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STF conclui o julgamento sobre lucros no exterior

STF conclui o julgamento sobre lucros no exterior

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Ignorar a existência de tratados internacionais colocaria o Brasil em posição ainda mais lamentável acerca do necessário respeito à segurança jurídica, ao ambiente de negócios e à estabilidade institucional, sobretudo aos olhos do investidor estrangeiro.

Em 03.04.2013 foi (finalmente) retomado o julgamento pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal em torno da inconstitucionalidade da atual sistemática de tributação dos lucros no exterior. O art. 74 da Medida Provisória 2.158-35/01 dispõe que será considerado, como momento da disponibilização da renda para efeito do IRPJ da empresa brasileira, a data do balanço da sua coligada ou controlada no exterior, mesmo que não tenha ocorrido ainda a distribuição dos lucros. Tal dispositivo foi desafiado pela ADI 2.588, ajuizada em 2001 pela CNI, e teve o seu deslinde com a prolação do último voto faltante (do Presidente, Ministro Joaquim Barbosa).

O impacto do resultado do julgamento do tema atinge todas as empresas brasileiras que lograram internacionalizar parte de suas atividades operacionais e passaram a competir para aumentar a sua penetração no mercado globalizado. Em razão disso, tal resultado foi aguardado desde 2001.

Ocorre que naquela sessão não foi possível ao Presidente da Corte proclamar o resultado final do julgamento. Diversos fatores contribuíram para isso, como o fato de que seis (dos dez) Ministros que votaram no caso se aposentaram desde o início do julgamento. Além disso, o “nuancismo” dessa complexa questão jurídica levou a Corte a se dividir em cinco orientações diferentes. Daí porque ficou difícil chegar ao resultado do julgamento. De fato, embora inconclusivo em parte dos temas submetidos ao seu escrutínio no processo objetivo, restou definitivamente concluído o julgamento em alguns aspectos. Vejamos.

Inicialmente, cabe lembrar que a Corte está desfalcada de uma cadeira, vez que o Ministro Ayres Britto se aposentou compulsoriamente em 2012 e a vaga que deixou ainda não foi preenchida. Nesse sentido, a comunidade jurídica e principalmente os jurisdicionados aguardam a indicação da Presidenta da República.

Dos dez votos proferidos na ADI 2.588, verifica-se cinco linhas principais que exsurgiram dos argumentos que os fundamentaram, a saber: 1ª) pela inconstitucionalidade integral do texto normativo impugnado (posição sustentada pelos votos dos Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski); 2ª) pela inconstitucionalidade parcial, apenas e tão somente com relação às coligadas, consoante o voto proferido pela Ministra Ellen Gracie; 3ª) pela inconstitucionalidade parcial, apenas e tão somente com relação às empresas situadas em países com tributação normal (e, portanto, constitucional em relação aos chamados paraísos fiscais e regimes fiscais privilegiados), consoante o voto do Ministro Joaquim Barbosa; 4ª) pela constitucionalidade integral, consoante votaram os Ministros Nelson Jobim, Eros Grau e Cezar Peluso (em verdade, essa corrente deu provimento parcial, mediante interpretação conforme à Constituição para submeter ao art. 74 as empresas controladas e coligadas no exterior submetidas ao Método de Equivalência Patrimonial que, de acordo com a legislação societária, alcança todas, o que, na prática, equivale à constitucionalidade integral); e 5ª) pela constitucionalidade parcial, com a expressa ressalva para as situações que envolvam empresas situadas em países com os quais o Brasil celebrou tratado para evitar a dupla tributação da renda, consoante voto do Ministro Ayres Britto.

Verifica-se, por conseguinte, que sedestacam cinco diferentes orientações (que se intercalam ou se repelem em diferentes cenários de colidências e/ou aproximações) em dez votos proferidos. Ora, soa até intuitiva a dificuldade enfrentada pelo Presidente, Ministro Joaquim Barbosa, para encontrar e proclamar o resultado do julgamento.

A técnica de decisão adequada para aferir o resultado em situações como essa, nas quais o cômputo dos votos deve ser fracionado para que se chegue aos pontos comuns majoritários (se existentes), dá-se através do critério chamado “voto médio”.

Desse modo, foi proclamado, com efeito vinculante e eficácia contra todos, o resultado no sentido de que a incidência do art. 74 da Medida Provisória nº 2.158-35/01: a) é constitucional quando se cuidar de controlada de empresa multinacional brasileira que se situar em paraíso fiscal (cf. o voto dos Ministros Joaquim Barbosa, Nelson Jobim, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Ayres Britto e Eros Grau); b) é inconstitucional quando se cuidar de coligada de empresa multinacional brasileira que se situar em país com tributação normal e/ou tratado para evitar a dupla tributação da renda (cf. o voto dos Ministros Joaquim Barbosa, Celso de Mello, Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio, Ellen Gracie e Ricardo Lewandowski); e c) é inconstitucional em relação ao seu parágrafo único (cf. o voto proferido pelos Ministros Joaquim Barbosa, Celso de Mello, Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio, Cezar Peluso e Ricardo Lewandowski).

Cabe registrar que a ressalva feita pelo Ministro Cezar Peluso quanto à inconstitucionalidade restrita e limitada ao parágrafo único do art. 74 foi percebida e debatida entre os Ministros durante a sessão do dia 10.04.2013.

Além desses resultados, com efeito vinculante e eficácia contra todos, também foram alcançados resultados que chegaram ao empate de votos, sem qualquer vinculação. Nesses casos, o pronunciamento definitivo da Suprema Corte ocorrerá em outro caso, a ser analisado quando submetido ao seu crivo.

Nesse sentido, interessa saber como se pronunciará o STF sobre a (in)constitucionalidade da incidência em foco quando: a) se cuidar de coligada de empresa multinacional brasileira situada em paraíso fiscal (cf. o voto proferidos pelos Ministros Joaquim Barbosa, Nelson Jobim, Cezar Peluso, Ayres Britto e Eros Grau x o voto dos Ministros Celso de Mello, Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e Ellen Gracie); e b) se tratar de controlada de empresa multinacional brasileira situada em país com tributação normal e naqueles em que o Brasil tenha firmado tratado para evitar a dupla tributação da renda (cf. os votos dos Ministros Joaquim Barbosa, Celso de Mello, Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski x os votos dos Ministros Nelson Jobim, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Eros Grau e Ayres Britto).

Aquela diligência e percepção que se verificou no cômputo do voto do Ministro Cezar Peluso a respeito do parágrafo único do art. 74 não houve em relação à expressa ressalva feita pelo Ministro Ayres Britto quanto às situações que envolvessem empresas situadas em países com os quais o Brasil firmou tratado para evitar a dupla tributação da renda e evitar a evasão fiscal.

Isso pode, em tese, se justificar pela complexidade do julgamento específico (com cinco diferentes posições em dez votos) e até mesmo pela vacância da cadeira do Ministro Ayres Britto, de modo que a sua ressalva específica a respeito dos tratados não foi percebida e computada na proclamação do resultado do julgamento da ADI 2.588.

Caso o seu voto tivesse sido oportunamente percebido, quando da sessão de 10.04.2013, que proclamou o resultado da ADI 2.588, então também nessa situação específica (qual seja, da inconstitucionalidade do art. 74 quando aplicável às controladas situadas em países com os quais o Brasil firmou tratado para evitar a dupla tributação da renda e a evasão fiscal) seria alcançada a maioria absoluta de seis votos. Aplicar-se-ia, portanto, com efeito vinculante e eficácia contra todos.

Percebe-se que seria mais um tema que seria resolvido pela proclamação do resultado do julgamento da ADI 2.588, mas que passou despercebido pelos Ministros que participaram do julgamento, especialmente pelos Ministros Teori Zavascki e Dias Toffoli, que conduziram a referida proclamação (curiosamente ambos não votaram naquela ação direta).

Nesse sentido, destacamos o resultado proclamado em tempo real pelo Núcleo de Estudos da Tributação Internacional – NETI, fórum de debate cibernético do qual fazemos parte, tanto no dia 03.04.2013 como também no dia 10.04.2013. Todos os resultados disponibilizados foram coincidentes, exceto aquele referente ao país com tratado para controladas de empresas multinacionais brasileiras.

Com a proclamação do resultado foi encerrado o julgamento da ADI 2.588. Em seguida, segundo a pauta estabelecida pelo Presidente, a Suprema Corte passou ao exame do RE 611.586 (com repercussão geral e que versa sobre controlada que encabeça a lista de paraíso fiscal – Aruba).

Naquele caso específico, levando em consideração que versa sobre situação que foi definida, com efeito vinculante e eficácia contra todos na ADI 2.588, então foi, por maioria, prontamente negado provimento ao recurso extraordinário da empresa contribuinte, vencido apenas o Ministro Marco Aurélio.

Quanto ao terceiro caso de interesse geral para a comunidade jurídica, o RE 541.090 cuidava especificamente sobre controlada de empresa multinacional brasileira situada em países com os quais o Brasil firmou o acordo para evitar a dupla tributação da renda (China e Itália).

Nesse caso, o Tribunal deu parcial provimento ao recurso extraordinário da União para considerar ilegítima a tributação retroativa, nos termos do parágrafo único do art. 74, vencidos os Ministros Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de Mello (que negavam provimento integral).

Em seguida, foi determinado o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que se pronuncie sobre a questão atinente à vedação da bitributação baseada em tratados internacionais, vencido o Ministro Dias Toffoli. Redigirá o acórdão o Ministro Teori Zavascki, que reajustou o seu voto, anteriormente prolatado todo no sentido da constitucionalidade.

Houve intenso e surpreendente debate em torno do necessário prequestionamento da matéria pelo recorrido (e, portanto, vencedor no tribunal de segunda instância), consoante a sistemática processual hoje vigente. No caso concreto, a empresa contribuinte recorrida suscitou, desde a petição inicial, a inconstitucionalidade do art. 74 e, em caráter subsidiário, o seu afastamento à luz da existência de tratado para evitar a dupla tributação da renda firmado entre o Brasil e a China e a Itália, como bem registrado pela Ministra Rosa Weber. Ora, como o acórdão recorrido declarou a inconstitucionalidade do referido art. 74, por óbvio não analisou a situação específica (e subsidiária) referente aos tratados.

Os Ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski manifestaram-se expressamente no sentido de proclamar o pronunciamento definitivo da Suprema Corte acerca da questão jurídica pendente. A maioria, contudo, chegou à conclusão de que os autos deveriam ser baixados para a análise dessa questão específica pelo Tribunal (por falta de prequestionamento).

Com isso, o STF decidiu não decidir. E pior, numa situação que já estava decidida, inclusive com efeito vinculante e eficácia contra todos. De fato, contabilizando a expressa ressalva feita pelo Ministro Ayres Britto no seu voto (e que foi ignorada pelo Plenário no cômputo do resultado final da ADI 2.588), o assunto versado no RE 541.090 teria sido resolvido pela aplicação do resultando do processo objetivo ao subjetivo, com o ganho de causa imediato para a empresa contribuinte e o desprovimento do recurso extraordinário da União (Fazenda Nacional).

Tal omissão, flagrantemente perpetrada pelo Pleno do STF, ainda que sem a percepção de que tal distorção ocorrera, poderá ser corrigida mediante a oposição dos competentes embargos de declaração pela CNI quando da publicação do acórdão omisso, que se espera ocorra nas próximas semanas.

Se isso ocorrer quando da oposição dos embargos de declaração pela CNI, então certamente a sorte do RE 541.090 no Tribunal Regional Federal de segunda instância será no sentido que for decidida a ADI 2.588 (dado o seu efeito vinculante e eficácia contra todos).

Colhidos todos os dez votos, resta saber se todos os Ministros integrantes da atual composição proferirão voto ou apenas aqueles que ainda não foram sucedidos desde o início do julgamento (Ministros Joaquim Barbosa, Celso de Mello, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski).

Em resumo, o julgamento do RE 611.586 (onde TODOS os Ministros profeririam seus votos) não ocorreu diante da aplicação do precedente firmado na ADI 2.588 a respeito da situação versada naqueles autos, isto é, empresa controlada de multinacional brasileira situada em paraíso fiscal (Aruba). De acordo com a aplicação do precedente contido na ADI 2.588, o recurso da empresa contribuinte foi improvido.

Quanto ao resultado do RE 541.090, verifica-se situação duplamente curiosaporque: 1º) exigiu-se um prequestionamento da empresa contribuinte recorrida acerca de pedido subsidiário que jamais foi questionada, especialmente levando em conta que ela (vencedora na demanda) foi RECORRIDA; 2º) tudo indica, pelos votos já proferidos e pela proporcionalidade e razoabilidade da posição, que os tratados internacionais serão respeitados no acórdão do STF.

Com efeito, ignorar a existência de tais tratados colocaria o Brasil em posição ainda mais lamentável acerca do necessário respeito à segurança jurídica, ao ambiente de negócios e à estabilidade institucional, sobretudo aos olhos do investidor estrangeiro.

Nesse sentido, cabe registrar que o tratado firmado com a Alemanha em 1976 foi denunciado por aquele país (a partir de 01.01.2006) em razão do reiterado descumprimento em relação a algumas cláusulas que, no ambiente civilizado e evoluído, gozam de interpretação relativamente estável (sem a criatividade tupiniquim). Em razão disso, há enorme atenção da Europa voltada ao Brasil no que se refere ao cumprimento dos tratados internacionais.

Não obstante, se o pronunciamento definitivo do Plenário do STF for pela constitucionalidade da incidência do art. 74 em relação às controladas de empresas brasileiras situadas em países com tributação normal e/ou com os quais o Brasil tenha firmado tratado para evitar a dupla tributação da renda, então caberá a modulação temporal dos efeitos de tal decisão, na medida em que terá cambiado radicalmente em relação ao precedente anteriormente estabelecido no julgamento acerca da inconstitucionalidade do ILL (RE 172.058).

Em processo objetivo, a modulação temporal dos efeitos da decisão pode ser pleiteada tanto em sede de embargos de declaração como também em questão de ordem em qualquer momento, desde que antes de proclamado o resultado final do julgamento. Na situação específica das empresas multinacionais brasileiras que detém investimento no exterior não houve o pedido expresso até o presente momento.

De tudo o que foi exposto, de modo resumido no presente artigo, verifica-se que ainda resta para as empresas multinacionais brasileiras alguma perspectiva acerca do julgamento pelo Pleno do STF deempresas controladas situadas em países com tributação normal e em países com os quais o Brasil mantenha tratado para evitar a dupla tributação, bem como para empresas coligadas situadas em paraísos fiscais.

Ora, nessa última hipótese, levando em conta os votos já proferidos, chega-se à conclusão de que seguirá a mesma sorte dos casos com controladas em paraíso fiscal, especialmente cotejando os votos dos Ministros Joaquim Barbosa e Ellen Gracie.

Contudo, levando-se em conta os votos já proferidos, tudo indica que tanto os países com tributação normal como também aqueles com os quais o Brasil tenha firmado tratado para evitar a dupla tributação da renda e a evasão fiscal, serão ressalvados pela Suprema Corte quando do pronunciamento definitivo acerca da aplicação do art. 74 da Medida Provisória nº 2.158-35/01 (não incidente em tais situações).


Autor

  • Fábio Martins de Andrade

    Autor dos livros "Direito Tributário - A advocacia no STF em temas estratégicos" (Ed. Lumen Juris, 2018), "Grandes questões tributárias na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal" (Ed. Lumen Juris, 2018), "A polêmica em torno do voto duplo: A inconstitucionalidade do voto de qualidade nas decisões do CARF" (Ed. Lumen Juris, 2017), "Aspectos sobre a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base da COFINS e do PIS" (Ed. Lumen Juris, 2017), "Modulação e Consequencialismo" (Ed. Lumen Juris, 2017), "Modulação & STF: A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre modulação" (Ed. Lumen Juris, 2016), "Caso Marbury v. Madison: O nascedouro do controle de constitucionalidade" (Sergio Antonio Fabris Editor, 2016), "Artigos jurídicos em escritos jornalísticos" (Ed. Alameda, 2016), "Modulação em Matéria Tributária: O argumento pragmático ou consequencialista de cunho econômico e as decisões do STF" (Ed. Quartier Latin, 2011) e "Mídi@ e Poder Judiciário: A influência dos órgãos da mídia no processo penal brasileiro" (Ed. Lumen Juris, 2007). Doutor em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, Mestre em Ciências Penais pela Universidade Candido Mendes – UCAM e Pós-graduado em Direito Penal Econômico na Universidad Castilla-La Mancha - UCLM, Espanha, pós-graduado em Criminologia na Universidad de Salamanca - USAL, Espanha, pós-graduado em Control Judicial de Constitucionalidad na Universidad de Buenos Aires - UBA, com especialização e aperfeiçoamento em Direito Processual Constitucional na UERJ. Membro de diversas instituições, dentre as quais: Instituto dos Advogados Brasileiros, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, Associação Brasileira de Direito Financeiro, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, International Fiscal Association, Associação Brasileira de Direito Tributário, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e Associação Internacional de Direito Penal.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, Fábio Martins de. STF conclui o julgamento sobre lucros no exterior. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3628, 7 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24644. Acesso em: 19 abr. 2024.