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Teorias informativas do direito de ação: um estudo comparativo

Teorias informativas do direito de ação: um estudo comparativo

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O tema da natureza do direito de ação, como vimos, permanece sem resposta. A mais contundente crítica elaborada pela doutrina pátria em relação à teoria eclética diz respeito, justamente, à própria ideia de impor condições à ação.

Resumo: Discorre sobre as teorias informativas do direito de ação. Pondera quanto à existência desse direito como natural decorrência da formação do Estado e da vedação da autotutela dos direitos. Tece breves considerações em relação à teoria imanentista ou civilista da ação. Relaciona essa teoria ao estado de desenvolvimento científico do direito processual até o século XIX. Prossegue estudando a polêmica ocorrida entre os juristas Bernhard Windscheid e Theodor Muther, bem como sua contribuição para a separação do direito de ação do plano material. Analisa a teoria da ação abstrata, idealizada por Alexander Plósz e Heinrich Degenkolb. Avalia a teoria Adolf Wach e a divisão do direito à tutela jurídica em uma pretensão de direito material e outra processual. Estuda o posicionamento de Giuseppe Chiovenda, que concebia a ação como um direito potestativo em face do adversário e concreto, ou seja, dependente da prolação de uma sentença de mérito favorável. Mostra, com brevidade, outras teorias da ação, como as de Eduardo Couture e Lodovico Mortara. Disseca com maior profundidade a corrente dogmática criada por Enrico Liebman, a teoria eclética, apreciando-a criticamente e verificando os inconvenientes que a mesma carrega. Averigua a sua recepção por parte do Código de Processo Civil, bem como o tratamento legal dado à matéria e as incoerências do Direito Positivo pátrio frente aos fundamentos da teoria eclética.

Palavras-chave: Direito de ação. Teorias Informativas. Teoria Eclética. Condições da Ação.

Sumário: 1. Introdução. 2. A teoria imanentista da ação e a posterior separação dos planos processual e material. 2.1. A polêmica entre Windscheid e Muther: a autonomia da ação. 3. Adolf Wach: o caráter concreto da ação. 4. Degenkolb, Plósz, Mortara e Couture: a ação abstrata. 4.1. A ação abstrata e o abuso de direito. 5. Giuseppe Chiovenda: a ação como direito potestativo concreto. 6. A teoria eclética de Enrico Liebman e as condições da ação. 6.1. A legitimidade das partes. 6.2. O interesse de agir. 6.3. A possibilidade jurídica do pedido. 7. Apreciação crítica da teoria eclética de Liebman. 8. Conclusão. Referências.


1. INTRODUÇÃO

Uma das principais características do agrupamento de indivíduos em uma sociedade civil, encabeçada e dirigida por um Estado, é a renúncia efetuada por cada um de seus membros ao direito de, utilizando-se de força própria, resolver os conflitos de interesses que eventualmente surjam com os demais. Somente o Estado detém o monopólio legítimo da coação física, ainda que limitado pelo Direito; cabe exclusivamente a ele solucionar, de forma impositiva e definitiva, as inevitáveis contendas que se manifestam no meio social.

Sobre esse tema já teorizavam os escritores clássicos da Ciência Política; o inglês Thomas Hobbes, em seu Leviatã, firmou o entendimento de que os homens, no “estado de natureza” (isto é, longe da organização estatal), não seriam capazes de encontrar saídas pacíficas e razoáveis para seus conflitos. A consequência para tanto consistiria na degradação do convívio social e na constante insegurança, vigorando a vontade daquele que tivesse maior poder de violência física. Coube, portanto, ao Estado (representado pela figura do monstro bíblico Leviatã) o domínio dos meios necessários à resolução das disputas entre os indivíduos.

Semelhante enfoque era dado pelo compatriota de Hobbes, John Locke; este último, porém, notadamente influenciado pelo pensamento iluminista e liberal (o verdadeiro zeitgeist da Europa dos séculos XVII e XVIII), entendia que a renúncia ao direito de autotutela dos interesses privados em nome do Estado tinha por finalidade a proteção das liberdades individuais[1].

Como natural decorrência do exposto nos parágrafos anteriores – bem como da inércia da jurisdição, que não pode agir de ofício, sem ser provocada (MOLOT, 2003, p. 64) – deriva a ideia de que os particulares devam possuir algum meio para recorrer ao Estado e clamar por sua atuação na resolução dos conflitos. A renúncia à autotutela dos direitos não deixou os indivíduos desamparados no que tange à efetivação de suas pretensões; isso ameaçaria a lógica da própria existência do Estado. Tal renúncia vem necessariamente acompanhada de um mecanismo para provocar a jurisdição estatal, com o objetivo dirimir as contendas e promover a pacificação social: o direito de ação.

Veja-se, a propósito, o que diz Márcia Zollinger (2006, p. 121) sobre o tema:

“O direito de ação [...] resulta não apenas do texto constitucional, mas (i) do monopólio da coação legítima por parte do Estado; (ii) do dever de manutenção da paz jurídica num determinado território; e (iii) da proibição de autodefesa a não ser em situações excepcionais previstas em lei”.

O tema da natureza jurídica do direito de ação é, sem dúvida, um dos mais áridos e controversos da Teoria Geral do Processo. A elaboração das correntes doutrinárias que procuraram explicá-lo ocorreu de forma conexa e paralela à própria evolução do Direito Processual enquanto ciência (considerando-se, aqui, o grau de separação científica entre ele e o plano jurídico material). Pouco consenso existe entre as diversas teorias referentes ao tema, e a adoção de uma delas – a de Enrico Liebman – pelo Direito Positivo pátrio restou incapaz de pacificar o assunto.

As páginas que se seguem procurarão expor as principais doutrinas que tratam desse complexo assunto, sem pretensões de analisar todas as existentes – o que, por certo, seria uma tarefa de natureza hercúlea –, trazendo também a posição adotada pelo Código de Processo Civil de 1973 e realizando sobre ela uma breve análise crítica.

Passemos ao estudo.


2. A TEORIA IMANENTISTA DA AÇÃO E A POSTERIOR SEPARAÇÃO DOS PLANOS PROCESSUAL E MATERIAL

A teoria imanentista ou civilista do direito de ação remonta à tradição romana e manteve-se praticamente unânime na doutrina processualista até a segunda metade do século XIX. Esse período foi, aliás, o único em que houve consenso doutrinário sobre a natureza jurídica da ação, que era vista, basicamente, como uma derivação do próprio direito subjetivo a que se reclama proteção. Era plenamente aceita, no âmbito científico, a definição dada ao tema pelo romanista Celso, para quem “a ação seria o direito de pedir em juízo o que nos é devido” (apud CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER, 2012, p. 279).

Apesar da geral aquiescência a essa premissa, é possível reconhecer pequenas divergências científicas sobre o seu modo de manifestação. Alguns autores, como o célebre reitor da Universidade Humboldt de Berlim, Friedrich Savigny, entendiam que a ação era um direito novo, oriundo da transformação sofrida pelo direito material após ser lesionado, e com o potencial de invocar a tutela jurisdicional contra o violador. O referido pensador elaborou três preceitos básicos que disciplinavam a relação entre a ação e o direito material: (i) não há direito sem ação que o assegure, (ii) não há ação sem direito e (iii) a ação acompanha a natureza do direito.

A afirmação de que a ação constitui novo direito, por si só, não é capaz de levar à conclusão de que o jurista alemão lhe reconheceu autonomia, muito pelo contrário. Ao condicionar o surgimento da ação à violação do direito material, Savigny praticamente fundiu os dois conceitos, realizando apenas uma pequena distinção formal entre eles.

Outros estudiosos, seguindo Demolombe (apud MARINONI, 2012, p. 162), enxergavam a ação como o direito material colocado em movimento, forte o suficiente para ingressar em juízo e prezar pela sua reparação; pensamentos diversos, ainda, afirmavam que ação e direito material são simplesmente o mesmo instituto visualizado de maneiras diferentes.

Não há, em verdade, diferença substancial entre essas correntes dogmáticas; elas distinguem-se, basicamente, pelo modo como enunciam a mesma realidade, a mesma forma de entender o instituto jurídico em questão. Ora, dizer que a ação é o direito material posto em movimento não difere de afirmar de que ela é o direito de perseguir em juízo aquilo que se deve. Inspiradas fortemente pelo estudo do Direito romano, todas essas ilações têm por fundamento a profunda correlação a ação e o direito que se reclama, dogma absoluto do Direito até meados do século XIX. Confira-se, nesse sentido, a precisa lição de Luiz Amorim (1977, p. 216): “se não havia perfeita identidade entre a ação e o direito subjetivo material, existia ao menos estreita e íntima vinculação entre os dois conceitos”.

Elaborado na época em que imperava essa vetusta doutrina, o Código Civil de 1916 evidencia grande aproximação à teoria imanentista (JANSEN, 2004) [2]; veja-se, a propósito, o art. 75 da Codificação, que deixa clara sua tendência à identificação entre o direito material e a ação ao afirmar que “a todo direito corresponde uma ação, que o assegura”. Saliente-se, também, que o tema da ação é tratado na mesma seção[3] que disciplina a aquisição do direito material, de forma praticamente conjunta, demonstrando com clareza ainda maior a simpatia do legislador de 1916 pela teoria imanentista.

A formação dessa corrente científica foi profundamente influenciada pelo estágio de desenvolvimento do Direito Processual à época; como bem argumentam Cintra, Dinamarco e Grinover (2012, p. 51), a inexistência do reconhecimento de autonomia às relações jurídicas processuais em relação às materiais impossibilitava que se considerasse a ação com um instituto autônomo do direito substancial a que se relacionava. O próprio Direito Processual, na verdade, não era visto e estudado como uma ciência diversa do Direito Material; sua posição enciclopédica era totalmente abrangida por este último. Impossível, portanto, reconhecer autonomia à ação.

Somente na segunda metade do século XIX é que se procedeu a uma revisão das tradicionais concepções – não só as relativas ao direito de ação, mas ao Direito Processual como um todo. Extremamente relevantes foram os estudos dos jurisconsultos Bernhard Windscheid e Theodor Muther, que através do debate científico possibilitaram uma significante evolução na compreensão da natureza da ação.

2.1 A POLÊMICA ENTRE WINDSCHEID E MUTHER: A AUTONOMIA DA AÇÃO

Em 1856, o jurista alemão Bernhard Windscheid deu início ao processo de reelaboração da doutrina dominante referente à natureza jurídica da ação, através do estudo do conceito da ação romana – a actio – em oposição ao direito de acionar o Estado pela via judicial – o klagerecht. Todo o raciocínio da teoria civilista, como expusemos no tópico anterior, tomava por fundamento a interpretação da actio romana, identificando-a com o direito material que, uma vez lesionado, tornava-se capaz de invocar a intervenção do Estado sobre a relação jurídica.

Como bem salienta Khaled Júnior (2010, p. 101), a intenção de Windscheid era verificar se existia correspondência entre os conceitos da actio romana e ação do Direito germânico de sua época, a klage – ou se tal associação não era possível. Ou seja, a ideia era analisar, no sistema alemão do século XIX, o que significaria a actio romana e se, diante desse significado, seria justificável a teoria imanentista da ação.

O jurista partiu da premissa de que o ordenamento jurídico romano era um sistema baseado em pretensões judicialmente exigíveis, e não em direitos (MARINONI, 2012, p. 165); não se dizia, no Lácio, que alguém tinha um direito, mas sim que possuía uma pretensão – ou seja, a possibilidade de se fazer valer a própria vontade através do ingresso em juízo (MACHADO) [4]. O enunciado clássico de Celso, segundo Windscheid, não deveria ser compreendido de forma a visualizar um direito de queixa ou de ação – o klagerecht –, como o fazia a unanimidade da doutrina, mas sim como a expressão de que a actio do Direito romano correspondia exatamente à pretensão judicialmente exigível. Irretocável, nesse sentido, a lição de Guilherme Amaral[5]: “dizer que tenho ação, para o direito romano, é o mesmo que dizer ‘tenho direito’”.

O mesmo autor prossegue afirmando, à semelhança de Windscheid, que a ação sobre a qual se debruçaram os juristas do século XIX, a klage, não era, de forma alguma, correspondente à actio romana. Esta, significando a pretensão judicialmente exigível de determinado indivíduo, se relacionava ao direito material e não se igualava de nenhuma maneira à noção de direito de ação ou direito de queixa. Ou seja, a actio não representava um meio de provocar a jurisdição estatal para dar tutela ao direito material, mas sim uma expressão do próprio direito. E, considerando a estrutura do ordenamento romano, baseado em pretensões, a actio era o único aspecto do direito que adquiria relevância para fins de exigibilidade judicial. Como bem afirma Luiz Amorim (1977, p. 217), “a actio romana não é produzida pelo direito; ela o traz consigo” [6].

Para Windscheid, a tendência em identificar a klage à actio, seguida por Savigny e tantos outros expoentes da teoria imanentista, baseava-se em uma indevida projeção de concepções do Direito alemão do século XIX sobre um sistema jurídico totalmente diferente, assentado sobre bases diversas (KHALED JÚNIOR, 2010, p. 102). Completamente distintos, pois, os dois institutos; a actio alinhava-se muito mais à noção alemã de pretensão de direito material do que ao direito de ação.

As conclusões de Windscheid, como se percebe, abalaram sensivelmente as fundações da teoria imanentista; afinal, esta tinha por espeque uma errônea interpretação da actio romana para igualar à klage o que, em verdade, representava a própria pretensão substancial. É certo que o jurista alemão não havia estabelecido, com nitidez e de forma sistemática, a separação das esferas material e processual, tampouco discorreu com profundidade sobre a ação dirigida ao Estado e a relação de Direito Público aí presente; todavia, é inegável que seus estudos abriram caminho para que, posteriormente, se operassem fundamentais transformações na visão tradicional desses temas.

As críticas à obra de Windscheid não tardaram; afinal, tendo esse autor se posicionado na contramão de toda a dogmática alemã referente à natureza jurídica da ação, contradizendo a pacífica identificação entre a actio e a klage, era de se esperar que seu trabalho sofresse múltiplas censuras.

O mais ácido opositor de Windscheid foi, sem dúvida, Theodor Muther.

Argumentando que a ordenação romana era, sim, formada por direitos – e não por pretensões, como queria Windscheid –, Muther afirmou que a actio pressupunha a existência da pretensão de direito material, com ela não se confundindo. Ou seja, a pretensão não cumprida pelo obrigado na relação jurídica antecedia o direito de ação, sendo que este último tinha a pretensão por fundamento.

A actio, portanto, configuraria a faculdade atribuída ao detentor do direito material violado de se voltar ao pretor (ou seja, o Estado na pessoa de seus órgãos jurisdicionais) e reclamar a concessão de tutela jurídica à pretensão substancial de que era titular o autor. Haveria, portanto, nítida aproximação entre os conceitos de actio e klage; ambas, salvo pequenas diferenças de contexto histórico, visavam à proteção do direito material.

Diante desses postulados, Muther chegou à necessária conclusão de que existiriam dois direitos envolvidos na temática da ação (MARINONI, 2012, p. 166): um, a pretensão do titular do direito material, exercida contra o violador; o outro, o direito à tutela jurisdicional, dirigido ao Estado, e que tinha como pressuposto o direito “originário” do autor. Verificam-se, portanto, duas esferas distintas: a primeira, de Direito Privado, que se limita aos vínculos obrigacionais estabelecidos entre as partes da relação jurídica material; a segunda, de Direito Público, tendo como sujeitos o detentor da pretensão substancial e o Estado, a quem se direciona o pedido de concessão da tutela jurisdicional.

Não é absoluto, na teoria da Muther, o reconhecimento da autonomia do direito de ação em relação ao direito material; afinal, o jurisconsulto alemão tinha este último como pressuposto da actio (ou klage, já que propunha a inexistência de grandes distinções entre os dois institutos). Todavia, não é possível negar-lhe o mérito de ter estabelecido uma nítida diferenciação entra as relações jurídicas de Direito Privado e de Direito Público, entendendo que o direito de ação era exercido, precipuamente, contra o Estado, enquanto a pretensão substancial tinha por sujeito passivo o violador ou obrigado.

Windscheid, pouco depois, elaborou uma réplica à crítica de Muther; a nova obra, em verdade, não continha grandes modificações em relação aos estudos originais, mas apenas esclarecia melhor alguns conceitos – o que se entendia por pretensão, por exemplo, bem como a desnecessidade de vinculá-la a uma lesão ao direito material – e flexibilizava alguns entendimentos mais radicais, referentes a pequenos detalhes históricos do Direito romano. O conceito de actio – o ponto central da tese de Windscheid –, entretanto, foi mantido como o equivalente à pretensão substancial do Direito germânico, sem a menor possiblidade de igualá-lo ao de klagerecht.

Perceba-se que as linhas de pensamento desses dois juristas não são necessariamente colidentes; afora a controvérsia entre a composição do ordenamento jurídico de Roma (se formado por pretensões, como queria Windscheid, ou direitos, segundo a fórmula de Muther) e nome que deveria ser dado ao direito de queixa (actio ou klage), de valor meramente histórico, as teorias são notadamente complementares. Enquanto o primeiro se debruçou sobre uma questão de Direito Material (a definição do conceito de actio enquanto pretensão), Muther dedicou-se também ao aspecto processual da ação ao defender que a mesma dirigia-se primariamente ao Estado, representando um pedido de tutela jurisdicional. O próprio Windscheid, como admitiu em sua réplica, não discordava dos estudos de Muther acerca do klagerecht, mas simplesmente da conceituação que este último emprestava à actio romana; na verdade, Windscheid aderiu ao entendimento de que o titular da pretensão tem, sim, o direito à tutela jurídica estatal a ser conseguida através do exercício da klage (KHALED JÚNIOR, 2010, p. 105).

Destarte, a discussão entre esses jurisconsultos concorreu para promover uma releitura das tradicionais visões imanentistas, introduzindo na doutrina alemã do século XIX a compreensão de que a ação não se encontrava totalmente atrelada ao direito material, mas sim que possuía certo grau de autonomia.


3. ADOLF WACH: O CARÁTER CONCRETO DA AÇÃO

A teoria de Adolf Wach, profundamente influenciada pelas ideias de Muther, compreendia a ação como uma pretensão à concessão de tutela jurídica por parte do Estado, dirigindo-se contra dois sujeitos distintos: o próprio Estado, vinculado ao dever de prestar a referida tutela, e o adversário na relação jurídica, que teria de suportar seus efeitos. Perceba-se, nesse ponto específico, a sensível contribuição de Muther: Wach visualizava, da mesma forma que seu antecessor, dois planos distintos de relações – um envolvendo o Estado e o outro direcionado ao particular, ao réu –, bem como o caráter público da ação – cujo destinatário principal era o Estado, que se pronunciava através de seus órgãos jurisdicionais. Bastante precisa, quanto a esse aspecto, a lição de Márcia Aquino (2006, p. 194):

[a ação] dirige-se contra o Estado que tem a obrigação de prestá-la e, também, contra o adversário em face de quem ela deve ser outorgada. Dessa forma, do primeiro exige-se a proteção jurídica e do segundo, a sujeição [grifos e acréscimo nossos].

É importante ressaltar que Wach contribuiu, de forma ainda maior, para o desenvolvimento da noção da autonomia da ação em face do direito material. Isso porque a fundamentação de suas teses foi construída sobre as ações declaratórias, que têm por objetivo reconhecer a existência de uma relação jurídica – hipótese em que serão ações declaratórias positivas – ou sua inexistência – caso em que receberão a classificação de negativas. Para Wach, é certo que não há, necessariamente, nesse tipo de demanda judicial, um direito material violado, mas simplesmente um interesse a que o Direito confere proteção (MARINONI, 2012, p. 169). Tal afirmativa seria de ainda mais fácil visualização no âmbito das ações declaratórias negativas; ora, pugnando estas justamente pelo reconhecimento da inexistência de uma relação jurídica, seria natural a conclusão de que não possuem como pressuposto a lesão a um direito do autor. Essas premissas levaram Wach à conclusão de que o direito à tutela jurídica não está totalmente atrelado ao direito material, possuindo certo grau de autonomia em relação a ele.

É inegável o mérito do doutrinador em reconhecer a independência da ação quanto ao direito substancial; os caminhos por ele utilizados para chegar a esse postulado, todavia, são bastante questionáveis. Pertinente crítica à construção do raciocínio de Wach é exposta por Ricardo Brasileiro (2008, p. 5905); argumentando que, nas ações declaratórias, o “interesse juridicamente protegido” a que o jurista alemão se refere não é outra coisa além de um direito subjetivo do autor[7], o jurisconsulto pátrio afirma que perde sentido a elaboração teórica de Wach, que tem por base, justamente, a inexistência de um direito material a reclamar proteção estatal nas ações declaratórias. Afinal, sendo possível visualizar um direito subjetivo do particular que propõe esse peculiar tipo de ação, não mais se sustentaria a tese do processualista tudesco, pelo menos nos moldes por ele concebidos.

Ressalte-se que, para Wach, a concessão da tutela jurídica dependeria de um pronunciamento judicial favorável; a própria existência da ação, portanto, ficaria sujeita à procedência da demanda ajuizada. É exatamente por isso que se atribui o adjetivo de “concreta” à teoria elaborada pelo jurista alemão; o exercício da ação, em sua ótica, condicionava-se totalmente ao reconhecimento judicial de razão ao ajuizador do pleito.

Luiz Guilherme Marinoni (2012, p. 182) entende que essa concepção fundamenta-se sobre uma compreensão errônea do conceito de tutela jurídica. O referido autor argumenta que, independentemente da atribuição de razão a uma ou outra parte da relação processual, a tutela jurídica é prestada a ambas – e entendimento contrário levaria à conclusão de que não se teria exercido atividade jurisdicional em relação à parte perdedora, o que beira o absurdo. O que depende do pronunciamento favorável é a tutela ao direito material; essa, sim, é condicionada a uma sentença de procedência. Dessa forma, ainda que o julgador entenda improcedente o pedido do autor, não seria oportuno pensar que este não recebeu tutela jurídica, tampouco que não houve ação nessa hipótese. É com acerto que Daniela Moraes[8] defende que Wach praticamente esqueceu-se do litigante que vai a juízo sem, na verdade, possuir direito algum.

Cremos que não é por diferente motivo que Luiz Amorim (1977, p. 219) afirma que Wach, mesmo tendo contribuído de forma significativa para a consolidação da tese da autonomia da ação, não foi capaz de desvinculá-la completamente do direito subjetivo material.

André Cruz (2007, p. 24) também compreende que a vinculação da existência da ação a um pronunciamento favorável ao autor é a maior falha da teoria concreta de Wach; afinal, no caso de improcedência da demanda e, portanto, de inexistência da ação, sobra o difícil – e irrespondível – questionamento de saber o que movimentou a máquina jurisdicional estatal, levando-a a emitir uma decisão judicial, já que a ação sequer teria existido nessa hipótese.


4. DEGENKOLB, PLÓSZ, MORTARA E COUTURE: A AÇÃO ABSTRATA

As teorias abstratas do direito de agir tiveram por principal finalidade a compreensão do problema suscitado no último parágrafo do tópico anterior, qual seja, o da natureza do fenômeno jurídico ocorrido quando do pronunciamento judicial desfavorável ao ajuizador de uma demanda. A solução dada pelo concretismo não era, de forma alguma, satisfatória, uma vez que levava ao reconhecimento de um verdadeiro “vácuo jurídico” entre o ingresso em juízo e a prolação da decisão de improcedência do pedido. Fazia-se necessário, portanto, construir uma base para o direito de ação que fosse capaz de fornecer respostas adequadas aos questionamentos derivados da teoria concreta.

Os principais desenvolvedores da teoria abstrata foram o alemão Heinrich Degenkolb e o húngaro Alexander Plósz, que enxergavam a ação de uma forma bastante simples: como “o direito de provocar a atuação do Estado-juiz” (CRUZ, 2007, p. 25). Não havia, para eles, correlação entre a sentença de procedência e o direito de ação; afinal, mesmo naqueles casos em que o pretenso titular de um direito não recebe um pronunciamento que lhe seja favorável, é inegável que o sujeito movimentou o aparato jurisdicional e, consequentemente, provocou a atuação do Estado-juiz. Dessa forma, lícito nos é compreender que, para os supramencionados jurisconsultos, a ação carrega em si a pretensão à prolação de uma decisão judicial, seja ela reconhecedora ou não do direito alegado pelo autor.

A ação era por eles concebida, a princípio, como um direito subjetivo público (RODRIGUES, 2002) [9], haja vista que deveria ser exercida contra o Estado e correspondia a uma obrigação deste de se manifestar quanto ao caso que lhe é trazido à análise. Plósz, todavia, além da faculdade da provocação jurisdicional (a klage do Direito germânico), enxergava paralelamente um direito de ação equivalente ao conceito da actio de Windscheid, ou seja, uma pretensão substancial exercida contra o réu (MARINONI, 2012, p. 167), no que denota certa aproximação às conclusões alcançadas pela doutrina de Muther[10]. Saliente-se, ainda, que o reconhecimento do caráter abstrato da ação conduz à inevitável conclusão de que sua existência precede a demanda, que seria simplesmente a forma de seu exercício (JANSEN, 2004) [11].

Todavia, não são absolutamente abstratas as teorias de Degenkolb e Plósz, uma vez que ambos consideravam que o exercício do direito de ação estava condicionado à boa-fé do ajuizador, ou seja, à efetiva crença de ser realmente detentor do direito alegado (MARINONI, 2012, p. 180). Chega a ser um verdadeiro contrassenso que os referidos doutrinadores admitissem a existência da ação diante de uma sentença improcedente e não a reconhecessem quando confrontados com a – extremamente comum – situação do sujeito que ingressa em juízo cônscio de que não possui direito material algum. É cabível, aqui, com pequenas adaptações, o mesmo questionamento que se faz à teoria concreta: qual a natureza jurídica do ato que deu início ao processo nos casos em que o autor sabia que não tinha razão? Como se deu a provocação da jurisdição nessa hipótese, já que não foi feita pela ação? Veja-se que, diante da imposição dessa estranha condição ao direito de agir, Degenkolb e Plósz se aproximaram bastante da teoria concreta, embora, é claro, com ela não se identifiquem. O próprio Giuseppe Chiovenda (2002, p. 41), célebre concretista, critica a opção dos supramencionados juristas, afirmando que a possibilidade de agir em juízo[12] “assiste também a quem não se encontre naquela condição, tão difícil de positivar, que é a boa-fé, isto é, a convicção de ter razão”.

A esdrúxula condição imposta ao direito de ação por Degenkolb e Plósz não encontrou lugar na teoria do italiano Lodovico Mortara; sua tese, em linhas gerais, se parece bastante com a proposta pelos dois primeiros, divergindo apenas quanto ao modo de enunciar o mesmo modo de pensar. O destaque, porém, vai para a correta opção de Mortara por não considerar a boa-fé como elemento necessário ao exercício da ação, fornecendo respostas satisfatórias aos questionamentos levantados no parágrafo anterior. A admissibilidade da ação teria por base, somente, a alegação do autor de que, realmente, é titular do direito material para o qual reclama proteção jurisdicional.

Trilhando por tais caminhos doutrinários, Mortara expôs uma teoria que, verdadeiramente, merece a qualificação de abstrata, promovendo uma nítida separação entre os planos material e processual, ao desvencilhar a ação de qualquer condicionamento relativo à efetiva titularidade do direito alegado pelo autor, com uma clareza inédita no meio científico da época.

Outra importante teoria abstrata, elaborada algumas décadas depois dos estudos de Degenkolb e Plósz, é aquela defendida pelo processualista uruguaio Eduardo Couture, para quem a ação não diverge, em substância, do direito constitucional de petição. A tese de Couture é, em verdade, bastante simples[13], não oferecendo grandes dificuldades dogmáticas; com pequenos ajustes referentes à sua adequação ao atual panorama do Direito pátrio e à irradiação dos direitos fundamentais, cremos que poderia ser facilmente aceita no ordenamento jurídico brasileiro. Baseia-se na desvinculação da ação em relação à decisão favorável, bem como na desnecessidade da boa-fé do ajuizador (a exemplo de Mortara) e na aproximação de conteúdo entre o direito de ação e o direito de petição, garantido na maioria das Constituições.

Com a clareza e objetividade que lhe são peculiares, Couture (1998, p. 13) conclui que “a ação, em seu sentido mais decantado, é só isso: um direito à jurisdição”.

4.1 A AÇÃO ABSTRATA E O ABUSO DE DIREITO

Existe, na doutrina nacional, corrente (JANSEN, 2004) [14] que enxerga uma relação entre a compreensão da ação como direito abstrato e o abuso de direito na seara processual, representado, para os fins que interessam a essa escola, pela litigância de má-fé. Permissa venia, não podemos concordar com tal concepção. Entendemos que a imposição de que o ajuizador de uma ação tenha a convicção de possuir o direito alegado gera todos os inconvenientes que mencionamos quando da crítica a Degenkolb e Plósz; cientificamente, portanto, condicionar o exercício da ação à boa-fé do autor é inviável, uma vez que tal compreensão afronta os dados do plano ontológico – negando que existiu ação em casos em que, claramente, o aparato jurisdicional foi movimentado e provocado a se manifestar dentro de determinado processo.

Preferimos, novamente, a simplicidade de Couture (1998, p. 19), para quem o cometimento de litigância de má-fé deve ser resolvido no âmbito da reparação por abuso de direito – e não em uma forçada modificação da natureza jurídica da ação.


5. GIUSEPPE CHIOVENDA: A AÇÃO COMO DIREITO POTESTATIVO CONCRETO

Giuseppe Chiovenda, eminente processualista italiano dos séculos XIX e XX, elaborou sua doutrina da ação sob grande influência das ideias de Adolf Wach; sua exposição quanto à autonomia da ação em relação ao direito material, na verdade, seguiu o mesmo raciocínio utilizado pelo jurista alemão, tomando a ação declaratória como fundamento para chegar à conclusão de que o direito subjetivo material não era, necessariamente, um pressuposto da ação (MARINONI) [15]. Veja-se, nesse sentido, o seguinte trecho de suas Instituições em que, criticando a teoria imanentista de Savigny, o mestre italiano afirma que “a ação não é um direito novo oriundo da violação do direito que tem por conteúdo a obrigação do adversário de fazer cessar a violação, uma vez que a ação é um direito autônomo” (CHIOVENDA, 2002, p. 38 e s.).

O vínculo à tese de Wach mostra-se, ainda, quando Chiovenda fixa o entendimento de que a ação é um direito concreto, isto é, dependente da prolação de uma sentença favorável; somente teria ação, portanto, aquele que, ao final do processo, recebesse do Judiciário o reconhecimento de que tinha razão. Criticando as teorias abstratas da ação, Chiovenda (2012, p. 41) manifesta-se nos seguintes termos:

Não há dúvida de que qualquer pessoa tenha a possibilidade material e também jurídica de agir em juízo; mas essa mera possibilidade [...] não é o que sentimos quando dizemos ‘Tício tem ação’, pois, com isso, entendemos indicar o direito de Tício de obter um resultado favorável no processo.

As mesmas censuras dirigidas ao concretismo de Wach podem ser aplicadas à tese de Chiovenda – relativas à natureza jurídica do ato iniciador do processo realizado por aquele que eventualmente tornou-se perdedor da lide, já que ação não foi.

Não há, todavia, coincidência entre as teorias dos processualistas italiano e alemão. As similaridades restringem-se ao caráter autônomo e concreto da ação, divergindo os autores quanto aos demais pontos. Wach, como afirmamos no tópico 3, supra, entendia que a ação dirigia-se primariamente contra o Estado, sendo, portanto, um direito subjetivo público. Não é esse o entendimento de Chiovenda; este último compreendia a ação como um direito potestativo a ser exercido em face do adversário na relação jurídica, e não contra o Estado, que seria apenas o ente responsável por atuar a vontade da lei no caso concreto.

O direito potestativo, a que se refere Chiovenda, pode ser entendido como “aquele pelo qual, através da manifestação de vontade de alguém, surge um novo estado jurídico, ou se faz cessar o existente” (PELLEGRINI) [16]. A construção desse conceito na ótica do processualista italiano não é, todavia, tão simples; traduz o poder jurídico, conferido ao autor, de submeter o adversário a uma modificação na sua esfera jurídica, sem que este, por sua vez, esteja obrigado a prestação alguma (CHIOVENDA, 2002, p. 42). Ou seja, não se exige um fazer concreto do réu para que se atenda ao direito de ação do autor; também não há nada que aquele possa fazer para violar o exercício desse direito. Essa é, aliás, uma característica fundamental do direito potestativo: de forma contrária ao direito subjetivo, não há nada que a contraparte possa fazer para adimpli-lo ou violá-lo, cabendo a ela, unicamente, a submissão aos seus efeitos (LIMA, 1999, p. 71).

Note-se, porém, que o direito potestativo de ação só se consumaria com a prolação de uma sentença favorável ao autor; não ocorrendo tal fato, o réu não estaria, de forma alguma, sujeito às consequências aspiradas pelo ajuizador da demanda. Isso porque, no caso de sentença de improcedência do pedido, não teria o demandante exercido ação e, consequentemente, não teria adquirido em momento algum o direito de submeter o réu à sua vontade.

Essa ideia aproxima-se, de certa forma, da noção de sujeição do réu (que deve suportar os efeitos da tutela jurídica) em relação ao Estado, proposta por Wach. Não é essa conotação, entretanto, que Chiovenda empresta ao direito potestativo; para este último, a sujeição do adversário dá-se em relação ao titular do direito de ação, e não ao Estado.

A professora Flaviane Pellegrini[17] entende que essa concepção de submissão do réu ao autor é totalmente inadequada aos postulados do Estado Democrático de Direito, uma vez que a ideia de que é conferido a determinado sujeito o poder de promover alterações na esfera jurídica de outrem, sem que este possa a isso se opor, fere os princípios do contraditório e da ampla defesa, por exemplo. Data venia, não cremos que lhe assiste razão. Não se pode cair no equívoco de pensar que a submissão do adversário ao autor referia-se a todas as etapas processuais, inviabilizando, por exemplo, que aquele se defendesse das alegações do ajuizador; não é esse sentido, de forma alguma, que Chiovenda imprime à ideia de direito potestativo. Lembre-se que, para o mestre italiano, a ação só se considera exercida mediante a prolação de uma sentença favorável ao autor; o direito potestativo, portanto, só produziria seus efeitos após a decisão que reconhecesse a procedência de seu pedido. E, considerando a hipótese utilizada por Chiovenda – a da ação declaratória – para construir sua tese, não há, realmente, nada que o réu perdedor possa fazer para violar ou realizar o direito de ação do autor, restando-lhe submeter-se a seus efeitos.

Logicamente, são cabíveis outras críticas à ideia de direito potestativo; como não pensar, por exemplo, no caso do réu que decide simplesmente não se submeter à sentença judicial mandamental, direcionada à tutela específica de uma obrigação de fazer? O réu pode, é claro, optar por não cumprir a ordem judicial e aceitar as consequências de sua rebeldia, como o pagamento das astreintes e o dever de reparar as perdas e danos do autor. Veja-se que, nessa hipótese, não houve submissão alguma do réu à vontade específica do ajuizador da demanda – qual seja, o adimplemento da obrigação na forma pactuada. Tais críticas, sim podem ser dirigidas à tese de Chiovenda; acusá-la de limitar os direitos fundamentais de defesa do réu, todavia, não é cabível e mostra uma compreensão errônea do que o processualista italiano entende por ação e direito potestativo.


6. A TEORIA ECLÉTICA DE ENRICO LIEBMAN E AS CONDIÇÕES DA AÇÃO

A teoria do processualista italiano Enrico Tullio Liebman tem por espeque uma relativa aproximação entre as correntes dogmáticas abstrata e concreta, analisadas anteriormente, mantendo a desvinculação da ação em relação à sentença favorável ao autor, mas condicionando a sua própria existência a alguns requisitos; é, por essa razão, chamada de eclética, e o Código de Processo Civil de 1973 aderiu abertamente a ela.

A teoria de Liebman, em verdade, relaciona-se bastante ao estágio de evolução científica do Direito Processual de sua época; a concepção de total independência entre as esferas processual e material, extremamente popular até meados do século XX, começava a ser substituída pela noção de instrumentalidade dos institutos processuais em relação ao direito substancial, promovendo certa aproximação entre esses dois grandes ramos do Direito; não se retornava, de forma alguma, à confusão sincretista dominante até o século XIX, mas sim se evoluía em direção à ideia de que o Direito Processual deve ser compreendido de forma relacionada ao Direito Material e à luz de suas necessidades. É nesse contexto que se inserem as condições de Liebman; ainda que mantendo a autonomia da ação, elas impõem que tal instituto mantenha algum grau de relação (mesmo que pequeno) com a esfera material.

Liebman identifica um direito constitucional de dirigir-se ao Judiciário, previsto no art. 24[18] da Constituição Italiana, que estende a todos a possibilidade de ingressar em juízo para a defesa de seus direitos e interesses legítimos, bem como de receber auxílio estatal nessa tarefa, quando necessário (CHIARLONI, p. 1) [19]; não é, contudo, essa faculdade que o jurista italiano entende por ação. Enquanto o direito de agir em juízo, garantido constitucionalmente, reveste-se de caráter praticamente ilimitado, a ação processual, conforme vista por Liebman, representa o direito – condicionado e limitado – à prolação de uma sentença de mérito, dando maior concretude ao direito constitucional de agir. A ação é, em suas próprias palavras, o “direito ao processo e ao julgamento de mérito” (LIEBMAN, 1985, p. 151).

Esse direito, de natureza subjetiva, seria dirigido ao Estado (concepção que já se encontrava relativamente pacificada na doutrina desde Muther, sofrendo, basicamente, a oposição de Chiovenda), sem corresponder a um dever deste de prestar a tutela jurídica ao particular. Sustenta Liebman (1985, p. 152) que, encontrando-se o Estado igualmente interessado na resolução da lide que lhe é trazida à análise – e por estar a pacificação social entre seus escopos fundamentais –, não há que se falar em uma obrigação estatal ao pronunciamento judicial.

Liebman (1985, p. 151) entende que a ação é formada por três elementos distintos: os sujeitos, o pedido (a manifestação e a atuação judiciais desejadas pelo autor) e a causa de pedir (as questões fáticas e jurídicas que embasam o pedido). Note-se que, segundo a doutrina processualista mais tradicional (CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER, 2012, p. 292), é possível fracionar a causa de pedir em duas: a remota (correspondente às questões jurídicas) e a imediata (atinente aos fatos da relação discutida). Imagine-se, por exemplo, a situação em que determinado indivíduo ingressa em juízo para cobrar as parcelas vencidas e não pagas relativas à venda de um objeto qualquer; a causa imediata de pedir seria o inadimplemento das prestações por parte do devedor, enquanto a remota residiria no contrato de compra e venda firmado entre ele e o credor.

Não é inédita essa tripartição dos elementos da ação proposta por Liebman; já Chiovenda, alguns anos antes, firmou o entendimento de que a ação estruturava-se sobre três componentes: os sujeitos, o objeto (correspondente ao pedido) e a causa da ação, por ele definida como o “estado de fato e de direito, que é a razão pela qual se exerce uma ação e que habitualmente se cinde, por sua vez, em dois elementos: uma relação jurídica e um estado de fato contrário ao direito” (CHIOVENDA, 2002, p. 51 e s.). Note-se, portanto, que nem mesmo a divisão entre as causas de pedir remota e imediata escapou ao referido mestre italiano; Liebman e os doutrinadores pátrios apenas fizeram pequenas adaptações à exposição de Chiovenda.

O ponto central da teoria eclética, porém, é o polêmico tema das condições da ação. Elas, segundo Liebman, são pressupostos necessários da existência da ação e, ausente qualquer delas, carece da ação o ajuizador da demanda. O exame de sua ocorrência deve ser realizado de modo preliminar ao julgamento de mérito, de forma a viabilizá-lo, e o superveniente desaparecimento de qualquer delas, em qualquer fase do processo, deve levá-lo à extinção sem que se aprecie o mérito do pedido (LIEBMAN, 1985, p. 154).

Segundo o amigo e tradutor do processualista italiano, Cândido Rangel Dinamarco (2006, p. 306), as condições da ação fundamentam-se na necessidade da eficiência e economia processuais, impedindo que demandas sem a menor razão de ser cheguem a um julgamento de mérito; não se deve, nesses casos, sequer dizer que o ajuizador exerceu ação, já que seu pedido foi preliminarmente rejeitado.

George Lima (2001) [20], por outro lado, entende que o espeque teórico das condições da ação é o conflito entre o direito constitucional de agir e demandar em juízo e o direito de todo indivíduo (portador de capacidade de ser parte) de não ser processado indevidamente; logo, seria legítima, para o referido autor, a imposição de determinadas exigências para que a ação adquira existência.

É especialmente nesse ponto que a teoria de Liebman deixa de ser absolutamente abstrata e desloca-se em direção ao concretismo. Ao reconhecer que o direito de ação só se considera adquirido quando presentes suas condições, o referido jurista foge à tradição abstrata pura e vincula a própria existência da ação a algumas questões que, nitidamente, referem-se ao plano material. Não é correto, contudo, afirmar que Liebman é um concretista; afinal, sua teoria não condiciona a ação a uma sentença de mérito favorável ao autor, isto é, que lhe reconheça o direito substancial alegado, sendo-lhe indiferente tal questão. Merece, portanto, o adjetivo de eclética essa tese, haja vista que situa a ação em um meio-termo entre a total abstração do direito material e a sua completa dependência em relação ao mesmo.

Saliente-se que, para Liebman, não há atividade jurisdicional quando o julgador profere uma decisão terminativa, isto é, que extingue o processo sem julgamento de mérito, considerando carecedor da ação o ajuizador da demanda (BENEDET) [21]; afinal, o processualista italiano entende que ação e jurisdição são dois conceitos intimamente atrelados, de modo que um não pode existir sem o outro. Portanto, analisando apenas a coerência interna[22] do sistema de Liebman, é perfeitamente compreensível a conclusão de que a decisão que reconhece a inexistência da ação não possui natureza jurisdicional.

Ademais, é oportuno destacar que Liebman não entende o exame das condições da ação como uma análise de cognição superficial, baseada apenas nas alegações do ajuizador da demanda, mas sim como uma verificação entre as afirmações do autor e realidade dos fatos – o que exige, por certo, a existência de provas. Essa concepção é, talvez, a mais problemática de toda a sua teoria e receberá as críticas cabíveis no momento oportuno (tópico 7, infra).

Faz-se necessário, a esta altura do presente trabalho, adentrar no estudo das condições da ação propriamente ditas, quais sejam: o interesse de agir, a legitimidade das partes e a possibilidade jurídica do pedido, todas previstas no inciso VI do art. 267 do Código de Processo Civil. A última delas, passados alguns anos da publicação da teoria eclética, foi incluída por Liebman na categoria do interesse de agir[23]; por razões didáticas, porém, a abordá-la-emos separadamente no tópico 6.3, infra.

6.1 A LEGITIMIDADE DAS PARTES

Na precisa lição de Cassio Bueno (2012, p. 408), a legitimidade das partes refere-se à identidade entre os titulares da relação jurídica material e os sujeitos que se apresentam em juízo, tanto no polo ativo como no passivo da lide processual; é, nas palavras de Hadler Fernandes (2011, p. 37), “uma aptidão ou poder conferido a alguém para conduzir validamente um processo em que se discuta determinada situação jurídica”.

O problema da legitimidade subjetiva diz respeito à necessidade de saber sobre quem a tutela jurisdicional produzirá seus efeitos; afinal, tendo em vista que a sentença transitada em julgado faz lei entre as partes, é preciso que estas sejam aquelas diretamente envolvidas na relação jurídica de Direito Material. Conclusão diversa levaria a pelo menos uma das seguintes consequências, nenhum delas desejáveis: uma, no caso de ilegitimidade passiva, ocorreria uma indevida violação do direito à segurança jurídica do demandado; outra, na hipótese de ilegitimidade ativa, o ajuizador não legitimado, obtendo um pronunciamento favorável, passaria a usufruir de um direito que não lhe pertence. Como se vê, as duas possibilidades seriam desastrosas para a estabilidade do Direito.

A noção que fundamenta a legitimidade das partes é, dessa forma, praticamente intuitiva; repugna não só a lógica jurídica, mas também a do homo medius, a ideia de que determinado indivíduo pode ingressar em juízo para perseguir direito que pertence a outrem – ou, talvez pior ainda, exigi-lo de quem não está obrigado à sua prestação. Veja-se, a propósito, o que diz o próprio Liebman (1985, p. 157) sobre o tema:

Também quanto à ação, prevalece o elementar princípio segundo o qual apenas o seu titular pode exercê-la; e, tratando-se de direito a ser exercido necessariamente com referência a uma parte contrária, também esta deve ser precisamente a pessoa que, para os fins do provimento pedido, aparece como titular de um interesse oposto, ou seja, aquele em cuja esfera jurídica deverá produzir efeitos o provimento pedido.

Note-se que o reconhecimento da legitimidade das partes não implica, automaticamente, o do direito que se afirma em juízo, mas simplesmente da titularidade da relação jurídica a que se faz referência. O locador que pleiteia o pagamento dos aluguéis atrasados por parte do locatário, ao ser admitido como legitimado ativo para a ação de cobrança, não obteve, ainda, nenhum pronunciamento judicial no sentido de que possui o direito que alega. Conseguiu, simplesmente, o reconhecimento de que é parte na relação jurídica substancial e, consequentemente, pode levar a discussão sobre ela até a análise de mérito.

Não é outra, aliás, a dicção do art. 6° do Código de Processo Civil, quando afirma que “ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei”; esse dispositivo legal contém a regra geral da legitimidade ordinária, isto é, da identidade entre as partes da ação e os sujeitos detentores de interesses opostos no plano material. É possível, contudo, que a lei processual autorize, em determinados casos, que se ingresse em juízo com a intenção de “pleitear, em nome próprio, direito alheio”; ocorrerá, nessas hipóteses, o fenômeno a que se dá o nome de legitimação extraordinária. Esta geralmente é admitida, como bem afirma Owen Fiss (1996, p. 22), quando a ação tem por objeto um pedido de tutela jurídica não só a direitos difusos e coletivos, pertencentes a toda a coletividade, mas também a direitos individuais homogêneos que, individualmente considerados, nem sempre terão grande relevância para seus titulares, mas que, vistos como um todo, são de grande interesse da sociedade[24].

Atente-se para o fato de que não se pode confundir o conceito de legitimidade das partes com a capacidade de ser parte, tampouco com a capacidade processual; enquanto a primeira, como explicamos, representa a “pertinência subjetiva” da ação (LIEBMAN, 1985, p. 159), a segunda expressa a possibilidade de figurar como sujeito no âmbito processual e a terceira relaciona-se à aptidão para tanto sem necessidade de representantes ou assistentes (FERNANDES, 2011, p. 38).

6.2 O INTERESSE DE AGIR

O interesse de agir representa a adequação e a necessidade do provimento judicial requisitado pelo autor em face do direito material para o qual reclama proteção, “operando uma melhora em sua situação na vida comum” (DINAMARCO, 2006, p. 309). Tem por fundamentação teórica, conforme Antônio Carlos Cintra, Cândido Dinamarco e Ada Grinover (2012, p. 289), a necessidade de o Estado excluir de sua apreciação, desde logo, as demandas que não serão capazes de gerar resultados úteis para o seu ajuizador. Os mesmo autores seguem oferecendo os conceitos de necessidade e adequação, componentes do binômio que forma o interesse de agir. Por necessidade entende-se a impossibilidade de conseguir a satisfação do direito material alegado por outras vias que não exijam a atuação do Estado-juiz[25]. A adequação, por sua vez, compreende a capacidade do provimento judicial solicitado para corrigir a situação de direito material trazida pelo autor; quanto a esse aspecto, os referidos doutrinadores trazem o exemplo da carência de ação por falta de interesse de agir (em virtude da inadequação do provimento solicitado) do marido que, descobrindo a traição da esposa, decide anular o casamento – e não pedir o divórcio.

Não é totalmente pacífico, na doutrina pátria, o tema da adequação como integrante do interesse; Barbosa Moreira (apud FERNADES, 2011, p.36) argumenta que é totalmente desarrazoado decidir que é carecedor de ação aquele que simplesmente escolheu a via inadequada para pedir a tutela jurisdicional; deveria ser aplicado, nesses casos, o comando do art. 295, V, do Código de Processo Civil, que prevê a possibilidade de adaptar o tipo de procedimento solicitado pelo autor à modalidade correta. Outrossim, o legislador separou, no próprio artigo supramencionado, as hipóteses de falta de interesse de agir (inciso III) e de inadequação da via eleita (inciso V), o que fortalece a corrente que preza pela não consideração da adequação como integrante do interesse processual. Melhor seria, consequentemente, falar-se em utilidade do provimento jurisdicional requerido, conceito que traduz a idoneidade da tutela jurídica estatal para trazer real vantagem ao autor (BRITO) [26] na situação fática que este levou ao conhecimento do Judiciário.

Não foram esses, entretanto, os contornos que Liebman conferiu ao tema; o processualista (1985, p. 155) afirmava que “seria uma inutilidade proceder ao exame do pedido para conhecer (ou negar) o provimento postulado, [...] quando [este] fosse em si mesmo inadequado ou inidôneo a remover a lesão”. Para o autor, portanto, o interesse de agir compõe-se de três elementos: a necessidade, a utilidade e a adequação da tutela solicitada. Pouco antes da entrada em vigor do Código de Processo Civil, ocorrida em 1973, Liebman deixou de tratar a possibilidade jurídica do pedido como uma condição autônoma e a incluiu na categoria do interesse processual; não está claro, em sua obra, a qual dos supramencionados três componentes (necessidade, utilidade e adequação) relaciona-se a possibilidade jurídica, mas cremos que esta se encontra mais intimamente ligada à utilidade. Afinal, sendo o provimento solicitado frontalmente contrário ao Direito, não há como imaginar que exista algum tipo de tutela jurisdicional capaz de satisfazê-lo, o que tonaria inútil o exame da situação por parte do Judiciário – ou seja, o pronunciamento do Estado-juiz seria totalmente inapto a produzir algum efeito útil ao autor.

Note-se que o interesse processual, tendo como objeto uma tutela jurídica, não se confunde jamais com o interesse substancial, focado no bem da vida a que se refere o direito material. O credor, por exemplo, tem o interesse substancial em ver a adimplida a obrigação; vencida e não paga esta, passará a ter o interesse processual em pedir que o juiz lhe conceda a tutela específica ou, quando impossível, a tutela ressarcitória[27]. Ambas são necessárias à proteção do direito (já que o devedor negou-se a realizá-lo) úteis ao autor (por traduzirem um melhoramento em sua posição jurídica, tornando-a mais vantajosa) e adequadas (idôneas a tutelar o direito material).

Diante do que expusemos, lícito nos é chegar à conclusão de que o “interesse de agir é [...] um interesse [...] secundário e instrumental em relação ao interesse substancial primário” (LIEBMAN, 1985, p. 155), com ele jamais se confundindo, mesmo com a íntima relação entre os dois institutos.

6.3 A POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO

A condição da possibilidade jurídica do pedido significa a não proibição, por parte do Direito Objetivo, da tutela jurisdicional solicitada, ou seja, a relação de conformidade entre o Direito e o objeto da ação. Conformidade, nesse caso, não quer dizer procedência da demanda ou reconhecimento do direito material, mas simplesmente a não vedação jurídica de sua exigibilidade.

Atente-se para o fato de que o termo “pedido”, constante da obra original de Liebman, não deve ser interpretado em sentido técnico estrito, mas sim de forma a abranger tanto o pedido propriamente dito como também a causa de pedir (BUENO, 2012, p. 413), e pensar de modo diverso induziria um notório desvio da finalidade dessa condição da ação. Imagine-se, por exemplo, o caso em que determinado credor ingressa em juízo para cobrar dívida oriunda da vitória em um jogo de azar; as dívidas de jogo, conforme preceitua o art. 814 do Código Civil, constituem obrigações naturais – judicialmente inexigíveis, portanto. Perceba-se que o pedido do credor – qual seja, a concessão da tutela jurisdicional que obrigue o devedor a realizar o pagamento – não é, em sim, juridicamente vedado; o que o Direito não admite, no entanto, é a situação de fato que lhe serve de fundamentação – a contração de uma dívida de jogo. Igual interpretação pode ser conferida, por exemplo, ao caso do traficante de drogas que recorre ao Judiciário para obter do comprador inadimplente o pagamento pela venda de dois quilos de cocaína. Em tais situações, o juiz declarará o ajuizador carecedor da ação, e extinguirá o processo sem análise de mérito por impossibilidade jurídica – não do pedido, tecnicamente falando, mas da causa de pedir.

O Direito, é claro, não proíbe que o credor provoque a jurisdição estatal para compelir o devedor a pagar o que deve; o que se veda, todavia, é que determinadas relações jurídicas sirvam de espeque para tal cobrança – a venda de drogas e a vitória em jogo de azar são exemplos disso. Portanto, para usar a tripartição dos elementos da ação proposta por Chiovenda (e explicada no tópico 6, supra), a possibilidade jurídica deve referir-se tanto ao objeto como à causa da ação.

Concluindo, cabe trazer à baila o que o próprio Liebman (1985, p. 161) entendia por essa condição de ação, antes de incluí-la na categoria do interesse de agir: “o terceiro requisito da ação é representado pela admissibilidade em abstrato do provimento pedido, isto é, pelo fato de incluir-se entre aqueles que a autoridade judiciária pode emitir, não sendo expressamente proibido”.


7. APRECIAÇÃO CRÍTICA DA TEORIA ECLÉTICA DE LIEBMAN

A teoria de Enrico Liebman, malgrado sua aceitação pela maior parte da doutrina, está longe da unanimidade no âmbito científico e não é, de forma alguma, imune a críticas.

A primeira que se pode direcionar à teoria eclética baseia-se em uma contradição interna da exposição de Liebman. Expliquemo-nos: o referido jurista conceitua a ação como um direito subjetivo do particular exercido contra o Estado, para logo em seguida afirmar que não há nenhum dever estatal referente à manifestação judicial. Ora, o direito subjetivo, em virtude de sua própria estrutura, exige um comportamento (positivo ou negativo) da contraparte, isto é, daquele a quem se direciona; como, então, imaginar que não se encontraria o Estado obrigado a posicionar-se em relação à provocação do ajuizador da demanda? Liebman (1985, p. 152) afirma que, tendo o Estado-juiz interesse na resolução da lide, não é cabível falar em uma obrigação sua de pronunciar-se aos litigantes. Não se sustenta essa concepção; ora, se até mesmo em uma relação contratual privada é bastante provável que o devedor tenha grande interesse (ainda que moral) em realizar a prestação combinada, sem que isso elimine sua obrigação para com o credor, com maior razão não poderia ser fixado o entendimento de que o Estado não está vinculado à prestação jurisdicional, em virtude de seu interesse na resolução dos conflitos da sociedade. Semelhante concepção, se extremada, conduziria ao efeito oposto da pacificação social, permitindo que o Estado-juiz se eximisse de realizar a função que justifica sua própria existência.

Além disso, por força do inciso XXXV do art. 5° da Constituição Federal, o Judiciário não poderá permanecer inerte depois de chamado a exercer a jurisdição sobre um caso concreto. Como não visualizar, nesse dispositivo constitucional, um dever estatal? Melhor razão, por conseguinte, assiste ao professor Moacyr Amaral Santos (2011, p. 192), que não visualiza nenhuma incompatibilidade entre o interesse do Estado na resolução da lide e a sua obrigação de prestar tutela jurisdicional quando provocado pela ação[28].

O ponto da tutela jurisdicional, aliás, também é bastante problemático na teoria de Liebman. Entende este que a referida tutela só é concedida àquele que tem razão, o que equivale a condicioná-la à prolação de uma sentença judicial favorável. Esse postulado assemelha-se bastante ao que fundamenta o concretismo de Wach (veja-se o tópico 3, supra), diferenciando-se dele basicamente por não vincular a existência da ação a esse provimento; é pertinente, novamente, a crítica do professor Luiz Marinoni (2012, p. 186), quando afirma que subordinar a prestação da tutela jurisdicional a uma sentença de mérito que reconheça o direito do autor é o mesmo que defini-la como um direito concreto. A tutela jurídica é conferida a todos os litigantes, indistintamente, através da manifestação – qualquer que seja ela – do Estado-juiz, não sendo correto falar que cabe apenas a quem tem razão. A tutela ao direito material, sim, é que deve ser concedida somente à parte vencedora.

O próximo aspecto controverso representa, praticamente, o retorno ao maior problema do concretismo. Ao afirmar que não há ação (tampouco jurisdição e, por consequência, processo, já que tais institutos andam sempre juntos) quando ausentes as condições sobre as quais discorremos, Liebman não consegue explicar a natureza do ato que declara o ajuizador da demanda carente de ação – e menos ainda a da provocação à jurisdição por este realizada. O processualista italiano insistiu em repetir o equívoco de Chiovenda e Wach, não fornecendo respostas para tais questionamentos. São bastante contundentes, quanto a essa vexata quaestio, as palavras do professor Fredie Didier Júnior (p. 13) [29], em passagem que merece ser transcrita:

Se condições da ação são esses requisitos, para que o mérito da lide seja apreciado [...], o que seria, então, o espaço de tempo que medeia a propositura da ação e o despacho saneador ou extinção liminar do processo? Nada? Zona cinzenta? Não houve acionamento do aparelho jurisdicional estatal? O juiz não aplicou o direito objetivo? Que espécie de atividade o juiz realizou? Não houve jurisdição? Não houve processo? Então fica combinado: vamos fazer de conta que nada aconteceu e fenômenos induvidosamente jurídicos ficarão sem explicação.

O conceito de jurisdição adotado por Liebman, totalmente vinculado à prolação de uma sentença de mérito, apesar de coerente com a construção dogmática por ele elaborada, é insustentável diante do plano ontológico. Afinal, é inegável que os atos que antecedem essa sentença são nitidamente jurisdicionais; caso contrário, seria necessário encontrar algum outro ramo da atividade estatal que se relacionasse à aplicação do Direito Objetivo em etapa anterior à sentença de mérito, já que nem a função administrativa nem a legislativa se adequam a essa atribuição. E, ainda que tal ramo existisse, seria bastante difícil identificar alguma diferença real entre a atividade por ele desempenhada e a jurisdicional.

Mais um ponto extremamente problemático na teoria eclética é a profundidade da cognição judicial quando da análise das condições da ação, que se relaciona intimamente com o momento em que esse exame deve ser realizado. Para Liebman, o juiz deverá aferir a ocorrência das condições com base nas provas apresentadas, isto é, comparando as alegações feitas pelo autor com os dados da realidade fática. Tal concepção é completamente insustentável. Afirmamos, no tópico 6, supra, que as condições da ação fundamentam-se na necessidade de impedir que processos sem mínimas possibilidades de surtir efeitos úteis desenvolvam-se até a etapa final, até mesmo por uma questão de economia processual. Feriria a própria razão de ser do instituto a ideia (proposta, aliás, por Liebman) de que tais condições pudessem ser analisadas em qualquer momento do processo, culminando na possibilidade de uma eventual declaração de sua inexistência (?) e da carência da ação muito tempo depois que os ritos processuais (?) [30] já tivessem se iniciado. Se o juiz reconhecer, após a instrução probatória, que determinado credor é carente de ação porque não ficou provado que havia dívida alguma a ser cobrada (hipótese de falta de interesse de agir), tal pronunciamento será, necessariamente, de mérito. Caso contrário, poderíamos reduzir todas as sentenças denegatórias a simples declarações de carência da ação.

Não é outra a lição dos mestres Ovídio Baptista da Silva e Fábio Gomes (2009, p. 107 e ss.) quando afirmam que não são capazes de imaginar a possibilidade de, uma vez efetivamente provada a ocorrência de todas as condições da ação, o julgador prolatar uma sentença de improcedência. Voltemos ao caso do credor que ingressa em juízo exigindo o pagamento de um débito: sendo ele, efetivamente, credor de determinada quantia (legitimidade ativa) e tendo se dirigido ao devedor desta (legitimidade passiva), existindo realmente a dívida não paga e ausente qualquer exceção do devedor (interesse de agir), bem como não sendo proibida pelo Direito a tutela solicitada (possibilidade jurídica do pedido), é impossível que o juiz fundamente uma sentença de improcedência da demanda. A prova da real ocorrência das condições da ação é, portanto, uma questão de mérito, que investiga a fundo o direito material trazido a

Desenvolveu-se, a partir dessas constatações, uma corrente científica a que se deu o nome de teoria da asserção (FERNANDES, 2011, p. 58), que toma por base a ideia de que o julgador deverá analisar as condições da ação quando da apreciação da petição inicial, com base no que foi alegado[31] pelo autor. O pronunciamento quanto a sua efetiva ocorrência, que deverá ser devidamente provada, tem natureza de mérito – e não preliminar (MARINONI, 2012, p. 185).

Não é simplesmente teórica a discussão, haja vista que os efeitos práticos que produz são sobremaneira importantes. O mais relevante é, sem dúvida, a produção de coisa julgada material; por força do art. 268, caput (observando-se a ressalva do seu parágrafo único), do Código de Processo Civil, o provimento judicial que reconheça carência da ação gera coisa julgada meramente formal – isto é, impossibilita discussões sobre o tema apenas no mesmo processo. A nova impetração da mesma demanda, porém, não fica impedida. Perceba-se o enorme contrassenso (termo que, nesse caso, chega a ser um eufemismo) em que incorre o legislador pátrio: as condições da ação, que deveriam justamente obstar o desenvolvimento de processos manifestamente injurídicos[32], terminam por permitir que, contrariando tudo aquilo que se entende por economia processual, o indivíduo carecedor da ação possa provocar a jurisdição estatal (com o mesmo pedido, causa de pedir e sujeitos da demanda) repetidas vezes.

A adoção integral da teoria de Liebman levaria a uma conclusão totalmente absurda: todos os processos que, após a instrução probatória, levassem ao não reconhecimento do direito do autor, seriam extintos sem resolução de mérito, por carência da ação, e consequentemente não produziriam coisa julgada material.

Todavia, a mais contundente crítica elaborada pela doutrina pátria em relação à teoria eclética diz respeito, justamente, à própria ideia de impor condições à ação. Segundo Didier Júnior (p. 27) [33], é totalmente desarrazoada a manutenção dessas condições como uma categoria autônoma, distinta tanto dos pressupostos processuais como do mérito; a melhor solução seria, portanto, extirpar do ordenamento jurídico a noção de elementos necessários à existência da ação, incluindo as condições de Liebman na esfera dos “pressupostos de desenvolvimento regular do processo” (DIDIER JÚNIOR, p. 13) [34]. A aceitação da proposta do processualista baiano, em verdade, daria solução adequada aos principais inconvenientes da teoria eclética – atribuindo-se caráter jurisdicional à decisão que analisa as (não mais) condições da ação e eliminando do Direito pátrio a forçada ideia de que alguém que recorre ao Estado-juiz pode, posteriormente, ser julgado carecedor da ação. Restaria ao legislador federal somente a tarefa de conferir melhor disciplina à produção de coisa julgada nesses casos.

Impende lembrar, de forma conclusiva, a precisa observação de Ovídio da Silva e Fábio Gomes (2009, p. 107), de que, ao tentar conciliar duas correntes dogmáticas inconciliáveis (quais sejam, a abstrata e a concreta), Liebman construiu uma teoria que não conseguiu fornecer respostas adequadas ao problema da natureza jurídica da ação.


8. CONCLUSÃO

O tema da natureza do direito de ação, como vimos, permanece sem resposta; embora haja consenso doutrinário quanto à sua independência em relação ao plano material, em praticamente todos os demais aspectos relativos ao assunto divergem os grandes nomes da seara processualista. Esperamos ter conseguido atingir nosso objetivo de guiar o leitor através desse intrincado, polêmico, árido e, sobretudo, extremamente instigante capítulo do Direito Processual, provocando reflexões e estimulando o pensamento crítico. Afinal, a mera revisão literária da extensa produção científica do tema contribuiria pouco para a evolução científica e a proposta de novas soluções.

Se Windscheid e Muther tivessem se limitado a simplesmente descrever as bases da teoria imanentista, ainda hoje estaríamos presos à noção de que a ação é apenas uma face do direito material; a evolução e propagação de novas ideias sobre o assunto só foi possível por causa do espírito crítico, da ousadia de se posicionar na contramão da doutrina dominante e, também, da coragem de se expor à possibilidade de erro e de ser igualmente criticado. É assim que se constrói o conhecimento científico; se tivermos conseguido, com nossa pequena exposição sobre o tema, provocar a crítica, a intranquilidade e a inquietação quanto às múltiplas teorias informativas da ação, creio que nossa finalidade restará cumprida.


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Notas

[1] Entendam-se, por liberdades individuais, os direitos clássicos de status negativus, que muniam os indivíduos de um mecanismo de defesa contra a intervenção estatal em suas esferas privadas. Locke, novamente em virtude da influência do pensamento liberal burguês, concebia a propriedade como o principal desses direitos.

[2] Documento on-line, não paginado.

[3] Livro III – Dos Fatos Jurídicos – Disposições Preliminares.

[4] Documento on-line, não datado e não paginado.

[5] Documento on-line, não datado e não paginado.

[6] Perceba-se a clara oposição entre essa concepção e o pensamento de Savigny. Este último considerava que o direito de ação surgia da transformação do direito material, sendo, portanto, por ele produzido; tal noção da actio é, certamente, insustentável diante dos estudos de Windscheid.

[7] Esse direito subjetivo poderia ser entendido como o direito à segurança nas relações, bem como o direito “à não perturbação da própria esfera jurídica” (BRASILEIRO, 2008, p. 5905).

[8] Documento on-line, não datado e não paginado.

[9] Documento on-line, não paginado.

[10] Como afirmamos no tópico 2, supra, Muther defendia a existência de um direito de queixa direcionado ao Estado, ao lado da pretensão de direito material dirigida ao adversário na relação jurídica; parece-nos, portanto, que Plósz aderiu abertamente a essa tese ao visualizar os dois direitos de ação que mencionamos no parágrafo acima.

[11] Documento on-line, não paginado.

[12] Não se pense que, neste trecho, Chiovenda estava definindo seu conceito de ação como a mera possibilidade de agir em juízo, muito pelo contrário; o autor simplesmente se referiu ao supracitado inconveniente da teoria de Degenkolb e Plósz, que incorriam em notável contradição ao admitir o direito de ação àquele que, de boa-fé, não é possuidor do direito material, mas sem estendê-lo ao litigante de má-fé.

[13] Couture usa menos de vinte páginas, de leitura rápida e didática, para estabelecer os contornos gerais de sua teoria.

[14] Documento on-line, não datado e não paginado.

[15] Documento on-line, não datado e não paginado.

[16] Documento on-line, não datado e não paginado.

[17] Documento on-line, não datado e não paginado.

[18] “Art. 24: Tutti possono agire in giudizio per la tutela dei propri diritti e interessi legittimi.” Conteúdo semelhante possui o inciso XXXV do art. 5° da nossa Constituição Federal de 1998.

[19] Documento on-line, não datado.

[20] Documento on-line, não paginado.

[21] Documento on-line, não datado e não paginado.

[22] Os inconvenientes científicos e ontológicos oriundos dessa tese serão abordados no tópico 7, infra.

[23] A edição do Manual de Liebman a que tivemos acesso, datada de 1985, não mais discorre sobre a possibilidade jurídica como uma categoria autônoma. Entretanto, o tradutor da obra, Cândido Rangel Dinamarco, incluiu em uma nota de rodapé o trecho de uma edição anterior que trata dessa condição da ação, o que constituiu valiosa fonte de pesquisa para nossas observações.

[24] É o caso, citado pelo autor, dos corretores de ações que lesem os direitos de cada um de seus compradores no valor de setenta dólares, individualmente irrelevante; o valor de todas as lesões somadas, todavia, é de extrema relevância social.

[25] É em deferência a essa ideia, por exemplo, que geralmente se exige o prévio exaurimento da via administrativa antes do ingresso em juízo, sob pena de carência da ação por falta de interesse de agir.

[26] Documento on-line, não datado e não paginado.

[27] Entendemos, assim como Marinoni (2012, p. 305 e s.), que não se deve falar em uma “tutela condenatória” ou “tutela mandamental”. Essas espécies jurídicas são, em verdade, tipos de sentença – e, portanto, técnicas processuais –, haja vista que as modalidades de tutela jurídica devem ser definidas de acordo com os efeitos que produzem no plano material.

[28] Suponhamos que a ação tenha atendido todas as condições exigidas por Liebman.

[29] Documento on-line, não datado.

[30] As interrogações referem-se à incógnita, deixada por Liebman, da natureza do ato jurídico ocorrido até o reconhecimento de carência da ação, já que não houve processo e tampouco jurisdição.

[31] O Direito norte-americano adota semelhante solução. Mesmo não possuindo um sistema organizado e objetivo de condições da ação, os anglo-saxões reconhecem alguns pressupostos a serem preenchidos pelas ações (os pleading standards) que devem ser aferidos, unicamente, de acordo com as afirmações das partes (MICHALSKI, 2010, p. 115 e s.).

[32] Também há, quanto a esse aspecto da razão de ser das condições da ação, crítica doutrinária; os professores Ovídio Baptista da Silva e Fábio Gomes (2009, p. 109) entendem que, antes da sentença que decida sobre o mérito da demanda, não há “injuricidade” manifesta alguma.

[33] Documento on-line, não datado.

[34] Documento on-line, não datado.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOTTA, Thiago de Lucena. Teorias informativas do direito de ação: um estudo comparativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3568, 8 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24146. Acesso em: 23 abr. 2024.