Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/24662
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A responsabilidade no IPVA paulista

A responsabilidade no IPVA paulista

Publicado em . Elaborado em .

No IPVA, o instituto da responsabilidade é importante para dar validade jurídica a lançamentos automáticos por notificação que a Fazenda Pública do Estado de São Paulo realiza anualmente, a partir de dados constantes do Cadastro Geral de Veículos do DETRAN.

Resumo: O estudo da responsabilidade no direito tributário exige conhecimento prévio da sujeição passiva. De fato, na relação jurídica tributária prescrita no consequente da regra-matriz de incidência, o sujeito passivo está obrigado a dar quantia em dinheiro ao sujeito ativo (Estado). O responsável, porém, na maioria das vezes é parte de outra relação jurídica, de natureza sancionatória, mas que tem a mesma prestação da relação tributária: pagar ao Estado o tributo que não foi pago pelo sujeito passivo. No Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), a utilização do instituto da responsabilidade é de fundamental importância para dar validade jurídica a lançamentos automáticos por notificação que a Fazenda Pública do Estado de São Paulo realiza anualmente, a partir de dados constantes do Cadastro Geral de Veículos do Departamento Estadual de Trânsito – DETRAN. No artigo, analisaremos os casos de responsabilidade previstos nos incisos do art. 6º da atual lei do IPVA do Estado de São Paulo (13.296/2008). Somente pelo exame da hipótese e do consequente da norma de responsabilidade é que se pode saber quando nasce a responsabilidade, que eventos tributados ela alcança e quando ela efetivamente cessa.

Palavras-chave: IPVA; responsabilidade; sujeição passiva.


Introdução

A responsabilidade visa facilitar a arrecadação do tributo, deslocando sua cobrança daquele que está ligado diretamente ao critério material da hipótese da regra-matriz de incidência tributária, o contribuinte, para outro sujeito previsto em lei, o responsável.

Algumas vezes, a responsabilidade conduz a situações consideradas injustas. No entanto, ela não foi criada para promover justiça fiscal. Sua finalidade é aumentar a eficiência e a eficácia da arrecadação do tributo.

Em alguns casos, a Fazenda pode exigir o tributo do contribuinte, do responsável ou de ambos (responsabilidade solidária), mas opta pelo devedor mais solvável. No IPVA, porém, em razão de frequentes mudanças de titularidade dos veículos automotores usados, a utilização da responsabilidade é mais uma necessidade de se confirmar lançamentos automáticos por notificação que a Fazenda do Estado de São Paulo efetua anualmente, do que uma comodidade em arrecadar o imposto.

De fato, com base no Cadastro de Veículos do DETRAN do Estado de São Paulo, a Secretaria da Fazenda desse Estado organiza o Cadastro de Contribuintes do IPVA e faz regularmente lançamentos automáticos do IPVA por notificação no Diário Oficial do Estado para todo veículo automotor com o IPVA do exercício vencido, sem pagamento do imposto e sem registro, no exercício, de: reconhecimento de imunidade, concessão de isenção ou dispensa de pagamento do imposto. O lançamento é feito em nome daquele que consta como proprietário no Cadastro de Veículos do DETRAN.

Note-se que a Fazenda do Estado desconhece se, na data do fato jurídico tributário (fato gerador) do IPVA, quem constava do Cadastro do DETRAN era o proprietário do veículo (quando responde como contribuinte), se essa pessoa já alienara o veículo sem ter comunicado o fato ao DETRAN ou à Secretaria da Fazenda no prazo de 30 (trinta) dias contados da alienação, ou se era mero possuidor do veículo (quando o alienante ou o possuidor responde como responsável solidário pelo pagamento do imposto).


1.      Da responsabilidade tributária

Para que a Fazenda Pública possa arrecadar tributos por meios simples e econômicos, o legislador transfere em alguns casos a responsabilidade pela dívida tributária para terceiro.

A regra geral de responsabilidade está prevista no art. 128 do Código Tributário Nacional (CTN), que assim dispõe:

“Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação”.

De acordo com a regra, o terceiro, a quem a lei atribui de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário, deve estar vinculado ao fato gerador da respectiva obrigação. A substituição é feita, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou a ele atribuindo, supletivamente, o cumprimento total ou parcial da obrigação.

Os artigos 129 a 138 do CTN apresentam regras específicas de responsabilidade pelo tributo devido ou pelo crédito tributário[1], todas com fundamento na ressalva inicial do art. 128 do Código (CARVALHO, 2008, p. 349).

O caput do art. 121 do CTN define o sujeito passivo da obrigação principal como a pessoa obrigada ao pagamento do tributo ou penalidade pecuniária. O parágrafo único do artigo dispõe que o sujeito passivo é dito: contribuinte, quando tem relação pessoal e direta com a situação que constitui o respectivo fato gerador (inc. I); ou responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, tem obrigação que decorre de disposição expressa de lei (inc. II).

Conforme veremos, somente no caso de o responsável estar vinculado ao fato gerador da obrigação tributária – isto é, sair da compostura interna do fato jurídico tributário, sem ser a pessoa que o realizou, no dizer de Carvalho (2008, p. 352) – é que ele será sujeito passivo de relação obrigacional de natureza tributária. Inexistindo a vinculação, no mais das vezes ele será sujeito passivo de outra relação obrigacional, mas de natureza sancionatória.


2.      Da escolha do sujeito passivo

Tem o legislador ordinário liberdade para escolher o sujeito passivo de impostos, taxas ou contribuições? Becho (2000, p. 68-78) e doutrinadores por ele citados entendem que só pode ser sujeito passivo aquele que realiza a materialidade da hipótese de incidência do tributo.

Em artigo em coautoria, Geraldo Ataliba e Cleber Giardino assinalaram:

“Em princípio só pode ser posta, pelo legislador, como sujeito das relações obrigacionais tributárias, a pessoa que – explícita ou implicitamente – é referida pelo texto constitucional como ‘destinatário da carga tributária’ (ou destinatário legal tributário, na feliz construção de Hector Villegas, cf. artigo RDP 30/242)”.

“Será sujeito passivo, no sistema tributário brasileiro, a pessoa que provoca, desencadeia ou produz a materialidade da hipótese de incidência de um tributo (como inferida da constituição) ou ‘quem tenha relação pessoal e direta‘ – como diz o art. 121, parágrafo único, I do CTN – com essa materialidade” (ATALIBA, 2008, p. 87).

Carrazza (2000, p. 179) afirma existir “um princípio de submetimento do legislador à Constituição; é ele que determina a própria validade da lei”.

Carvalho (2008, p. 347) pontifica:

“O território de eleição do sujeito passivo das obrigações tributárias e, bem assim, das pessoas que devam responder solidariamente pela dívida, está circunscrito ao âmbito da situação factual contida no outorga de competência impositiva, cravada no texto da Constituição”.

O ilustre Autor assevera ainda não ser possível ao legislador indicar para sujeito passivo alguém que não tenha personalidade jurídica, nos termos em que definida pelo direito civil. Isso porque a composição do liame obrigacional com devedor sem personalidade jurídica impediria medidas processuais necessárias à consecução da pretensão fiscal (CARVALHO, 2008, p. 342-344).

A Constituição brasileira define de forma minuciosa os impostos e distribui as competências para instituí-los entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. O critério material da hipótese de incidência de imposto, formado por um verbo e por seu complemento (CARVALHO, 2008, p. 285-287), pode ser inferido pelo nome que a Constituição deu ao imposto. Por exemplo: no Imposto sobre a Renda ou Proventos de qualquer Natureza, o critério material é auferir renda ou provento; no Imposto de Importação sobre Produtos Estrangeiros, é importar produto estrangeiro; no Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana, é ser proprietário de imóvel na zona urbana de município; no Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores, é ser proprietário de veículo automotor. A liberdade que o legislador ordinário tem para escolher o sujeito passivo é, portanto, reduzida. Nos quatro impostos citados, os sujeitos passivos são respectivamente a pessoa que aufere a renda ou o provento, o importador; o proprietário do imóvel; o proprietário do veículo. A esses sujeitos passivos, porque identificados diretamente no texto constitucional, Becho (2000, p. 85) dá o nome de sujeitos passivos constitucionais.

Ao sujeito passivo escolhido pelo legislador infraconstitucional, que não decorre do critério material inferido da Constituição, Becho (2000, p. 90) dá o nome de sujeito passivo legal.

Na escolha do sujeito passivo legal, o legislador infraconstitucional deve utilizar um dos seguintes critérios (BECHO, p. 92-93):

a) aproximação jurídica: o sujeito passivo legal deve pertencer a uma classe de pessoas, naturais ou jurídicas, que estejam próximas – juridicamente – de realizar a materialidade prevista na hipótese de incidência (ex: para o IPTU, o legislador escolheu o titular de domínio útil ou o possuidor a qualquer título, que são quase-proprietários – vide art. 34 do CTN);

b)   ausência de sujeito passivo constitucional: para o evento jurídico tributário, a autoridade fiscal não ter meios para identificar o sujeito passivo constitucional ou não ter como dele exigir o tributo. Exemplo: para o Imposto de Importação de Produtos Estrangeiros, o legislador complementar escolheu o arrematante do produto abandonado ou apreendido (vide inc. II do art. 22 do CTN), pois, além de estar próximo juridicamente do importador, é a pessoa de quem a União tem como exigir o imposto, no caso de o produto importado ter sido: i) abandonado pelo importador; ii) apreendido pela autoridade aduaneira, porque o importador realizou operação ilegal.

Havendo o sujeito passivo constitucional, Becho (2000, p. 93) não aceita a eleição de outro sujeito para ocupar o polo passivo da relação tributária, por razão de conveniência administrativa, assunto de política fiscal inconfundível com o direito positivo.


3.      Do princípio da capacidade contributiva

Em razão do princípio constitucional da capacidade contributiva, o antecedente da norma impositiva de imposto deve conter em seu critério material a descrição do comportamento de um sujeito de direito que ostente sinais de riqueza, sob pena de aquela norma ser inconstitucional (QUEIROZ, 1999, p. 171). No entanto, o critério material poderá também descrever situação (estado) em que o sujeito se encontra que denote sinais de riqueza, como ser proprietário de um bem.

O sujeito passivo da relação jurídica prescrita no consequente da norma impositiva de imposto, por força do princípio constitucional da capacidade contributiva, “só pode ser aquele (mesmo) titular da riqueza pessoal descrita pelo critério material do antecedente, pois é parte da riqueza dele que será entregue ao Estado” (QUEIROZ, 1999, p. 179).

No IPVA, a capacidade contributiva é objetiva, porque não se refere às condições econômicas de cada contribuinte, mas à sua manifestação objetiva de riqueza: ser proprietário de veículo automotor (CARRAZZA, 2000, p. 67). Não importa se o contribuinte aufere renda suficiente para poder pagar o imposto. Se não auferir, ele poderá alienar o veículo para conseguir recursos para quitar débitos do IPVA de exercícios anteriores e para não ter de pagar o imposto em exercícios futuros.

No entanto, a capacidade contributiva objetiva (ínsita ao critério material da hipótese da regra-matriz de incidência do IPVA) pode não se verificar com o responsável. É o que ocorre, por exemplo, quando pessoa que possui apenas um veículo automotor vende-o para poder pagar suas dívidas mas não comunica a alienação ao DETRAN ou não fornece à Secretaria da Fazenda os dados necessários à atualização do Cadastro de Contribuintes do IPVA. Se o adquirente não solicitar a expedição de novo Certificado de Registro de Veículo (CRV) em seu nome nem pagar o IPVA do exercício seguinte, o lançamento será em nome do alienante. A omissão do alienante transformou-o em responsável solidário pelo pagamento do IPVA, nos termos do disposto no inc. II do art. 6º da Lei 13.296/2008[2], combinado com seu § 2º.


4.      Critérios quantitativo, temporal e espacial do consequente da regra-matriz de incidência do IPVA

Seguindo lição de Carvalho (2008, p. 360), Queiroz (1999, p. 175) afirma ser a base de cálculo a grandeza instituída no consequente da norma, que se destina a dimensionar a riqueza presente no fato descrito no critério material do antecedente normativo.

Alíquota é a parcela ou percentual da base de cálculo que o sujeito passivo deve entregar ao Estado. No IPVA, a alíquota é proporcional invariável. Proporcional, porque aparece em forma de fração ou de percentual (p. ex., a alíquota do IPVA de automóveis flex ou com motor especificado para funcionar exclusivamente com gasolina é de 4% – quatro por cento); invariável, porque é a mesma qualquer que seja o valor assumido pela base de cálculo no caso concreto (base calculada). Como adverte Carvalho (2008, p. 372), é pela imposição de limite superior para a alíquota que a autoridade legislativa evita que a tributação transforme-se em confisco, vedado pelo inc. IV do art. 150 da Constituição.

Queiroz (1999, p. 176) afirma que os critérios temporal e espacial do consequente da regra-matriz de incidência do imposto “têm merecido pouco destaque por parte da doutrina”. De fato, careceria de sentido uma relação jurídica tributária, com obrigação de “dar”, que não prescrevesse data-limite (critério temporal) para o devedor entregar certa quantia de dinheiro ao credor nem o lugar (critério espacial) onde essa entrega deve ser realizada.

No entanto, a incompletude da regra-matriz de incidência do IPVA (norma legal) é aparente, visto que os critérios temporal e espacial da relação jurídica prescrita em seu consequente estão definidos em normas infralegais, por não serem matérias sujeitas à reserva legal, previstas nos incisos I a VI do art. 97 do CTN. Com efeito, as datas de vencimento do IPVA nas opções de pagamento à vista com desconto, à vista sem desconto ou em três parcelas mensais, iguais e consecutivas são fixadas em decreto do Poder Executivo, editado no exercício anterior ao de incidência do IPVA. No que concerne ao critério espacial, o IPVA pode ser recolhido em agência de um dos bancos autorizados para o seu recebimento (relacionados no “sítio” da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo – disponível em: <http://www3.fazenda.sp.gov.br>), bastando que interessado informe ao “caixa” do banco o número do RENAVAM do veículo.


5.      Da natureza da responsabilidade tributária

Ainda que sumariamente, analisaremos a natureza da responsabilidade tributária. A divergência de entendimentos entre os autores demonstra a complexidade do tema.

O inc. II do art. 124 do CTN declara solidariamente obrigadas “as pessoas expressamente designadas por lei”. Depois de observar que falta competência constitucional ao legislador ordinário para exigir o tributo de pessoa alheia ao fato descrito hipoteticamente no antecedente da norma de incidência, Carvalho (2008, p. 347-348) conclui que os devedores solidários, instituídos pela lei, mas estranhos ao evento jurídico-tributário, não participam daquele liame obrigacional, mas de outro, de cunho sancionatório, que surge pelo descumprimento de algum dever. Aduz o Autor que “ninguém pode ser compelido a pagar tributo sem que tenha realizado, ou participado da realização de um fato, definido como tributário pela lei competente” e que em todas as hipóteses de responsabilidade tributária previstas no CTN o coobrigado não foi retirado do quadro da concretude fáctica, peculiar ao tributo, mas foi escolhido como tal por haver descumprido dever que lhe cabia observar. Assevera que, embora falte ao legislador de determinado tributo “competência para colocar alguém na posição de sujeito passivo da respectiva obrigação tributária, ele pode legislar criando outras relações, de caráter administrativo, instituindo deveres e prescrevendo sanções”.

Os devedores solidários estranhos ao acontecimento do fato jurídico tributário “integram outro vínculo jurídico, que nasceu por força de uma ocorrência tida como ilícita” (CARVALHO, 2008, p. 348). Há, na realidade, duas relações jurídicas obrigacionais: a tributária, de que são partes o Estado e o contribuinte, e a sancionatória, de que são partes o Estado e o responsável. Por terem prestações idênticas (pagamento do tributo devido pelo contribuinte), parece haver “uma única relação, com dois sujeitos que se aproximam pelas ligações de solidariedade jurídica”. Para dificultar ainda mais a compreensão do assunto, “o pagamento efetuado pelo devedor solidário tem o condão de extinguir a obrigação tributária” (CARVALHO, 2008, p. 348). Assim, a obrigação do responsável é sanção por infração administrativa.

À lição de Carvalho adere Queiroz (1999, p. 180), para quem:

contribuinte é o único sujeito de direito (sujeito passivo) que pode figurar no pólo (sic) passivo da relação jurídica tributária e cuja identificação é informada pelo critério pessoal passivo do conseqüente (sic) da norma impositiva de imposto”.

“Se o sujeito passivo for outro (responsável ou substituto, p. ex.), a norma terá necessariamente natureza diversa da tributária”.

Para Queiroz (1999, p. 185), a norma que dispõe sobre a responsabilidade pode ser:

a) primária[3] principal de natureza não-tributária; ou

b) primária de natureza punitiva.

Segundo o Autor (1999, p. 185), a responsabilidade que resulta da primeira norma ocorre nos casos em que há uma sub-rogação subjetiva de todos os direitos e deveres (em especial os deveres tributários), exceto os personalíssimos (como o direito à vida, à saúde etc.), do contribuinte para o responsável.

Se o contribuinte for pessoa natural, a sub-rogação subjetiva somente se processará na sucessão causa mortis, prevista no art. 131, II e III do CTN (QUEIROZ, 1999, p. 186). Exemplo: o débito de IPVA de veículo automotor que havia sido de propriedade do de cujus, e que passou a ser de responsabilidade do sucessor a qualquer título e do cônjuge meeiro, limitada a responsabilidade ao montante do quinhão, do legado ou da meação. Se o contribuinte for pessoa jurídica, a sub-rogação subjetiva de todos os direitos e deveres se processará por meio de fusão de empresas, de transformação ou de incorporação de empresa, previstas no art. 132, caput, do CTN (QUEIROZ, 1999, p. 186). Exemplo: o débito de IPVA da empresa A, então proprietária de veículo automotor, passou a ser débito da empresa B, assim que esta empresa incorporou aquela.

Embora Queiroz fale em “sub-rogação subjetiva de todos os direitos e deveres” do contribuinte para o responsável, na doutrina e nas disposições do Código Civil (CC) o termo é usado para a pessoa natural que paga dívida de outrem e que assume os (ou se sub-roga nos) direitos do primitivo credor. Com efeito:

“No conceito do Direito Civil e do Direito Comercial, sub-rogação resulta sempre na substituição de coisa, ou pessoa, por outra coisa ou pessoa, sôbre (sic) que recaem as mesmas qualidades ou condições dispostas anteriormente em relação à coisa, ou à pessoa substituída” (SILVA, 1973, p. 1.483).

Ora, não são as mesmas as condições da pessoa substituta (sucessora) e as da substituída (sucedida), já que somente esta é quem provoca, desencadeia ou produz a materialidade da hipótese tributária.

A sub-rogação a que o Autor se refere é legal e pessoal, assim definidas:

“SUB-ROGAÇÃO LEGAL. Ao contrário da sub-rogação convencional, a sub-rogação legal é a que se opera, por fôrça (sic) de lei, independentemente do consentimento do devedor e de declaração expressa do credor.

[...]

SUB-ROGAÇÃO PESSOAL. É a que importa na substituição de uma pessoa por outra em uma relação de direito.

A sub-rogação pessoal, em geral, resulta da que se opera por um pagamento de terceiro, ou interessado, de dívida alheia” (SILVA, 1973, p. 1.484).

No art. 259, parágrafo único, do CC, quem paga a dívida é um dos devedores; no art. 346, III, do CC é terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte; no art. 347, II, do CC, é terceira pessoa que empresta ao devedor a quantia precisa para solver a dívida, sob a condição expressa de ficar o mutuante sub-rogado nos direitos do credor satisfeito.

Seguindo as lições de Sousa (1960, p. 72), muitos autores preferem falar em “sucessão”, em vez de “responsabilidade” ou “sub-rogação”, e em “sucessor”, em vez de “responsável” ou “sub-rogado”. Na sucessão de pessoa natural, isso nos parece mais adequado.

Não vislumbramos também a responsabilidade do cônjuge meeiro ou do sucessor a qualquer título como sanção por descumprimento de dever administrativo a um ou a outro cometido. Com efeito, a responsabilidade do cônjuge meeiro ou do sucessor a título universal (herdeiro) ou singular (legatário) decorre do evento morte, de modo que o primeiro dever jurídico cometido àquelas pessoas já é o de pagar tributo devido pelo de cujus até a data da partilha ou adjudicação.

No entanto, na sucessão de pessoa jurídica em razão de fusão, incorporação ou cisão com extinção da empresa cindida, vislumbramos dever administrativo, implícito, de futuros ou atuais administradores, da empresa a ser criada pela fusão, da empresa incorporadora ou das empresas que absorverão parcelas do patrimônio da empresa cindida investigarem débitos tributários da(s) candidata(s) à fusão, incorporação ou cisão, já constituídos ou ainda passíveis de serem constituídos, antes de realizarem a sucessão. A sanção por descumprimento daquele dever é a(s) empresa(s) sucessora(s) ter(em) de pagar débitos tributários da(s) empresa(s) sucedida(s).

De acordo com Queiroz (1999, p. 186), porque a sub-rogação subjetiva advém de fato jurídico lícito, a norma que dispõe sobre responsabilidade por sub-rogação subjetiva total é necessariamente norma primária principal. Seu antecedente descreve fato lícito: uma pessoa natural morrer ou uma pessoa jurídica fundir-se a outra, transformar-se em outra ou ser por esta incorporada.

No caso de norma primária de natureza punitiva, o responsável será, a rigor, sujeito passivo de duas relações jurídico-formais diferentes (QUEIROZ, p. 188):

a)      que está prescrita no consequente de norma primária principal, de natureza não-tributária mas sim administrativo-fiscal, que lhe impõe dever jurídico de interesse da Administração (p. ex.: o interessado em adquirir veículo automotor usado ter de verificar se há débito do IPVA do exercício ou de exercício anterior, sob pena de, efetuada a aquisição, tornar-se por ele responsável, a teor do disposto no inc. I do art. 131 do CTN);

b)      que está prescrita no consequente de norma primária punitiva, que lhe impõe uma sanção pecuniária pelo não-cumprimento da conduta prescrita no consequente da norma primária administrativo-fiscal (p. ex.: o adquirente de veículo automotor, agora responsável, estar obrigado a entregar ao Estado quantia de dinheiro equivalente ao valor do IPVA que o alienante e contribuinte deveria ter entregado).

Ao rever e complementar obra de Baleeiro (1999, p. 737-738), Derzi afirma haver duas normas jurídicas interligadas: a norma básica ou matriz, que disciplina a obrigação tributária principal ou acessória; e a norma complementar ou secundária, que depende da primeira e que se presta a alterar apenas o aspecto subjetivo da consequência da norma anterior, uma vez ocorrido o fato descrito em sua hipótese. Aduz a Autora que o aspecto material da norma básica descreve, invariavelmente, fato lícito – pois tributo não é sanção de ato ilícito – enquanto o aspecto material da norma secundária pode descrever fato lícito (sucessão, por ex.) ou ilícito (ação ou omissão previstas nos arts. 134 e 135 do CTN)[4]. Para Derzi, a vinculação do responsável com o fato gerador, exigida pelo art. 128 do CTN, é verificada pelo fato de o aspecto material da hipótese da norma secundária (com o qual o responsável tem relação pessoal e direta) estar em conexão com algum aspecto da norma básica de incidência.

Importa destacar que, se o lançamento tributário foi efetuado em nome de pessoa natural ou jurídica antes de ocorrer a sucessão, uma vez ocorrida, a substituição do sujeito passivo resultará da lei (art. 131, II e III ou art. 132, caput, do CTN), não precisando a autoridade administrativa proceder a novo lançamento em nome da sucessora.

Discordando de Carvalho, Justen Filho (1985, p. 290-291) afirma ter natureza tributária a norma cujo consequente prescreve uma sanção (perinorma) a terceiro (responsável), porque este deixou de cumprir dever prescrito no consequente de outra norma (endonorma)[5]. Observa, com propriedade, que “o destinatário da responsabilidade tributária encontra-se em situação de poder sobre o sujeito passivo tributário, de molde a ser-lhe dado exigir ou verificar o cumprimento da prestação devida” (JUSTEN FILHO, 1985, p. 295).

Convém destacar ainda a posição de Becho (2000, p. 152) sobre a responsabilidade tributária e o responsável. O Autor afirma filiar-se à corrente na qual estão Gian Antonio Micheli e Paulo de Barros Carvalho, por entender que o responsável é garantidor fiduciário do crédito tributário, não participando da relação jurídico-tributária que resulta da subsunção do relato do evento tributado ao fato descrito na hipótese da regra-matriz tributária. Explica a relação de crédito pela “teoria dualista” das obrigações do direito alemão, que separa de forma lógica o crédito/débito (Schuld) e a garantia/responsabilidade (Haftung) (BECHO, 2000, p. 153)[6].

Para Becho (2000, p. 153-154), a Constituição Federal traz o Schuld dos tributos que especifica (crédito para o Estado, débito para o contribuinte),

“para os sujeitos passivos constitucionais e para os sujeitos passivos legais, por autorização implícita, mas não traz o Haftung, [...]. Já a responsabilidade, tanto do devedor tributário como do responsável tributário, também está protegida pela Constituição, mas em outras normas (v.g. a que determina o cumprimento do due process of law, para alguém ver-se despojado de seus bens)”.

Assevera Becho (2000, p. 154-155) que

“a responsabilidade (Haftung) que todo devedor possui, pode existir para outras pessoas que não possuem a dívida (Schuld). Com isso, resta evidente que todos os que possuem a dívida possuem a responsabilidade (para seu patrimônio, esclareça-se), mas nem todos que possuem a responsabilidade, possuem a dívida”.

O Autor dá como exemplo de aplicação de sua teoria os incisos II e III do artigo 131 do CTN, que preveem a responsabilidade do sucessor a qualquer título e do cônjuge meeiro (inc. II) e do espólio (inc. III), pelos tributos devidos pelo de cujus até a data da partilha ou adjudicação, ou até a data da abertura da sucessão, respectivamente.

Afirma Becho (2000, p. 133) que a regra da responsabilidade está no inciso II do art. 568 do Código de Processo Civil (CPC)[7], de modo que mesmo que não existisse o art. 131 do CTN, “as fazendas públicas poderiam executar os substitutos processuais da exata forma como acontece hoje”.

Entendemos, porém, que as disposições dos incisos II e III do art. 131 do CTN são importantes, pois permitem que a Fazenda Pública substitua o contribuinte pelo sucessor já na relação jurídica tributária (de direito material), sem necessidade de ter de ajuizar ação de execução fiscal.

Conclui Becho (2000, p. 159-160) que o sujeito passivo da relação tributária será sempre o contribuinte, identificável de acordo com o modelo previsto na Constituição. Ele continuará, pelo menos num primeiro momento, a integrar a relação processual que cuide da cobrança do tributo. Depois, é possível que o responsável integre essa relação processual, mas nunca a tributária.

Em face do exposto, conclui-se que, para Renato Lopes Becho, é processual a relação jurídica que se instaura entre responsável e Estado, enquanto para Paulo de Barros Carvalho, ela é de direito material (direito administrativo).


6.      Das hipóteses de responsabilidade no IPVA paulista

6.1.      Do adquirente do veículo

O inc. I do art. 6º da Lei 13.296/2008 coloca como responsável solidário (vide §2º do artigo) pelo pagamento do imposto e acréscimos legais aquele que adquiriu veículo sem o pagamento do imposto e acréscimos legais do exercício ou exercícios anteriores.

Pela sanção prevista para o adquirente incauto infere-se o dever jurídico atribuído ao interessado em adquirir veículo: verificar se este tem débito de IPVA.

Se houver débito de IPVA, avulta o poder a que se refere Justen Filho, do potencial responsável (interessado em adquirir o veículo) sobre o contribuinte: exigir que este pague o débito ou conceda abatimento, no preço, de valor igual ao do débito atualizado, sob pena de ele não adquirir o veículo. No entanto, se o interessado não exercer esse poder e adquirir o veículo, transformar-se-á em responsável solidário pelo pagamento do imposto e acréscimos legais.

6.2.      Do alienante do veículo que não fornece os dados necessários à alteração no Cadastro de Contribuintes do IPVA

O inc. II do art. 6º coloca como responsável solidário (vide §2º do artigo) pelo pagamento do imposto e acréscimos legais o proprietário de veículo automotor que o alienou mas não forneceu, no prazo de 30 (trinta) dias, os dados necessários à alteração no Cadastro de Contribuintes do IPVA. A responsabilidade é para fatos geradores ocorridos entre o momento da alienação e o do conhecimento desta pela autoridade responsável.

Como o Cadastro de Contribuintes do IPVA previsto na Lei ainda não existe, basta que o alienante informe os dados do adquirente do veículo ao DETRAN do Estado de São Paulo. É o que se depreende da regra do art. 134 da Lei 9.503, de 23/09/1997, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), e a do art. 3º das Disposições Transitórias da Lei 13.296/2008, abaixo transcritas:

“Art. 134. No caso de transferência de propriedade, o proprietário antigo deverá encaminhar ao órgão executivo de trânsito do Estado dentro de um prazo de trinta dias, cópia autenticada do comprovante de transferência de propriedade, devidamente assinado e datado, sob pena de ter que se responsabilizar solidariamente pelas penalidades impostas e suas reincidências até a data da comunicação”.

“Art. 3º - Enquanto não for instituído o Cadastro de Contribuintes do IPVA a que se referem os artigos 30 e 31 desta lei, serão utilizadas as informações constantes do cadastro de veículos do Departamento Estadual de Trânsito – DETRAN”.

Apesar das regras do art. 134 do CTB e do art. 3º do Decreto-lei 4.657, de 04/09/1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) – segundo a qual “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece” –, era recomendável que, em parágrafo único do art. 3º das Disposições Transitórias da Lei do IPVA, acima transcrito, se prescrevesse que, enquanto não instituído o Cadastro de Contribuintes do IPVA, alterações ocorridas em relação ao proprietário, de que trata o art. 34 da Lei do IPVA, fossem informadas ao DETRAN, por meio da “comunicação de venda de veículo”. Afinal, “as normas tributárias devem ser marcadas pela clareza, exatamente para que seus destinatários saibam como comportar-se diante delas” (CARRAZZA, 2000, p. 231).

Anteriormente, pelo pedido de “bloqueio do CRV por falta de transferência”, o alienante devia comunicar ao DETRAN, em 30 (trinta) dias, que o adquirente não havia transferido o veículo para o nome deste. Com o pedido deveria ser apresentada cópia autenticada do CRV, devidamente assinado e datado. O pedido de bloqueio visava impedir lançamento automático de IPVA em nome do anterior proprietário em exercício com data de fato gerador posterior à de protocolização do pedido. Assim, mediante pedido de “bloqueio do CRV por falta de transferência” o alienante não se tornava responsável solidário pelo pagamento do imposto, ou, se isso já havia ocorrido, deixava de ser o responsável a partir do exercício subsequente ao do pedido.

Atualmente, pela “comunicação de venda de veículo”, o alienante informa ao DETRAN a venda do veículo, o nome, CPF (ou CNPJ) e endereço do adquirente. Na “comunicação de venda de veículo”, o anterior proprietário deve apresentar: Requerimento de Comunicação de Venda, com nomes, números de CPF (ou CNPJ) de vendedor e comprador, endereço deste, dados do veículo (RENAVAM, placa, chassi, município de registro); cópia autenticada, frente e verso, do CRV, devidamente preenchido e assinado, com firma reconhecida por autenticidade do vendedor; original e cópia simples da CNH (ou do RG) da pessoa natural anterior proprietária ou cópias simples do contrato social e do CNPJ (emitido na página da Receita Federal do Brasil, na INTERNET) da pessoa jurídica anterior proprietária, do documento de identificação de seu representante legal e do instrumento que lhe deu poderes para representá-la. Assim, se o adquirente do veículo não solicitar a expedição de novo CRV em seu nome, a “comunicação de venda de veículo” fará com que lançamento automático de IPVA em exercício seguinte ao da comunicação seja em nome da pessoa informada pelo alienante.

Ante o exposto, transferida a propriedade do veículo, pelo pedido de bloqueio ou pela comunicação de venda o anterior proprietário cumpria e cumpre respectivamente o dever jurídico previsto no art. 134 do CTB: encaminhar ao DETRAN, em 30 (trinta) dias, cópia autenticada do CRV, devidamente assinado e datado, sob pena de se responsabilizar solidariamente pelas penalidades impostas e suas reincidências até a data da comunicação.

6.2.1.      Da perda do prazo pelo anterior proprietário do veículo, sem que ele se transforme em responsável

Embora o art. 134 do CTB prescreva prazo de 30 (trinta) dias para o anterior proprietário comunicar a alienação do veículo ao DETRAN, se a relação de propriedade era tributada pelo IPVA, o anterior proprietário poderá comunicar a alienação antes de ocorrer o fato jurídico tributário do exercício seguinte.

Com efeito, se a comunicação ocorrer antes do primeiro dia do exercício seguinte ao da alienação, não nascerá a responsabilidade do anterior proprietário; se ocorrer depois, a responsabilidade cessará a partir do exercício seguinte ao da comunicação. O prazo de 30 (trinta) dias deve ser observado quando seu termo final ocorre depois do fato jurídico tributário do exercício seguinte. Por exemplo: se o proprietário alienou o veículo em 18/12/2011 e comunicou o fato em 16/01/2012, não se transformou em responsável. Apesar de a comunicação ter ocorrido após 01/01/2012 (data do fato jurídico tributário de 2012), ela é anterior a 17/01/2012, termo final do prazo.

O anterior proprietário do veículo também não se transformará em responsável, se o novo proprietário solicitar a expedição de novo CRV em seu nome, antes de ocorrer o fato jurídico tributário do exercício seguinte. O IPVA de exercício seguinte ao de alienação não será exigido do anterior proprietário se o novo proprietário quitá-lo, mesmo que no Cadastro do DETRAN o veículo continue em nome do primeiro.

6.2.2.      Do poder do alienante sobre o adquirente do veículo

Conforme vimos no subitem 9.1, o interessado em adquirir veículo tem um poder sobre o proprietário que quer aliená-lo. No entanto, é menor o poder que o proprietário de veículo que quer aliená-lo tem sobre o interessado em adquiri-lo. De fato, para não incorrer na responsabilidade prevista no inc. II do art. 6º da Lei do IPVA, o proprietário terá de exigir que o interessado em adquirir o veículo demonstre que solicitou ao órgão estadual de trânsito a expedição de um novo CRV (nos termos do § 1º do art. 123 do CTB[8]), antes de efetuar a tradição do veículo. Embora possível, a exigência dificultaria sobremaneira a venda do veículo.

Assim, para não dificultar a venda do veículo e ao mesmo tempo proteger o alienante contra a negligência ou a má-fé do adquirente, o legislador criou o dever de o alienante efetuar o “bloqueio do CRV por falta de transferência”, hoje substituído pela “comunicação de venda de veículo”.

6.2.3.      Do fundamento de validade da norma de responsabilidade do inc. II do art. 6º da Lei do IPVA

A regra do inc. II do art. 6º da Lei do IPVA parece retirar seu fundamento de validade da regra do art. 128 do CTN. No entanto, o proprietário que alienou veículo não está “vinculado ao fato gerador da obrigação” de exercício subsequente ao da alienação. Afinal, o critério material da hipótese da regra-matriz de incidência do IPVA é “ser proprietário de veículo automotor” e não “alienar veículo”.

A regra do inc. II do art. 6º, porém, retira seu fundamento de validade da regra do inc. II do art. 124 do CTN. O responsável não está vinculado ao fato gerador da obrigação, pois, conforme demonstramos no item 8, ele é parte de outra relação jurídica, de natureza sancionatória, que tem a mesma prestação da relação jurídica tributária. A sanção pecuniária que o Estado dele exige é por ter deixado de cumprir dever administrativo de interesse da Fazenda Pública.

6.2.4.      Falta de comunicação em alienações sucessivas do veículo

Pode haver duas ou mais alienações sucessivas do mesmo veículo, sem que cada proprietário comunique a alienação ao DETRAN.

Responde cada alienante como responsável solidário pelo pagamento do IPVA de exercícios subsequentes ao da respectiva alienação? Mediante análise sumária da regra do inc. II do art. 6º da Lei do IPVA, parece que sim. No entanto, análise mais detida da regra mostra que responde como responsável apenas o primeiro proprietário, cujo nome consta do Cadastro de Veículos do DETRAN e que entregou ao adquirente o documento de transferência do veículo, preenchido com o nome, endereço de domicílio ou residência e CPF deste.

É que, apesar de em todas as alienações ter havido transmissão de propriedade do veículo, somente na primeira o alienante tinha condições de apresentar cópia autenticada do documento de transferência do veículo, datado e assinado com reconhecimento de firma por autenticidade, necessário para providenciar o “bloqueio do CRV por falta de transferência” ou a “comunicação de venda de veículo”.

No entanto, poderá haver um contribuinte e dois ou mais responsáveis pelo IPVA de dado exercício. É o que ocorre se: A aliena veículo a B e, no exercício seguinte, este o aliena a C, que o aliena a D; B não solicita a expedição de novo CRV em seu nome nem paga o IPVA do exercício seguinte; A não comunica a alienação ao DETRAN antes de primeiro de janeiro desse exercício. No exercício seguinte: i) A responde como responsável solidário pelo pagamento do IPVA (art. 6º, II, da Lei do IPVA); ii) B responde como contribuinte do imposto, pois era o proprietário do veículo na data do fato jurídico tributário (art. 5º da Lei); iii) C responde como responsável solidário pelo pagamento do IPVA (art. 6º, I, da Lei); iv) D também responde como responsável solidário pelo pagamento do IPVA (art. 6º, I, da Lei).

6.2.5.      Da dispensa de pagamento do IPVA

Há dispensa do pagamento do IPVA incidente a partir do exercício seguinte ao da data da ocorrência do evento, nas hipóteses de perda total do veículo por furto ou roubo ocorridos fora do território paulista, por sinistro ou por outros motivos, previstos em regulamento, que descaracterizem o domínio ou a posse (§ 2º do art. 14).

Ora, se o Estado dispensa o proprietário do veículo do pagamento do IPVA incidente a partir do exercício seguinte ao da data da ocorrência do sinistro, não há sentido em exigir esse imposto de anterior proprietário que alienou o veículo mas não comunicou o fato ao DETRAN no prazo legal.

6.2.6.      Da alienação do veículo a adquirente com domicílio ou residência em outro Estado

Suponhamos que veículo usado de propriedade de pessoa com domicílio ou residência no Estado de São Paulo seja alienado a pessoa com domicílio ou residência em outro Estado. Se o adquirente registrar o veículo no DETRAN de seu Estado antes de ocorrer o fato jurídico tributário do exercício seguinte ao da aquisição, o alienante não será responsável pelo pagamento do IPVA daquele exercício, mesmo que não tenha efetuado a comunicação de venda do veículo no prazo de trinta dias ou antes da ocorrência daquele fato, e o adquirente não tenha recolhido o IPVA de referido exercício[9].

É que, com o registro do veículo no DETRAN do Estado de domicílio ou de residência do adquirente, passa esse Estado a ser o novo sujeito ativo do IPVA a partir do exercício seguinte ao de registro. Assim, ainda que o alienante tenha descumprido a obrigação de comunicar a alienação, não pode o Estado de São Paulo dele exigir sanção pecuniária de valor igual ao do IPVA, uma vez que esse imposto será devido a outro Estado[10].

6.3.      Do leiloeiro que entrega veículo adquirido ou arrematado em leilão sem comprovação do pagamento do IPVA e acréscimos legais

No inc. III do art. 6º da atual Lei do IPVA, o legislador ordinário inovou ao colocar como responsável solidário (vide § 2º do artigo) pelo pagamento do IPVA e acréscimos legais o leiloeiro que entrega veículo adquirido ou arrematado em leilão, sem comprovação do pagamento do IPVA e acréscimos legais, relativos ao exercício ou exercícios anteriores.

A sanção deixa implícito que o leiloeiro somente deverá entregar o veículo ao arrematante se não houver débito do IPVA, seja porque inexistia débito na data de arrematação, seja porque o arrematante quitou o então existente.

Pela regra do parágrafo único do art. 130 do CTN, na arrematação em hasta pública, a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço. Embora o caput do artigo refira-se a bens imóveis, a jurisprudência estendeu a regra aos bens móveis. De acordo com Machado (2008, p. 152):

“Se o bem imóvel é arrematado em hasta pública, vinculado ficará o respectivo preço. Não o bem. O arrematante não é responsável tributário (CTN, art. 130, parágrafo único). A não ser assim, ninguém arremataria bens em hasta pública, pois estaria sempre sujeito a perder o bem arrematado, não obstante tivesse pago (sic) o preço respectivo.

[...]

Aplica-se, também, por analogia, a norma do parágrafo único do art. 130 aos casos de arrematação de bens móveis ou semoventes. É inadmissível atribuir-se a alguém que arrematou bens em leilão público a responsabilidade pelos tributos devidos pelo proprietário anterior, ainda que relativos aos próprios bens adquiridos”.

A regra do CTN harmoniza-se com a norma do art. 23 da atual Lei do IPVA, que dispõe: “no caso de veículo alienado em hasta pública, o débito vencido e não pago deverá ser deduzido do montante arrecadado na venda e recolhido até o 3º (terceiro) dia útil após a realização do leilão”.

Por outro lado, em face do disposto no inc. V do art. 686 do Código de Processo Civil (CPC)[11], em julgados do Superior Tribunal de Justiça entendeu-se que, se do edital de leilão não constou que a arrematação seria feita sem exoneração dos ônus tributários, pode o arrematante requerer a quitação dos débitos tributários com o valor da arrematação (vide REsp 166975-SP, REsp 707605-SP, REsp 540025-RJ). No entanto, se a informação constou do edital, além de pagar o preço, o arrematante também deverá quitar os débitos. No REsp 716438-PR, a Primeira Turma entendeu que, ao aceitar as condições do edital do leilão, o arrematante renunciou tacitamente ao disposto no parágrafo único do art. 130 do CTN. No REsp 216556-SP, a Terceira Turma entendeu não ter havido violação da regra do inc. V do art. 686 do CPC, se o edital do leilão não consignou o valor exato do ônus existente, já que era do interessado em arrematar o bem o dever de apurar o valor no órgão competente (disponíveis em: <http://stj.jus.br/SCON/> Acesso em: 15/06/2012).

O § 1º do art. 6 º da Lei do IPVA dispõe que, “no caso de veículo abrangido pela imunidade, isenção ou dispensa do pagamento do imposto, o agente público ou o leiloeiro deverá exigir a respectiva comprovação”. Embora a declaração de imunidade, isenção ou dispensa de pagamento do imposto seja fornecida pela Fazenda Pública do Estado, é do arrematante o ônus de apresentá-la ao leiloeiro.

6.4.      Do inventariante, pelos débitos devidos pelo espólio

A disposição do inc. IV do art. 6º da atual Lei do IPVA, inexistente na anterior, assemelha-se à do inc. IV do art. 134 do CTN. Diferentemente do legislador federal, o legislador estadual foi mais preciso ao não prever solidariedade entre contribuinte e responsável, conforme se infere pelo exame do § 2º do art. 6º.

Inventariante é “a pessoa a quem se comete o dever de administrar o espólio, até que se julgue, definitivamente, a partilha, e sejam os quinhões hereditários e os legados atribuídos e adjudicados aos herdeiros e legatários”. “... é o mandatário legal da herança com autoridade para defender todos os interêsses (sic) dela e promover tôdas (sic) as ações necessárias a essa defesa”. O cargo, em regra, é exercido pelo cônjuge sobrevivente. “Na falta dêste (sic), compete a um dos herdeiros e ao testamenteiro” (SILVA, 1973, p. 862).

O inc. III do art. 131 do CTN dispõe ser o espólio pessoalmente responsável pelos tributos devidos pelo de cujus até a data da abertura da sucessão. Para a lei tributária, o espólio tem personalidade jurídica; para a lei civil, não. Na realidade, o espólio responde pelos tributos devidos. É o inventariante quem o representa em juízo, ativa e passivamente (inc. V do art. 12 do CPC).

6.5.      Do tutor ou curador, pelos débitos de seu tutelado ou curatelado

A disposição do inc. V do art. 6º da atual Lei do IPVA, inexistente na anterior, assemelha-se à do inc. II do art. 134 do CTN. Diferentemente do legislador federal, o legislador estadual foi mais preciso ao não prever solidariedade entre contribuinte e responsável, conforme se infere pelo exame do § 2º do art. 6º.

“Tutela é a instituição estabelecida por lei para a proteção dos menores órfãos, ou sem pais, que não possam, por si sós, dirigir suas pessoas e administrar os seus bens, em virtude do que se lhes dá um assistente, ou representante legal, chamado, especìficamente (sic), de tutor” (SILVA, 1973, p. 1600). Curatela “indica o encargo que é conferido a uma pessoa para que, segundo os limites determinados judicialmente, fundados em lei, cuide dos interêsses (sic) de alguém que não possa lìcitamente (sic) administrá-los” (SILVA, 1973, p. 464). Segundo o art. 1.767 do CC, “estão sujeitos à curatela:

I – aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil;

II – aqueles que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade;

III – os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos;

IV – os excepcionais sem completo desenvolvimento mental;

V – os pródigos”.

Conforme se vê, a relação entre o tutor ou curador e o contribuinte (tutelado ou curatelado) não é exatamente de poder daquele sobre este, mas sim de representação legal do segundo pelo primeiro. Apesar de ter capacidade de gozo ou de direito, tutelado ou curatelado não tem capacidade de exercício ou de fato. Por tal razão, compete ao tutor “representar o menor, até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-lo, após essa idade, nos atos em que for parte” (inc. I do art. 1.747 do CC). Compete também ao tutor, com autorização do juiz, “pagar as dívidas do menor” (inc. I do art. 1.748 do CC).

“Aplicam-se à curatela as disposições concernentes à tutela, com as modificações dos artigos seguintes” (art. 1.774 do CC). Esses artigos são o 1.775 a 1.778.

6.6.      Da pessoa jurídica que resulta da fusão de pessoas jurídicas, ou da incorporação ou cisão de outra pessoa jurídica

A disposição do inc. VI do art. 6º da atual Lei do IPVA, inexistente na anterior, assemelha-se à do caput do art. 132 do CTN. Aquela trata de cisão, mas não de transformação de pessoa jurídica (mudança de tipo de sociedade em outro); esta cuida da transformação, mas não da cisão.

Como a pessoa jurídica incorporada ou fusionada deixa de existir, seus débitos de IPVA passam para a pessoa jurídica que a incorporou ou que resultou da fusão.

A cisão é regulada pelo art. 229 da Lei 6.404, de 15/12/1976, que dispõe sobre as Sociedades por Ações. É a seguinte a redação do artigo:

“Art. 229. A cisão é a operação pela qual a companhia transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se a companhia cindida, se houver versão de todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão.

§ 1º Sem prejuízo do disposto no artigo 233, a sociedade que absorver parcela do patrimônio da companhia cindida sucede a esta nos direitos e obrigações relacionados no ato da cisão; no caso de cisão com extinção, as sociedades que absorverem parcelas do patrimônio da companhia cindida sucederão a esta, na proporção dos patrimônios líquidos transferidos, nos direitos e obrigações não relacionados.

 . . . ”.

O art. 233 da Lei 6.404/1976, que dispõe sobre os Direitos dos Credores na Cisão, tem a seguinte redação:

“Art. 233. Na cisão com extinção da companhia cindida, as sociedades que absorverem parcelas do seu patrimônio responderão solidariamente pelas obrigações da companhia extinta. A companhia cindida que subsistir e as que absorverem parcelas do seu patrimônio responderão solidariamente pelas obrigações da primeira anteriores à cisão.

Parágrafo único. O ato de cisão parcial poderá estipular que as sociedades que absorverem parcelas do patrimônio da companhia cindida serão responsáveis apenas pelas obrigações que lhes forem transferidas, sem solidariedade entre si ou com a companhia cindida, mas, nesse caso, qualquer credor anterior poderá se opor à estipulação, em relação ao seu crédito, desde que notifique a sociedade no prazo de 90 (noventa) dias a contar da data da publicação dos atos da cisão”.

A obrigação de pagar o IPVA é propter rem (está vinculada à coisa de que o devedor é proprietário ou possuidor), de modo que, se a companhia cindida foi extinta, responde preferencialmente pelo débito do IPVA a sociedade que teve o veículo automotor transferido para o seu patrimônio. Se o veículo não mais existia na data da cisão mas apresentava débito do IPVA, por este respondem solidariamente as sociedades que absorveram parcelas do patrimônio da companhia cindida, conforme regra da primeira parte do caput do art. 233.

Se a companhia cindida subsistiu, responde preferencialmente pelo débito do IPVA: ela própria, se o veículo permaneceu em seu patrimônio; ou a sociedade que teve o veículo transferido para o seu patrimônio. Se o veículo automotor não mais existia na data da cisão mas apresentava débito do IPVA, por este respondem solidariamente a sociedade cindida e as que absorveram parcelas do seu patrimônio, conforme regra da segunda parte do caput do art. 233.

6.7.      Do agente público que autoriza ou efetua o registro, o licenciamento ou a transferência de propriedade do veículo automotor neste Estado, sem a comprovação do pagamento ou do reconhecimento da imunidade, da concessão da isenção ou da dispensa do pagamento do imposto

A disposição que dá título a este subitem deve ser analisada com a regra do art. 25 da Lei, a seguir transcrita:

“Art. 25 - Nenhum veículo será registrado ou licenciado perante as repartições competentes sem a prova do pagamento do imposto ou de que é imune, isento ou de que está dispensado o seu pagamento.

Parágrafo único - O disposto neste artigo aplica-se, igualmente, aos casos de renovação, averbação, cancelamento e a quaisquer outros atos que impliquem alteração no registro do veículo”.

Com o fim de reforçar a garantia do crédito tributário constituído pelo lançamento do IPVA, no inc. VII do art. 6º da Lei 13.296/2008 o legislador ordinário colocou como responsável solidário (vide § 2º do artigo) pelo pagamento do imposto o agente público que autoriza ou efetua o registro, o licenciamento ou a transferência de propriedade do veiculo automotor neste Estado, sem a comprovação do pagamento do imposto ou do reconhecimento da imunidade, da concessão da isenção ou da dispensa do pagamento do imposto. No entanto, a dispensa de pagamento do IPVA ocorre normalmente por fato superveniente ao registro e licenciamento do veículo, tal como perda total do veículo por furto ou roubo, sinistro ou outros eventos, previstos em regulamento, que descaracterizem o domínio ou a posse (§ 2º do art. 14 da Lei). Logo, a regra somente tem sentido na transferência de propriedade, neste Estado, de veículo com prova de dispensa de pagamento do IPVA em período anterior, mas que já foi recuperado e devolvido ao seu então proprietário.

O dever jurídico atribuído ao agente público está implícito na norma sancionadora. Ele deve (tem o poder de) exigir daquele que deseja registrar ou licenciar veículo automotor no Estado de São Paulo, ou transferir a propriedade do veículo neste Estado, que apresente o comprovante de pagamento do IPVA do exercício ou do reconhecimento da imunidade, da concessão da isenção ou da dispensa do pagamento do imposto, pena de não efetuar o registro, o licenciamento ou a transferência. No caso de veículo contemplado com imunidade, isenção ou dispensa do pagamento do imposto, o dever jurídico imputado ao agente público está expresso na regra do § 1º do art. 6º, já comentada no subitem 9.3.

Assim, se a propriedade de veículo automotor sem pagamento do IPVA do exercício for transferida no Estado de São Paulo, haverá dois responsáveis solidários pelo pagamento do imposto: o adquirente (inc. I do art. 6º da atual Lei do IPVA); e o agente público que efetuou a transferência de propriedade no Cadastro do DETRAN.

Mamede (2002, p. 163-164) entende ilegítimas normas como a em análise, já que carentes de autorização constitucional. Afirma ainda que, o débito do IPVA é transmitido ao adquirente, salvo nos casos de Certidão Negativa expedida pela Fazenda Pública. Não concordamos, pois a norma ora analisada retira seu fundamento de validade da norma do inc. II do art. 124 do CTN, diploma normativo esse recepcionado pela Constituição de 1988.

6.8.      Das hipóteses de responsabilidade relativas a locadoras de veículos

Com o propósito de evitar que empresa locadora de veículos com estabelecimentos neste e em outro(s) Estado(s) registre no DETRAN de Estado com alíquota de IPVA inferior à do Estado de São Paulo veículos que ela, de forma exclusiva ou preponderante, pretende locar ou colocar à disposição para locação neste Estado, o legislador ordinário:

a) definiu novos critérios temporais da hipótese da regra-matriz de incidência do IPVA para veículos de propriedade de empresa locadora com estabelecimentos no Estado de São Paulo e em outro(s) Estado(s) (alíneas “a”, “b” e “c” do inc. X do art. 3º da Lei 13.296/2008);

b) usando a competência concorrente, prevista no inc. I do art. 24 da Constituição Federal, criou regras sobre domicílio para pessoa jurídica (alíneas “a”, “b” e “c” do item 2 e item 3 do § 1º, e §§ 4º e 7º, todos do art. 4º da Lei 13.296/2008), em razão de as normas sobre domicílio tributário do CTN (art. 127), editadas quando ainda não existia o IPVA, não serem adequadas para resolver os conflitos de competência entre os Estados;

c)  colocou como responsáveis solidários pelo pagamento do imposto:

c.1) a pessoa jurídica de direito privado, bem como o sócio, diretor, gerente ou administrador, que tomar em locação veículo para uso no Estado de São Paulo, em relação aos fatos geradores ocorridos nos exercícios em que o veículo estiver sob locação (inc. VIII do art. 6º);

c.2) o agente público responsável pela contratação de locação de veículo, para uso no Estado de São Paulo por pessoa jurídica de direito público, em relação aos fatos geradores ocorridos nos exercícios em que o veículo estiver sob locação (inc. IX do art. 6º);

c.3) o sócio, diretor, gerente, administrador ou responsável pela empresa locadora, em relação aos veículos locados ou colocados à disposição para locação no Estado de São Paulo (inc. X do art. 6º).

Colocar pessoa jurídica ou natural ou agente público como responsável se ocorrer evento cujo relato se subsome a fato descrito hipoteticamente no antecedente da norma geral e abstrata do inc. VIII ou IX do art. 6º implica impor a cada um deles o dever de exigir que a empresa locadora (contribuinte) inscreva-se no Cadastro de Contribuintes do IPVA e pague ao Estado de São Paulo o IPVA dos veículos que nele pretende locar no exercício. Se houver veículo a ser locado sem inscrição no Cadastro ou sem pagamento do IPVA ao Estado de São Paulo, bastará não celebrar o contrato de locação. O dever jurídico é confirmado pela regra do § 3º do art. 6º:

“§ 3º - para eximir-se da responsabilidade prevista nos incisos VIII e IX deste artigo, a pessoa jurídica ou o agente público deverá exigir comprovação de regular inscrição da empresa locadora no Cadastro de Contribuintes do IPVA, bem como do pagamento do imposto devido a este Estado, relativamente aos veículos objetos da locação”.

Evidentemente, a pessoa jurídica de direito privado que tomou em locação veículo para uso no Estado de São Paulo praticou o negócio jurídico por meio de sócio, diretor, gerente ou administrador.

Entendemos que a regra de responsabilidade prevista no inc. X do art. 6º da Lei somente pode ser aplicada a dirigente ou administrador que tem poder para definir a política de atuação de empresa locadora sediada em outro Estado. Diretor, gerente, administrador ou responsável sem esse poder teria de interceder junto à Administração da empresa locadora para que esta fosse inscrita no Cadastro de Contribuintes do IPVA e para que fosse pago ao Estado de São Paulo o IPVA de cada veículo a ser locado ou colocado à disposição para locação no exercício. Logo, o dever jurídico imputado a esse funcionário não se afina com o direito individual previsto no inc. XIII do art. 5º da CF (“é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”).

6.9.      Do titular do domínio ou possuidor a qualquer título

Ao escolher como responsável solidário pelo pagamento do IPVA o “titular do domínio” ou o “possuidor a qualquer título” (inc. XI do art. 6º da Lei, combinado com o seu § 2º), o legislador ordinário certamente se inspirou no texto do artigo 34 do CTN, que dispõe ser contribuinte do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), “o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título”.

Silva (1973, p. 565) observa a diferença entre propriedade e domínio:

“Propriedade é o gênero, que compreende o domínio, como espécie, abrangendo tôda (sic) sorte de dominialidades, de dominação ou de senhorio individual sôbre (sic) coisas corpóreas ou incorpóreas. É o conjunto de direitos reais e pessoais.

Domínio, no entanto, compreende sòmente (sic) os direitos reais ou seja (sic) o direito de propriedade encarado sòmente (sic) em relação às coisas materiais ou corpóreas”.

Para bem imóvel, a propriedade somente é transferida ao adquirente mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis (art. 1.245 do CC). “Titular de domínio útil”, portanto, é o promitente comprador que pagou o preço ao promitente vendedor, foi imitido na posse do bem imóvel, mas ainda não providenciou o registro do título translativo no Registro de Imóveis. “Possuidor a qualquer título” é, p. ex.: o locatário, que tem normalmente apenas o direito de usar o bem (a sublocação depende do consentimento prévio e escrito do locador); o usufrutuário, que tem o direito de usar o bem e o de dele gozar, mas não o de dele dispor.

No caso do IPTU, Becho (2000, p. 105) denomina o “titular de domínio útil” ou o “possuidor a qualquer título” de “sujeitos passivos legais”. São figuras jurídicas muito próximas da do proprietário. Acrescenta o Autor que um e outro são “quase-proprietários” porque podem estar a caminho de alcançar a propriedade. Entendemos que o conceito se aplica ao IPVA.

A transmissão de propriedade de bem móvel dá-se com a tradição (vide caput do art. 1.267 do CC), ou seja, quando o alienante entrega o bem ao adquirente. “Titular de domínio” a que se refere o inc. XI do art. 6º da Lei, portanto, só pode ser o adquirente que, em face de contrato de compra e venda, pagou o preço ao proprietário mas dele ainda não recebeu o veículo. “Possuidor a qualquer título” é o arrendatário, o devedor fiduciário, a pessoa jurídica de direito privado ou público locatária de frota de veículos, o usufrutuário. Todos eles têm a posse do veículo, mas não a propriedade plena.

“Titular de domínio” e “possuidor a qualquer título” são figuras que estão mais próximas da do contribuinte do que da do responsável. De fato, “titular de domínio” está a um passo de ser o proprietário do veículo. Na alienação fiduciária em garantia e no arrendamento mercantil, devedor fiduciário e arrendatário são “possuidores a qualquer título”. Ambos têm o direito de usar o veículo. No arrendamento mercantil à empresa locadora, tem esta o direito de usar o veículo e o de dele fruir, ao receber o aluguel pela locação do veículo. Ora, o “direito de usar” e o “direito de gozar” (ou “direito de fruir”) são direitos constitutivos do “direito de propriedade”. No entanto, mesmo que não equiparados a contribuintes, o “titular de domínio” e o “possuidor a qualquer título” estão vinculados ao fato jurídico tributário, de modo que podem responder como responsáveis, a teor da regra do art. 128 do CTN.

O § 1º do art. 5º da Lei 8.115, de 30/12/1985, do Estado do Rio Grande do Sul, dispõe que, “no caso de alienação fiduciária de veículo automotor, o contribuinte do imposto é o devedor fiduciário”. A Lei 7.543, de 30/12/1988, do Estado de Santa Catarina, no caput do art. 2º, estabelece que “o imposto sobre a propriedade de veículos automotores tem como fato gerador a propriedade, plena ou não, de veículos automotores de qualquer espécie”, mas no § 1º do art. 3º dispõe: “são responsáveis pelo pagamento do imposto e dos acréscimos legais”: “o fiduciante ou possuidor direto, em relação ao veículo automotor objeto de alienação fiduciária em garantia” (inc. II do § 1º); “o arrendatário, no caso de veículo cedido pelo regime de arrendamento mercantil” (inc. III do § 1º) – são nossos os grifos dos dispositivos transcritos. De forma análoga, a Lei 1.810, de 22/12/1997, do Estado de Mato Grosso do Sul, que “dispõe sobre os tributos de competência do Estado e dá outras providências”, no art. 145 estabelece que “o IPVA incide sobre a propriedade, plena ou não, de veículo automotor aéreo, aquático ou terrestre”, no art. 158 estipula que “contribuinte do IPVA é o proprietário do veículo, observado o disposto no artigo seguinte”, mas, neste artigo, surpreendentemente, dispõe: “são sujeitos passivos por substituição tributária”: “o devedor fiduciário, no caso de alienação fiduciária em garantia” (inc. I do art. 159); “o arrendatário do veículo, no caso de arrendamento mercantil” (inc. II do art. 159) – são nossos os grifos dos dispositivos transcritos.

Em contrato de arrendamento mercantil de veículo automotor, arrendatário é o possuidor do veículo; arrendador é o proprietário. Embora a posse permaneça com o arrendatário, o registro do veículo no Cadastro do DETRAN é feito em nome do arrendador, conforme se depreende da regra do inc. I do art. 1º da Lei Federal 11.649, de 04/04/2008. Contratos de arrendamento mercantil de veículo automotor geralmente contêm norma que prevê a responsabilidade do arrendatário por impostos, taxas, multas e outros encargos incidentes sobre o veículo. No entanto, para desobrigar-se do pagamento do IPVA, não poderá o arrendador opor referida norma à Fazenda Pública, em face do disposto no art. 123 do CTN[12].

Na alienação fiduciária em garantia, o devedor fiduciante transfere ao credor fiduciário o domínio resolúvel e a posse indireta do veículo, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor possuidor direto e depositário, com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal. Apesar de o devedor fiduciante ser possuidor, o registro do veículo no Cadastro do DETRAN é feito em seu nome, mas com restrição financeira indicada no CRV, em que aparece o nome da instituição financeira. Isso impede que o devedor aliene o veículo a outrem ou receba valor de seguro por furto, roubo ou perda total do veículo, sem antes quitar o empréstimo.

Em face da regra analisada nesse subitem, responde por débito do IPVA quem de boa-fé ou má-fé adquiriu veículo furtado ou roubado mas perdeu-o em ação de evicção, se em exercício em que teve a posse ocorreu novo fato jurídico tributário.

6.10.        Daquele que concorre para a sonegação do IPVA

Finalmente, o inc. XII do art. 6º da atual Lei do IPVA coloca como responsável solidário (vide § 2º do art. 6º da Lei) aquele que efetivamente concorrer para a sonegação do imposto. Trata-se de hipótese de responsabilidade que não descreve a conduta do agente, mas exige que ela concorra para a sonegação do imposto.

A disposição assemelha-se à do inciso XII do artigo 9º da Lei 6.374/89 (Lei do ICMS do Estado de São Paulo), que deve ter inspirado o legislador do IPVA. A rigor, sonega o IPVA o proprietário ou possuidor que não registra seu veículo no Cadastro do DETRAN do Estado de São Paulo. Sem o registro, a Fazenda Pública do Estado não tem como efetuar o lançamento automático do IPVA, por notificação. Para veículo registrado, porém, a falta de pagamento do IPVA do exercício é mera inadimplência. A Fazenda do Estado tem as informações para efetuar o lançamento.

Assim, concorre para a sonegação do IPVA quem, com sua conduta, impede o proprietário ou possuidor de registrar o veículo naquele Cadastro. É o que ocorre com a seguradora que reconhece perda total do veículo, indeniza o segurado, sub-roga-se nos direitos sobre o veículo sinistrado, recupera-o e o aliena a terceiro, sem antes solicitar a expedição de novo CRV em nome dela. Como não pode haver lacuna na série de registros de veículo no Cadastro do DETRAN, a omissão da seguradora impede o adquirente de registrar o veículo em seu nome.


7.        INEXISTÊNCIA DE BENEFÍCIO DE ORDEM

O § 2º do art. 6º da atual Lei prevê que “a responsabilidade prevista nos incisos I, II, III, VII, VIII, IX, X, XI e XII é solidária e não comporta benefício de ordem”. Em sua parte final, a disposição é idêntica à do parágrafo único do art. 124 do CTN.

É ocioso dizer que responsabilidade solidária não comporta benefício de ordem. Se há benefício de ordem, a responsabilidade é subsidiária. Nesse caso, somente se o contribuinte não tiver haveres suficientes para quitar o débito tributário, é que este ou parte deste será exigida do responsável.

O inc. I do art. 124 do CTN dispõe serem solidariamente obrigadas “as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal”. De acordo com Carvalho (2008, p. 345-346), a expressão “interesse comum”, além de vaga, “não é um roteiro seguro para a identificação do nexo que se estabelece entre os devedores da prestação tributária”. Isso porque:

i) comprador e vendedor têm interesse comum na transmissão de imóvel, mas, na lei do Estado de São Paulo, só o primeiro é sujeito passivo do ITBI;

ii) comerciante e adquirente têm interesse comum em operação relativa à circulação de mercadorias, mas só o primeiro é sujeito passivo do ICMS;

iii) prestador e tomador têm interesse comum na prestação de serviços, mas só o primeiro é sujeito passivo do ISS.

A solidariedade a que o legislador quis se referir é a que aproxima os participantes do fato, aplicável a situações em que não há bilateralidade no seio do fato tributado, como, por exemplo, na incidência: do IPTU sobre imóvel com dois ou mais proprietários; do IPVA sobre veículo com dois ou mais proprietários. A solidariedade, portanto, é entre sujeitos que estão: no mesmo polo da relação jurídica tributária; no “lado escolhido pela lei para receber o impacto jurídico da exação”.

Ao tratar da Solidariedade Passiva, o caput do art. 275 do CC dispõe que

“o credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto” (grifamos).

Embora obrigações tributárias tenham por objeto uma prestação pecuniária, essencialmente divisível, elas “não seguem a sorte das relações obrigacionais disciplinadas pelo direito civil” (CARVALHO, 2008, p. 346-347). Prossegue o Autor, afirmando que “para efeitos jurídico-tributários tais obrigações são indivisíveis, de modo que, havendo solidariedade passiva, cada um dos devedores solidários, em princípio, é obrigado pelo total da dívida e o pagamento feito por qualquer deles aproveita aos demais” (art. 125, I, do CTN). Além disso: “a isenção ou remissão de crédito exonera todos os obrigados, salvo se outorgada pessoalmente a um deles, subsistindo, nesse caso, a solidariedade quanto aos demais pelo saldo” (art. 125, II); “a interrupção da prescrição, em favor ou contra um dos obrigados, favorece ou prejudica aos demais” (art. 125, III). Aplicam-se as três regras anteriores, salvo se houver disposição em contrário da lei que instituiu o tributo (caput do art. 125).

Para a Fazenda Pública pouco importa qual dos obrigados quitou o débito. No entanto, quem quitou pode exercer seu direito de regresso em face de um ou mais dos outros obrigados.

Adverte Carvalho (2008, p. 347-349), que a solidariedade prevista no inc. II do art. 124 do CTN não é a mesma de que cuida o inc. I do artigo. Solidariedade, mesmo, encontrada na última regra, “haverá tão-somente na circunstância de existir uma relação jurídica obrigacional, em que dois ou mais sujeitos de direito se encontram compelidos a satisfazer a integridade da prestação”. Nas demais situações (inc. II do art. 124), “onde encontrarmos duas relações, entretecidas por preceitos de lei, para a segurança do adimplemento prestacional de uma delas, não teremos, a bem do rigor jurídico, o laço de solidariedade que prende os sujeitos passivos”.

Se responsável quitou débito que não foi pago pelo contribuinte, o exercício de direito de regresso justifica-se para reparar o enriquecimento sem causa que teve o segundo, à custa do primeiro. Por exemplo, em sucessivas aquisições de veículo usado com débito do IPVA que já existia na primeira delas, se a quitação do débito foi feita pelo último adquirente (responsável), poderá este ajuizar ação de indenização (responsabilidade civil) em face de quem lhe alienou o veículo (a relação jurídica de direito material entre ambos é a compra e venda). Por sua vez, o alienante e réu na ação poderá denunciar a lide àquele que lhe alienou o veículo (denunciado) e assim por diante, até se chegar ao contribuinte do imposto (aquele que era o proprietário na data do fato jurídico tributário). No mesmo processo judicial, haverá várias ações: a principal, entre autor e réu; e as correspondentes às denunciações havidas, cada uma entre denunciante e respectivo denunciado. O Juiz deverá prolatar uma sentença para cada ação.


8.        DO LANÇAMENTO POR NOTIFICAÇÃO

Com base no Cadastro de Veículos do DETRAN, a Secretaria Fazenda organiza o Cadastro de Contribuintes do IPVA e faz regularmente lançamentos automáticos do IPVA por notificação para todo veículo automotor com o IPVA do exercício vencido, sem pagamento desse imposto e sem registro, no exercício, de: reconhecimento de imunidade, concessão de isenção ou dispensa de pagamento do imposto.

De acordo com o disposto no caput do art. 142 do CTN, no lançamento tributário, a autoridade administrativa deve identificar o sujeito passivo, mas não está obrigada a qualificá-lo como contribuinte ou responsável. A notificação de lançamento do IPVA por publicação no Diário Oficial do Estado, efetuada por processamento de dados, não qualifica o sujeito passivo, pois não é possível saber de antemão se ele ainda é o contribuinte ou se ele transformou-se em responsável. Com efeito, na comunicação da notificação de lançamento do IPVA, enviada ao sujeito passivo por carta simples ao endereço constante do Cadastro de Contribuintes do IPVA ou ao seu domicílio, é dito que o “contribuinte ou responsável” nela identificado fica cientificado da notificação de lançamento do IPVA, referente ao veículo ...

A motivação do ato-norma de lançamento refere-se ao contribuinte ou ao responsável, sem que isso prejudique a sua validade. Não é indicado o dispositivo em que está o fundamento legal ou motivo legal a que se subsome o motivo do ato. De acordo com o magistério de Santi (2001, p. 110), porém, nos atos administrativos vinculados, “por tratar-se de tipo normativo estrito, a breve descrição do motivo do ato é suficiente para identificação do motivo legal”, de modo que é dispensável a indicação do dispositivo em que está o motivo legal.

Assim, aquele que constava, no Cadastro do DETRAN, como proprietário do veículo no exercício a que se refere o lançamento automático do IPVA por notificação no Diário Oficial do Estado é:

i) contribuinte, se ainda era o proprietário do veículo em primeiro de janeiro daquele exercício (art. 5º da Lei), data do fato jurídico tributário;

ii) responsável solidário pelo pagamento do imposto:

b.1) se havia alienado o veículo antes de referida data, mas antes dela e, também, no prazo de 30 (trinta) dias contados da alienação não tinha comunicado o fato ao DETRAN (inc. II do art. 6º, combinado com o art. 3º das Disposições Transitórias, ambos da Lei 13.296/2008);

b.2)  se era o titular do domínio ou o possuidor a qualquer título do veículo na data do fato jurídico tributário (inc. XI do art. 6º da Lei).

Em casos previstos nos demais incisos do art. 6º, o responsável deverá ser identificado pelo fisco, de modo que o lançamento do IPVA, por notificação, terá de ser feito manualmente.


CONCLUSÃO

Vimos que sujeito passivo de imposto é a pessoa natural ou jurídica que:

i) realiza a conduta descrita na hipótese da regra-matriz de incidência ou que se encontra no “estado de fato” descrito naquela hipótese nos impostos sobre a propriedade, quando é chamada de contribuinte;

ii) mesmo sem realizar o fato jurídico tributário ou se encontrar em referido “estado de fato”, está àquele ou a este vinculada (sai da compostura interna do fato jurídico tributário), quando é chamada de responsável.

Quando pessoa natural ou jurídica é posta na condição de responsável por expressa disposição de lei, mas sem estar vinculada ao fato gerador da obrigação tributária, ela será, no mais das vezes, sujeito passivo de outra relação jurídica, de natureza sancionatória.

O exame das hipóteses das normas gerais e abstratas de responsabilidade previstas nos incisos do art. 6º da atual Lei do IPVA mostra que elas são dos seguintes tipos:

i) por descumprimento de dever administrativo, de interesse da Fazenda Pública, atribuído por lei a pessoa natural ou jurídica (abrange a maioria das hipóteses);

ii) por sucessão causa mortis de pessoa natural;

iii)  de representação legal (processual) do espólio, pelo inventariante;

iv) de representação legal de tutelado ou curatelado, pelo respectivo tutor ou curador;

v)  de pessoa natural ou jurídica que está próxima, juridicamente, de se encontrar no “estado de fato” descrito na hipótese de incidência do IPVA (o “titular de domínio” ou o “possuidor a qualquer título”).

Analisamos a estrutura da norma geral e abstrata de responsabilidade por descumprimento de dever administrativo. Em sua hipótese, é descrito fato ilícito: descumprimento de dever administrativo por determinada pessoa; em seu consequente, há uma relação jurídica de natureza administrativa (não tributária) em que a pessoa que descumpriu o dever (o responsável) deve pagar ao Estado sanção pecuniária de valor igual ao tributo que não foi pago pelo contribuinte. O dever administrativo atribuído àquela pessoa (conduta oposta à do fato ilícito), expresso no texto legal ou deste inferido, estará prescrito no consequente de outra norma geral e abstrata, de possível construção pelo intérprete. A hipótese dessa norma, enunciada no texto legal ou deste inferida, descreverá fato lícito.

Pela análise da estrutura da norma de responsabilidade, podemos saber quando surge a responsabilidade, quem é o responsável, que eventos tributados ela alcança e quando ela cessa.

Demonstramos que a regra de responsabilidade do inc. II do art. 6º da Lei do IPVA não retira seu fundamento de validade da norma do art. 128 do CTN, como parece à primeira vista, mas sim da norma do inc. II do art. 124.

Vimos que, nos lançamentos automáticos do IPVA por notificação que a Fazenda Pública do Estado de São Paulo realiza anualmente, o sujeito passivo pode não mais ser o proprietário do veículo na data do fato jurídico tributário. Mesmo assim o lançamento será válido, pois, se anterior proprietário alienou o veículo antes do fato jurídico tributário mas não comunicou a alienação ao DETRAN no prazo previsto, ele é o responsável. O uso do instituto da responsabilidade é, portanto, uma necessidade e não uma comodidade da Administração Tributária.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo: Malheiros, 2008.

BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Obra revista e complementada, à luz da Constituição de 1988 até a Emenda Constitucional 10/96, pela Professora Misabel Abreu Machado Derzi, Rio de Janeiro: Forense, 1999.

BECHO, Renato Lopes. Sujeição Passiva e Responsabilidade Tributária. São Paulo: Dialética, 2000.

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2000.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2008.

JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição Passiva Tributária. Tese de doutorado apresentada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1985.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009.

MAMEDE, Gladston. IPVA – Imposto sobre a propriedade de veículos automotores. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

QUEIROZ, Luís Cesar Souza de. Sujeição Passiva Tributária. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Lançamento Tributário. São Paulo: Max Limonad, 2001.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, Vols. I, II e IV. Rio de Janeiro: Forense, 1973.

SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de Legislação Tributária. Rio de Janeiro: Edições Financeiras S.A., 1960.


NOTAS

[1] O CTN distingue tributo devido de crédito tributário. Neste estaria incluída a multa punitiva e os juros moratórios; naquele, somente os juros. Na relação jurídica prescrita no consequente da norma de responsabilidade, porém, tributo devido pelo responsável é também crédito tributário para o sujeito ativo.

[2] Disponível em: <http://www.pfe.fazenda.sp.gov.br/> / Legislação / Tributária / Atalhos IPVA / Lei 13.296/08    Acesso em 28/02/2013.

[3] Entendida “norma primária” como a de direito material, em oposição à “norma secundária”, de direito processual.

[4] Conforme se pode perceber, ao falar em norma complementar ou secundária, Derzi está a se referir:

a)       tanto à norma primária principal de natureza não-tributária (na denominação de Queiroz), que descreve fato lícito em seu antecedente e em que há uma sub-rogação subjetiva de todos os direitos e deveres do contribuinte para o responsável;

b)       quanto à norma primária de natureza punitiva (na denominação de Queiroz), que descreve fato ilícito em seu antecedente e prescreve uma sanção pecuniária ao autor daquele fato (o responsável).

[5] O Autor adota os termos endonorma e perinorma, propostos por Carlos Cossio, que prescrevem respectivamente o dever jurídico atribuído ao sujeito passivo e a sanção a este imposta pelo descumprimento daquele dever, e que correspondem aos conceitos de norma dependente e de norma autônoma, de Hans Kelsen.

[6] Renato Lopes Becho e Paulo de Barros Carvalho concordam em um ponto: a relação jurídica entre Estado e responsável não tem natureza tributária. No entanto, para Becho, ela é de direito processual, enquanto, para Carvalho, é de direito administrativo. Sobre possível influência que o legislador do CTN tenha sofrido da teoria dualista da obrigação civil, Carvalho (2008, p. 325) afirma que “não se pode cogitar de obrigação sem crédito ou de crédito sem obrigação”.

[7] “Art. 568. São sujeitos passivos na execução:

( . . . )

II - o espólio, os herdeiros ou os sucessores do devedor;

     . . . ”.

[8] “Art. 123. Será obrigatória a expedição de novo Certificado de Registro de Veículo quando:

   I - for transferida a propriedade;

   ( . . . )

   § 1º No caso de transferência de propriedade, o prazo para o proprietário adotar as providências necessárias à efetivação da expedição do novo Certificado de Registro de Veículo é de trinta dias, sendo que nos demais casos as providências deverão ser imediatas.

     . . . ”.

[9] O § 3º do art. 123 do CTB prevê que a expedição do novo certificado (CRV) seja comunicada ao órgão executivo de trânsito que expediu o anterior e ao RENAVAM.

[10] Com a integração dos sistemas de informação dos DETRANs dos Estados, na transferência de veículo de um Estado para outro em razão de alienação ou de mudança de domicílio ou residência do proprietário, o DETRAN do Estado de destino não registrará o veículo em seu Cadastro se houver débito do IPVA ou da taxa de licenciamento no Estado de origem. Antes da citada integração, era possível registrar no DETRAN de outro Estado veículo com débito de IPVA no Estado de São Paulo. Se a transferência fosse para o Estado de São Paulo, não comprovado o pagamento, ao Estado de origem, do IPVA do exercício em curso, o Estado de São Paulo exigia IPVA proporcional ao número de meses restantes do exercício (§ 2º do art. 15 da Lei 6.606/1989 – disponível em: <http://www.pfe.fazenda.sp.gov.br/> / Legislação / Tributária / Atos anteriores a 2002 / Ato: “Leis”, Ano: “1989” / 6.606, de 20-12    Acesso em 28/02/2013). Se a transferência fosse por mudança de domicílio ou residência do proprietário poderia ocorrer bitributação, pois, enquanto não transcorresse o prazo decadencial, o Estado de origem tinha o dever de exigir do proprietário todo o IPVA do exercício em que houve a transferência.

[11] “Art. 686. Não requerida a adjudicação e não realizada a alienação particular do bem penhorado, será expedido o edital de hasta pública, que conterá:

( . . . )

   V – menção da existência de ônus, recurso ou causa pendente sobre os bens a serem arrematados”.

[12] “Art. 123. Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes”.


Autor

  • Wagner Pechi

    Agente Fiscal de Rendas do Estado de São Paulo aposentado. Ex-Delegado Tributário de Julgamento de São Paulo. Ex-integrante do Tribunal de Impostos e Taxas. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

    Textos publicados pelo autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PECHI, Wagner. A responsabilidade no IPVA paulista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3636, 15 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24662. Acesso em: 16 abr. 2024.