivo de terceiro. 6. Início e término da responsabilidade do transportador. 7. O transporte aparentemente gratuito e puramente gratuito. 8. A responsabilidade do transportador clandestino e a omissão do estado. 9. A responsabilidade do transportador aéreo. 10. Posicionamento jurisprudencial. Conclusão. Bibliografia


INTRODUÇÃO

O transporte coletivo urbano tornou-se instrumento fundamental para o cumprimento das funções sociais e econômicas do Estado Moderno. Mas, lamentavelmente, a sua dívida social neste campo é enorme, porquanto o transporte coletivo em nosso país se torna cada vez mas deficiente e até desumano.

No Brasil, o predomínio dos transporte individuais em muito acentua os problemas dos transportes nas grandes cidades. A falta de investimentos em transporte coletivo superlotaram as cidades com veículos automotores que, em sua maioria levam uma ou dias pessoas, causando monstruosos engarrafamentos.

Infelizmente, durante décadas não foram desenvolvidos os meios de transporte em que se transportem uma grande quantidade de pessoas a um custo relativamente baixo e com pequeno impacto nas vias de deslocamento, como trens, metrôs e ônibus.

O transporte coletivo, atualmente, é um serviço público de interesse público, cuja prestação se dá, via de regra, através de delegação (concessão ou permissão), nas forma do art. 175, da Constituição Federal. Entretanto, longe estamos de um serviço público adequado – conforme disposto no art. 6º, da lei 8987/95.

A grande concentração do transporte público coletivo ocorre nos grandes conglomerados urbanos. Mas a sua quantidade não atende de forma satisfatória a todos os usuários e, ainda, causa-lhes prejuízo que deverão ser reparados.

O Sistema de Transportes Público da Região Metropolitana do Rio de Janeiro - RMRJ é complexo em sua configuração. É formado por diversos modais. Na RMRJ operam trens de grande capacidade, metrô - subterrâneo e de superfície, barcas - de grande capacidade e para transporte seletivo, ônibus - comuns e seletivos, microônibus, vans e táxis.

O desenho institucional da administração e operação do sistema de transporte público na RMRJ - Região Metropolitana do Rio de Janeiro é complexo em seu entendimento, e é composto por um conjunto de órgãos, instituições, empresas públicas e privadas, envolvendo os governos do estado e dos 19 municípios que compõem a região. Cada um desses municípios possui, por sua vez, seus órgãos reguladores e empresas públicas e privadas que operam em um ou mais municípios. O Estado é responsável pela regulamentação dos modais intermunicipais, enquanto as diversas prefeituras cuidam das questões de transporte exclusivamente municipais (ônibus e vans de linhas municipais e táxis). Perde-se assim a visão do conjunto do sistema na RMRJ, que é necessário para o planejamento e a boa administração dos transportes públicos de passageiros.

A falta de uma política pública atualizada para o setor de transporte tem sido a causa da situação caótica que atravessamos nos dias atuais. Em raros momentos, que podem ser comparados como espasmódicos, foram traçados planos e projetos para o setor.

Com isto, ao longo dos anos a autoridade pública ausentou-se num setor tão importante para o desenvolvimento e expansão harmônica de nossas cidades. É compartilhado por muitos que o transporte público de passageiros é básico no desenvolvimento urbano e/ou territorial, dos estados e, mesmo, de uma nação.

O ônibus, veículo de pequena capacidade, que tem um papel alimentador ocupou o espaço destinado ao trem e ao metrô, estes sim modais de grande capacidade: enquanto que em 1950 representava 28% do total de viagens, atualmente (dados de 1994) o ônibus responde por 78% do total.

Observa-se, também, a grande presença do automóvel (15% do total de viagens, em 1994). Pode-se imaginar o impacto negativo para a população, os usuários do sistema e para o meio ambiente. As conseqüências são os longos engarrafamentos, as viagens que penalizam aqueles que moram mais afastados do local de trabalho, além dos danos irreparáveis para o meio ambiente e para os que estão expostos à poluição, sonora ou do ar.

A reparação dos danos oriundos do transporte coletivo de passageiros é o tema do presente trabalho.


1 – O TRÍPLICE ASPECTO DA RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR

Por pelo menos três aspectos distintos pode ser examinada a responsabilidade do transportador: em relação aos seus empregados, em relação a terceiros e em relação aos passageiros.

Com relação a terceiros a responsabilidade do transportador é extracontratual. Não há entre eles nenhuma relação jurídica contratual; são estranhos até o momento em que tem lugar o acidente, dele decorrendo o vínculo jurídico ensejador do dever de indenizar. O art. 37, § 6º, da Constituição Federal dispõe ser esta responsabilidade objetiva, fundada no risco administrativo. Esse dispositivo constitucional só se aplica à responsabilidade extracontratual porque o texto fala em terceiros e terceiro é quem não tem relação jurídica contratual com o causador do dano.

A responsabilidade em relação aos empregados será fundada no acidente de trabalho, uma vez que há entre a empresa e o empregado uma relação contratual trabalhista. A indenização deverá ser pleiteada junto ao INSS. Mas, havendo dolo ou culpa do empregador, poderá ser também pleiteada uma indenização de Direito Comum, com base no art. 7º, XXVIII, da Constituição.

Apenas em relação ao passageiro a responsabilidade do transportador será contratual, fundada no contrato de transporte, aspecto que passaremos a examinar com maior vagar.


2 – O CONTRATO DE TRANSPORTE DE PASSAGEIROS

Por sua natureza é um contrato de Adesão, uma vez que suas cláusulas são previamente estipuladas pelo transportador, às quais o passageiro simplesmente adere no momento da celebração.

É, ainda, um contrato consensual, bilateral, oneroso e comutativo, posto que para a sua celebração basta o simples encontro de vontades; cria direitos e obrigações para ambas as partes e há um equilíbrio entre as respectivas prestações. Não é indispensável o bilhete ou passagem para a celebração do contrato, uma vez que é um contrato formal. Nem mesmo o pagamento da passagem é elemento necessário para a consumação do contrato, configurando-se em posterior fase de execução do contrato.

2.1 – A CLÁUSULA DE INCOLUMIDADE:

A característica mais importante do contrato de transporte é, sem sombra de dúvida, a cláusula de incolumidade que nele está implícita. A obrigação do transportador é de fim, de resultado, e não apenas de meio. Não se obriga ele a tomar as providências e cautelas necessárias para o bom sucesso do transporte; obriga-se pelo fim, isto é, garante o bom êxito. Tem o transportador o dever de zelar pela incolumidade do passageiro na extensão necessária a lhe evitar qualquer acontecimento funesto.

Em suma, entende-se por cláusula de incolumidade a obrigação que tem o transportador de conduzir o passageiro são e salvo ao lugar de destino.


3 – PRESUNÇÃO DE RESPONSABILIDADE E NÃO SIMPLES CULPA PRESUMIDA

Que tipo de responsabilidade tem o transportador em relação aos passageiros? Responsabilidade objetiva ou simples responsabilidade subjetiva com culpa presumida?

O art. 17, do Decreto 2.681/12 (Lei das Estradas de Ferro) fala em culpa presumida. Com base na literalidade do texto, sustentou-se, e ainda há quem sustente, que a responsabilidade do transportador, em relação aos passageiros é subjetiva, com culpa presumida. Nos casos de culpa presumida inverte-se apenas o ônus da prova, cabendo ao causador do dano demonstrar que não agiu com culpa.

Em exame mais detalhado do dispositivo acima mencionado, verifica-se que não admite ao transportador fazer prova de que não agiu com culpa. Entre as causas exonerativas de sua responsabilidade o citado artigo só admite o caso fortuito ou força maior e a culpa do viajante, não concorrendo culpa da estrada de ferro.

Dessa forma, à luz do próprio texto em exame, é de se concluir que a responsabilidade do transportador, em relação aos passageiros, é objetiva, embora tenha a lei, por erronia terminológica, falado em culpa presumida.

Com base nessas premissas, a melhor doutrina e jurisprudência evoluíram no sentido de reconhecer a responsabilidade objetiva do transportador, fundada na teoria do risco. Ocorrido o acidente que vitimou o viajante, subsistirá a responsabilidade do transportador, a despeito da ausência de culpa, porque esta é despicienda em face da teoria do risco, a única compatível com a cláusula de incolumidade, ínsita no contrato de transporte.


4 – A RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR FACE AO CÓDIGO DO CONSUMIDOR:

Além da abrangência do conceito de serviço adotado em seu art. 3º, § 2º, o Código do Consumidor tem regra específica no art. 22 e parágrafo único. Ficou ali estabelecido que os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, além de serem obrigadas a fornecer serviços adequados, eficientes e seguros, respondem pelos danos que causarem aos usuários, na forma prevista no CDC. Não há como e nem porque contestar, portanto, a incidência do CDC nos casos de acidentes ocorridos por ocasião do transporte de passageiros por se tratar de serviços públicos.

O Código do Consumidor provocou uma verdadeira revolução no Direito obrigacional, mormente no campo da responsabilidade civil, estabelecendo a responsabilidade objetiva em todos os acidentes de consumo, quer de fornecimento de produtos (art. 12) quer de serviços (art. 14).

O que o Código fez foi mudar o fundamento dessa responsabilidade, que agora não é mais o contrato de transporte mas sim a relação de consumo, contratual ou não. Mudou, também, o seu fato gerador, deslocando-o do descumprimento da cláusula de incolumidade para o vício ou defeito do serviço, consoante o art. 14, CDC. O fornecedor do serviço terá que indenizar desde que demonstrada a relação causa e efeito entre o defeito do serviço e o acidente de consumo, chamado pelo Código de fato do serviço.


5 – A EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR:

Assentado que a responsabilidade do transportador é objetiva e que, em face da cláusula de incolumidade, tem uma obrigação de resultado, qual seja, levar o transportado são e salvo ao seu destino, o passageiro, para fazer jus à indenização, terá apenas que provar que essa incolumidade não foi assegurada; que o acidente se deu no curso do transporte e que dele lhe adveio o dano. O transportador só se exonera do dever de indenizar provando uma daquelas causas taxativamente enumeradas na lei: caso fortuito, força maior e culpa exclusiva da vítima.

5.1 – O FORTUITO INTERNO E EXTERNO:

O que caracteriza o fortuito é a imprevisibilidade, ao passo que a inevitabilidade caracteriza a força maior.

Entende-se por fortuito interno o fato imprevisível, e, por isso, inevitável, que se liga à organização da empresa, que se relaciona com os riscos da atividade desenvolvida pelo transportador. O estouro de um pneu do ônibus, o incêndio do veículo, o mal súbito do motorista, são exemplos do fortuito interno, por isso que, não obstante acontecimentos imprevisíveis, estão ligados à organização do negócio explorado pelo transportador.

O fortuito externo é também imprevisível e inevitável, mas estranho à organização do negócio. É fato que não guarda nenhuma ligação com a empresa, como fenômenos da natureza. Duas, portanto, são as características do fortuito externo: autonomia em relação aos riscos da empresa e inevitabilidade, razão pela qual alguns autores o denominam força maior.

Tão forte é a presunção de responsabilidade do transportador, que nem mesmo o fortuito interno o exonera do dever de indenizar; só o fortuito externo, isto é, o fato estranho à empresa, sem ligação alguma com a organização do negócio.

5.2 – O FATO EXCLUSIVO DO PASSAGEIRO:

A culpa exclusiva do passageiro também exonera o transportador de responsabilidade. Trata-se de fato exclusivo do viajante, já que nessa fase, ainda se está no terreno do nexo causal, e não da culpa. O fato exclusivo da vítima afasta a responsabilidade do transportador porque, quem dá causa ao evento é o próprio passageiro, e não o transportador. O transporte, ou melhor, a viagem não é causado evento, apenas a sua ocasião.

O art. 17 do Decreto 2.681/12, em seu inciso 2º, é expresso e claro a esse respeito: "culpa do viajante, não concorrendo culpa da estrada" (do transportador). No mesmo sentido, o art. 14, § 3º, do Código do Consumidor.

Havendo qualquer participação do transportador, ainda que concorrente com a participação do passageiro, não se admitirá a causa exonerativa. É por isso que a melhor doutrina e boa parte da jurisprudência se recusam a admitir a chamada culpa concorrente do passageiro para efeito de reduzir a indenização devida pelo transportador

5.3 – O FATO EXCLUSIVO DE TERCEIRO:

Por terceiro deve-se entender alguém estranho ao binômio transportador e passageiro; qualquer pessoa que não guarde nenhum vínculo jurídico com o transportador, de modo a torná-lo responsável pelos seus atos, direta ou indiretamente, como o empregador em relação ao empregado, o comitente em relação ao preposto, entre outros.

O art. 17 do Decreto 2.681/12 não cogita do fato de terceiro, o que levou alguns autores a sustentar não se tratar ser ele causa excludente da responsabilidade do transportador.

A súmula nº 187 do Colendo Supremo Tribunal Federal enveredou-se pelo mesmo caminho, ao enunciar: "A responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com o passageiro, não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva".

A súmula só fala em culpa de terceiro, e não em dolo. O fato culposo do motorista de um caminhão que colide com um coletivo não elide a responsabilidade da empresa transportadora. Tal fato caracteriza-se como fortuito interno, relacionado com a organização do seu negócio.

Tal já não ocorre com o fato doloso de terceiro. Este não pode ser considerado fortuito interno porque, além de absolutamente imprevisível e inevitável, não guarda nenhuma ligação com os riscos do transportador; é fato estranho à organização do seu negócio, pelo qual não pode responder. Por isso, a melhor doutrina caracteriza o fato doloso de terceiro, vale dizer, o fato exclusivo de terceiro, como fortuito externo. Ele exclui o próprio nexo causal, equiparável à força maior, que, por via de conseqüência, exonera da responsabilidade o transportador.

Em grandes centros urbanos, tornou-se comum o arremesso de pedra contra ônibus ou trem, ferindo e até matando passageiros. Os assaltos também proliferaram no curso da viagem, deixando os passageiros despojados de seus bens, quando não se transformam em tragédia de morte.

Inicialmente, com base na Súmula 187, STF, obrigava o transportador a indenizar. Com o ocorrer do tempo, a jurisprudência foi se firmando em sentido contrário, sob a consideração de que o fato exclusivo de terceiro, mormente quando doloso, caracteriza o fortuito externo, inteiramente estranhos ao risco do transporte. Não cabe ao transportador transformar o seu veículo em carro blindado, nem colocar uma escolta de policiais em cada ônibus para evitar assaltos. A prevenção de atos dessa natureza cabe ao Estado, inexistindo fundamento jurídico para transferi-la ao transportador.

Neste sentido se firmou a Corte do Superior Tribunal Federal, sendo empossada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, que assim se posicionou:

"Responsabilidade Civil – Assassinato de passageiro, em virtude de assalto praticado por desconhecido, num trem da REFISA durante a viagem – Ato de terceiro equiparável a caso fortuito – Incidência de obstáculo previsto no art. 325, inciso V, do Regimento Interno do STF – Argüição de relevância rejeitada – Inocorrência de divergência da Súmula n. 187 do STF, por inexistir o nexo de causalidade entre o acidente e o transporte". (2ª Turma do STF, RE 99.978-7, Rel. Min. Djaci Falcão – revista Amagis XI/503)

Por derradeiro, ressalte-se que a jurisprudência tem responsabilizado o transportador por assaltos, pedradas e outros fatos de terceiros ocorridos no curso da viagem somente quando fica provada a conivência dos seus prepostos, omissão ou qualquer outra forma de participação que caracterize a culpa do transportador.


6 – INÍCIO E TÉRMINO DA RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR

Sendo consensual o contrato de transporte, ele se consuma pelo simples acordo de vontades. A partir do momento em que o passageiro dá a sua adesão às condições preestabelecidas pelo transportador, está celebrado o contrato. O pagamento da passagem não é rigorosamente necessário para fechar o contrato de transporte, eis que, em muitos casos, só é feito no curso ou no fim da viagem, e até mesmo depois, como no caso de pagamento em prestação. O pagamento do preço da passagem já é fase de execução da obrigação assumida pelo passageiro.

A execução do contrato de transporte, no que respeita à obrigação do transportador, tem lugar quando se inicia a viagem. A partir daí, torna-se operante a cláusula de incolumidade, que persiste até o final da viagem.

No transporte urbano essa execução ocorre simultaneamente com a celebração do contrato; no transporte interestadual e aéreo, onde a passagem é adquirida com antecedência, a execução tem lugar posteriormente.

No caso das Estradas de Ferro e metrôs, a responsabilidade do transportador inicia-se com o ingresso do passageiro na estação de embarque, após passar pela roleta. Correto o entendimento, tendo em vista que a estação pertence à companhia, sendo, ainda, certo que o passageiro, após adentrar na plataforma de embarque, fica por conta e risco do transportador.

Tratando-se de transporte rodoviário, tendo em vista que a estação de embarque não pertence à empresa transportadora, a execução do contrato tem início com o embarque do passageiro no veículo e só termina com o seu efetivo desembarque.


7 – O TRANSPORTE APARENTEMENTE GRATUITO E PURAMENTE GRATUITO

Há transporte aparentemente gratuito quando o transportar tem algum interesse patrimonial no transporte, ainda que indireto, como ocorre, por exemplo, no transporte que o patrão oferece aos empregados para levá-los ao trabalho; do corretor que leva o cliente para ver o imóvel que está a venda.

No transporte aparentemente gratuito em nada se modifica a responsabilidade do transportador. Enquadra-se no art. 17 do Decreto 2.681/12 e no Código do Consumidor, cuja presunção de responsabilidade só pode ser elidida pelo fato exclusivo da vítima, pelo caso fortuito externo e pelo fato exclusivo de terceiro.

Puramente gratuito é o transporte que é feito no exclusivo interesse do transportado, por mera cortesia do transportador.

Com efeito, a onerosidade e a cumulatividade são requisitos essenciais do contrato de transporte. O preço do transporte constitui principal obrigação do passageiro, assim como transportar incólume é a principal obrigação do transportador.

Admite-se, até, que esse preço não seja necessariamente representado em dinheiro, como ocorre no transporte aparentemente gratuito. Mas não há como fugir dessa contraprestação.

Daí a colocação muito sensata do mestre Caio Mario: "Não me parece de boa fundamentação jurídica que o motorista que faz um obséquio sem auferir proveito e muitas vezes movido por puro altruísmo possa ser questionado pelo que venha a ocorrer com a pessoa transportada, e compelido a indenizar pelo dano sofrido pelo passageiro durante o trajeto".

Entendo eu – prossegue o professor – que, com esse raciocínio, deve sustentar-se alteração conceitual, deslocando-se a ocorrência do terreno da responsabilidade contratual para a aquiliana, com aplicação do art. 159 do Código Civil (...)". (Instituições de Direito Civil. Forense Universitária)

Por estas e outras razões, autores há que consideram o transporte puramente gratuito um contrato atípico; outros entendem tratar-se de um contrato benéfico, em que o transportador, a quem o contrato não favorece, em caso de inadimplemento responde somente por dolo, nos termos do art. 1.057, do Código Civil.

Na realidade, quando alguém transporta outrem por mera cortesia, não tem a menor intenção de formalizar um contrato. As circunstâncias que envolvem o fato não caracterizam uma relação contratual, nem configuram vínculo jurídico convencional. Há simples ato de liberalidade.

A solução juridicamente correta, como se vê, é a aplicação dos princípios da responsabilidade ao ilícito decorrente do transporte gratuito, porto que não se configura, na espécie, o contrato de transporte, nem contrato benéfico passível de enquadramento no art. 1.057 do Código Civil.


8 – RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR CLANDESTINO E A OMISSÃO DO ESTADO:

Os transportes alternativos, realizados por vans e kombis, são comumente utilizados pela população das grandes metrópoles, que, exausta da prestação de serviço de forma insatisfatória pelas concessórias, optaram pela utilização de um novo meio para se locomover.

Este tipo de transporte, apesar de comum, ainda não foi devidamente regulamentado pelo Estado, que ainda exerce repressora fiscalização através de seus agentes, tornando ilegais as "lotadas", como são usualmente chamadas.

Entretanto, apesar de ainda não existir nenhum entendimento jurisprudencial acerca deste assunto, cumpre-nos adequar este fato tão atual e comum ao âmbito da responsabilidade civil, pois ninguém está imune a eventuais acidentes que podem ocorrer entre um trajeto e outro.

O transporte coletivo está caracterizado como um serviço público, e, como tal, só pode ser exercido pelo próprio Estado ou por seus delegados. Tal como define o festejado professor José Carvalho dos Santos Filho, em sua obra "Manual de Direito Administrativo", o serviço público é toda atividade prestada pelo Estado ou por seus delegados, basicamente sob o regime de Direito Público, com vistas à situação de necessidades essenciais e secundárias da coletividade.

Ademais, o serviço público delegado pelo Estado aos concessionários ou permissionários é passível de responsabilidade objetiva, com base no artigo 37, § 6o da CF, onde está disposto que "as pessoas jurídicas de Direito Público e as de Direito Privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa". Desta forma, o Estado prevê uma grande segurança ao cidadão, usuário destes serviços, abrangendo este tipo de responsabilidade aos concessionários ou permissionários em caso de acidentes ocasionados por seus agentes.

Entretanto, não é possível estendermos esse tipo de proteção constitucional, pelo menos a priori, aos transportadores alternativos, pois estes não prestam serviço público, uma vez que, como a própria Carta Magna afirma, somente o Estado pode exercer tais atividades, podendo, ainda, delegá-las a concessionários ou permissionários.

Ocorre que, os transportadores alternativos exercem determinada atividade mediante remuneração, o que nos deixa à vontade para determinarmos que, a atividade exercida é meramente um serviço individual, ou seja, uma prestação de serviços.

O Código de Defesa do Consumidor, Lei 8078/90, protege as relações de consumo em que, de um lado existe o fornecedor ou prestador de bens ou serviços e de outro, o consumidor destes bens ou serviços. Fica, então, bastante razoável adequarmos a relação entre o transportador alternativo e o passageiro como uma relação de consumo.

Sendo inegável que a relação do caso em questão é de consumo, cumpre-nos agora posicioná-la nos artigos referentes aos danos causados ao consumidor no caso de defeito nesta prestação de serviço, adequando-a quanto à responsabilidade objetiva ou subjetiva.

O artigo 14 do CDC dispõe que, o fornecedor de bens ou serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição ou riscos. É a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços, ou seja, ao consumidor basta apenas a comprovação do dano e do nexo causal, não havendo, aqui, nenhum tipo de apuração de existência de culpa ou não do agente causador.

Poderíamos, então, adequar a responsabilidade dos transportadores alternativos como sendo objetiva, pautada no artigo supracitado, se não houvesse, nesse mesmo artigo, o parágrafo 4º, dispondo que a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

Não obstante os aspectos acima relatados, ao traçar as diretrizes que devem nortear as concessões e permissões de serviço público no Brasil, o art. 175 (inc. I do par. único) da Constituição diz que a lei instituirá "o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão".

Por outro lado, o inc. II do art. 2º da Lei 8.987/95 só permite outorgar concessão ou permissão de serviço público "a pessoa jurídica ou consórcio de empresas", excluindo-se a pessoa física, em virtude do caráter empresarial do instituto. Isso "significa dizer que, no sistema jurídico vigente, não pode a concessão ser contratada com pessoa física" (CARMEN LÚCIA ANTUNES ROCHA, "Estudo sobre Concessões e Permissões de Serviço Público no Direito Brasileiro", Saraiva, 1996, pág. 52).

A regra da impossibilidade da outorga de concessão (ou permissão) de serviço público ainda mais se sobressai quando se cuida do transporte coletivo, pois, como leciona IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, "a prestação de serviços públicos de transporte é de natureza relevante e implica custos elevados. A transferência de responsabilidade para terceiros pressupõe densidade econômica destes para, assumindo tal prestação, realizarem-na no interesse público e da administração e com rentabilidade suficiente para investimentos, manutenção de frotas e instalações adequadas, além de lucratividade razoável. Tal complexo de garantias pressupõe a segurança jurídica para quem presta serviços e para quem os recebe." ("A Licitação sobre Transportes na Constituição", in "Doutrina", ed. Instituto de Direito, 1996, pág. 182)

O serviço público de transporte coletivo somente pode ser delegado à iniciativa privada por licitação, mediante "concessão ou permissão". É o que determina o do art. 175 da Constituição Federal, que não se refere à autorização como instrumento de formalização da outorga de serviço público (ao contrário de outros dispositivos, como, por exemplo, o do art. 21, inc. XII, que admite a delegação do serviço por mera autorização).

A lei 8.987/95 também não trata da autorização, somente fazendo referência à concessão e à permissão como instrumentos de outorga (no mesmo sentido é o Decreto n. 952, de 7.10.93, que dispõe sobre transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros).

Ensinam os doutos que o transporte pode ser de coisas ou de pessoas. O transporte de pessoas é contrato de resultado, obrigando o transportador a levar o usuário são e salvo ao seu destino. O transporte de pessoas é tradicionalmente classificado em duas categorias, a saber: "transporte singular de passageiros" e "transporte coletivo de passageiros" (cf. JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, "Direito Administrativo Perante os Tribunais", vol. 2, 1ª ed., 1996, pág. 198).

Embora se diga usualmente que os perueiros fazem "lotação", tecnicamente é impossível ao condutor de perua efetuar serviço de lotação. Com efeito, nos termos do art. 43 do antigo Código Nacional de Trânsito e do art. 87 do Regulamento, somente os "veículos de aluguel (taxi)" podem realizar o serviço de lotação, que se classifica como modalidade de transporte coletivo (cf. Resolução 514/77 do CONTRAN; art. 314 da Lei 9.503/97).

O novo Código Brasileiro de Trânsito também distingue o transporte coletivo de passageiros do transporte individual de pessoas, utilizando, para o último, a mesma expressão "veículos de aluguel" (empregada pelo antigo CNT), e mantendo inalterada a classificação dos veículos (cf., por exemplo, arts. 85 e 107 da Lei 9.503/97)

Assim, os "veículos de aluguel" licenciados para o transporte individual de passageiros (taxi) poderão, desde que satisfeitas as exigências do Poder Concedente, efetuar o transporte coletivo de passageiros (lotação), observando horários e itinerários previamente fixados pela autoridade concedente (cf. arts. 1, 2 e 4, par. único, da Resolução 514/77).

Para autorizar o acesso dos proprietários de taxi ao serviço de lotação, a autoridade competente deverá manter um número de veículos que assegure "o transporte individual de passageiros - taxi - em qualquer horário" (art. 4, caput, da Resolução nº 514/77).

Também incumbe ao Poder Concedente fixar "a tarifa por passageiros de forma a evitar concorrência danosa com os serviços de transporte individual de passageiros (taxi) e transporte coletivo (ônibus)" (cf. Resolução 514/77, art. 5). Concorrência danosa ou ruinosa, vale lembrar, é a competição na qual um dos sujeitos causa prejuízos econômicos ao outro, que passa a ter seu ganho reduzido. HELY LOPES MEIRELLES, cuidando de transporte intermunicipal, conceitua "concorrência ruinosa" como "a competição desenfreada, na exploração das linhas de transportes coletivos, com o enriquecimento de alguns permissionários e o empobrecimento de outros, ou a ruína de todos eles, o que, de modo algum interessa ao Estado" (cf. "Estudos e pareceres de Direito Público", RT, volume IX, página 267).

Do exposto se conclui que a atividade desenvolvida pelos "perueiros" não configura "serviço de lotação", nem tampouco transporte individual de passageiros (que também só pode ser efetuado por taxis). Marcada pelo conflito e pela inconstitucionalidade, caracterizada pela ilegalidade e ilicitude, a atividade desenvolvida pelos "perueiros" só pode ter uma denominação: "serviço clandestino de transporte coletivo de passageiros".

Como se viu, o transporte coletivo de passageiros é direito fundamental do cidadão e dever do Estado, sendo o Poder Público Municipal responsável, na área de sua jurisdição, pelo seu gerenciamento, operação, fiscalização e punição, nos temos da lei. Outrossim, além de estabelecer que a prestação de quaisquer serviços públicos, por concessão ou permissão, deve ser obrigatoriamente precedida de regular licitação (art. 175), a Constituição Federal disciplinou a responsabilidade civil do Estado dispondo que:

"as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa" (§ 6º do art. 37 da Constituição).

Mas não é apenas a ação do administrador (e de quaisquer outros agentes públicos) que pode produzir danos e gerar direito `a indenização, mas também a omissão (do latim OMISSIO, de OMITERE) que significa negligência, esquecimento, inatividade, desídia, inércia, ou "o que não se fez, o que se deixou de fazer, o que foi desprezado" (cf. PLÁCIDO E SILVA, "Vocabulário Jurídico", vol. III, p. 1.093).

A omissão do agente público configura culpa in omitendo ou culpa in vigilando, podendo causar prejuízos aos administrados, à própria Administração e ao agente público responsável, pois "se se cruza os braços ou não se vigia, quando deveria agir, o agente público omite-se, empenhando a responsabilidade do Estado por inércia ou incúria do agente. Devendo agir, não agiu. Nem como o bonus pater familiae, nem como bonus administrator." (CRETELLA JÚNIOR, "Tratado de Direito Administrativo", vol. VIII, Forense, p.210, n.161).

Convém ressaltar que o Tribunal de Justiça de São Paulo vem decidindo reiteradamente pela responsabilização e conseqüente reparação, tanto nos casos de típica omissão, como nos casos de falta de presteza do agente; ainda que não se saiba quem é o responsável pelo prejuízo causado ao particular (culpa anônima), o Tribunal condena a Administração pela reparação dos prejuízos (cf. RJTJESP 97/342). E até mesmo quando haja fiscalização, mas sendo ela deficiente, caracteriza-se a omissão geradora da responsabilidade civil do estado (cf. RT 445/844 e 389/161).


9 – A RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR AÉREO:

A ausência de lei específica alterando o regime geral de responsabilidade deveria colocar o transportador aéreo sob o império da legislação comum. Assim, se por força de um acidente o transportador se via obrigado a descumprir as cláusulas do contrato, pelo qual se obrigou a entregar o passageiro incólume em seu destino, naturalmente cumpria-lhe reparar o dano, na forma do direito comum.

Dada a precariedade da aviação naqueles tempos pioneiros do tráfego aéreo, tal solução era inconveniente, porque, não contando com condições de absoluta segurança, até hoje inatingidas, os acidentes, donde resultariam morte ou lesão corporal dos viajantes, teriam de ocorrer com relativa freqüência; ora, como dentro das normas de direito comum as empresas teriam de indenizar integralmente as vítimas, com a multiplicação dos acidentes tais empresas certamente corriam o risco de ser conduzidas à ruína.

A expressão risco do ar abriu caminho para o abrandamento da responsabilidade civil do transportador aéreo. Passou-se a admitir a inscrição da cláusula de não indenizar nos contratos de transporte aéreo, possibilitando-se salto extremo da limitação da responsabilidade para o extremo da irresponsabilidade, em solução que não se demonstrava adequada.

A Convenção de Varsóvia de 12 de outubro de 1929, ratificada pelo Brasil em 02 de maio de 1931 (Dec. 20.784, de 24-11-1931) dispôs sobre inúmeras situações de responsabilidade do transportador aéreo – arts. 17, 20, 21, 22, 23 e 25.

Conforme se depreende dos dispositivos acima mencionados, para que a responsabilidade do transportador se caracterize, basta que sobrevenha o acidente e que a vítima se encontre a bordo da aeronave ou em operações e embarque e desembarque (art. 17). Poderá, entretanto, eximir-se ele da responsabilidade, se provar que foram tomadas todas as medidas necessárias para evitar o dano, ou que lhe foi impossível tomá-las (art. 20).

A Convenção criou uma presunção de responsabilidade contra o transportador, invertendo o ônus da prova. Em vez de a vítima ter de provar a culpa do transportador, este é que terá de demonstrar que tomou todas as medidas necessárias para evitar o acidente.

Há certa divergência doutrinária acerca de ser a obrigação do transportador uma obrigação de meio ou uma obrigação de resultado. Se a obrigação for de resultado – conforme concepção dos países da Europa Continental –, isto é, se entender que o transportador se obriga a entregar o passageiro incólume em seu destino, a circunstância de o não fazer torna-o inadimplente e, por conseguinte, sujeito à indenização; só se liberaria demonstrado que o acidente decorreu de caso fortuito ou de força maior. Se a obrigação for de meio – conforme concepção norte-americana -, insto é, se entender que o transportador se obriga apenas a agir com toda diligência e cuidado, empenhando-se em entregar o passageiro são e salvo ao seu lugar de destino, exonera-se do dever de indenizar desde que demonstre que agiu com diligência e os cuidados normais.

Divide-se o transporte aéreo em internacional e interno ou nacional. O primeiro é disciplinado pela Convenção de Varsóvia, de 12 de outubro de 1929, ratificada por mais de centena de países, recebida no ordenamento jurídico pátrio pelo Decreto nº 20.704/31. A Convenção de Varsóvia sofreu emendas do Protocolo de Haia, datado de 28/09/55. O transporte aéreo interno é regulado pelo Código Brasileiro de Aeronáutica, Lei 7.565/86.

O art. 1º da Convenção de Varsóvia caracteriza como transporte internacional aquele cujos pontos de partida e ponto de destino, haja ou não interrupção, estejam situados no território de duas Altas Partes Contratantes, ou mesmo no de uma só, havendo escala prevista em território sujeito à soberania ou autoridade de outro Estado, seja ou não contratante.

A responsabilidade do transportador aéreo prevista na Convenção de Varsóvia é subjetiva, com culpa presumida, conforme se extrai dos dispositivos transcritos: "Responde o transportador pelo dano ocasionado por morte, ferimento ou qualquer outra lesão corpórea sofrida pelo viajante, desde que o acidente, que causou o dano, haja ocorrido a bordo de aeronave, ou no curso de quaisquer operações de embarque ou desembarque" (art. 17). "O transportador não será responsável se provar que tomou, e tomaram os seus prepostos, todas as medidas necessárias para que não se produzisse o dano, ou que lhe não foi possível tomá-las" (art. 20, I). A jurisprudência tem interpretado esses dispositivos de forma a atribuir ao transportador aéreo responsabilidade objetiva não elidível nem pela força maior. O fato do passageiro, concorrente ou exclusivo, pode atenuar ou elidir a responsabilidade do transportador (art. 21).

A peculiaridade da responsabilidade do transportador aéreo é a indenização limitada a um valor máximo consoante o art. 22, n. I, da referida Convenção, valor esse, que tem sido objeto de inúmeras divergências e dificuldades na sua fixação. A limitação, todavia, deixa de existir, passando a ser fixada com base no Direito Comum, se houver dolo ou culpa grave por parte do transportador, consoante o art. 25, n. I, da festejada Convenção. O ônus da prova, nesse caso, caberá a vítima.

Após a vigência do Código do Consumidor tornou-se polêmica essa indenização limitada. De um lado há os que sustentam que, sendo integral o dever de indenizar estatuído pelo Código (art. 6º, VI), as hipóteses de responsabilidade civil tarifada, em sede de acidente de consumo, restaram afastadas. De outro lado, os cultores do Direito Aeronáutico defendem o princípio de que, no conflito entre a lei interna e o tratado, prevalece o tratado, pelo que o Código do Consumidor em nada poderia alterar a Convenção de Varsóvia.

Em que pese os entendimento em contrário, entendemos ser mais acertada a primeira posição. A Convenção, embora tenha aplicabilidade no Direito Interno brasileiro, não se sobrepõe às leis do País. No caso de conflito entre tratado e lei posterior, prevalece esta última, por representar a última vontade do legislador, embora o descumprimento no plano internacional possa acarretar conseqüências.

A cláusula de não indenizar, ou destinada a estabelecer limite inferior ao fixado na Convenção, é expressamente considerada nula de pleno direito pelo seu art. 23.

No transporte aéreo realizado exclusivamente dentro do território nacional é disciplinado pelo Código Brasileiro de Aeronáutica, cujos princípios, no que respeita a responsabilidade do transportador, não divergem daqueles consagrados pela Convenção de Varsóvia.

À responsabilidade contratual do transportador aéreo está disciplinada no art. 256, do Código Brasileiro de Aeronáutica. A presunção de responsabilidade estabelecida nesse dispositivo é tão forte que só pode ser elidida "se a morte ou lesão resultar, exclusivamente, do estado de saúde do passageiro, ou se o acidente decorrer de sua culpa exclusiva" (art. 256, § 1º, "a"). Não se fala, portanto, em fortuito interno ou externo, nem em fato exclusivo de terceiro.

O Código do Consumidor derrogou os dispositivos que estabeleciam responsabilidade limitada para as empresas de transporte aéreo. Como prestadores de serviço que são, estão submetidas ao regime daquele Código (art 3º, §2º e art. 6º, X) que estabelece responsabilidade objetiva integral.

A responsabilidade limitada só é admitida, em situações justificáveis, nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, conforme o art. 51, I, parte final, jamais entre o fornecedor e o consumidor pessoa física.

O Código do Consumidor, em observância a preceito constitucional (art. 5º. XXXII, CF), veio para implantar uma Política Nacional de Relações de Consumo, vale dizer, estabeleceu uma ordem jurídica uniforme e geral destinada a tutelar os interesses patrimoniais e morais de todos os consumidores, bem como o respeito à sua dignidade, saúde e segurança (art. 4º, CDC).

Tratando-se de relações de consumo, o Código do Consumidor é lei própria, específica e exclusiva e, em razão disso, na matéria de sua competência específica, nenhuma outra lei pode a ele se sobrepor ou subsistir. Pode apenas coexistir naquilo que com ele não for incompatível.

"Temos que convir que o transporte terrestre e aéreo representa, sem dúvida, a maior fatia no mercado brasileiro de serviços, envolvendo milhões de consumidores diariamente, de sorte que excluir da incidência do Código do Consumidor essa área da atividade do mercado de consumo importará mutilar aquele diploma legal a título de manter anacrônicos privilégios". (Sérgio Cavallieri Filho, in Programa de Responsabilidade Civil, Malheiros).


10 – POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL:

RESPONSABILIDADE CIVIL. CONTRATO DE TRANSPORTE. PROVA INDIRETA. DANOS MATERIAIS E MORAL.

1- As regras de experiência comum fixam-se diante dos procedimentos ordinários da sociedade (art. 335 do CPC) e, aliadas à prova indireta, servem à formação segura do convencimento do Juízo sobre a existência de um fato. 2- Caracteriza-se o descumprimento da obrigação do transportador, ou o defeito do seu serviço, e enseja o dever de indenizar os danos material e moral daí decorrentes quando, em virtude da colisão do ônibus em que era transportado, o passageiro não chega incólume ao seu destino. 3- Se da incapacidade decorrente da tesão física advinda com o acidente não resultou uma efetiva perda patrimonial, porque o passageiro estava em férias e não perdeu rendimento do trabalho, bem como não realizou gastos com médico ou medicamentos, ínexiste dano material a ser indenizado. 4- Mas esse estado físico do passageiro, ferido e total e temporariamente incapacitado durante o período de suas férias, é motivo de constrangimento capaz de atentar contra a sua dignidade e caracteriza o dano moral. (TJRJ. APELACAO CIVEL Nº 2000.001.17471, Reg. em 30/03/2001, QUINTA CAMARA CIVEL, Rel. DES. MILTON FERNANDES DE SOUZA, julgado em 20/02/2001)

RESPONSABILIDADE CIVIL - INDENIZAÇÃO - ACIDENTE FERROVIÁRIO – MORTE DE MENOR - CULPA PRESUMIDA - ART. 17 - DO DECRETO Nº 2.681/12. I - Não tendo a empresa ferroviária provada a culpa da vítima, nem assim elidido sua responsabilidade, comprovando caso fortuito ou força maior, não se exonera da obrigação de indenizar pela morte do menor. II - É dever da transportadora preservar a integridade física do passageiro e transportá-lo com segurança até o seu destino.

III - Recurso conhecido e provido. (RESP 217528/SP RECURSO ESPECIAL (1999/0047697-2) DJ 09/04/2001 Relator(a) Min. WALDEMAR ZVEITER Data da Decisão 15/02/2001 Órgão Julgador TERCEIRA TURMA - STJ)

RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE SOFRIDO POR PASSAGEIRO. PRESCRIÇÃO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. FATO DE TERCEIRO. Liquidação de sentença. Limite temporal do pensionamento. Dano moral. Lucros cessantes. Seguro obrigatório. Precedentes da Corte. 1. O art. 27 do Código de Defesa do Consumidor não alcança o prazo prescricional em curso quando do ajuizamento da ação, não se aplicando o Código aos fatos anteriores a sua entrada em vigor. 2. O fato de terceiro que não exonera de responsabilidade o transportador, como alinhado em precedentes da Corte, "é aquele que com o transporte guarda conexidade, inserindo-se nos riscos próprios do deslocamento. O mesmo não se verifica quando intervenha fato inteiramente estranho, devendo-se o dano a causa alheia ao transporte em si". 3. Na forma de precedente, nas "ações por ato ilícito, o valor estipulado na inicial, como estimativa da indenização pleiteada, necessariamente, não constitui certeza do quantum a ressarcir, vez que a obrigação do réu, causador do dano, é de valor abstrato, que depende, quase sempre, de estimativas e de arbitramento judicial. Montante de indenização há de ser apurado mediante liquidação de sentença". 4. Já decidiu a Corte que a "vítima do acidente se viva, há de ser pensionada enquanto viver, não se lhe aplicando o limite de idade para a pensão". 5. O dano moral resulta do próprio evento, que, segundo o Acórdão recorrido, acarretou trauma psíquico, gerando a obrigação de indenizar a esse título. 6. O valor do dano moral, como reiterado em diversos precedentes, deve ficar ao prudente critério do Juiz, considerando as circunstâncias concretas do caso. 7. Se a vítima não exercia trabalho assalariado e permaneceu durante certo tempo com incapacidade absoluta, a verba relativa aos lucros cessantes é devida. 8. O valor do seguro obrigatório, como assentado pela Corte, deve ser descontado da indenização fixada. 9. Recurso especial conhecido e provido, em parte. (RESP 174382/SP ; RECURSO ESPECIAL (1998/0036584-2) DJ 13/12/1999 LEXJTACSP VOL.:00182 PG:00640 RSTJ VOL.:00130 PG:00273 Relator(a) Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, Data da Decisão 05/10/1999 Órgão Julgador TERCEIRA TURMA – STJ) RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE AÉREO. CULPA GRAVE DO TRANSPORTADOR. PROVA. - A culpa grave do transportador não se presume; deve ser comprovada por quem a alega. Recurso especial não conhecido. (RESP 232241/SP ; RECURSO ESPECIAL(1999/0086627-4) DJ 19/03/2001 Relator(a) Min. BARROS MONTEIRO Data da Decisão 05/12/2000 Órgão Julgador QUARTA TURMA – STJ)

CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE COLETIVO DE PASSAGEIROS.

O transportador só responde pelos danos resultantes de fatos conexos com o serviço que presta, mas nestes se inclui o assalto, propiciado pela parada do veículo em ponto irregular, de que resultou vítima com danos graves. (RESP 200808/RJ ; RECURSO ESPECIAL (1999/0002888-0) DJ 12/02/2001 Relator(a) Min. ARI PARGENDLER (1104) Data da Decisão 16/11/2000 Órgão Julgador TERCEIRA TURMA – STJ)

DIREITO CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. TRANSPORTE RODOVIÁRIO. ROUBO OCORRIDO DENTRO DO ÔNIBUS. INEVITABILIDADE. FORÇA MAIOR. EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR. PRECEDENTES. RECURSO DESPROVIDO. I - A presunção de culpa da transportadora comporta desconstituição mediante prova da ocorrência de força maior, decorrente de roubo, indemonstrada a desatenção da ré quanto às cautelas e precauções normais ao cumprimento do contrato de transporte.

II - Na lição de Clóvis, caso fortuito é "o acidente produzido por força física ininteligente, em condições que não podiam ser previstas pelas partes", enquanto a força maior é "o fato de terceiro, que criou, para a inexecução da obrigação, um obstáculo, que a boa vontade do devedor não pode vencer", com a observação de que o traço que os caracteriza não é a imprevisibilidade, mas a inevitabilidade. RESP 264589/RJ ; RECURSO ESPECIAL (2000/0062816-6) DJ 18/12/2000 Relator(a) Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA Data da Decisão 14/11/2000 Órgão Julgador QUARTA TURMA – STJ)

RESPONSABILIDADE CIVIL. TEORIA DO RISCO (PRESUNÇÃO DE CULPA). ATIVIDADE PERIGOSA (TRANSPORTADOR DE VALORES). ACIDENTE DE TRÂNSITO (ATROPELAMENTO DE TERCEIRO). INEXISTÊNCIA DE CULPA DA VÍTIMA (INDENIZAÇÃO). 1. É responsável aquele que causa dano a terceiro no exercício de atividade perigosa, sem culpa da vítima. 2. Ultimamente vem conquistando espaço o princípio que se assenta na teoria do risco, ou do exercício de atividade perigosa, daí há de se entender que aquele que desenvolve tal atividade responderá pelo dano causado. 3. A atividade de transporte de valores cria um risco para terceiros. "Neste quadro", conforme o acórdão estadual, "não parece razoável mandar a família do pedestre atropelado reclamar, dos autores não identificados do latrocínio, a indenização devida, quando a vítima foi morta pelo veículo da ré, que explora atividade sabidamente perigosa, com o fim de lucro". Inexistência de caso fortuito ou força maior. 4. Recurso especial, quanto à questão principal, fundado no art. 1.058 e seu parágrafo único do Cód. Civil, de que a Turma não conheceu, por maioria de votos. (RESP 185659/SP ; RECURSO ESPECIAL (1998/0060138-4) DJ 18/09/2000 Relator(a) Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO Rel. p/ Acórdão Min. NILSON NAVES Data da Decisão 26/06/2000 Órgão Julgador TERCEIRA TURMA –STJ) CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE COLETIVO. "A responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com o passageiro, não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva" (STF - Súmula nº 187). Recurso especial conhecido e provido. RESP 122708/SP ; RECURSO ESPECIAL(1997/0016705-4) DJ 04/09/2000 Relator(a) Min. ARI PARGENDLER Data da Decisão 06/06/2000 Órgão Julgador TERCEIRA TURMA – STJ) CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ACIDENTE EM COLETIVO PROVOCADO POR COMBUSTÃO DE MATERIAL EXPLOSIVO (FOGOS DE ARTIFÍCIO) PORTADOS POR PASSAGEIRA. LESÕES CAUSADAS EM OUTROS PASSAGEIROS. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA PERMISSIONÁRIA DO TRANSPORTE PÚBLICO. NEGLIGÊNCIA DO PREPOSTO. ATO ILÍCITO. CONFIGURAÇÃO. RISCO DA ATIVIDADE ECONÔMICA. CASO FORTUITO NÃO CARACTERIZADO. CC, ART. 1.521. CDC, ART. 22. I. As empresas permissionárias de transporte público são obrigadas a conduzir, com segurança, os passageiros aos locais de destino da linha que explora, o que resulta na sua responsabilidade pela ocorrência de incêndio ocorrido no interior do coletivo derivado da combustão de material explosivo carregado por passageira que adentrou o ônibus conduzindo pacote de volume expressivo, cujo ingresso se deu, excepcionalmente, pela porta da frente, mediante prévia autorização do motorista. II. Fato previsível e inerente à atividade empresarial, que deve ser avaliado caso a caso, não se limitando a responsabilidade do transportador exclusivamente àqueles eventos comumente verificados, mas a todos aqueles que se possa esperar como possíveis ou previsíveis de acontecer, dentro do amplo leque de variáveis inerentes ao meio, interno ou externo, em que trafega o coletivo, resultando no afastamento da hipótese de caso fortuito. III. Recurso especial conhecido e parcialmente provido, para restabelecer a condenação imposta pelo Tribunal a quo no grau de apelação, reformando-se a decisão tomada pela Corte nos embargos infringentes. Preclusão da pretensão das autoras de revigoramento da sentença, eis que não interpuseram, na época própria, recurso especial especificamente impugnando a redução das verbas condenatórias. (RESP 168985/RJ ; RECURSO ESPECIAL (1998/0022163-8) DJ 21/08/2000 Relator(a) Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR Data da Decisão 23/05/2000 Órgão Julgador QUARTA TURMA – STJ)

RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR. TRANSPORTE APARENTEMENTE GRATUITO. INCIDENCIA DAS REGRAS DO CONTRATO DE TRANSPORTES. PRESUNCAO DE RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR.

Indenização por danos materiais e morais corretamente fixada. Quando o transportador tem algum interesse patrimonial no transporte, ainda que indireto, como ocorre no caso do transporte oferecido pelo patrão aos empregados para levá-los ao trabalho, não há que se falar em transporte benévolo por isso que a gratuidade e´ meramente aparente. Nesse caso a responsabilidade do transportador e´ aquela decorrente das regras do contrato de transporte. Desprovimento do recurso. (TMA) (TJRJ. APELACAO CIVEL Nº 2000.001.20191, Reg. em 29/05/2001 CAPITAL, SEGUNDA CAMARA CIVEL. Unanime. Rel. DES. SERGIO CAVALIERI FILHO Julgado em 20/03/2001 )

RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTADOR. LIMITAÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CONVENÇÃO DE VARSÓRVIA.

Editada lei específica, em atenção à Constituição (Art. 5º, XXXII), destinada a tutelar os direitos do consumidor, e mostrando-se irrecusável o reconhecimento da existência de relação de consumo, suas disposições devem prevalecer. Havendo antinomia, o previsto em tratado perde eficácia, prevalecendo a lei interna posterior que se revela com ele incompatível. Recurso conhecido e não provido. (RESP 169000/RJ; RECURSO ESPECIAL (1998/0022178-6)DJ 14/08/2000 Relator(a) Min. PAULO COSTA LEITE Data da Decisão 04/04/2000 Órgão Julgador TERCEIRA TURMA – STJ)

RESPONSABILIDADE CIVIL. ESTRADA DE FERRO. O arremesso de pedra, de fora do trem, produtor de lesão corporal em passageiro, é ato de terceiro que não implica a responsabilidade civil do transportador.

Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. (RESP 108757/SP ; RECURSO ESPECIAL (1996/0060104-6) DJ 15/05/2000 Relator(a) Min. FONTES DE ALENCAR Data da Decisão 21/03/2000 Órgão Julgador QUARTA TURMA – STJ)

RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE DE PASSAGEIRO. ATO DE TERCEIRO. CONTEÚDO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. - A transportadora responde pela indenização do dano sofrido pelo passageiro que desce do ônibus avariado para auxiliar o motorista e é atropelado por outro veículo. Controvérsia a respeito da extensão da responsabilidade do transportador que não se estabelece no caso dos autos. - O acórdão que julga procedente a ação deve definir os danos indenizáveis e o critério de correção. - Recurso conhecido em parte e provido. (RESP 246294/RJ ; RECURSO ESPECIAL(2000/0007033-5) DJ 12/06/2000 Relator(a) Min. RUY ROSADO DE AGUIAR Data da Decisão 25/04/2000 Órgão Julgador QUARTA TURMA – STJ) RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE. CONTRATO COM A EMPREGADORA DA VÍTIMA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. O transportador que celebra contrato com empresa para o transporte de seus empregados, não fornece ao passageiro um transporte gratuito e tem a obrigação de levar a viagem a bom termo, obrigação que assume com a pessoa que transporta, pouco importando quem forneceu o numerário para o pagamento da passagem. Deferida a indenização a título de responsabilidade contratual, os precedentes desta Turma deferem honorários calculados sobre as prestações vencidas e uma anualidade das vincendas.

Recurso conhecido em parte e nessa parte provido. (RESP 238676/RJ ; RECURSO ESPECIAL (1999/0104041-8) DJ 10/04/2000, RSTJ VOL.:00136, PG:00386 Relator(a) Min. RUY ROSADO DE AGUIAR Data da Decisão 08/02/2000 Órgão Julgador QUARTA TURMA – STJ)

RESPONSABILIDADE CIVIL – ASSALTO EM COLETIVO, CAUSANDO A MORTE DE UM PASSAGEIRO.

Caso fortuito. O assalto em coletivo em que um dos meliantes desfere tiros atingindo e ferindo passageiro no interior do coletivo, exime o transportador da responsabilidade pelo dano. A responsabilidade do transportador restringe-se a segurança do transporte, não abrangendo fato de terceiro, estranho ao contrato, imprevisível e inevitável, equiparado a caso fortuito. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Apelo provido. Sentença reformada. (APELACAO CIVEL Nº 70000953190, QUINTA CAMARA CIVEL, TRIBUNAL DE JUSTICA DO RS, RELATOR: DES. MARCO AURELIO DOS SANTOS CAMINHA, JULGADO EM 23/11/2000)

RESPONSABILIDADE CIVIL. ROUBO PRATICADO NO INTERIOR DE ÔNIBUS. CASO FORTUITO. EXCLUSÃO DO DEVER DE INDENIZAR.

1. O roubo praticado no interior de ônibus pode ser definido como caso fortuito, porque é fato imprevisível que se encontra desligado da vontade do sujeito passivo. 2. Por ser caso fortuito, ocorrendo sem qualquer culpa do agente transportador, é considerado causa de exclusão da responsabilidade civil deste pelos danos materiais ou morais eventualmente ocasionados nos passageiros. 3. Está consagrado em nosso direito o princípio da exoneração do devedor pela impossibilidade de cumprir a obrigação sem culpa sua. Assim sendo, o sujeito passivo do assalto, ocorrido no interior de ônibus de transporte público, não poderá exigir indenização da empresa transportadora pelos prejuízos decorrentes do caso fortuito, consoante o disposto no art. 1.058 do código civil, além do que não há causalidade entre o roubo e o contrato de transporte, sendo da responsabilidade do estado o oferecimento de segurança pública. (APELAÇÃO CÍVEL ACJ85999 DF Reg. em 24/08/1999 Órgão Julgador : Primeira Turma do T.J.D.F. Relator : ROBERVAL CASEMIRO BELINATI Publicação no DJU: 08/10/1999 Pág. : 149)

RESPONSABILIDADE CIVIL - ARREMESSO DE PEDRA PARA O INTERIOR DE UM COLETIVO, CAUSANDO LESOES EM UM PASSAGEIRO.

O arremesso de pedra efetuado por pessoa que se encontrava as margens de rodovia, atingindo e ferindo passageiro no interior do coletivo, exime o transportador de responsabilidade pelo dano. A responsabilidade do transportador restringe-se a segurança do transporte, não abrangendo fato de terceiro, estranho ao contrato, imprevisível e inevitável, equiparado a caso fortuito. Na hipótese, desaparece qualquer relação da causalidade entre o comportamento do indigitado responsável pelo arremesso da pedra e os danos sofridos pelo passageiro, não havendo que se falar em indenização devida pelo transportador. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Apelo improvido. (APC Nº 598581833, QUINTA CAMARA CIVEL, TJRS, RELATOR: DES. MARCO AURELIO DOS SANTOS CAMINHA, JULGADO EM 14/10/1999)

REPARACAO DE DANOS. TRANSPORTE RODOVIARIO DE PASSAGEIROS. ACIDENTE DE TRANSITO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA.

Passageira que desembarcava de ônibus, movimentado antes de ela pisar o solo, o que fez com que viesse a cair, passando o veículo sobre suas pernas. Incontroversa a existência do fato e o contrato de transporte, a hipótese e de responsabilidade civil contratual, sendo objetiva a responsabilidade do transportador, ao qual se aplica, por analogia, o decreto 2681/12, que regula o transporte ferroviário. Quantum indenizatório para danos morais e materiais fixados em valores condizentes com a condição social e econômica da autora, total e permanentemente incapacitada para o trabalho. Sentença confirmada. (APC Nº 198087033, DECIMA OITAVA CAMARA CIVEL, TJRS, RELATOR: DES. CLAUDIO AUGUSTO ROSA LOPES NUNES, JULGADO EM 07/10/1999)

ACIDENTE DE TRÂNSITO. DANOS MORAIS E MATERIAIS. PERDA DE DOIS DEDOS. DEBILIDADE PERMANENTE DO MEMBRO E FUNÇÃO.

Permissionária do serviço público. Transporte gratuito de passageiros. Responsabilidade objetiva. art. 1521, inciso III do CC, 17 e 21 da lei 2.681/1912 e parágrafo 6º, art. 37 da Constituição Federal, Decreto 2.681/1912. Caso Fortuito e Força Maior não configurada - culpa da ré - pensionamento. Vítima. Rendimentos não provados. Obrigação de fazer o passageiro chegar incólume ao destino - verbas honorárias. Ônibus que transporta crianças, gratuitamente, e vem a capotar contra o meio fio, causando a mutilação de dois dedos da mão esquerda de passageira adolescente. Para a vítima o seu prejuízo se resolve através da responsabilidade objetiva e presumida do transportador, permissionário do serviço público, não elidida pela gratuidade do serviço oferecido e agravada pela concorrência de culpa do motorista preposto da empresa. Defere-se indenização por dano material pela deformidade permanente correspondente a perda dos dedos da vítima e a redução de sua capacidade laborativa com o pensionamento fixado no percentual de 50% (cinqüenta por cento) sobre um salário mínimo e meio, vez que a autora à época do sinistro não auferia renda própria e pela dor sofrida dá-se o dano moral em valor estipulado em R$ 10.000,00 (dez mil reais). Obriga-se à ré à constituição do capital garantido e fixa-se a honorária em 10% (dez por cento) do total necessário para a composição do dano. (APELAÇÃO CÍVEL APC5009798 DF Reg. em19/04/1999, 2ª Turma Cível Relator: NANCY ANDRIGHI Publicação no DJU: 16/06/1999 Pág. : 39)

RESPONSABILIDADE CIVIL. CONTRATO DE TRANSPORTE. ACIDENTE DE TRANSITO.

Aquele que contrata a condução de passageiros, mediante paga, tem o dever de conduzi-los, indenes, ao destino. Responsabilidade objetiva. Decreto n. 2681/1912. A indenização deve abranger os danos materiais provados, os lucros cessantes e o dano moral, tudo na medida dos prejuízos da parte. Laudo pericial, base segura para o arbitramento da pensão vitalícia. Apelos improvidos. (APC Nº 599116597, DECIMA SEGUNDA CAMARA CIVEL, TJRS, RELATOR: DES. ANA MARIA NEDEL SCALZILLI, JULGADO EM 17/08/2000)

RESPONSABILIDADE CIVIL. CONTRATO DE TRANSPORTE. ACIDENTE DE TRANSITO.

Aquele que contrata a condução de passageiros, mediante paga, tem o dever de conduzi-los, indenes, ao destino. Responsabilidade objetiva. Decreto n. 2681/1912. A indenização deve abranger os danos materiais provados, os lucros cessantes e o dano moral, tudo na medida dos prejuízos da parte. Laudo pericial, base segura para o arbitramento da pensão vitalícia. Apelos improvidos. (APC Nº 599116597, DECIMA SEGUNDA CAMARA CIVEL, TJRS, RELATOR: DES. ANA MARIA NEDEL SCALZILLI, JULGADO EM 17/08/2000)


CONCLUSÃO

Por todo exporto, pode-se concluir.que:

1 – A responsabilidade civil, no ordenamento jurídico pátrio, é de duas espécies: objetiva, sem a necessidade da comprovação de culpa e Subjetiva, necessitando esta da comprovação da culpa do agente. Esta última se possui uma subdivisão comportando a responsabilidade civil com culpa presumida, vale dizer, é necessário a presença da culpa, entretanto, inverte-se o ônus da prova, cabendo ao réu provar que não agiu com culpa.

2 – A responsabilidade civil do transportador poderá ser examinada sob três aspectos distintos: em relação aos seus empregados, em relação a terceiros e em relação aos passageiros.

Com relação a terceiros a responsabilidade do transportador é extracontratual. Não há entre eles nenhuma relação jurídica contratual; são estranhos até o momento em que tem lugar o acidente, dele decorrendo o vínculo jurídico ensejador do dever de indenizar. O art. 37, § 6º, da Constituição Federal dispõe ser esta responsabilidade objetiva, fundada no risco administrativo. Esse dispositivo constitucional só se aplica à responsabilidade extracontratual porque o texto fala em terceiros e terceiro é quem não tem relação jurídica contratual com o causador do dano.

A responsabilidade em relação aos empregados será fundada no acidente de trabalho, uma vez que há entre a empresa e o empregado uma relação contratual trabalhista. A indenização deverá ser pleiteada junto ao INSS. Mas, havendo dolo ou culpa do empregador, poderá ser também pleiteada uma indenização de Direito Comum, com base no art. 7º, XXVIII, da Constituição.

Apenas em relação ao passageiro a responsabilidade do transportador será contratual, fundada no contrato de transporte, aspecto que passaremos a examinar com maior vagar.

3 – A responsabilidade do transportador em relação ao passageiro é contratual e seu aspecto mais relevante é a cláusula de incolumidade, através da qual o transportador se obriga a levar o passageiro incólume ao seu destino, portanto, é um contrato de resultado, de fim. É, ainda, um contrato consensual, bilateral, oneroso e comutativo, posto que para a sua celebração basta o simples encontro de vontades; cria direitos e obrigações para ambas as partes e há um equilíbrio entre as respectivas prestações.

4 – A exoneração da responsabilidade civil do transportador somente ocorrerá nos casos em que não restar provado o nexo causal entre a conduta e a lesão, no caso de fato exclusivo do passageiro. Tão forte é a presunção de responsabilidade do transportador, que nem mesmo o fortuito interno o exonera do dever de indenizar; só o fortuito externo, isto é, o fato estranho à empresa, sem ligação alguma com a organização do negócio exclui a responsabilidade do transportador.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GALO, Fabrini Muniz. Responsabilidade civil do transportador no transporte de pessoas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2297. Acesso em: 19 abr. 2024.