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O reconhecimento do dano moral em favor do nascituro: concepções doutrinárias e evolução jurisprudencial

O reconhecimento do dano moral em favor do nascituro: concepções doutrinárias e evolução jurisprudencial

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Há uma crescente adoção da teoria concepcionista, especialmente na doutrina dos autores contemporâneos, os quais se baseiam em uma maior efetividade dos direitos da personalidade no rumo da constitucionalização do Direito Civil.

Resumo: Este trabalho consiste na análise da discussão relativa ao início da personalidade civil, enfatizando os aspectos jurídicos referentes à possibilidade de concessão de indenização por danos morais em favor do nascituro. Preliminarmente, ressalta-se a constitucionalização do Direito Civil Brasileiro, bem como a relação existente entre os direitos fundamentais e os direitos da personalidade. Após isso, são esclarecidos conceitos gerais relacionados à personalidade civil, abordando as suas características e a sua regulação pelo Código Civil. No mesmo capítulo, é abordado o dano moral, ressaltando a evolução ocorrida na análise do conceito deste e a íntima ligação existente entre a sua ocorrência e a violação aos direitos da pessoa.. Em seguida, abordam-se pormenorizadamente as teorias doutrinárias que explicam o início da personalidade civil diante do artigo 2º do Código Civil Brasileiro. Posteriormente, versa-se sobre a evolução da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça acerca do reconhecimento de reparação de natureza moral em favor do nascituro.

Palavras-chave: Personalidade. Nascituro. Dano moral. Superior Tribunal de Justiça.

Sumário: 1  INTRODUÇÃO. 2 O DANO MORAL E OS DIREITOS DA PERSONALIDADE. 2.1 Da relação entre os direitos da personalidade e os direitos fundamentais – A constitucionalização do Direito Civil.2.2 Do conceito e das características dos direitos da personalidade. 2.3 Do Dano Moral. 3 DO INÍCIO DA PERSONALIDADE CIVIL. 3.1 A problemática do artigo 2º do atual Código Civil. 3.1 Teoria Natalista.. 3.2  Teoria da Personalidade Condicionada. 3.3 Teoria Concepcionista. 3.3.1 A POSIÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES ACERCA DO RECONHECIMENTO DO DANO MORAL EM FAVOR DO NASCITURO. 4.1 O reconhecimento da teoria concepcionista. 4.2  O entendimento jurisprudencial atual. 5CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.


1    INTRODUÇÃO

A nossa Carta Magna de 1988 implantou no ordenamento jurídico brasileiro uma nova ordem de proteção aos direitos do homem e do cidadão, os quais passaram a ser consagrados como direitos fundamentais. O rol trazido pelo texto constitucional configura-se como meramente exemplificativo, estando apto a abarcar situações diversas, visando, cada vez mais, uma maior proteção aos direitos inerentes à pessoa humana.

O Código Civil, ao tratar dos direitos da personalidade, qualifica direitos que estão inseridos no âmbito dos direitos fundamentais, sendo estes inerentes à condição de pessoa. Tais direitos funcionam como limites ao poder estatal e, tal como os direitos fundamentais, visam proteger, unicamente, a pessoa humana.

A grande polêmica existente na doutrina e na jurisprudência encontra-se na definição do alcance desses direitos, ou seja, a partir de quando essa proteção pode ser invocada, bem como em que momento tais direitos são efetivamente adquiridos pelos seus titulares.

O artigo 2º do Código Civil buscou positivar o problema supracitado, não logrando êxito, contudo, tendo em vista que formulou redação carente de clareza, considerada por muitos doutrinadores até ambígua e contraditória. Ao afirmar que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”, a referida norma legal expressa que a pessoa apenas terá personalidade civil caso nasça com vida, mas reconhece que, de alguma forma, deverão ser respeitados e protegidos os direitos do nascituro a partir da sua concepção.  

O referido dispositivo põe em confronto as teorias de aquisição da personalidade, as quais diferem no momento de definição deste atributo, ora afirmando ser o da concepção, ora ser o do nascimento com vida. Nesse contexto, surge a controvérsia relativa aos direitos do nascituro, que é aquele já concebido e ainda não nascido, ou seja, aquele que está dentro do ventre materno e ainda não nasceu, mas é considerado ser vivo desde a concepção.

Assim, a problemática existente no âmbito dos direitos do nascituro é tema de grande importância na atualidade, haja vista a mudança de entendimento que vem sendo adotada nas decisões dos Tribunais Superiores acerca do referido assunto. A teoria natalista, antes seguramente entendida como adotada pelo Código Civil Brasileiro, hoje abre espaço para a teoria concepcionista, a qual amplia o âmbito de proteção dos direitos da personalidade para abranger o ser desde que concebido, embora ainda não nascido.

Pretende-se analisar o tema apresentado com enfoque na problematização referente à indenização por danos morais, se seria esta apta a ser concedida em nome do nascituro, como forma de proteção aos direitos que ele teria a partir do momento da sua concepção.

Ao tratar do tema tal como projetado, essencial será a análise das concepções doutrinárias acerca do assunto, bem como da evolução da jurisprudência dos Tribunais Superiores no tocante à concessão de danos morais em favor do nascituro, o qual vem reconhecendo como a apta a ser adotada a teoria concepcionista, rompendo, dessa forma, com os ditames tradicionais da doutrina civilista brasileira.

Partir-se-á, portanto, das divergências existentes acerca do assunto, buscando alcançar uma opinião consensual para melhor dirimir os casos concretos que envolvem os direitos do nascituro, principalmente quando se trata das questões relativas à possibilidade de concessão de indenização em favor deste, questões estas que muito evoluíram social e juridicamente, como se pode ver no pensamento da doutrina moderna e no entendimento que vem sendo adotado atualmente pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.


2    O DANO MORAL E OS DIREITOS DA PERSONALIDADE

2.1 Da relação entre os direitos da personalidade e os direitos fundamentais – A constitucionalização do Direito Civil.

Os direitos fundamentais, inerentes à pessoa humana, decorrem da própria natureza do homem, sendo, portanto, indispensáveis e necessários para assegurar a todos uma existência livre, digna e igualitária. Tais direitos passaram a ser proclamados e inseridos de maneira explícita nas constituições após a 2ª Guerra Mundial, haja vista as tamanhas violências cometidas pelos regimes fascista, stalinista e nazista naquela época, ameaçando direitos individuais e coletivos essenciais para a vida em sociedade, bem como provocando profundas instabilidades no convívio de âmbito internacional.

A Constituição Federal Brasileira de 1988 representou um grande avanço no reconhecimento dos direitos fundamentais da pessoa humana, trazendo em seu bojo um rol extenso e não exaustivo desses direitos, de forma explícita e implícita, bem como revelando garantias que asseguram o respeito e o cumprimento de tais direitos.

Com afirma Flávio Tartuce:

Sabe-se que o Título II da Constituição Federal, sob o título “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, traça as prerrogativas para garantir uma convivência digna, com liberdade e com igualdade para todas as pessoas, sem distinção de raça, credo ou origem. Tais garantias são genéricas, mas também são essenciais ao ser humano, e sem elas a pessoa humana não pode atingir a sua plenitude e, por vezes, sequer sobreviver.[1]

Os direitos da personalidade encontram-se intimamente ligados aos direitos fundamentais, tendo em vista que todo aquele que tem personalidade merece uma proteção fundamental. Tal proteção fundamental são os próprios direitos da personalidade e estes constituem proteção necessária para que a pessoa possa exercer a sua essência com dignidade. É por essa razão que a doutrina moderna afirma que os direitos da personalidade devem ser examinados a propósito da constitucionalização do direito civil.

No caminho dessa constitucionalização do Direito Civil, em consonância com a nossa Carta Magna de 1988, o Enunciado n. 274 da IV Jornada de Direito Civil[2] prevê que o rol dos direitos da personalidade previsto entre os artigos 11 a 21 do Código Civil é numerus apertus[3]. Assim, outros decorrem daqueles que foram explicitados, com o fito de que todas as situações que necessitam de resguardo legal possam ser alcançadas.

Para reconhecer o caráter exemplificativo de tais direitos, o ordenamento jurídico brasileiro estabelece uma cláusula geral de proteção da personalidade, qual seja a dignidade da pessoa humana[4], fundamento da República Federativa do Brasil, previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988. Nesse contexto, Gustavo Tepedino defende:

Com efeito, a escolha da dignidade da pessoa humana como fundamento da República, associada ao objetivo fundamental da erradicação da pobreza e da marginalização, e de redução das desigualdades sociais, juntamente com a previsão do parágrafo 2º do artigo 5º, no sentido de não exclusão de quaisquer direitos e garantias, mesmo que não expressos, desde que decorrentes dos princípios adotados pelo texto maior, configuram uma verdadeira cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana, tomada como valor máximo pelo ordenamento.[5]

O citado Enunciado nº 274 da IV Jornada de Direito Civil, reforçando ainda mais essa visão civil-constitucional, trata, também, da técnica da ponderação, a qual aduz que em casos de difícil elucidação, os princípios e direitos da personalidade, como fundamentais que são, devem ser sopesados no caso concreto pelo aplicador do Direito, com o fito de que seja encontrada a melhor solução, na hipótese de serem confrontados. Como se vê, não há como excluir direitos da personalidade, mesmo em caso de conflitos, mas faz-se necessária uma valoração aplicada ao caso concreto, dirimindo os impasses sem banir as prerrogativas da condição humana. O desenvolvimento dessa técnica da ponderação, no Direito Comparado, é atribuído a Robert Alexy, jurista alemão.[6]

Para Paulo Nader[7], a constitucionalização do Direito Civil verifica-se na ideia de que os direitos da personalidade são decorrentes dos direitos fundamentais, na medida em que ambos visam proteger unicamente a condição humana.

Os direitos fundamentais firmados pela Constituição Federal de 1988 configuram-se como diretrizes gerais que garantem um limite ao poder excessivo do Estado, enquanto os direitos da personalidade são fruto da captação desses valores fundamentais regulados no interior da disciplina civilista. Tais direitos não se confundem, serem são espécies autônomas, mas se encontram em um ponto comum, qual seja a proteção de valores inerentes à pessoa humana.

Verifica-se, portanto, que os direitos fundamentais são construídos sob a perspectiva de efetivar a dignidade do titular da personalidade nas relações públicas, enquanto que os direitos da personalidade seriam uma proteção necessária para o exercício da própria personalidade nas relações privadas. Insta frisar, porém, que, embora sejam conceitos autônomos, muitas vezes um direito da personalidade é também um direito fundamental, da mesma forma em que se torna possível a ocorrência da relação inversa.

2.2 Do conceito e das características dos direitos da personalidade.

O Código Civil Brasileiro de 2002 trouxe uma importante e festejada inovação ao fazer a inserção de um capítulo próprio para tratar dos direitos da personalidade. Tais direitos são conceituados pelos doutrinadores através de diferentes perspectivas. Maria Helena Diniz os define da seguinte forma:

 São direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a sua integridade física (vida, alimentos, próprio corpo vivo ou morto, corpo alheio, vivo ou morto, partes separadas do corpo vivo ou morto); a sua integridade intelectual (liberdade de pensamento, autoria científica, artística e literária) e sua integridade moral (honra, recato, segredo pessoal, profissional e doméstico, imagem, identidade pessoal, familiar e social).[8]

Conforme elucida Flávio Tartuce:

Os direitos da personalidade têm por objeto os modos de ser, físicos ou morais do indivíduo e o que se busca proteger com eles são, exatamente, os atributo específicos da personalidade, sendo personalidade a qualidade do ente considerado pessoa. Na sua especificação, a proteção envolve os aspectos psíquicos do indivíduo,além de sua integridade física, moral e intelectual, desde a sua concepção até a sua morte.[9]

Rubens Limongi França defende que “os direitos da personalidade são as faculdades jurídicas cujo objeto são os diversos aspectos da própria pessoa do sujeito, bem assim da sua projeção essencial no mundo exterior.”[10]

Pode-se afirmar, portanto, que, embora conceituados sob diferentes perspectivas, os direitos da personalidade possuem o mesmo objeto, qual seja os modos de ser, físicos, morais e intelectuais do indivíduo. São aqueles direitos inerentes à pessoa e à sua dignidade, podendo ser divididos em duas categorias: os direitos inatos, como o direito à vida e à integridade física e moral, e os direitos adquiridos, que decorrem da condição individual e existem na extensão da disciplina que lhe foi conferida pelo direito positivo.

O artigo 11 do Código Civil estabelece as características de tais direitos, como regra geral, admitindo, contudo, exceções estabelecidas de forma legal, quando explicita que “com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”.

A intransmissibilidade e irrenunciabilidade acarretam a indisponibilidade dos direitos da personalidade, não podendo os seus titulares deles dispor, transmitindo-os, renunciando-os ou abandonando-os, tendo em vista que nascem e se extinguem com eles, dos quais são inseparáveis. Insta frisar, porém, que essa indisponibilidade é relativa, tendo em vista que alguns atributos da personalidade admitem a cessão de seu uso, como a imagem, por exemplo, que pode ser explorada comercialmente, mediante retribuição pecuniária. Dessa forma, verifica-se que tal indisponibilidade não é absoluta, mas inteiramente relativa.

Além das citadas características estabelecidas de forma expressa no texto legal, é possível extrair outros aspectos implícitos que são inerentes aos direitos da personalidade, tais como a imprescritibilidade, tendo em vista que não se extinguem pelo uso ou pelo decurso do tempo; a impenhorabilidade, na medida em que não podem ser dados em garantia; a não sujeição à desapropriação, por serem inatos e se ligarem à pessoa humana de modo indestacável; a vitaliciedade, por acompanharem o titular até a morte, podendo, inclusive, muitas vezes, serem resguardados mesmo após esta, a exemplo do art. 12, parágrafo único do Código Civil.

Insta frisar que há proposta de inclusão expressa de todas essas caraterísticas no artigo 11 do Código Civil, conforme o Projeto de Lei 699/2011, antigo Projeto 6.960/2002, de autoria original do Deputado Ricardo Fiuza.[11]

2.3 Do Dano Moral

No âmbito do Direito Civil Brasileiro, há uma obrigação ampla de não lesar, o qual, se não cumprido, corresponde ao dever de indenizar. A referida obrigação nasce sempre que, de um comportamento contrário àquele dever, resulta algum prejuízo injusto para outrem, seja material, seja moral.[12]

O dano patrimonial, quando observado em detrimento de outrem, é causa para a indenização, que deve gerar a recomposição do patrimônio às custas do ofensor. Já no dano não patrimonial não há esse tipo de recomposição, haja vista atingir valores não sujeitos à quantificação. A reparação, nesse caso, assume o objetivo de atenuar o sofrimento da lesado, bem como coibir a reincidência na prática de tal ofensa[13]. Assim, para a análise da natureza do ressarcimento que se impõe, faz-se necessário efetivar a diferenciação entre dano patrimonial e dano não patrimonial.

  Para Pontes de Miranda, “dano patrimonial é o dano que atinge o patrimônio do ofendido; dano não patrimonial é o que, só atingindo o devedor como ser humano, não lhe atinge o patrimônio.”[14]

   Na doutrina italiana, Adriano De Cupis recorria a essa conceituação:

O dano não patrimonial não pode ser definido se não em contraposição ao dano patrimonial. Dano não patrimonial, em consonância com o valor negativo de sua expressão literal, é todo dano privado que não pode compreender-se no dano patrimonial, por ter por objeto um interesse não patrimonial, ou seja, que guarda relação com um bem não patrimonial.[15]

 A reparação causada por danos não patrimoniais, de cunho moral, é assunto antigo no âmbito das relações interpessoais, haja vista ser possível observar a sua incidência já no Código de Hamurabi[16], na Babilônia, onde era permitida a vingança “olho por olho, dente por dente” e, ao lado desta, admitia-se, também, a reparação da ofensa mediante pagamento de determinado valor em dinheiro. Também é possível observar a tipificação da reparação por danos não patrimoniais no Código de Manu[17], na Índia, bem como na Roma Antiga[18]. Nesses casos, contudo, como já explicitado, a sanção era aplicada a certos fatos isolados, e não de forma genérica.

A partir da Lei Aquilia[19] e principalmente com a legislação de Justiniano, houve uma ampliação no campo da reparabilidade do dano moral, o que é criticado por alguns doutrinadores, que afirmam que a referida reparabilidade só teria surgido, de fato, como teoria moderna, nunca cogitada entre os antigos.

Com a divulgação dos direitos da personalidade, o assunto relativo à locupletação por danos morais foi crescendo e tomando espaço no ramo da positivação civilista, com o fito de que tais direitos fossem protegidos de maneira mais certa e efetiva. Assim, várias leis em diversos países passaram a tutelar a defesa de diversos direitos da personalidade, culminado com a figuração, em 1942, do referido tema no Código Civil Italiano.

O Código Civil Brasileiro de 1916 não previa expressamente a reparabilidade do dano moral. Esta era depreendida, por alguns autores, como Clóvis Beviláqua, do artigo 159 do referido texto legal, que utilizava apenas a expressão "reparar o dano" e do princípio neminen laedere, segundo o qual não se deve lesar ninguém[20].

Com a Constituição Brasileira de 1988 veio, finalmente, o enunciado do princípio geral que pôs fim às vacilações e resistências dos tribunais, qual seja o artigo 5º, incisos V e X, surgindo oficialmente no ordenamento jurídico brasileiro a reparação por danos morais:

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Após a Constituição de 1988 não há mais limite legal prefixado para a configuração do dano moral. Em seu artigo 5º, V e X a Constituição tratou dos direitos da personalidade e estabeleceu indenização para a violação destes. Assim surgiu um sistema geral de indenização por danos morais regido pelo Direito Civil comum e não por lei especial.[21] Este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça expresso na súmula 281, a qual dispõe que “a indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa."

O Código Civil de 2002 adotou expressamente a reparabilidade do dano moral em seu artigo 186, aduzindo que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. No mesmo sentido, seguiu o artigo 187, estabelecendo que “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

Dessa forma verifica-se que, atualmente, encontra-se solidamente assentada a ampla e unitária teoria da reparação de todo e qualquer dano civil, tanto ocorrendo na esfera patrimonial, como não patrimonial. Com relação ao dano moral, entre os elementos essenciais à caracterização da reparabilidade hão de incluir-se, necessariamente, a ilicitude da conduta do agente e a gravidade da lesão suportada pela vítima.

Nesse sentido já é consolidada a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o qual reconhece que os meros dissabores e aborrecimentos da vida não são hábeis a caracterizar, por si só, o dano moral e a possibilidade de sua reparação, como se observa no Recurso Especial nº 1234549/SP, de relatoria do Ministro Massami Uyeda.

RECURSO ESPECIAL - RESPONSABILIDADE CIVIL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - IMÓVEL - DEFEITO DE CONSTRUÇÃO - INFILTRAÇÕES EM APARTAMENTO - POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO - CONSTATAÇÃO, PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS -  LAMENTÁVEL DISSABOR - DANO MORAL – NÃO CARACTERIZADO - RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.

 I - As recentes orientações desta Corte Superior, a qual alinha-se esta Relatoria, caminham no sentido de se afastar indenizações por danos morais nas hipóteses em que há, na realidade, aborrecimento, a que todos estão sujeitos.

 II - Na verdade, a vida em sociedade traduz, infelizmente, em certas ocasiões, dissabores que, embora lamentáveis, não podem justificar a reparação civil, por dano moral. Assim, não é possível se considerar meros incômodos como ensejadores de danos morais, sendo certo que só se deve reputar como dano moral a dor, o vexame, o sofrimento ou mesmo a humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, chegando a causar-lhe aflição, angústia e desequilíbrio em seu bem estar.

III - No caso, a infiltração ocorrida no apartamento dos ora recorrentes, embora tenha causado, é certo, frustração em sua utilização, não justifica, por si só, indenização por danos morais. Isso porque, embora os defeitos na construção do bem imóvel tenham sido constatados pelas Instâncias ordinárias, tais circunstâncias, não tornaram o imóvel impróprio para o uso.

IV - Recurso especial improvido.

Ao longo do tempo, percebe-se que houve uma evolução no que diz respeito à exata configuração do dano moral, ou seja, nas condutas e nos efeitos que delas resultam que sejam capazes de gerar a concessão de indenização por danos morais.

No ensino de Carlos Alberto Bittar:

 Qualificam-se como morais os danos em razão da esfera da subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na sociedade em que repercute o fato violador, havendo-se, portanto, como tais aqueles que atingem os aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal), ou o da própria valoração da pessoa no meio em que vive e atua (o da reputação ou da consideração social).[22]

Assim, os danos morais eram caracterizados no plano subjetivo e negativo, sendo levada em consideração a lesão psicológica sofrida pelo ofendido, o que não poderia ser concretamente pesquisado, pois estaria no âmbito do psiquismo da pessoa humana[23].

Atualmente, percebe-se uma aproximação pertinente entre o dano moral e os direitos da personalidade, ao ponto de muitos doutrinadores afirmarem que não há dano moral fora do âmbito desses direitos. O conceito de dano moral traz, hoje, um conteúdo técnico, qual seja a violação de um direito da personalidade. Assim, verifica-se que o mesmo deixou de se relacionar a uma compreensão negativa e subjetiva, passando a ser qualificado de forma técnica e objetiva.

Assim, basta a prova de violação de um direito da personalidade, que reproduza gravidade maior que meros dissabores, para restar configurado o dano moral. As circunstâncias subjetivas acima elencadas podem influenciar na quantificação do dano, não podendo, contudo, serem determinantes para a averiguação da ocorrência do mesmo.

A referência freqüente à "dor" moral ou psicológica não se coaduna com o conceito moderno de dano moral e deixa o julgador sem parâmetros seguros de verificação da ocorrência deste. A dor é uma conseqüência, não é o direito violado. O que concerne à esfera psíquica ou íntima da pessoa, seus sentimentos, sua consciência, suas afeições, sua apreensão, correspondem a dos aspectos essenciais da honra, da reputação, da integridade psíquica ou de outros direitos da personalidade.

Em razão de sua visceral interdependência com os direitos da personalidade, os danos morais nunca se apresentam como reparação, pois a lesão ao direito da personalidade não pode ser mensurada economicamente, como se dá com os demais direitos subjetivos. Por isso, a indenização tem função compensatória, que não pode ser simbólica, para que a compensação seja efetiva e produza impacto negativo no lesante, nem demasiada, para não conduzir ao enriquecimento sem causa do lesado.


3 DO INÍCIO DA PERSONALIDADE CIVIL

3.1 A problemática do artigo 2º do atual Código Civil

O surgimento da personalidade civil, apesar de positivado no artigo 2º do atual Código Civil Brasileiro, configura-se como assunto cercado por divergências e discussões, vez que o referido dispositivo trata do tema de maneira vaga e, até mesmo, contraditória.

O dispositivo legal citado enuncia que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. Tal norma já era prevista no Código Civil de 1916, em seu artigo 4º, o qual restou praticamente repetido no atual texto legal.

Considerando a palavra derivada do latim, nasciturus significa “que está por nascer”. Para o eminente professor Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, a palavra nascituro provém do latim nascituru, que é adjetivo e substantivo masculino, cujo significado é “que, ou aquele que há de nascer.” [24]

Portanto, por nascituro deve-se entender, segundo a doutrina civilista, o ser vivo que está por nascer. Expressa o referido conceito a denominação do produto da concepção que ainda não foi retirado do ventre materno. Nascituro é aquele que está dentro do ventre materno e ainda não nasceu, mas é considerado ser desde a concepção.

Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves:

Ocorre o nascimento quando a criança é separada do ventre materno, não importando tenha o parto sido natural, feito com o auxílio de recursos obstétricos ou mediante intervenção cirúrgica. O essencial é que se desfaça a unidade biológica, de forma a constituírem mãe e filho dois corpos, com vida orgânica própria, mesmo que não tenha sido cortado o cordão umbilical.[25]

O Código Civil espanhol, ao contrário do brasileiro, exige, para a aquisição da personalidade, que o feto tenha figura humana, fixando, ainda, no seu artigo 30, um prazo de vinte e quatro horas de vida, de inteira separação do corpo materno.[26] O direito português também condicionava à vida figura humana, como demonstra a análise do artigo 6º do seu texto Civil.

No direito civil francês e no direito alemão, não basta o nascimento com vida, mas é necessário, ainda, que o indivíduo seja viável, isto é, apto para a vida, e se nascer com vida a sua capacidade remontará a concepção. Para o argentino e o húngaro, a concepção já dá origem à personalidade[27].

Diferentemente dos citados diplomas estrangeiros, o Brasil não impõe a forma humana para a aquisição da personalidade. A viabilidade, no direito brasileiro, é a aptidão para a vida, não importando as anomalias e deformidades que apresente. A exigência de forma humana fere o princípio da dignidade da pessoa humana, basilar e norteador do nosso ordenamento jurídico, bem como tantos outros princípios constitucionais que regem a proteção à personalidade do indivíduo.

Insta frisar, porém, que a jurisprudência atual vem caminhando no sentido de modificar tal entendimento legal, como se pode notar através do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54, julgada pelo Supremo Tribunal Federal no dia 13 de abril deste ano, que julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126, 128, incisos I e II, todos do Código Penal. Tal entendimento vai de encontro aos princípios constitucionais delineados em nossa Carta Magna e talha a proteção ao direito à vida, o que se mostra inteiramente contrário à garantia dos direitos do feto, como apregoa o artigo 2º do nosso Código Civil.

Segundo a Professora Silmara Juny Chinellato, a proteção referente ao nascituro abrange também o embrião pré-implantatório in vitro ou crioconservado, ou seja, aquele que ainda não foi introduzido no ventre materno.[28] Contudo, tal questão não é pacífica, tendo em vista que outra corrente, liderada por Maria Helena Diniz, deduz que o embrião não está abrangido pelo artigo 2º do Código Civil pelo fato de ter vida extrauterina, diferenciando-se, assim, do nascituro.[29] O Projeto de Lei nº 6.960/2002, apresentado ao Congresso Nacional pelo Deputado Ricardo Fiúza, visando aperfeiçoar os dispositivos do novo Código e sanar as controvérsias acerca do tema, propõe que se dê ao artigo 2º do referido diploma a seguinte redação: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do embrião e do nascituro”.

A par disso, a maior divergência presente na doutrina atual refere-se à personalidade civil do nascituro, uma vez que o artigo 2º do Código Civil, já transcrito, põe em dúvida o momento de aquisição desta, tendo em vista que afirma que o início se dá com o nascimento com vida, mas ressalva que a lei protege os direitos do nascituro.

O professor Washington de Barros Monteiro esclarece a pretexto desse impasse:

Discute-se se o nascituro é pessoa virtual. Seja qual for a conceituação, há para o feto uma expectativa de vida humana, uma pessoa em formação. A lei não pode ignorá-lo e por isso lhe salvaguarda os eventuais direitos. Mas para que estes se adquiram, preciso é que ocorra o nascimento com vida. Por assim dizer, nascituro é pessoa condicional; a aquisição da personalidade acha-se sob a dependência de condição suspensiva, o nascimento com vida. A esta situação toda especial chama Planiol de antecipação da personalidade.[30]

De acordo com a doutrina de Sílvio de Salvo Venosa:

O nascituro é um ente já concebido que se distingue de todo aquele que não foi ainda concebido e que poderá ser sujeito de direito no futuro, dependendo do nascimento, tratando-se de uma prole eventual. Essa situação nos remete à noção de direito eventual, isto é, um direito em mera situação de potencialidade, de formação, para quem nem ainda foi concebido. É possível ser beneficiado em testamento o ainda não concebido. Por isso, entende-se que a condição de nascituro extrapola a simples situação de expectativa de direito.[31]

A legislação brasileira adotou como regra para início da personalidade civil o nascimento com vida, o qual é verificado por meio da respiração, valendo-se o Direito, nesse campo, dos ensinamentos da Medicina[32]. Nem por isso são negligenciados os direitos do nascituro. Isso porque a doutrina brasileira se divide ao tratar da condição do nascituro, pois, para alguns doutrinadores, o nascituro é considerado pessoa, ao argumento de que o Código Civil Brasileiro lhe outorga direitos, e somente as pessoas podem ser sujeitos de direito. Dessa forma, o nosso texto civil é polêmico, indicando na primeira parte do artigo 2º que o nascituro não é pessoa e sugerindo o contrário em sua segunda parte.

Para a análise mais profunda do tema, impõe-se especificar as três teorias que procuram justificar a situação jurídica do nascituro, o que será demonstrado a seguir.

3.2 Teoria Natalista

A teoria natalista é a corrente que prevalece entre os autores clássicos do Direito Civil, para quem o nascituro não poderia ser considerado pessoa, pois é exigido para tanto o nascimento com vida. Assim, tal sujeito teria apenas mera expectativa de direito, a qual se concretizaria no momento em que ele respirasse fora do ventre materno.

Segundo a doutrina natalista, nas palavras de Sérgio Semião Abdala (2008, p. 40), “o nascituro é mera expectativa de pessoa, por isso, tem meras expectativas de direito, e só é considerado como existente desde sua concepção para aquilo que lhe é juridicamente proveitoso.” O citado autor assinala ainda que:

Sustentam os natalistas que, caso os direitos do nascituro não fossem taxativos, como entendem os concepcionistas, nenhuma razão existiria para que o Código Civil declinasse, um por um, os seus direitos. Fosse ele pessoa, todos os direitos subjetivos lhe seriam conferidos automaticamente, sem necessidade de a lei declina-los um a um. Dessa forma, essa seria a verdadeira interpretação sistemática que se deve dar ao Código Civil Brasileiro.

Os estudiosos que aderem à teoria natalista partem de uma interpretação literal e simplista da lei, a qual dispõe que a personalidade jurídica começa com o nascimento com vida, o que traz a conclusão de que o nascituro não é pessoa. Por este motivo, esta teoria é chamada por muitos de teoria legalista de aquisição da personalidade.

Como adeptos dessa corrente, da doutrina tradicional, podem ser citados Sílvio Rodrigues, Caio Mário da Silva Pereira e San Tiago Dantas. Na doutrina contemporânea, filia-se Silvio de Salvo Venosa, admitindo que:

O fato de o nascituro ter proteção legal não deve levar a imaginar que tenha ele personalidade tal como a concebe o ordenamento. Ou, sob outros termos, o fato de ter ele capacidade para alguns atos não significa que o ordenamento lhe atribuiu personalidade. Embora haja quem sufrague o contrário, trata-se de uma situação que somente se aproxima da personalidade, mas com esta não se equipara. A personalidade somente advém do nascimento com vida.[33]

O autor Flávio Tartuce critica a teoria natalista tendo em vista que esta acaba por considerar o nascituro como uma coisa, a partir do momento em que ele só teria mera expectativa de direito. Outra crítica presente no panorama civilista atual com relação à teoria legalista é que esta se encontra totalmente distante do surgimento das novas técnicas de reprodução assistida, bem como da proteção dos direitos do embrião, temas estes que não podem mais ser ignorados, haja vista a desenvolvimento da ciência da Medicina nesse sentido.

Além disso, o fato é que a constitucionalização do Direito Civil conclama uma amplitude da proteção dos direitos da personalidade, razão pela qual não se deve mitigar esses direitos através de uma interpretação literal dos dispositivos que os regulam. Essa ampla proteção conferida aos direitos da pessoa é uma tendência do Direito Civil pós-moderno, assim esvaziado o posicionamento da corrente natalista.

Nesse sentido, explana o autor Flávio Tartuce:

Do ponto de vista prático, a teoria natalista nega ao nascituro até mesmo os seus direitos fundamentais, relacionados com a sua personalidade, caso do direito à vida, à investigação de paternidade, aos alimentos, ao nome e até à imagem. Com essa negativa, a teoria natalista esbarra em dispositivos do Código Civil que consagram direitos àquele que foi concebido e não nasceu. Essa negativa de direitos é mais um argumento forte para sustentar a total superação dessa corrente doutrinária.[34]

3.3 Teoria da personalidade condicional

A teoria da personalidade condicional traz em tela uma visão de reconhecimento do inicio da personalidade jurídica da pessoa humana no momento da concepção, entretanto, sendo esta de maneira condicional. Segundo tal pensamento, a personalidade civil começa com o nascimento com vida, mas os direitos do nascituro estão sujeitos a uma condição suspensiva, ou seja, são direitos eventuais.

Os adeptos da teoria da personalidade condicionada afirmam que nascendo com vida, a existência do indivíduo, no tocante aos seus interesses, retroagiria ao momento da concepção. Os direitos assegurados ao nascituro se encontrariam em estado potencial, ou seja, esperando a realização do nascimento com vida para que fossem seguramente efetivados.

A condição suspensiva está disciplinada no artigo 125 do Código Civil Brasileiro, sendo esta o pressuposto para que a pessoa possa se tornar titular dos direitos em face da ocorrência de um evento futuro e incerto, ou seja, enquanto não ocorrer tal evento, a pessoa tem mera expectativa de direito. Dessa forma, a condição suspensiva é o elemento acidental do negócio jurídico que subordina a sua eficácia a um evento que poderá ocorrer no futuro, mas que não é inteiramente certo de acontecer.

No caso do nascituro, a condição estabelecida é justamente o nascimento com vida, ou seja, a respiração fora do ventre materno, e a tese da existência de direitos sob condição suspensiva encontra-se confirmada no artigo 130 do atual texto civilista, o qual afirma que “ao titular do direito eventual, nos casos de condição suspensiva ou resolutiva, é permitido praticar os atos destinados a conservá-lo”.

Segundo esse entendimento, por exemplo, o nascituro pode requerer, representado pela mãe, a suspensão do inventário, em caso de morte do pai, estando a mulher grávida e não havendo outros descendentes, para se aguardar o nascimento. Pode, ainda, propor medidas acautelatórias em caso de dilapidação por terceiro dos bens que lhe foram doados ou deixados em testamento.

Em conformidade com alguns dos adeptos desta teoria, o doutrinador Miguel Maria de Serpa Lopes, citado na obra de Wilian Artur Pussi “Personalidade Jurídica do Nascituro”, apregoa de forma incisiva:

De fato, a aquisição de tais direitos, segundo o nosso Código Civil, fica subordinado a condição de que o feto venha a ter existência; se tal se sucede, dá-se a aquisição; mas, ao contrário, se não houver o nascimento com vida, ou por ter ocorrido um aborto ou por ter o feto nascido morto, não há uma perda ou transmissão de direitos, como deverá se suceder; se ao nascituro fosse reconhecida uma ficta personalidade. Em casos tais, não se dá a aquisição de direitos.[35]

Assim, o nascituro não teria personalidade jurídica, já que esta começa do nascimento com vida e quando a lei confere a ele direitos, constituem-se aí situações excepcionais. Quando a lei “põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro”, dissocia o conceito de personalidade do conceito de subjetividade. O nascituro não é pessoa, mas já é sujeito de direito, conquanto sob a condição.

Analisando-se como exemplo o plano hereditário, a anômala subjetividade do nascituro se explica pela suspensão da delação. Vale dizer que a herança se difere sob a condição com o nascimento com vida. Trata-se de condição suspensiva, pois a delação não produz efeito se o evento nascimento com vida não se verificar. De sorte que, se o nascituro não nasce com vida, realmente não adquiriu a deixa, assim como não adquire outro direito qualquer.[36]

Como conclusão, portanto, nota-se que os acolhedores desta corrente colocam o nascituro em uma posição suspensiva em relação a seus direitos, de maneira condicional. Se este vier a nascer com vida, ocorrendo a condição, o infante, terá todos seus direitos garantidos desde a concepção.

Como afirma Carlos Roberto Gonçalves:

Poder-se-ia até mesmo afirmar que na vida intra-uterina tem o embrião, concebido in vitro personalidade jurídica formal, no que atina aos direitos personalíssimos, visto ter carga genética diferenciada desde a concepção, seja ela in vivo ou in vitro, passando a ter personalidade jurídica material, alcançando os direitos patrimoniais, que se encontravam em estado potencial, somente com o nascimento com vida. Se nascer com vida adquire personalidade jurídica material, mas se tão não ocorrer nenhum direito patrimonial terá.[37]

Como se pode ver, Carlos Roberto Gonçalves diferencia a personalidade jurídica formal da material, distinção que também se encontra presente na doutrina de Maria Helena Diniz. A personalidade jurídica material habilita a pessoa a ser sujeito de direitos, indicando a titularidade das relações jurídicas. É o ponto de vista estrutural, em que a pessoa, tomada em sua subjetividade, identifica-se como elemento das situações jurídicas. Já a personalidade jurídica formal configura-se como sendo o conjunto de características e atributos da pessoa humana, considerada como objeto de proteção por parte do ordenamento jurídico.

Segundo o entendimento da teoria da personalidade condicionada, desde a concepção o feto teria personalidade jurídica formal, recebendo toda a proteção relativa aos seus direitos personalíssimos. Contudo, a personalidade jurídica material, relativa aos direitos patrimoniais encontra-se sob condição suspensiva, aguardando a efetivação do nascimento com vida.

A teoria da personalidade condicionada encontrava-se presente no Projeto do Código Civil de 1916[38], sendo esta a corrente adotada por Clóvis Beviláqua. Além deste, como entusiastas desse posicionamento, podem ser citados Washington de Barros Monteiro[39], Miguel Maria de Serpa Lopes e Arnaldo Rizzardo.

A grande crítica que se faz ao citado posicionamento é o apego que o mesmo externa a questões patrimoniais, não respondendo ao apelo de direitos pessoais ou da personalidade a favor do nascituro. Em uma realidade que prega a personalização do Direito Civil, bem como a sua constitucionalização, uma tese essencialmente patrimonialista não deve prevalecer. Os direitos da personalidade, por encontrarem amparo constitucional, não podem estar sujeitos a qualquer condição, termo ou encargo, como nos faz entender a presente corrente.

Ademais, embora afirme o contrário, essa linha de entendimento acaba por negar os direitos do nascituro, não reconhecendo a este direitos efetivos a partir do momento em que a condição suspensiva estabelecida faz nascer apenas direitos eventuais, ou seja, mera expectativa de direitos. Assim, seria correto afirmar que a teoria da personalidade condicionada é essencialmente natalista, a medida em que tem como premissa a aquisição da personalidade apenas com o nascimento com vida. Seria incorreto dizer, portanto, como afirmam alguns autores, que esta teoria configura-se como mista.

3.4 Teoria concepcionista

A teoria concepcionista surge como uma brusca inovação no pensamento de alguns doutrinadores, os quais passam a admitir que o nascituro é pessoa humana, tendo direitos resguardados pela lei. A principal precursora da tese concepcionista no Brasil foi Silmara Juny Chinellato, a qual explana que:

O nascimento com vida apenas consolida o direito patrimonial, aperfeiçoando-o. O nascimento sem vida atua, para a doação e a herança, como condição resolutiva, problema que não se coloca em se tratando de direitos não patrimoniais. De grande relevância, os direitos da personalidade do nascituro, abarcados pela revisão não taxativa do art. 2º. Entre estes, avulta o direito à vida, à integridade física, à honra e à imagem, desenvolvendo-se cada vez mais a indenização de danos pré-natais, entre nós com impulso maior depois dos Estudos de Bioética.[40]

Como explanado, a citada autora levanta o argumento de que o nascimento com vida não é o marco inicial para o alcance dos direitos patrimoniais, mas apenas consolida os mesmos, na medida em que passa a se tornar perfeita a possibilidade de defendê-los. Quanto aos direitos da personalidade referente à vida, à integridade física, à honra e à imagem, estes seriam atributos do nascituro desde o momento da sua concepção, razão pela qual deve ser protegido pela possibilidade de indenização pelos danos que lhes sejam causados.

A tese sustentada por Silmara Juny Chinellato restou acompanhada por diversos doutrinadores, como Pontes de Miranda, Rubens Limongi França[41], Flávio Tartuce[42], Gustavo Rene Nicolau, Renan Lotufo e Maria Helena Diniz.

Os citados autores apontam que a origem da teoria concepcionista está no Esboço de Código Civil elaborado por Teixeira de Freitas, pela previsão constante do artigo 1º da sua Consolidação das Leis Civis, o qual aduz que “as pessoas consideram-se como nascidas apenas formadas no ventre materno; a Lei lhes conserva seus direitos de sucessão ao tempo de nascimento”. Tal ensinamento influenciou de maneira notória o Código Civil argentino, o qual adota expressamente o pensamento concepcionista.

Verifica-se, pois, que a citada teoria é a que prevalece entre os autores contemporâneos do Direito Civil Brasileiro, os quais conferem direitos efetivos e reconhecidos ao nascituro desde o momento da sua concepção. A conclusão pela tese concepcionista também consta do Enunciado nº 1 do Conselho da Justiça Federal e do Superior Tribunal de Justiça, aprovado da I Jornada de Direito Civil, cujo teor segue: “A proteção que o Código defere ao nascituro alcança também o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como nome, imagem e sepultura”.

A tese concepcionista relata a preocupação atual com relação à efetividade dos direitos do nascituro. É notório que o ordenamento jurídico brasileiro abrange vários dispositivos que conferem direitos aos concebidos e ainda não nascidos, como por exemplo a Lei nº 11.804/2008, Lei dos Alimentos Gravídicos, a qual fora responsável pelo reforço do debate entre o momento de aquisição dos direitos da personalidade, confrontando as teorias aqui apontadas.

Acerca da referida lei, Flávio Tartuce sustenta:

Os citados alimentos gravídicos, nos termos da lei, devem compreender os valores suficientes pata cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes à alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere como pertinentes.[43]

Expressiva doutrina italiana demonstra que, mesmo sob a ficção natalista da norma genérica que trata do início de personalidade, as demais normas reconhecem direitos incondicionais, desde a concepção, com reflexos na Jurisprudência. O direito constitucional desse país, bem como Convenções Internacionais, respaldam o acolhimento da teoria concepcionista.

Do ponto de vista biológico, não há dúvida de que a vida se inicia com a fecundação do óvulo pelo espermatozóide, resultando um ovo ou zigoto. Assim o demonstram os argumentos colhidos na Biologia. O embrião ou feto representa um ser individualizado, com uma carga genética própria, que não se confunde nem com a do pai nem com a da mãe. Os direitos absolutos da personalidade, como o direito à vida, o direito à integridade física (stricto sensu) e à saúde, espécies do gênero “direito à integridade física” (lato sensu), aos olhos da teoria concepcionista, independem do nascimento com vida, mas devem ser resguardados desde o início da vida intrauterina, haja vista ser aí o momento de início da vida humana.

A despeito da redação aparentemente contraditória do artigo 2º do Código Civil, que, estabelecendo o início da personalidade civil do nascimento com vida, concede direitos e não expectativas de direitos do nascituro, é possível conciliá-lo consigo mesmo e com todo o sistema agasalhado pelo Código que reconhece direitos e estados ao concebido desde a concepção, em harmonia com os diplomas legais de outros ramos do Direito. Utilizando-se desses argumentos, Silmara Juny Chinellato entende que, através dos métodos lógico e sistemático de Hermenêutica, o artigo 2º em tela consagra a teoria concepcionista e não a teoria natalista.

Assim, verifica-se que esta terceira corrente, ao afirmar que o nascituro tem personalidade desde a concepção, parece-nos a mais coerente com o ordenamento jurídico brasileiro. Apenas certos efeitos de certos direitos, notadamente os patrimoniais materiais, dependem do nascimento com vida, como o direito de receber doação e de receber herança. Os direitos absolutos da personalidade, como o direito à vida, o direito à integridade física (stricto sensu) e à saúde, espécies do gênero “direito à integridade física” (lato sensu), independem do nascimento com vida.

Silmara Juny Chinellato especifica direitos dos quais o nascituro é titular desde o momento da sua concepção, fundamentando, assim, a sua tese concepcionista.

O nascituro é pessoa desde a concepção. Nem todos os direitos e estados a ele atribuídos dependem do nascimento com vida, como, por exemplo: o estado de filho (art. 458 do CC) – antes da Constituição de 1988 tinha o status de filho “legítimo” (art. 338 do CC) e de filho “legitimado” (art. 353 do CC) –, o direito à curatela (arts. 458 e 462 do CC) e à representação (art. 462 caput c/c arts. 384, V e 385, todos do CC), o direito ao reconhecimento (parágrafo único do art. 357 do CC e parágrafo único do art. 26 do ECA), o de ser adotado (art. 372 do CC), o direito à vida, o direito à integridade física (lato sensu), ambos direitos da personalidade, compreendendo-se, no último, o direito à integridade física (stricto sensu) e à saúde – direitos absolutos – e o direito a alimentos, reconhecido ao nascituro desde o Direito Romano, respaldado no Brasil por expressiva doutrina e novos acórdãos.[44]

Rechaçada estaria, pois, a ideia de que a personalidade do nascituro é condicional. Apenas determinados efeitos de certos direitos, notadamente dos direitos patrimoniais materiais, como a herança e a doação, dependem do nascimento com vida. Assim, ao contrário do que afirma o pensamento da personalidade condicionada, aqui se verifica que a plenitude da eficácia desses direitos fica resolutivamente condicionada ao nascimento sem vida, ou seja, o nascimento com vida não é condição suspensiva para a titularidade dos direitos da personalidade do nascituro, mas haveria uma condição resolutiva, qual seja o nascimento sem vida, para que fosse impossível o exercício desses direitos.

A condição resolutiva acarreta a extinção do negócio quando verificado determinado fato. De acordo com o artigo 127 do Código Civil, "se for resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o negócio jurídico, podendo exercer-se desde a conclusão deste o direito por ele estabelecido". Porém, assim que sobrevier a condição, extinguirá o direito a que ela se opõe.

A condição do nascimento sem vida é resolutiva porque a segunda parte do artigo 2º do Código Civil, bem como outros dispositivos presentes no ordenamento jurídico brasileiro, reconhecem direitos e estados ao nascituro, não do nascimento com vida, mas desde a concepção. Tais direitos só se configurariam impossíveis de exercício se a criança nascesse sem vida, fato este que extingue tais direitos e, se extinguem, é porque eles já existiam desde o início da vida intrauterina.

Os demais ramos do Direito oferecem tutela jurídica de proteção ao nascituro, o que reafirma e embasa, ainda mais, a efetiva personalidade da qual estes são titulares. O Direito do Trabalho[45], bem como o Direito Administrativo, conferem toda a proteção à trabalhadora e à servidora gestante, direitos os quais são, também, constitucionalmente assegurados, como se pode observar a partir dos artigos 5º, caput, e XXXVIII e 6º, caput e XVIII. O Direito Penal[46], na mesma esteira, em regra, pune o aborto, protegendo o direito à vida do feto. A ação de posse em nome do nascituro, medida cautelar acolhida pelo Código de Processo Civil é outro exemplo de efetivação da tutela jurídica de proteção aos direitos do nascituro.

No âmbito do Direito Internacional, invoquem-se o Pacto de San José da Costa Rica – Convenção Interamericana de Direitos Humanos (promulgada pelo Decreto n. 678, de 06-11-1992), a Declaração dos Direitos da Criança, proclamada unanimemente pela Assembléia das Nações Unidas, aos 20 de novembro de 1959 e a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (ratificada pelo Brasil, em 24-9-1990), todos instrumentos de proteção aos direitos do concebido e ainda não nascido.

Dessa forma, realizando uma interpretação sistemática do artigo 2º do Código Civil Brasileiro, bem como pela a análise de todo o exposto, consideramos a tese concepcionista a mais apta e bem sucedida teoria para explicar a tutela jurídica do nascituro. Insta frisar, ainda, que a jurisprudência vem firmando posicionamento semelhante em algumas questões, como a concessão que vem sendo atribuída de indenização por danos morais em favor do nascituro, o que restará explanado a seguir.


4 A POSIÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES ACERCA DO RECONHECIMENTO DO DANO MORAL EM FAVOR DO NASCITURO

4.1 O reconhecimento da teoria concepcionista

Embora nunca tenha restado dúvida no entendimento doutrinário e jurisprudencial brasileiro quanto à aplicação da teoria natalista, a que afirma que a pessoa natural começa sua existência com o nascimento com vida e, com isso, também a sua capacidade jurídica, a novidade permeia-se na crescente aplicação da teoria concepcionista, a qual garante certa equiparação ente os já nascidos e os ainda viventes no ventre materno.

Como já explanado, uma interpretação sistemática e teleológica acerca do artigo 2º do Código Civil nos permite conceder ao nascituro personalidade jurídica própria, bem como a possibilidade de defesa dos seus direitos, naturalmente observada, para este fim, a necessária intermediação pelo exercício da representação que couber. O nascituro tem resguardados, normativamente, desde a concepção, os seus direitos, tendo em vista que a partir dela passar a ter existência e vida orgânica e biológica própria, independente da de sua mãe. Se as normas o protegem, é porque tem personalidade.

Nesse sentido, é considerada a possibilidade de projeção de dano moral em favor do nascituro. Como já citado no presente trabalho, atualmente percebe-se que o dano moral e os direitos da personalidade encontram-se ligados de forma intrínseca, a ponto de muitos doutrinadores afirmarem que não há dano moral fora do âmbito desses direitos. Atualmente, o conceito de dano moral traz um conteúdo técnico, qual seja a violação de um direito da personalidade. Assim, verifica-se que o mesmo deixou de se relacionar a uma compreensão negativa e subjetiva, passando a ser qualificado de forma técnica e objetiva.

Diante da fragilidade que caracteriza a figura do nascituro, faz-se necessária a concessão de uma tutela jurídica ampla aos seus direitos, os quais devem ser protegidos sob pena de ferir a própria essência humana. Em específico, a possibilidade do dano moral em favor do nascituro com base em uma nova perspectiva civilista, imposta pelo princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, vem sendo ratificada pela jurisprudência atual.

Como ser humano que está vivo, porém ainda não nascido, é considerado pessoa protegida em toda sua dignidade. No atual Estado Democrático de Direito, não mais se admite uma dignidade seletiva, na qual apenas os nascidos com vida são considerados pessoas humanas dignas. Esse é o entendimento depreendido da lição de Clayton Reis (2010, p. 24), a seguir transcrita:

Nesse contexto, não nos é lícito estabelecer limites aos nossos semelhantes por decorrência da sua condição atual ou devir. A integralidade do ser se manifesta no momento da vida, seja ela em que nível estiver – de consciência, de semi-consciência ou de absoluta falta de consciência. Se pensarmos de forma diversa, o ordenamento jurídico não asseguraria direitos aos incapazes, a contrario sensu, protege de forma integral os direitos dos tutelados e curatelados.

Nas palavras do supracitado autor, a limitação aos direitos da personalidade tendo como argumento a incapacidade do nascituro é algo inadmissível, haja vista que este possui vida desde o momento da sua concepção. Essa proteção é consubstanciada no princípio da dignidade da pessoa humana, o qual é constitucionalmente garantido a todo ser humano, seja este de vida intra ou extrauterina. Adotar, atualmente, a teoria natalista seria entrar em confronto com o referido princípio basilar do ordenamento jurídico brasileiro. O entendimento natalista não é mais consoante com a atual ordem jurídica, posto que entra em choque com a realização plena da dignidade da pessoa humana.

Assim, pois, com a adoção da teoria concepcionista, há uma proteção ampla dos direitos do nascituro, e não apenas uma mera expectativa de direitos ou mera condição suspensiva, como nas teorias natalista e da personalidade condicional.

Insta frisar que, atualmente, existe o Projeto de Lei nº 478/2007, da autoria de Luiz Bassuma e Miguel Martini, o qual se encontra em trâmite, aguardando parecer da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, que visa a criação do Estatuto do Nascituro[47]. O referido Estatuto disporia sobre a proteção integral do nascituro, consoante prevê seu artigo 1º. Sobre a finalidade do referido projeto, justificam seus autores:

[...] pretende tornar integral a proteção ao nascituro, sobretudo no que se refere aos direitos de personalidade. Realça-se, assim, o direito à vida, à saúde, à honra, à integridade física, à alimentação, à convivência familiar, e proíbe-se qualquer forma de discriminação que venha a privá-lo de algum direito em razão do sexo, da idade, da etnia, da aparência, da origem, da deficiência física ou mental, da expectativa de sobrevida ou de delitos cometidos por seus genitores.

O conceito de dano moral mantém íntima ligação com a esfera pessoal da vítima e com os valores fundamentais e essenciais da vida humana, sendo, efetivamente, a violação a um direito da personalidade, como a honra, a liberdade, a integridade física e psicológica, bem como tantos outros direitos assegurados.

Nesse contexto, Clayton Reis (2010, p. 40 - 41) conclui:

Não faz sentido deixar de atribuir a condição de dignidade ao nascituro porque ainda não nasceu. Ora, mesmo não tendo nascido, não perdeu a sua atribuição de um ser humano em fase de desenvolvimento. Nele se encontram presentes todos os elementos fundamentais e identificadores da pessoa humana e, por conseqüência, os direitos da personalidade suscetível de assegurar o direito à proteção jurídica através da tutela dos danos morais dentre outros. Aliás, é exatamente esse ser humano que anseia por nascer, totalmente indefeso, que merece a maior e a mais irrestrita proteção do ordenamento jurídico. A dignidade que se encontra presente neste ser indefeso é certamente maior em relação àqueles que possuem mecanismos de defesa própria, a exemplo dos animais irracionais. Nesse particular, a ordem jurídica é contraditória. Na medida em que oferece proteção aos enfermos e idosos, como a recente Lei sobre o Estatuto do Idoso, não assinala a especial tutela que deve merecer os nascituros.

Impõe-se, dessa forma, a conclusão de que ao nascituro assiste direito de ser indenizado, tanto material quanto moralmente, de violações a quaisquer dos direitos da personalidade. Se assim não fosse, não teria sentido a disposição do artigo 2º do Código Civil, que resguarda esses direitos desde o momento da concepção, bem como não se justificaria a punição legal do aborto tipificada no Código Penal Brasileiro. A integridade corporal se insere no mesmo princípio, pois sua violação implica evidente risco à sobrevivência do feto ou ao seu pleno desenvolvimento como ser humano.

4.2 O entendimento jurisprudencial atual

Postas as considerações doutrinárias acerca do assunto, tem-se a abordar como se coloca a jurisprudência no âmbito da tutela jurídica do nascituro, em especial no que se refere ao reconhecimento do dano moral em favor do mesmo, tendo em vista a ofensa aos direitos da personalidade a eles consagrados.

Em que pese o objeto do presente trabalho ser a análise do artigo 2º do Texto Civilista, é notório, como já explanado, o fenômeno da constitucionalização do Direito Civil, razão pela qual se faz necessária a análise da posição do Supremo Tribunal Federal acerca do assunto. Ademais, tal dispositivo legal trata da proteção a direitos fundamentais, consagrados pela Constituição Federal, a qual é resguardada pela Corte Suprema.

Analisando a jurisprudência da referida Corte, verifica-se que não há decisões acerca do caso específico aqui tratado, qual seja a possibilidade de reconhecimento de reparação por danos morais em favor do nascituro. Contudo, é possível averiguar a teoria adotada pelo Tribunal através do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3510, proposta pelo ex-Procurador Geral da República, Cláudio Fonteles.

A ADI supramencionada teve como objeto a inconstitucionalidade do artigo 5º da Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005, Lei de Biossegurança, dispositivo que permite a utilização de células-tronco de embriões humanos para fins de pesquisa e terapia, o que, no posicionamento do autor da ação, fere a proteção constitucional do direito à vida e a dignidade da pessoa humana.

O Ministro Carlos Ayres Britto, relator do processo, sustentou a tese de que, para existir vida humana, é preciso que o embrião tenha sido implantado no útero humano, devendo haver a participação ativa da futura mãe. No seu entender, o zigoto, que é o embrião em estágio inicial, é a primeira fase do embrião humano, a célula-ovo ou célula-mãe, mas representa uma realidade distinta da pessoa natural, porque ainda não tem cérebro formado. Assim, votou pela total improcedência da ação.

Segue trecho da ementa de julgamento, através da qual se verifica como nítida a adoção da teoria natalista pelo Supremo Tribunal Federal:

(...) O Magno Texto Federal não dispõe sobre o início da vida humana ou o preciso instante em que ela começa. Não faz de todo e qualquer estádio da vida humana um autonomizado bem jurídico, mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa, porque nativiva (teoria "natalista", em contraposição às teorias "concepcionista" ou da "personalidade condicional"). E quando se reporta a "direitos da pessoa humana" e até dos "direitos e garantias individuais" como cláusula pétrea está falando de direitos e garantias do indivíduo-pessoa, que se faz destinatário dos direitos fundamentais "à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade", entre outros direitos e garantias igualmente distinguidos com o timbre da fundamentalidade (como direito à saúde e ao planejamento familiar). Mutismo constitucional hermeneuticamente significante de transpasse de poder normativo para a legislação ordinária. A potencialidade de algo para se tornar pessoa humana já é meritória o bastante para acobertá-la, infraconstitucionalmente, contra tentativas levianas ou frívolas de obstar sua natural continuidade fisiológica. Mas as três realidades não se confundem: o embrião é o embrião, o feto é o feto e a pessoa humana é a pessoa humana. Donde não existir pessoa humana embrionária, mas embrião de pessoa humana. O embrião referido na Lei de Biossegurança ("in vitro" apenas) não é uma vida a caminho de outra vida virginalmente nova, porquanto lhe faltam possibilidades de ganhar as primeiras terminações nervosas, sem as quais o ser humano não tem factibilidade como projeto de vida autônoma e irrepetível. O Direito infraconstitucional protege por modo variado cada etapa do desenvolvimento biológico do ser humano. Os momentos da vida humana anteriores ao nascimento devem ser objeto de proteção pelo direito comum. O embrião pré-implanto é um bem a ser protegido, mas não uma pessoa no sentido biográfico a que se refere a Constituição(...).[48]

Embora seja entendida como consagrada a tese natalista entre os doutrinadores clássicos, bem como na maioria dos tribunais brasileiros, o pensamento concepcionista vem ocupando um espaço cada vez maior no âmbito da jurisprudência, especificamente das decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça. O reconhecimento da possibilidade de concessão do dano moral em favor no nascituro vem se fazendo presente no entendimento do referido Tribunal Superior, rechaçando, assim, a tese de que o nascimento com vida é condição para que o feto adquira personalidade jurídica.

Ainda sob as reges do Código Civil de 1916, o ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, ao julgar Recurso Especial nº 399028/SP, o qual foi levado ao Superior Tribunal de Justiça com o intuito de modificar julgado de indenização a filhos cujo pai faleceu em atropelamento, sendo um deles ainda nascituro na ocasião do fato, concebeu a tese concepcionista, decidindo pelo reconhecimento desse direito ao feto. Segue a Ementa da decisão, proferida em 26/02/2002:

DIREITO CIVIL. DANOS MORAIS. MORTE. ATROPELAMENTO. COMPOSIÇÃO FÉRREA. AÇÃO AJUIZADA 23 ANOS APÓS O EVENTO.  PRESCRIÇÃO INEXISTENTE. INFLUÊNCIA NA QUANTIFICAÇÃO DO QUANTUM. PRECEDENTES DA TURMA. NASCITURO. DIREITO AOS DANOS MORAIS. DOUTRINA. ATENUAÇÃO. FIXAÇÃO NESTA INSTÂNCIA. POSSIBILIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

I - Nos termos da orientação da Turma, o direito à indenização por dano moral não desaparece com o decurso de tempo (desde que não transcorrido o lapso prescricional), mas é fato a ser considerado na fixação do quantum.

II - O nascituro também tem direito aos danos morais pela morte do pai, mas a circunstância de não tê-lo conhecido em vida tem influência na fixação do quantum.

III - Recomenda-se que o valor do dano moral seja fixado desde logo, inclusive nesta instância, buscando dar solução definitiva ao caso e evitando inconvenientes e retardamento da solução jurisdicional.[49]

À época anunciou a Corte, por unanimidade de votos, que “o nascituro também tem direito aos danos morais pela morte do pai, mas a circunstância de não tê-lo conhecido em vida tem influência na fixação do quantum.” Segundo entendimento manifestado pelo Tribunal, a dor da qual sofre o nascituro é menor do que aquela sentida pelo filho que já conviveu por muitos anos com o pai e vem a perdê-lo. Todavia, isso só influiu na gradação do dano moral, eis que sua ocorrência fora considerada incontroversa.

Outro aspecto levantado na referida decisão referia-se ao argumento de ocorrência da prescrição, haja vista o transcurso de vinte três anos da data do evento que culminou com a morte do pai da criança. O Superior Tribunal de Justiça não acolheu o referido pedido, tendo em vista que a prescrição não corre em face do absolutamente incapaz. Assim, resta claro mais um argumento que denota a tese concepcionista de aquisição da personalidade, já que só pode ser considerado incapaz aquele que possui personalidade, ou seja, que é detentor de direitos, só não está apto a exercê-los de forma solitária.

A mesma Corte, já sob a vigência do atual Código Civil, mais uma vez reconheceu o dano moral em favor do nascituro tendo em vista a morte do pai em acidente de trabalho, ao julgar o Recurso Especial nº 931556/RS.

RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DO TRABALHO. MORTE. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. FILHO NASCITURO. FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. DIES A QUO. CORREÇÃO MONETÁRIA. DATA DA FIXAÇÃO PELO JUIZ. JUROS DE MORA. DATA DO EVENTO DANOSO. PROCESSO CIVIL. JUNTADA DE DOCUMENTO NA FASE RECURSAL. POSSIBILIDADE, DESDE QUE NÃO CONFIGURDA A MÁ-FÉ DA PARTE E OPORTUNIZADO O CONTRADITÓRIO. ANULAÇÃO DO PROCESSO. INEXISTÊNCIA DE DANO. DESNECESSIDADE.

- Impossível admitir-se a redução do valor fixado a título de compensação por danos morais em relação ao nascituro, em comparação com outros filhos do de cujus, já nascidos na ocasião do evento morte, porquanto o fundamento da compensação é a existência de um sofrimento impossível de ser quantificado com precisão.

- Embora sejam muitos os fatores a considerar para a fixação da satisfação compensatória por danos morais, é principalmente com base na gravidade da lesão que o juiz fixa o valor da reparação.

- É devida correção monetária sobre o valor da indenização por dano moral fixado a partir da data do arbitramento. Precedentes.

- Os juros moratórios, em se tratando de acidente de trabalho, estão sujeitos ao regime da responsabilidade extracontratual, aplicando-se, portanto, a Súmula nº 54 da Corte, contabilizando-os a partir da data do evento danoso. Precedentes

- É possível a apresentação de provas documentais na apelação, desde que não fique configurada a má-fé da parte e seja observado o contraditório. Precedentes.

- A sistemática do processo civil é regida pelo princípio da instrumentalidade das formas, devendo ser reputados válidos os atos que cumpram a sua finalidade essencial, sem que acarretem prejuízos aos litigantes. Recurso especial dos autores parcialmente conhecido e, nesta parte, provido. Recurso especial da ré não conhecido.

A ministra Nancy Andrighi, apesar de haver proferido voto na mesma esteira do pensamento do ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, admitindo a concessão de indenização para o nascituro, argumentou que seria impossível admitir-se a redução do valor fixado a título de compensação por danos morais em relação a este, em comparação com outros filhos do acidentado, já nascidos na ocasião do evento morte, porquanto o fundamento da compensação é a existência de um sofrimento impossível de ser quantificado com precisão, divergindo da tese acolhida pelo citado ministro de que o valor indenizatório concedido ao nascituro deveria ser menor do que o quantificado para os demais filhos já nascidos. Dessa forma, embora em ponto mais ínfimo, já é possível verificar a equiparação cada vez maior proporcionada aos direitos do feto em relação aos do ser que já possui vida extrauterina.  

Como verificado, a jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça caminha no sentido de afirmar que o nascituro pode sofrer lesões de ordem moral, como no caso da perda de seu genitor em acidente provocado por terceiro, tendo em vista que o óbito de seu pai terá reflexos em sua vida futura, sendo que impossibilitado estará de conhecê-lo, bem como será privado de sua companhia, de seus cuidados e de sua afetividade. A perda do genitor, ainda que não sentida no ato de sua ocorrência pelo nascituro, afeta, posteriormente, quando nascido com vida, o seu psiquismo pelo sentimento de frustração ante a ausência da figura paterna.

Como visto, percebe-se a adoção da teoria concepcionista nos julgados apresentados, os quais reconheceram direitos ao nascituro desde o momento da sua concepção. Tal tese apresenta-se como inteira expressão do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual deve ser estendido ao já concebido e ainda não nascido por ser pessoa, juridicamente reconhecida, desde o momento que ainda se encontra no ventre materno.

Embora a predominância de pleitos reparatórios em favor do nascituro seja em casos semelhantes aos supramencionados, é completamente possível a reparação de danos decorrentes de outras situações. Clayton Reis afirma que, em caso de sequelas que acometam o nascituro advindas de medicamentos ministrados à genitora durante a gestação, também é plenamente possível a concessão de indenização por danos morais:

Ante o reconhecimento legal dos direitos do nascituro, não há como negar a possibilidade de, com o seu nascimento com vida, vir ele a pleitear indenização por deformações ou problemas físicos permanentes, resultantes, por exemplo, de mau acompanhamento médico, falta de exame ou prescrição errada de medicamentos em exame pré-natal. A falta de consciência do problema por parte do infante não exclui essa possibilidade.[50]

Nesse mesmo sentido, há decisão do Superior Tribunal de Justiça, no Agravo Regimental do Agravo de Instrumento, AgRg no Ag nº 1092134/SC, que admitiu a concessão de indenização tendo em vista a comprovada falha na prestação dos serviços hospitalares  que deu causa inequívoca à doença da fibroplasia retrolenticular no nascituro:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO - RESPONSABILIDADE CIVIL - AÇÃO INDENIZATÓRIA – ERRO MÉDICO - OXIGENOTERAPIA - FIBROPLASIA RETROLENTICULAR – RETINOPATIA DO NASCITURO - CRIANÇA COM PERDA DE 90% (NOVENTA POR CENTO) DA VISÃO - RESPONSABILIDADE COMPROVADA PELO TRIBUNAL "A QUO" - SÚMULA 7/STJ - DANOS MATERIAIS, MORAIS E ESTÉTICOS - RAZOABILIDADE DO QUANTUM INDENIZATÓRIO - EXTENSÃO DO JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL 1.086.451/SC, QUANTO A JUROS, AO AGRAVANTE.

I - A responsabilidade civil da Agravante, na espécie, decorreu da comprovada falha na prestação dos serviços hospitalares de acompanhamento do recém-nascido, que deu causa inequívoca à doença da fibroplasia retrolenticular - retinopatia do nascituro -, que comprometeu mais de 90% (noventa por cento) da visão da criança.

Essa conclusão não pode ser afastada nesta Corte, por depender do reexame do quadro fático-probatório. II - Não há como afastar a condenação solidária do médico e do Hospital em que internado o nascituro, na hipótese, pois o corpo clínico, embora possuísse autonomia funcional, subordinava-se administrativamente aos regulamentos da entidade hospital, relação que caracteriza, em sentido amplo, o vínculo da preposição, ademais do fato de que Hospital recebia recursos da Seguridade Social. Precedentes.

III - Considerando os danos permanentes à saúde do nascituro e a evidente responsabilização, não há razão para a alteração do quantum indenizatório em face da razoabilidade do patamar em que fixado, sendo R$ 76.000,00 (setenta e seis mil) pelos danos morais e R$ 30.400,00 (trinta mil e quatrocentos reais) pelos danos estéticos.

IV - Quanto aos juros moratórios, estende-se ao Agravante os efeitos do acolhimento parcial do Recurso Especial interposto pelo médico, Dr. Rogério Antônio Gaio (REsp 1.086.451/SC), estabelecendo-se que, também relativamente à ASSEC, os juros moratórios correm a partir da data da citação e não da data do evento danoso. Agravo regimental improvido.

Durante a vida intrauterina dever-se-á ter o mais absoluto respeito pela vida e integridade física e mental do nascituro, sendo estes, portanto, suscetíveis de indenização por dano moral por qualquer lesão que venham a sofrer, como deformações, traumatismos, toxiinfecções, intoxicações, sejam quais foram as suas causas. Assim, a jurisprudência brasileira vem admitindo o direito do nascituro de movimentar a máquina judiciária para obter indenização por dano pré-natal[51] contra o lesante, seja ele sua mãe, nos termos do artigo 186 do Código Civil, ou o médico, nos termos do artigo nº 951 do mesmo texto legal e da Lei nº 8.078/90. O agravo a nascituro em sua integridade física é a perda de sua aptidão de experimentar as situações prazerosas da vida, razão pela qual deve ser objeto de reparação.

O autor Jeová Antônio Santos argumenta no sentido de que o agravo moral pode ser indenizável quando seus reflexos atinjam o ser em formação, como na hipótese de problema neurológico, em conseqüência de lesões padecidas no claustro materno. Exemplifica com acidente de trânsito que sofreu a mãe, com danos irreversíveis que lhe acarretem vida vegetativa. Então, o filho que venha a nascer com problemas pela moléstia materna, haverá de ser indenizado pela perda do que há de mais profundo, que é a inaptidão para experimentar as situações prazenteiras da vida.

O afastamento da possibilidade de que a pessoa desenvolva os seus recursos intelectuais, semelhante à existente em pessoas normais, faz surgir uma anormalidade espiritual, quebrantadora do equilíbrio necessário para o viver em harmonia com outros seres humanos. As crianças, os amentais, o nascituro e quem estiver inane, em vida vegetativa, são passíveis de sofrer dano moral. Não apenas a manifestação de dor, de angústia, de tristeza, ou o conhecimento que transmite ausência do desejo de vier são fatos demonstrativos de que alguém deixou de padecer dano moral e que, por isso, não será ressarcido, deixando seu ofensor livre para continuar na prática de outros agravos.[52]

Consagrado deve ser, ainda, o direito à imagem do nascituro, pois poderá ela ser captada por ultra-sonografia, câmaras fotográficas miniaturizadas ou radiografias. Se captada, utilizada ou publicada sem a autorização de seus pais ou do curador ao ventre, causando-lhe dano, poderá ser pleiteada uma indenização por ofensa ao direito de imagem em favor do ainda não nascido.[53] Da mesma forma, também deve ser efetivado o direito à honra do nascituro, podendo pleitear indenização se sofrer imputação de bastardia, por exemplo. Tais direitos, se violados, devem ser passíveis de indenização por danos morais em nome do nascituro seguindo a mesma esteira de entendimento do Superior Tribunal de Justiça nos julgados supramencionados.

Insta destacar que no já citado Estatuto do Nascituro, Projeto de Lei n.º 478/2007, consta, em seu artigo 21, previsão expressa da reparação civil pelos danos morais sofridos pelo nascituro, quando em seu conteúdo expressa que “os danos materiais ou morais sofridos pelo nascituro ensejam reparação civil”. Percebe-se, portanto, que o caminho que vem sendo traçado no ordenamento jurídico brasileiro é em busca da proteção cada vez maior que deve ser concedida ao nascituro, incluindo nesta a concessão de indenização por danos morais por violação dos seus direitos da personalidade.

Utilizando os mesmos argumentos, deve ser indenizada a morte de nascituro porque ele é pessoa, desde a concepção, apesar da redação apenas aparentemente contraditória do artigo 2º do Código Civil, que deve ser interpretado de acordo com todo o sistema por ele agasalhado e não isoladamente. Não há razão aceitável para não se indenizar a morte do concebido, tomando por base os mesmos argumentos utilizados pela corrente concepcionista. A negativa de indenização prestigiaria o ato ilícito que impediu a conquista da personalidade.

Nesse sentido, fora proferida decisão no Recurso Especial nº 1120676/SC, tendo como relator o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO SECURITÁRIO. SEGURO DPVAT. ATROPELAMENTO DE MULHER GRÁVIDA. MORTE DO FETO. DIREITO À INDENIZAÇÃO. INTERPRETAÇÃO DA LEI Nº 6194/74.

1 - Atropelamento de mulher grávida, quando trafegava de bicicleta por via pública, acarretando a morte do feto quatro dias depois com trinta e cinco semanas de gestação.

2 - Reconhecimento do direito dos pais de receberem a indenização por danos pessoais, prevista na legislação regulamentadora do seguro DPVAT, em face da morte do feto.

3 - Proteção conferida pelo sistema jurídico à vida intra-uterina, desde a concepção, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana.

4 - Interpretação sistemático-teleológica do conceito de danos pessoais previsto na Lei nº 6.194/74 (arts. 3º e 4º).

5 - Recurso especial provido, vencido o relator, julgando-se procedente o pedido.

Na decisão apresentada, a Terceira Turma do citado Tribunal Superior determinou, por maioria dos votos, o pagamento de indenização pelo Seguro DPVAT (Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre) aos pais de um nascituro morto em um acidente de trânsito. A mãe, grávida de uma menina, conduzia uma bicicleta em via pública quando se envolveu em um acidente com um veículo automotor. A filha faleceu quatro dias depois, ainda no ventre materno.

Como verificado, além da jurisprudência atual caminhar no sentido de reconhecer o dano moral em favor do nascituro, vem reconhecendo também a possibilidade de concessão de indenização em virtude da morte daquele que ainda se encontra no ventre materno. Tal pensamento corrobora com o entendimento de que o nascituro já seria pessoa, e a sua morte, que ceifaria a possibilidade de exercer os direitos que já possui, deve ser indenizada, sendo os pais legitimados para o gozo dessa reparação.

Mesmo se prescinda do argumento de que o nascituro é pessoa, desde a concepção, a obrigação de reparar o dano que lhe causa a morte fundamenta-se no instituto da responsabilidade civil. O dano é primordialmente moral – puro ou com reflexos patrimoniais –, e sua reparação – que visa a uma compensação e não a um ressarcimento – faz-se pelos mesmos critérios que norteiam a indenização pela morte de filho menor. O fundamento legal para a indenização civil da morte do nascituro é o mesmo para a do já nascido. Na responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana, os fundamentos legais são os artigos 159 e 1.537 do Código Civil e a Súmula 491 do Supremo Tribunal Federal.

Reconhecidos os direitos do nascituro, resta averiguar como estes serão exercidos. Maria Helena Diniz argumenta sobre o assunto:

O nascituro tem capacidade de direito, mas não de exercício, devendo seus pais ou, na incapacidade ou impossibilidade deles, o curador ao ventre ou ao nascituro zelar pelos seus interesses, tomando medidas processuais em seu favor, administrando os bens que irão pertencer-lhe, se nascer com vida, defendendo em seu nome a posse, resguardando sua parte na herança, aceitando doações ou pondo a salva as suas expectativas de direito. Com o seu nascimento com vida, seus pais assumem o poder familiar; se havia curador ao ventre, cessar-se-ão suas funções, terminando a curatela, nomeando-se um tutor ao nascido.[54]

A defesa dos direitos do nascituro é exercida via representação de sua genitora, salvo no caso desta não deter o poder familiar, ocasião na qual lhe seria dado um curador, nos termos do Código Civil Brasileiro. Esse curador, chamado de curador ao ventre, é a pessoa investida na atribuição de zelar pelos direitos do nascituro.

Por todo o exposto, nota-se um positivo crescimento da teoria concepcionista no âmbito da jurisprudência atual, a qual vem adotando o entendimento de abarcar mais direitos ao não nascido ainda, garantido, por óbvio mais segurança a toda família. Outrossim, nesta linha podemos concluir que, ainda que o texto normativo não reconheça expressamente o nascituro como agente capaz, garante cada vez mais direitos para conhecê-lo como pessoa.

Dessa forma, é perfeitamente possível falar em direitos concretos já garantidos ao nascituro, não apenas em mera expectativa de efetivação com o nascimento com vida. Pode-se dizer assim, que os julgados apresentados abrem caminho para passos significativos, reconhecendo de maneira cada vez mais efetiva a possibilidade de concessão de dano moral em favor do nascituro.

 


5 .CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os direitos fundamentais, conforme consagrados em nossa Carta Magna de 1988, contemplam aquelas prerrogativas inerentes ao ser humano. Os direitos da personalidade, ligados intimamente aos direitos fundamentais, constituem proteção necessária para que a pessoa possa exercer a sua personalidade com dignidade.

Na doutrina da constitucionalização do Direito Civil, esses direitos encontram-se inseridos na proteção conferida aos direitos fundamentais e, da mesma forma que estes estão dispostos de maneira não taxativa na Constituição Federal, os direitos da personalidade também constituem numerus apertus no âmbito do texto civilista, como já uniformizado pela doutrina contemporânea na IV Jornada de Direito Civil.

Assim, conclui-se que os direitos fundamentais firmados pela Constituição Federal de 1988 configuram-se como diretrizes gerais que garantem um limite ao poder excessivo do Estado, enquanto os direitos da personalidade são fruto da captação desses valores fundamentais regulados no interior da disciplina civilista. Tais direitos não se confundem, são espécies autônomas, mas se encontram em um ponto comum, qual seja a proteção de valores inerentes à pessoa humana.

Como disposto ao longo do presente trabalho, os direitos da personalidade são aqueles inerentes à própria pessoa, tendo características peculiares, na medida em que podem ser classificados como intransmissíveis, irrenunciáveis, imprescritíveis, impenhoráveis, indestacáveis e vitalícios. Insta frisar que tais características sofrem algumas poucas exceções, como demonstrado no corpo da presente pesquisa.

No âmbito dos direitos da personalidade, importante tratar do dano moral, o qual vem tendo uma modificação em sua definição. Se antes este era analisado em seus aspectos negativos e subjetivos, sendo concretizada a sua ocorrência através da análise de dissabores ou aborrecimentos, hoje a doutrina apresenta um conceito mais técnico do mesmo, na medida em que passa a considerá-lo existente no momento em que há a violação de algum direito da personalidade. Com base nisso, muitos autores afirmam, inclusive, que não há dano moral fora do âmbito desses direitos.

Dada a essencialidade dos direitos da personalidade, surge em nosso ordenamento jurídico a polêmica relativa ao momento de aquisição desses direitos, os quais, pela sua fundamentalidade, devem ter delimitado o instante em que passam a receber a proteção da lei e a capacidade de gozar das prerrogativas que tais direitos lhes conferem.

A referida discussão surge em torno do artigo 2º do Código Civil Brasileiro, haja vista a contraditoriedade dos termos legais ao explicitar que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. Como exposto no dispositivo transcrito, a personalidade tem seu início a partir do nascimento com vida, mas a lei protege o direito daquele que já concebido foi, embora não nascido.

No contexto da falta de clareza da referida norma legal, nasce na doutrina brasileira três correntes para explicar o momento exato de aquisição da personalidade, segundo o texto civilista. A doutrina natalista, a qual opta por realizar uma interpretação literal da lei, afirmando que a personalidade somente é adquirida com o nascimento com vida, tendo o nascituro apenas mera expectativa de direito. Tem-se, ainda, a doutrina da personalidade condicionada, segundo a qual o nascituro estaria sujeito a uma condição suspensiva para a aquisição da personalidade, ou seja, teria direito eventuais, os quais aguardariam o nascimento com vida para serem efetivamente assegurados. Assim, aquele que ainda está no ventre materno teria personalidade formal, mas só adquiriria a personalidade material a partir do momento em que viesse a respirar fora do corpo da mãe.

A teoria concepcionista nasceu pela ânsia de alguns doutrinadores de conceder maior efetividade aos direitos da personalidade, tendo em vista que estes não devem ser passíveis de limitação dentro de um Estado democrático de Direito que busca assegurar a efetivação e a proteção dos direitos a todos os seus titulares. Assim, esta corrente sustenta a idéia de que a personalidade é adquirida desde o momento da concepção, já que é a partir desse instante que se forma um novo ser, o qual merece receber a proteção dada pela lei civil, bem como pela Constituição Federal.

No contexto da atual discussão referente aos direitos do nascituro, o presente trabalho buscou estudar a possibilidade de concessão de indenização por danos morais em favor do nascituro, analisando a posição da doutrina atual, bem como a evolução da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça nesse sentido.

No âmbito doutrinário, as três correntes supracitadas ainda não encontraram um denominador comum, restando existente, ainda, o conflito de entendimento entre as mesmas. Contudo, o que se verifica é uma crescente adoção da teoria concepcionista, especialmente na doutrina dos autores contemporâneos, os quais se baseiam em uma maior efetividade dos direitos da personalidade no rumo da constitucionalização do Direito Civil.

Com a análise do entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, verifica-se que este vem mudando, em conjunto com o pensamento da doutrina mais moderna. Através da busca de decisões relativas ao tema, as quais foram colacionadas ao longo do trabalho, percebe-se que o referido Tribunal Superior vem reconhecendo a aplicação da teoria concepcionista, razão pela qual vem decidindo como possível o nascituro ser indenizado por danos morais ao sofrer ofensa aos seus direitos da personalidade.

Não obstante a discussão ainda existente sobre a matéria relativa aos direitos do nascituro, conclui-se que a doutrina contemporânea, bem como a jurisprudência atual, vem caminhando no sentido de conceder maior proteção aos direitos daquele que possui vida intrauterina, o qual merece receber ressarcimento toda vez que se achar violado em seus direitos.

O referido pensamento reforça toda a inovação trazida pela Constituição Federal de 1988, a qual nasceu com o escopo de proteger de maneira ainda mais efetiva os direitos da pessoa, bem como trouxe garantias que assegurassem o cumprimento desses direitos. Assim, não se pode negar a referida proteção ao ser que ainda se encontra no ventre materno, mas que já é pessoa, haja vista a vida iniciar-se no momento em que ocorre a concepção.

 


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Notas

[1] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 2ª Ed. São Paulo: Método. 2012, p. 87.

[2] Enunciado 274 – Os direitos da personalidade, regulados de maneira não-exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana). Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação.

[3] Expressão em latim que significa “número limitado”. No âmbito jurídico, a referida expressão é utilizada para designar dispositivos legais não exaustivos, eu seja, um rol exemplificativo, que não se esgota no que foi efetivamente expresso pelo legislador.

[4] A dignidade da pessoa humana traz consigo uma dupla eficácia: positiva e negativa. A eficácia positiva da dignidade humana impõe atividades para a sua efetivação. Já a eficácia negativa restringe o exercício de direitos, ou seja, determinados direitos não podem ser exercidos se violarem a dignidade de um terceiro direito.

[5] TEPEDINO, Gustavo. A tutela da personalidade no ordenamento civil-constitucional brasileiro. Temas de direitos civil. Rio de Janeiro: Renovar. 2004, p. 50.

[6] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheirros, 2008.

[7] NADER, Paulo. Curso de Direito Civil, Parte Geral. 5ª Ed. São Paulo: Forense. 2008, p. 166.

[8] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 2002, v. 1, p. 135.

[9] TARTUCE, Flávio. Direito Civil. 2009, p. 163.

[10] FRANÇA, Rubens Limongi. Instituições de Direito Civil. 4ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 1.033.

[11] FIUZA, Ricardo. O novo Código Civil e as propostas de aperfeiçoamento. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 36.

[12] Código Civil Brasileiro, artigo 186.

[13] SOUZA, Carlos Affonso Pereira de. As Funções da Responsabilidade Civil. Disponível em www.academico.direito-rio.fgv.br. Acesso em 21 mai. 2012.

[14] MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. 1959. Tomo XXVI, p. 30.

[15] DE CUPIS, Adriano. El Dano – Teoria General de la Responsabilidad Civil. 1975, p. 122.

[16] O Código de Hamurabi (também escrito Hamurábi ou Hammurabi) é um dos mais antigos conjuntos de leis escritas já encontrados, e um dos exemplos mais bem preservados deste tipo de documento da antiga Mesopotâmia. O objetivo deste código era homogeneizar o reino juridicamente e garantir uma cultura comum. No seu epílogo, Hamurabi afirma que elaborou o conjunto de leis "para que o forte não prejudique o mais fraco, a fim de proteger as viúvas e os órfãos" e "para resolver todas as disputas e sanar quaisquer ofensas".

[17] O Código de Manu é parte de uma coleção de livros bramânicos, enfeixados em quatro compêndios: o Mahabharata, o Ramayana, os Puranas e as Leis Escritas de Manu. Inscrito em sânscrito, constitui-se na legislação do mundo indiano e estabelece o sistema de castas na sociedade Hindu. Redigido entre os séculos II a.C. e II d.C. em forma poética e imaginosa, as regras no Código de Manu são expostas em versos. Cada regra consta de dois versos cuja metrificação, segundo os indianos, teria sido inventada por um santo eremita chamado Valmiki, em torno do ano 1500 a.C.

[18] JÚNIOR, Humberto Theodoro, Dano Moral. 2007, p.04. Há enorme controvérsia entre os pesquisadores acerca da tipificação do dano moral na Roma Antiga, não sendo poucos aqueles que afirmam ter inexistido ali regulamentação efetiva deste instituto.

[19] A Lei Aquilia fora criada no ano 286 a.C. em Roma, com o fito de regular a responsabilidade civil.

[20] BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Manual de Direito Civil: Direito das Coisas e Responsabilidade Civil, 2ª Ed. São Paulo: Método, 2007.

[21]CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 6ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.

[22] BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 41.

[23] JÚNIOR, Humberto Theodoro. Dano moral. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2007, p. 9.

[24] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, v. 2, p.375.

[25] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 77.

[26] Maria Helena Diniz (2008, p.179) lembra que, “o direito civil espanhol exige que o recém nascido tenha forma humana e que tenha vivido 24 horas, para que possa adquirir personalidade”.

[27] Oxford Classical Dictionary. Terceira edição revisada. Oxford University Press, 2003, p. 1.

[28] CHINELLATO, Silmara Juny. Código Civil interpretado. 3ª Ed. São Paulo: Manole, 2010, p. 28.

[29] DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 15ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 35.

[30] MONTEIRO, Washington Barros. Curso de Direito Civil. Parte Geral. 30ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1991.

[31] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Parte Geral. 6ª Ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 127.

[32] O Ministro Ayres Britto, no julgamento da ADI 3510, que teve por objeto a discussão da constitucionalidade do artigo 5º da Lei de Biossegurança, afirmou que “O embrião referido na Lei de Biossegurança ("in vitro" apenas) não é uma vida a caminho de outra vida virginalmente nova, porquanto lhe faltam possibilidades de ganhar as primeiras terminações nervosas, sem as quais o ser humano não tem factibilidade como projeto de vida autônoma e irrepetível”.

[33] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Parte Geral. 6ª Ed. São Paulo: Jurídico Atlas, 2006.

[34] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 2ª Ed. São Paulo: Método, 2012, p. 70 - 71.

[35] LOPES, Miguel Maria de Serpa. Apud, PUSSI, William Artur, p. 94.

[36] MORAES, Walter. Teoria geral da sucessão legítima. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 88.

[37] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 82.

[38] O art. 3º do Projeto continha a seguinte redação: "A personalidade começa com a concepção, sob a condição de nascer com vida".

[39] BARROS MONTEIRO, Washington. Curso de Direito Civil. Parte Geral. 30ª Edição. São Paulo: Saraiva, 1991.

[40] Estatuto Jurídico do nascituro: o direito brasileiro”, in Questões controvertidas, v. 6, Editora Método, 2007.

[41] LIMONGI, Rubens França. Instituições de Direito Civil. 5ª Edição. São Paulo: Saraiva, 1999

[42] TARTUCE, Flávio. Direito Civil. 5ª Edição. São Paulo: Método, 2009.

[43] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 2ª Ed. São Paulo: Método. 2012. p. 74.

[44] CHINELATO, Silmara Juny. Tutela Civil do Nascituro. Publicado em 02/05/2001 no sítio www.saraivajur.com.br. Acesso em 01 mar 2012.

[45] A proteção à maternidade está prevista no art. 391 da Consolidação das Leis do Trabalho. Esse artigo esclarece que não constitui motivo justo para a rescisão do contrato de trabalho da mulher, o fato dela haver contraído matrimônio, ou encontrar-se em estado de gravidez. Seu parágrafo único diz que não são permitidos em regulamentos de qualquer natureza contratos coletivos ou individuais de trabalho, restrições ao direito da mulher no seu emprego por motivo de casamento ou de gravidez. O art. 392 diz que é proibido o trabalho da mulher no período de 4 semanas antes e oito depois do parto, garantindo a licença gestante de 120 dias. O parágrafo 2º prevê que em casos excepcionais os períodos de repouso antes e depois do parto poderão ser aumentados de mais duas semanas cada um. O parágrafo 3º, em caso de parto antecipado a mulher terá sempre direito às 12 semanas previstas neste artigo. Em casos excepcionais, mediante atestado médico, na forma do parágrafo 1º, é permitido à mulher gestante mudar de função. O art. 393, diz que durante o período a que se refere o art. 392, a mulher terá direito ao salário integral e quando variável, calculado de acordo com a média dos 6 últimos de trabalho, bem como aos direitos e vantagens adquiridos, sendo-lhe ainda facultado reverter à função que anteriormente ocupava. A licença maternidade está prevista no art. 7º. inciso XVIII da CF de 1988. Essa licença passou a ser benefício previdenciário que é custeado pelas contribuições patronais calculadas sobre a folha de pagamento.

[46] Art. 124 - Provocar Aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos. Art. 125 - Provocar Aborto, sem o consentimento da gestante: pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos. Art. 126 - Provocar Aborto com o consentimento da gestante: pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

[47] O Estatuto do Nascituro é o mais importante projeto em defesa da vida que tramita na Câmara dos Deputados desde a apresentação, em 2005, por iniciativa do governo Lula, do substitutivo do infame Projeto de Lei nº 1135/91, que propunha a total descriminalização do aborto, tornando a prática totalmente livre, por qualquer motivo, durante todos os nove meses da gravidez, desde a concepção até o momento do parto.O Estatuto do Nascituro, ao contrário do atual governo brasileiro que decidiu aliar-se às grandes Fundações Internacionais que promovem o aborto irrestrito em todo o mundo, segue a linha dos principais tratados e convenções internacionais de direitos humanos assinados pelo Brasil que tem reconhecido cada vez mais claramente a personalidade e o direito à vida antes do nascimento.

[48] Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3510. Data do julgamento: 29/05/2008.

[49] Como fundamento da referida decisão unânime, o Superior Tribunal de Justiça utilizou-se da doutrina de Yussef Cahali (Dano Moral, 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 162, nº 4.8.4).

[50] REIS, Clayton. A dignidade do nascituro. In: CORRÊA, Elídia Aparecida de Andrade; GIACOIA, Gilberto; CONRADO, Marcelo (coord.). Biodireito e dignidade da pessoa humana. 3ª Ed. Curitiba: Juruá Editora, 2010.

[51] Decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo no Processo nº 264.502/2002.

[52] SANTOS, Antônio Jeová. Dano Moral Indenizável. 2ª Ed. São Paulo: Lejus, 1999.

[53] DOTTI, René Ariel. Proteção da vida privada e liberdade de informação. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1980, p.94.

[54] DINIZ, Maria Helena. O Estado atual do biodireito. 6ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 130-131.


ABSTRACT: This research consists on analysis of a discussion of the beginning of civil personality, emphasizing the legal aspects regarding the possibility of granting compensation for moral damages on benefit of an unborn child. Preliminarily, it emphasizes the constitutionalization of the Brazilian Civil Law and the relationship between the fundamental rights and the rights of personality. After that, general concepts are explained to the civil personality, covering its characteristics and its regulation by the Civil Code. In the same chapter addresses the moral damage, emphasizing the developments in the analysis of this concept and the close connection between their occurrence and violation of the person’s rights. Then, it discusses the doctrinal theories that explain the beginning of civil personality according to the Article 2º of Brazilian Civil Law. Finally, it treats about the evolution of the jurisprudence of the Superior Court of Justice on the recognition of moral compensation on benefit of the unborn child.   

Keywords: Personality. Unborn Child. Moral Damage. Superior Court of Justice.


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ASFOR, Ana Paula. O reconhecimento do dano moral em favor do nascituro: concepções doutrinárias e evolução jurisprudencial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3639, 18 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24741. Acesso em: 25 abr. 2024.