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A funcionalização do contrato de prestação de serviços médicos - interesses patrimoniais e extrapatrimoniais inerentes à prestação

A funcionalização do contrato de prestação de serviços médicos - interesses patrimoniais e extrapatrimoniais inerentes à prestação

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Muito embora os contratos de prestação de serviços médicos façam parte do cotidiano dos cidadãos em sociedade e tais serviços sejam considerados de grande relevância social, a disciplina das relações firmadas entre médicos e pacientes é ainda insuficiente para abrigar todas as suas nuances.

1. Considerações iniciais. A metodologia civil-constitucional e a relevância social dos serviços de saúde

Esse trabalho tem por objetivo promover a diferenciação entre os diversos deveres decorrentes da relação jurídica instaurada entre médico e paciente, de acordo com a metodologia civil-constitucional.

A constitucionalização do direito civil e a releitura dos seus institutos a partir de valores constitucionais promoveu intensa oxigenação dos dogmas civilísticos, antes sedimentados sobre valores individualistas. A incorporação da metodologia civil-constitucional pela doutrina – trazida ao debate acadêmico brasileiro pelas mãos dos professores Gustavo Tepedino e Maria Celina Bodin de Moraes¹ – e a sua adesão pela jurisprudência pátria² fizeram com que os profícuos ventos axiológicos irradiados pelos valores constitucionais soprassem por todos os campos do direito civil contemporâneo³.

As sementes do direito civil-constitucional deram frutos por todos os campos do direito civil4. Seja na parte geral, no direito das obrigações, nos contratos, na empresa, nas relações familiares, no direito sucessório, no campo da responsabilidade civil ou no direito do consumidor, é irrefutável a constatação da mudança paradigmática operada por essa metodologia, que propõe a harmonização coerente e razoável da norma ordinária com a norma constitucional, segundo critérios ou princípios de adequação e de proporcionalidade que postulam o conhecimento aprofundado das peculiaridades do caso concreto5.

Não poderia ser diferente no que toca à relação jurídica contratual travada entre médico e paciente. Indubitavelmente, trata-se de espécie de prestação de serviços de inestimável utilidade para a vida em sociedade, uma vez que a saúde é direito social protegido na Constituição Federal6,  e é dever do Estado garantir o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação7. A Constituição confere relevância pública às ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle8.  

Por conseguinte, não se pode pensar no exercício pleno da dignidade da pessoa humana, sem  plena garantia à integridade psicofísica9, de forma que a prestação de serviços médicos está intrinsecamente ligada ao exercício deste substrato axiológico.

A unidade do ordenamento jurídico e a superação da clássica dicotomia entre Direito Público – Direito Privado, nos fez compreender que o Código Civil não mais se encontra ao centro das relações de direito privado10. Os valores constitucionais estão no centro do sistema, de forma que todas as relações tradicionalmente tuteladas pelo Direito Privado não escapam do alcance da normativa fundamental, uma vez que todas as normas ordinárias devem harmonizar-se com os valores da dignidade da pessoa humana, da livre-iniciativa e da solidariedade social. Destarte, é imperioso revisitar conceitos jurídicos do passado, que foram idealizados em outro contexto social e cultural, por hora ultrapassados.

Na avalanche de ideias e reformulações conceituais operadas pela constitucionalização do direito civil, foi soterrada a concepção tradicional e voluntarista de obrigações, pois, na nova ordem de ideias, privilegia-se a concepção da relação obrigacional como instrumento de cooperação social voltada a satisfazer os interesses das partes envolvidas11.

Por esta razão, pretende-se refletir sobre esta relação jurídica de relevância social, problematizando diferentes aspectos desta prestação de serviços médicos de acordo com a metodologia civil-constitucional, de forma a subsidiar possíveis debates acerca de desdobramentos desta dinâmica, mormente no que tange a relação obrigacional, o que pode implicar consequências diversas, inclusive, na responsabilidade civil do profissional médico pela falha na execução de seus deveres.


2. A funcionalização do contrato de prestação de serviços médicos. Os deveres contratuais e extracontratuais relativos à prestação de serviços médicos

A metodologia civil-constitucional nos convida não só a superar as abstratizações dos institutos de direito e a abandonar o conceitualismo12, como também a promover a valorização do perfil funcional dos institutos, reconhecendo sua historicidade, na medida da importância da função que exercem naquela determinada sociedade, naquele determinado momento histórico13.

Por esta razão, não se pode enxergar todos os contratos de prestação de serviços de maneira idêntica, uma vez que, embora diante da metodologia civil-constitucional todos os fatos sejam juridicamente relevantes14, não é dado subestimar a importância axiológica do direito à saúde, expressão da dignidade da pessoa humana.

A funcionalização dos contratos, de acordo com os interesses jurídicos ventilados na hipótese, constitui um exercício de constitucionalização do vínculo contratual, um problema de interpretação e qualificação do negócio em concreto, uma vez que é “por meio do procedimento de qualificação que se logra individuar a normativa adequada a cada caso concreto, à luz das regras, dos princípios e dos valores constantes do ordenamento” (Monteiro Filho, 2011, p. 202).

Gustavo Tepedino, em importante lição sobre a responsabilidade médica no direito brasileiro15, nos ensina que a responsabilidade civil decorrente do exercício de atividade profissional do médico tem configurado de responsabilidade contratual de forma prevalente pela doutrina. Este autor, ao mesmo tempo que reconhece a natureza contratual dos serviços médicos, constata a existência de um núcleo de deveres extrapatrimoniais, essenciais à natureza da avença, sinalizando que: “tais deveres, ao lado da intervenção técnica, prestação dirigida à cura propriamente dita, definem a função jurídica do contrato, oferecendo conotação peculiar à causa contratual, que o faz negócio atípico, diverso da locação de serviços convencionalmente disciplinada pelo Código Civil” (Tepedino, 2006, p. 85).

Separa, outrossim, alguns deveres anexos ao contrato de prestação de serviços médicos,  daqueles referentes ao exercício do mister referentes à cura propriamente dita. Exemplificadamente, arrola como deveres anexos decorrentes de atos extracontratuais inerentes à atividade médica, os deveres de prestação de socorros, o de proferir atestados verdadeiros, de sigilo profissional, e o de proferir conferências e escrever obras baseado em lições pertinentes. Ainda16, promove separação entre a responsabilidade contratual, decorrente do atendimento médico privado, da responsabilidade delitual, nas hipóteses em que o dano pelo médico provocado advenha de atos contratuais inerentes à atividade médica.

A constatação da existência de deveres extrapatrimoniais anexos ao contrato de prestação de serviços médicos impõe a funcionalização desta modalidade contratual que, em que pese sua enorme importância social, não possui disciplina legislativa infraconstitucional específica – exceto no que tange às hipóteses de indenização por reparação civil (artigos 951 do Código Civil17 e art. 14 § 4º do Código de Defesa do Consumidor18), quando o legislador engloba todos os profissionais liberais em idêntica modalidade de responsabilidade civil.

 O princípio da função social dos contratos, expressamente referido no  artigo 421 do Código Civil de 200219 é, presentemente, um preceito de ordem pública, de forma que é inválido qualquer negócio ou ato jurídico que contrariar esta disposição20. Este princípio impõe aos titulares de posições contratuais dominantes o dever de perseguir, ao lado de seus interesses individuais, interesses extracontratuais socialmente relevantes, dignos de tutela jurídica, relacionados ou alcançados pelo contrato21.

A constitucionalização do direito civil provocou, no contexto das relações obrigacionais,  um inchaço da noção de obrigação para abranger outros interesses legítimos, compreendendo variados poderes e deveres de ambas as partes, conforme afirma Pablo Renteria:

A construção teórica da relação obrigacional em termos de cooperação, sob o influxo dos diversificados interesses que são regulamentados no contexto da concreta relação jurídica, evidencia a insuficiência das teorias tradicionais que concebem a relação obrigacional como a contraposição entre a situação jurídica ativa do credor, constituída unicamente por poderes, e a passiva do devedor, caracterizada por deveres e sujeições. Em seu lugar, afirma-se a concepção da obrigação como relação complexa, ou ainda como processo, que compreende os variados poderes e deveres de ambas as partes, que se constituem ao longo da relação jurídica, de modo a assegurar concretamente a cooperação necessária ao regular cumprimento do pactuado. (Rentería, 2011, p.6)

A obra pioneira do professor Clóvis Veríssimo do Couto e Silva22 já retratava a obrigação como um processo, onde o débito e o crédito aparecem no vínculo não como os únicos elementos existentes, mas ao lado de outros igualmente importantes, partindo de uma concepção de relação jurídica como uma totalidade que não se esgota na soma dos elementos que a compõem.

Diante deste panorama, podemos visualizar, dentro da mesma relação médico-paciente, duas esferas de interesses distintos, a merecerem tratamento jurídico diferenciado: de um lado, aqueles 17patrimoniais, referentes aos deveres decorrentes da prestação remunerada de serviços médicos propriamente ditos dirigidos à intervenção técnica em busca da cura e, de outro, os existenciais, referentes aos deveres extrapatrimoniais anexos, essenciais à natureza da avença.

Como premissa básica para que se possa efetivar esta análise, faz-se necessário superar a perspectiva puramente estrutural do contrato, para adotar uma atividade interpretativa que envolva valores, para, assim como Bobbio23, priorizar o perfil funcional de um instituto, seus efeitos, passando de como ele é, para o para o que ele serve enquanto negócio jurídico.

É evidente que a distinção entre quais situações seriam patrimoniais e quais seriam existenciais num contrato de prestação de serviços médicos, nem sempre é nítida e de fácil percepção. Porém, existem aspectos da dinâmica médico-paciente, onde há o predomínio da carga patrimonial muito maior do que a existencial, ou o contrário.

As situações biojurídicas, são especialmente problemáticas, uma vez que abrangem reflexões acerca da tutela jurídica da pessoa frente aos avanços da ciência e da biomedicina24. Em seu trabalho sobre situações jurídicas dúplices, Ana Carolina Brochado Teixeira e Carlos Nelson Konder reconhecem a existência de grande dificuldade de identificação da situação predominante, quando o interesse, fundamento justificativo da situação, envolve os aspectos patrimonial e existencial com a mesma intensidade. Nesse passo, afirmam:

A distinção se faz necessária tendo em vista a instrumentalidade indireta das situações patrimoniais à concretização da dignidade, pois seu principal objetivo é a realização de uma função social; prioritariamente, elas estão a serviço da coletividade, tornando-se inevitável a conformação da autonomia privada ao imperativo da solidariedade. Situação diferente ocorre nas situações jurídicas existenciais, cujo objetivo é a realização direta da dignidade, conforme as próprias aspirações, valores e modus vivendi; enfim, têm como função imanente a livre realização da personalidade, segundo o próprio projeto de vida que a pessoa construiu para si. Podemos sintetizar que as situações patrimoniais têm função social e as existenciais, apenas pessoal – se é que podemos atribuir a elas algum tipo de função. (TEIXEIRA, KONDER, 2012, p. 08).

Muitas vezes, as situações jurídicas existenciais e patrimoniais se complementam, e se retroalimentam, de forma que o exame em concreto é o mais eficiente para averiguar a regulamentação dos efeitos advindos daqueles fatos no mundo jurídico.

Interessante notar que diferentes situações empregam lógicas diversas, na medida de sua patrimonialidade ou existencialidade, de maneira que é inadequado solucionar questões de cunho existencial com respostas patrimoniais e vice-versa.

Gustavo Tepedino, com grande maestria, verificou que algumas situações existenciais que foram equivocadamente solucionadas com paradigmas patrimoniais25, e concluiu ser imprescindível a utilização de critérios hermenêuticos distintos para definições referentes a manifestações da autonomia patrimonial e de deveres existenciais.

A doutrina vem se encarregando de selecionar alguns deveres relacionados à prática médica de cunho extrapatrimonial uma vez que relacionados aos valores constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1o., III), do valor social da livre iniciativa (art. 1o., IV), da igualdade substancial (art. 3o., III) e da solidariedade social (art. 3o., I). A função social do contrato impõe às partes o dever de perseguir, ao lado de seus interesses individuais, interesses extracontratuais socialmente relevantes, dignos de tutela jurídica, que se relacionam com o contrato ou são por ele atingidos26.

Gustavo Tepedino, em artigo sobre a responsabilidade médica na experiência brasileira27, agrupou em três categorias centrais os deveres do médico. Em primeiro lugar, o dever de informação. Este dever estaria ligado aos “riscos do tratamento, a ponderação quanto às vantagens e às desvantagens da hospitalização ou das diversas técnicas a serem empregadas, bem como a revelação quanto a prognósticos e ao quadro clínico e cirúrgico, salvo quando tal informação possa afetar psicologicamente o paciente” (Tepedino, 2006, p. 90).

Este dever de prestar informações é mencionado pela professora Judith Martins-Costa28, no estudo da boa-fé objetiva como limite ao exercício de direitos, onde afirma que deverá haver necessária conexão funcional com as regras atinentes ao exercício em causa.

Outrossim, leciona que na relação pré-contratual de serviços médicos é patente a assimetria de poderes informativos, de forma que a boa-fé deverá comandar a avaliação da qualidade e extensão das informações pré-contratuais prestadas pelo médico ao paciente.

Clóvis V. Do Couto e Silva, ao tratar dos deveres secundários às obrigações refere-se ao “dever de esclarecimento”29, que, teria conteúdo muito próximo ao dever de prestar informações, uma vez que o autor o define como o dever, dirigido ao outro participante da relação jurídica, de tornar clara circunstância de que a outra parte tem conhecimento imperfeito, ou errôneo, ou ignora totalmente.

A questão do dever de prestar informações por parte do médico está em grande parte ligado à aquiescência do paciente quanto à execução ou não das práticas terapeuticas, nos termos do artigo 22 do Código de Ética Médica (Resolução do Conselho Federal de Medicina, no. 1.931/2009)30. O consentimento do paciente está, por sua vez, ligado à tutela da liberdade, que é expressão da dignidade da pessoa humana31. Para Maria Celina Bodin de Moraes, configura violação de dignidade da pessoa humana, a impossibilidade de recusar tratamento médico por motivos religiosos32 .

Num outro giro, ainda no que tange ao dever de prestar informações, um outro aspecto refere-se à expectativa que foi efetivamente gerada no paciente, de acordo com as informações prestadas pelo médico ao paciente. Para Pablo Rentería, os esclarecimentos que o médico prestar ao paciente quanto aos resultados e riscos da operação vão influir na determinação se a obrigação do cirurgião plástico é de meios ou de resultado pois somente o caso concreto pode confirmar se por suas declarações, atitudes e omissões, o devedor gerou ou não no credor legítima expectativa diversa quanto ao alcance da obrigação assumida33.

Por tudo isso, é de se concluir que o dever de prestar informações possui conteúdo fortemente extrapatrimonial, vez que as situações ligadas ao descumprimento deste dever devem ser tuteladas de acordo com uma lógica existencial, pois os institutos patrimoniais do direito civil são incapazes, por si só, de solucionar questionamentos eventuais acerca de problemáticas geradas a a partir da violação deste dever. Conforme foi dito, nas situações jurídicas existenciais, o objetivo é a realização direta da dignidade e a livre realização da personalidade, de acordo com o próprio projeto de vida que a pessoa tem para si e não a tutela de interesses patrimoniais.

Curioso observar que o dever de prestar informações é um dever anexo a diversos contratos, não apenas ao contrato de prestação de serviços médicos, de forma que, diante do paradigma da solidariedade, a transparência e a informação devem estar sempre presentes na prestação de serviços profissionais em geral.

Seguindo a sistematização das categorias de deveres proposta por Gustavo Tepedino34, em segundo lugar está o dever de emprego da técnica adequada, nele incluídos os deveres de atender aos chamados e proceder às visitas, sendo admissível a indicação de colega ou de assistente nas hipóteses de impossibilidade de comparecimento pessoal.

O Código de Ética Médica (Resolução CFM no. 1931/2009) traz como um dos princípios fundamentais o de “aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente”35.

Este dever está ligado ao exercício da prática médica propriamente dita, uma vez que ligado a aspectos científicos da prestação de serviços. Isto é, ligado a conhecimento aplicado à situações fáticas, em troca das quais o paciente oferece remuneração. Trata-se de dever de conteúdo patrimonial, uma vez que o profissional é remunerado justamente pelo emprego da técnica. A obrigação principal, que é a de prestar serviços médicos está intrinsecamente ligada ao fato destes profissionais empregarem a técnica adequada na prestação destes serviços. Destarte, encaixa-se nesta lógica a dinâmica credor x devedor, de acordo com o cumprimento ou não da obrigação principal. Trata-se de lógica patrimonial, muito embora não seja a única a ser empregada na complexa relação em análise neste trabalho.

Em terceiro lugar na categoria de deveres do médico elencados pelo professor Tepedino36, está o dever de tutela do melhor interesse do enfermo em favor de sua dignidade e integridade física e psíquica, como critério interpretativo para a avaliação da conduta médica. Analisando o conteúdo desse dever, ensina o autor que, “em qualquer circunstância e acima de qualquer outro interesse – pecuniário, profissional ou mesmo científico – deve o médico zelar pela integridade psicofísica do paciente e por sua dignidade, expressão da tutela constitucional incluída no rol dos fundamentos da República (art. 1o., III, C.F.)” (Tepedino, 2006, p. 95). Este dever está intimamente relacionado ao sentimento de integridade psicofísica do paciente, que integra o substrato material da dignidade da pessoa humana.37.

Em uma primeira análise, pode-se afirmar que uma eventual discussão judicial acerca da violação do melhor interesse do paciente irá repercutir sobre aspectos existenciais, muito mais do que patrimoniais, uma vez que o melhor interesse do paciente pode ir de encontro ou não às opções de tratamento oferecidas. No processo de tomada de decisões profissionais, o médico deverá aceitar as escolhas dos pacientes, relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos por eles expressos, desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas (princípio fundamental XXI do Código de Ética Médica). Tais escolhas são personalíssimas, e configuram expressão da individualidade pessoal do paciente, de acordo com seu projeto de vida, de forma que a violação deste dever importa lesão de ordem existencial, o que pode eventualmente ter implicações no campo patrimonial em sede de tratamento particular custeado pelo paciente. Cumpre analisar o caso concreto para verificar se tal dever foi ou não violado, e se o seu conteúdo, na hipótese, é predominantemente voltado à uma lógica existencial ou patrimonial.

Embora não tenha sido categorizado como uma das espécies de deveres principais do médico, o dever de discrição foi citado, por Gustavo Tepedino como exemplo de deveres extrapatrimoniais anexos ao contrato de prestação de serviços médicos, conforme dito acima38. Em passagem sobre tal dever, o autor leciona:

Quanto à discrição, viola a boa-fé contratual o médico que, em desapreço pela tutela constitucional à intimidade (art. 5O X, C.F.), divulga o nome dos seus pacientes, o diagnóstico e os resultados obtidos, sendo intolerável, assim, a publicação dos casos clínicos, mesmo para fins científicos, sem a autorização do interessado. (Tepedino, 2006, p. 96)

Para o professor Clóvis Veríssimo do Couto e Silva39, o dever de sigilo é uma espécie de dever  secundário independente da obrigação principal, uma vez que perdura depois de cumprida a obrigação principal.

O dever de sigilo também está previsto como princípio fundamental do Código de Ética Médica (Resolução CFM no. 1931/2009)40. A divulgação de informação médica sigilosa implica na incapacidade de controle do paciente acerca dos próprios dados pessoais (os chamados “dados sensíveis”), configurando situação que ofende a liberdade pessoal, na esfera da privacidade41, razão pela qual a ofensa ao dever de sigilo consubstancia ofensa a dignidade da pessoa humana.

A identificação desses deveres não exclui a existência de outros, anexos à obrigação principal de prestação de serviços médicos, que deve ser entendida como um processo complexo, operando numa dinâmica de cooperação42.

Demais disso, importante pontuar que todos esses deveres devem ser interpretados à luz da boa-fé objetiva, que se expressa tanto na execução do contrato quanto nas fases pré e pós-contratual43. Os deveres secundários (ou  anexos), são resultado da incidência do princípio da boa-fé, e comportam tratamento que abranja toda a relação jurídica, conforme aponta Clóvis Veríssimo do Couto e Silva:

Assim, podem ser examinados durante o curso ou o desenvolvimento da relação jurídica, e, em certos casos, posteriormente ao adimplemento da obrigação principal. Consistem em indicações, atos de proteção, como o dever de afastar danos, atos de vigilância, de guarda, de cooperação, de assistência. (SILVA, 2006, p.93)

Como se vê, a doutrina tem buscado identificar e promover a necessária diferenciação entre as diferentes espécies de deveres relacionados à prestação de serviços médicos, muito embora a normativa infra-constitucional passe ao largo dessa problemática. Disso decorre que, eventual questionamento decorrente do inadimplemento de um dever contratual principal ou secundário, patrimonial ou extrapatrimonial, acaba solucionado de maneira uniforme pela jurisprudência que, muitas das vezes, baseada em pensamento oitocentista,  aplica uma lógica patrimonialista para solucionar problemas que são de essencialmente existenciais.


3. A fórmula genérica utilizada pela jurisprudencia atual. A mercantilização da ofensa a deveres extrapatrimoniais. A reparação não pecuniária dos danos extrapatrimoniais

Partilham os estudiosos no campo das ciências sociais, de um receio quanto à crescente influência dos princípios da lógica comercial sobre as relações humanas44. Este temor é justificado, mormente quando analisamos situações existenciais sendo solucionadas por uma lógica patrimonial e mercantilista.

Esse descompasso pode ser percebido com frequência quando da análise de decisões judiciais acerca da responsabilidade civil por descumprimento de deveres contratuais, onde dificilmente faz-se a diferenciação no que tange aos danos extrapatrimoniais decorrentes da atividade médica, para definição da natureza da reparação (se pecuniária ou não).

Norberto Bobbio nos provoca a refletir sobre o conceito tradicional de obrigação, observando que a teoria geral do direito europeia é prisioneira de um conceito de direito que pressupõe a imagem simplista do Estado como organismo que estabelece as regras do jogo e institui um árbitro. Diante das transformações do Estado social dos novos tempos, não é possível que o aparato conceitual persista e atravesse inalterado a mudanças. Outrossim, este autor constata a necessidade do advento de novas técnicas de controle social e o emprego de técnicas de encorajamento em acréscimo/ substituição às técnicas tradicionais de desencorajamento45.

Em interessante trabalho sobre a constitucionalização do direito civil e seus efeitos sobre a responsabilidade civil, a professora Maria Celina Bodin de Moraes constata que o direito da responsabilidade civil é sobretudo jurisprudencial46. Segundo sua ótica, os magistrados são os primeiros a sentir as mudanças sociais e, bem antes de se poder colocar em movimento qualquer alteração legislativa, estão aptos a atribuir-lhes, através de suas decisões, respostas normativas. Mas isto somente ocorre porque o mecanismo da responsabilidade civil é composto, em sua maioria, por cláusulas gerais e por conceitos vagos e indeterminados, carecendo de preenchimento pelo juiz a partir do exame do caso concreto.

Justamente pela inexistência de normativa aplicável ao caso concreto é que algumas decisões provocam desconforto, em razão de não apresentarem soluções compatíveis com a lógica aplicável àquela determinada situação.

Anderson Schreiber47 cita curioso caso ocorrido na Alemanha, onde uma controversa decisão condenou um médico, por conta de um implante contraceptivo ineficaz, a pagar seiscentos euros por mês durante dezoito anos à sua paciente, a título de indenização pelo dano por ela sofrido: o nascimento indesejado de uma criança.

Nesta linha, a professora Maria Celina Bodin de Moraes48 também comenta a intrigante decisão do caso Perruche, no qual a Corte de Cassação francesa pronunciou-se favoravelmente à reparação do dano sofrido por um então adolescente de 17 anos, deficiente físico e mental, pelo “fato de ter nascido” ou pelo fato de não ter sido abortado, em consequência da conjugação de dois erros: um do médico, outro do laboratório, que não diagnosticaram a rubéola contraída pela mãe aos dois meses de gravidez.

De acordo com as lições do professor Anderson Schreiber49, a abertura ao ressarcimento do dano moral deu-se por meio de uma extensão da função historicamente patrimonialista da responsabilidade civil, sem que se procedesse, ao mesmo tempo, a qualquer modificação substancial na estrutura do instituto, de forma que, mesmo às lesões a interesses não patrimoniais o ordenamento jurídico continua oferecendo , como única resposta, o seu remédio tradicional, de conteúdo estritamente patrimonial, qual seja, a deflagração do dever de indenizar.

A análise do autor sobre a temática detectou a inércia da própria comunidade jurídica em oferecer às vítimas desses danos a outra solução diferente do pagamento de uma soma em dinheiro, estimulando necessariamente o que chamou de “sentimentos mercenários”, pois a redução última da lesão a interesse extrapatrimonial a uma quantia monetária corroboraria a tese de que a responsabilidade civil atua como instrumento de mercantilização, quantificando o inquantificável. Por essas razões, apresenta o movimento de despatrimonialização da reparação ao dano, oferecendo alternativas que representam meios não pecuniários de compensação (como a retratação pública, por exemplo), diante da insuficiência do valor monetário como meio de pacificação de conflitos decorrentes de lesões a interesses extrapatrimoniais.

O debate em torno da reparação não pecuniária aos danos extrapatrimoniais ainda é novo na doutrina e jurisprudência, de modo que ele ainda deverá ser incorporado pelos Tribunais a fim de oferecer alternativas para contornar questões envolvendo danos decorrentes aos deveres extrapatrimoniais do contrato de prestação de serviços médicos.

Nesse contexto, a reparação apenas patrimonial mostra-se insuficiente para cobrir aspectos existenciais da relação jurídica. Como coloca o professor Anderson Schreiber50, é preciso enfrentar o problema da despatrimonialização da própria reparação do dano, não só apenas o problema da despatrimonialização do do dano em si. Muitas das vezes, o valor monetário mostra-se insuficiente como meio de pacificação dos conflitos decorrentes de lesões a interesses extrapatrimoniais. É preciso mudar a visão estritamente patrimonialista da responsabilidade civil, para operar proteção aos interesses não patrimoniais do ordenamento jurídico, desestimulando a lógica mercantilista da quantificação do que é imensurável.

Por esta razão é preciso pensar meios alternativos de compensação para atenuar o dano moral e a relevância da moeda. Podemos pensar em alguns exemplos além da citada retratação, como o custeio de tratamento psicológico para o lesado; a exigência de frequência do ofensor em reuniões com outros ofensores e profissionais para acompanhamento do problema; a anotação em cadastro nacional criado com a finalidade de possibilitar a futuros pacientes averiguarem a conduta profissional do médico que pretendem contratar.


4. Conclusões

Mais uma vez, coloca-se diante do intérprete, o desafio metodológico apresentado por Gustavo Tepedino51 quando do advento do Código Civil de 2002 constatando o longo percurso a ser percorrido, no que concerne à atribuição a todo o corpo normativo de um significado coerente com a tábua de valores do ordenamento, para que se possa transformar efetivamente a realidade a partir das relações jurídicas privadas, segundo os ditames da solidariedade e da justiça social.

Muito embora os contratos de prestação de serviços médicos façam parte do cotidiano dos cidadãos em sociedade e tais serviços sejam considerados de grande relevância social, a disciplina das relações firmadas entre médicos e pacientes é ainda insuficiente para abrigar todas as suas nuances.

De um lado, aponta-se a ausência de tratamento infraconstitucional da matéria de forma a oferecer soluções alternativas à responsabilidade civil através de meios não-pecuniários. De outro, na maioria das vezes a jurisprudência oferece fórmula generalista (reparação pecuniária) à reparação de danos causados por infringência de deveres secundários inerentes à prestação de tais serviços.

Procurou-se demonstrar, ao longo desse trabalho que, diante da metodologia civil-constitucional, para se possa conferir o tratamento adequado da matéria, há que se promover a necessária distinção entre situações patrimoniais e existenciais dentro da complexidade da relação jurídica médico-paciente, a fim de se conferir a disciplina adequada diante de cada situação. A simples aplicação de uma solução genérica a todas as violações dos deveres do contrato de prestação de serviços médicos, qual seja, a reparação pecuniária, não atende a todos os envolvidos, de forma que a comunidade científica – doutrina e jurisprudência - deve atentar para o desenvolvimento de outras formas de compensação da dignidade pessoal do ofendido, que não a patrimonial.

Procurou-se demonstrar a insuficiência da reparação estritamente pecuniária para lesões a bens não patrimoniais diante superação da visão exclusivamente patrimonialista da responsabilidade civil. A reparação pecuniária não deverá ser a única forma de compensação, operando-se a despatrimonialização da própria reparação ao dano.

Por esta razão, devem ser trazidas a lume outras formas de compensação do dano aos deveres existenciais atinentes à relação jurídica médico-paciente, tais como a retratação; o custeio de tratamento psicológico para o lesado; a exigência de frequência do ofensor em reuniões com outros ofensores e profissionais para acompanhamento do problema; e a anotação em cadastro nacional criado com a finalidade de possibilitar a futuros pacientes averiguarem a conduta profissional do médico que pretendem contratar.


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__________Itinerário para um imprescindível debate metodológico. Editorial à Revista Trimestral de Direito Civil, vol. 35, jan-mar/2008.

__________Normas constitucionais e Direito Civil na Construção Unitária do Ordenamento, in Temas de Direito Civil, t. III. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 3-19.

__________Notas sobre a função social dos contratos in O Direito e o tempo: embates jurídicos e utopias contemporâneas, Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

TEPEDINO, Gustavo, FACHIN, Luiz Edson, O Direito e o Tempo: embates jurídicos e utopias contemporâneas. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.


Notas

[1]Cf. Anderson Schreiber, Direito Civil e Constituição, in Revista Trimestral de Direito Civil, vol. 48, p. 4 e ss.

2 O Superior Tribunal de Justiça vem adotando a constitucionalização do direito civil como fundamento de alguns de seus julgados. Por todos, veja-se a posição adotada pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, sendo relator o Min. Luis Felipe Salomão, no julgamento do Resp 11833378/RS, julg. 25.10.2011, assim ementada: “ DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO (HOMOAFETIVO). INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 1.514, 1.521, 1.535 e 1.565 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO EXPRESSA A QUE SE HABILITEM PARA O CASAMENTO PESSOAS DO MESMO SEXO. VEDAÇÃO IMPLÍCITA CONSTITUCIONALMENTE INACEITÁVEL. ORIENTAÇÃO PRINCIPIOLÓGICA CONFERIDA PELO STF NO JULGAMENTO DA ADPF N. 132/RJ E  DA ADI N. 4.277/DF. (...)  3. Inaugura-se com a Constituição Federal de 1988 uma nova fase do direito de família e, consequentemente, do casamento, baseada na adoção de um explícito poliformismo familiar em que arranjos multifacetos são igualmente aptos a constituir esse núcleo doméstico chamado “família”, recebendo todos eles a “especial proteção do Estado”. Assim, é bem de ver que, em 1988, não houve uma recepção constitucional do conceito histórico de casamento, sempre considerado como via única para a constituição de família e, por vezes, um ambiente de subversão dos ora consagrados princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Agora, a concepção constitucional do casamento – diferentemente do que ocorria com os diplomas superados – deve ser necessariamente plural, porque plurais também são as famílias e, ademais, não é ele, o casamento, o destinatário final da proteção do Estado, mas apenas o intermediário de um propósito maior, que é a proteção da pessoa humana em sua inalienável dignidade.”

3 Cf. Gustavo Tepedino, “É equivocada a chamada civilização do direito constitucional, que pretende indicar a suposta influência do direito civil e de suas categorias na interpretação constitucional: são os valores constitucionais que devem impregnar cada categoria do direito infraconstitucional, de maneira unilateral, para que prevaleça a hierarquia axiológica impressa no Texto Maior, sob pena de se obstaculizar o projeto constitucional em nome de soluções legislativas hauridas da práxis judiciária, da tradição histórica ou do próprio mercado, incompatíveis com o sistema.” (Itinerário para um imprescindível debate metodológico, Editorial da Revista Trimestral de Direito Civil, vol. 35, p. 2).

4 Conforme leciona Gustavo Tepedino, Normas constitucionais e Direito Civil na Construção Unitária do Ordenamento, in Temas de Direito Civil, t. III. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 14 e ss, “À luz do princípio fundamental da dignidade humana têm-se, de um lado, a técnica das relações jurídicas existenciais, que informam diretamente os chamados direitos da personalidade e, mais amplamente, a tutela da pessoa nas comunidades intermediárias, nas entidades familiares, na empresa, nas relações familiares, na empresa, nas relações de consumo e na atividade econômica privada, particualrmente no momento da prevenção da lesão, deflagrando, a partir daí, uma tranformação profunda na dogmática da responsabilidade civil.”

5 Sobre o tema, v. Pietro Perlingieri, O Direito Civil na Legalidade Constitucional, Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 574 e ss.

6 Art. 6º.: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

7 Art. 196. “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

8 Art. 197: “São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.”

9 V. sobre o tema, Maria Celina Bodin de Moraes, O princípio da dignidade da pessoa humana, in Na medida da pessoa humana: Estudos de direito civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 96, para quem “No princípio de proteção à integridade psicofísica da pessoa humana estão contemplados, tradicionalmente, apenas o direito de não ser torturado e o de ser titular de certas garantias penais, como o tratamento do preso nas detenções e nos interrogatórios, a proibição de penas cruéis etc. Na esfera cível, no entanto, a integridade psicofísica vem servindo para garantir numerosos direitos da personalidade (vida, nome, imagem, honra, privacidade, corpo, identidade pessoal), instituindo, hoje, o que se proderia entender como um amplíssimo “direito à saúde”, compreendida como completo bem-estar psicofísico e social.”

10 Sobre o tema v. Maria Celina Bodin de Moraes, A caminho de um direito civil-constitucional, in Direito, Estado e Sociedade, n. 1, jul-dez, 1991, 2ª ed.

11 Cf. Pablo Renteria, Obrigações de meio e de Resultado – Análise Crítica, Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011, p. 4.

12 É o que ressalta Anderson Schreiber, Direitos da personalidade, cit., p. 213 e ss., onde observa que “Juristas têm tendência excessiva a classificar. O positivismo jurídico, já chamado o “grande lastro metodológico do século vinte”, foi levado ao extremo na primeira metade do século, resultando em uma abordagem cientificista, quase laboratorial, do direito. Apartada de considerações “metajurídicas” (políticas, morais, sociais), a “ciência do direito” foi tão depurada que se distanciou dos problemas concretos. Os debates passaram a gravitar em torno de conceitos e categorias abstratas, que era preciso distinguir, ordenar, classificar. Métodos e posturas próprias das ciências naturais foram importados para o campo jurídico. Normas, direitos, deveres passaram a ser subdivididos em esquemas taxonômicos e, ainda hoje, quando o legislador cria um novo instituto, a primeira pergunta que se fazem muitos juristas, antes mesmo de avaliar suas consequências práticas, é a seguinte: qual a sua “natureza jurídica”?”.

13 Gustavo Tepedino, Maria Celina Bodin de Moraes e Bruno Lewicki, o Código Civil e o Direito Civil Constitucional, Editorial da Revista Trimestral de Direito Civil, n. 13, Rio de Janeiro, jan-mar/2003.

14 Sobre o ponto, v. Pietro Perlingieri, Perfis de Direito Civil, Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 90, para quem: “Todo fato na realidade social, mesmo o mais simples e aparentemente insignificante, tem juridicidade. A sua problemática é representada pela concreta individuação dos parâmetros normativos de referência e pelo seu impacto no ordenamento”.

15 Gustavo Tepedino, A responsabilidade médica na experiência brasileira contemporânea, in  Temas de Direito Civil, t. II, p. 84, Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

16 Idem, p. 86.

17Art. 951: “O disposto nos arts. 948, 949 e 950, aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício da atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão ou inabilitá-lo para o trabalho.”

18 Art. 14 § 4o: “A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.”

19 Art. 421 “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.”

20 Sobre o ponto, v. Luiz Edson Fachin, Questões de Direito Civil Brasileiro Contemporâneo, Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 23 e ss.

21 Sobre a função social dos contratos, v. Gustavo Tepedino, Notas sobre a função social dos contratos, in O Direito e o Tempo: embates jurídicos e utopias contemporâneas, Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 399.

22 Vide Clóvis Veríssimo do Couto e Silva, A obrigação como um processo, Rio de Janeiro: Editora FGV,  2006, p. 19.

23 BOBBIO, Norberto apud KONDER, Carlos Nelson. Causa do contrato x função social do contrato: Estudo comparativo sobre o controle da autonomia negocial. Rio de Janeiro: Editora Padma, 2000, p. 33.

24 Os autores Carlos Nelson Konder e Ana Carolina Brochado Teixeira, Situações Jurídicas dúplices: controvérsias na nebulosa fronteira entre patrimonialidade e extrapatrimonialidade, in Gustavo Tepedino e Luiz Edson Fachin (coord). Diálogos sobre direito civil, vol. III. Rio de Janeiro: Renovar, p. 17 e ss, comentam as problemáticas referentes ao útero de substituição, à inseminação heteróloga com doador anônimo e à experimentação com seres humanos, abordando os aspectos patrimoniais e existenciais destas situações dúplices.

25 O professor Gustavo Tepedino, A estranha revolta dos fatos contra o intérprete, in Editorial à Revista Trimestral de Direito Civil, vol. 31, jan-mar/2007, relata três situações de cunho existencial solucionadas pela jurisprudência de acordo com o instituto da propriedade: o caso do paciente de leucemia que, durante tratamento, forneceu material celular para a pesquisa que possibilitou o patenteamento de medicamentos e teve seu pedido negado pela Corte americana sob o argumento de que não mais teria a propriedade de tais células uma vez que foram retiradas de seu corpo com seu consentimento; o caso da médica americana que engravidou após coletar sêmen durante sexo oral com seu parceiro, que pretendia ter reconhecidos direitos relativos a paternidade e teve seu pleito desatendido uma vez que teria doado o material genético durante a prática sexual e, por fim, o reconhecimento pelo Tribunal Superior do Trabalho do direito do empregador de acesso às informações dos empregados uma vez teria a propriedade dos computadores onde tais informações são veiculadas.

26 Tepedino, Gustavo. Notas sobre a função social dos contratos, in O Direito e o Tempo: embates jurídicos e utopias contemporâneas, op. Cit. p. 399.

27 Tepedino, Gustavo. A responsabilidade médica na experiência brasileira contemporânea, in  Temas de Direito Civil, t. II, op. Cit., p. 90 e ss.

28  V. Judith Martins-Costa, Os avatares do abuso do direito e o rumo indicado pela boa-fé, in DIREITO CIVIL CONTEMPORÂNEO: Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional, Gustavo Tepedino (org.). Rio de Janeiro: Atlas, 2008.

29 SILVA, Clóvis Veríssimo do Couto e, A obrigação como um processo, op. Cit., p. 94 e ss.

30 Art. 22. “É vedado ao médico deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.”

31 MORAES, Maria Celina Bodin de, O princípio da dignidade da pessoa humana, op. Cit. p. 106.

32 Idem, p. 108.

33 RENTERIA, Pablo, Obrigações de meio e de resultado – Análise crítica, op. Cit., p. 84.

34Tepedino, Gustavo. A responsabilidade médica na experiência brasileira contemporânea, in  Temas de Direito Civil, t. II, op. Cit., p. 92.

35 Capítulo I – Princípios Fundamentais: “V – Compete ao médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente.”

36 Idem, p. 94.

37 MORAES, Maria Celina Bodin de, O princípio da dignidade da pessoa humana, op. Cit. p. 96 e ss.

38 Tepedino, Gustavo. A responsabilidade médica na experiência brasileira contemporânea, op. Cit., p. 96.

39 SILVA, Clóvis Veríssimo do Couto e, A obrigação como um processo, op. Cit., p. 97.

40 Capítulo I – Princípios Fundamentais: “XI – O médico guardará sigilo a respeito das informações de que detenha conhecimento no desempenho de suas funções, com exceção dos casos previstos em lei.”

41 MORAES, Maria Celina Bodin de, O princípio da dignidade da pessoa humana, op. Cit. p. 108.

42 SILVA, Clóvis Veríssimo do Couto e, A obrigação como um processo, op. Cit., p. 96.

43 Tepedino, Gustavo. A responsabilidade médica na experiência brasileira contemporânea, op. Cit., p. 95.

44 TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado, KONDER, Carlos Nelson.  Situações Jurídicas dúplices: controvérsias na nebulosa fronteira entre patrimonialidade e extrapatrimonialidade. Op. Cit., p. 3.

45V. Norberto Bobbio, A função promocional do direito in Da estrutura à função: Novos estudos de Teoria do Direito. Rio de Janeiro: Manole, 2007, p. 2 e ss.

46 V. Maria Celina Bodin de Moraes. A constitucionalização do direito civil e seus efeitos sobre a responsabilidade civil, Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento (org.),  in A constitucionalização do direito. Fundamentos teóricos e aplicações específicas, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

47 Cf. Anderson Schreiber, Novos paradigmas da Responsabilidade Civil, São Paulo: Atlas, 2012, p. Xiv.

48 MORAES, Maria Celina Bodin de, O princípio da dignidade da pessoa humana, op. Cit. p. 117.

49 Anderson Schreiber, Novos paradigmas da Responsabilidade Civil, op. Cit., p. 193 e ss.

50Cf. Anderson Schreiber, Novos paradigmas da Responsabilidade Civil,  op. Cit, p.193 e ss

51 V. Gustavo Tepedino, Crise de fontes normativas e técnicas legislativas na parte geral do código civil de 2002 in A parte geral do novo código civil: estudos na perspectiva civil-constitucional. Coord. Gustavo Tepedino – 2.ed. Ver. E atual – Rio de Janeiro: Renovar, 2003.


Autor

  • Juliana da Silva Ribeiro Gomes Chediek

    Juliana da Silva Ribeiro Gomes Chediek

    Graduada em direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Especialista em Direito público e privado pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro - EMERJ. Pós-graduanda em Direito Civil-Constitucional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Já trabalhou como advogada pública concursada da Caixa Econômica Federal, como procuradora autárquica concursada do Conselho Federal de Enfermagem - COFEN e, é analista da carreira de ciência e tecnologia especialista em direito da União Federal. Atualmente, exerce o cargo de Assessora Jurídica da Diretoria de Fabricação do Departamento de Ciência e Tecnologia, atuando na área de contratos de pesquisa e desenvolvimento e tecnologia.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHEDIEK, Juliana da Silva Ribeiro Gomes. A funcionalização do contrato de prestação de serviços médicos - interesses patrimoniais e extrapatrimoniais inerentes à prestação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3725, 12 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25124. Acesso em: 26 abr. 2024.