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Serviços notariais e de registro e a vinculação com o regime jurídico administrativo

Serviços notariais e de registro e a vinculação com o regime jurídico administrativo

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A atividade notarial e registral constitui em verdadeiro exercício privado de funções públicas, sempre norteada pelas suas características mais marcantes: gestão privada, delegação, e independência. Seus titulares exercem profissões públicas independentes.

Resumo: O presente trabalho aborda a vinculação dos serviços de registros e de notas e a aplicação do regime jurídico administrativo no Brasil. Disserta sobre as implicações do regime jurídico escolhido pelo poder constituinte em 1988. Discorre sobre a condição peculiar do regime da delegação pública e o exercício privado de funções tipicamente públicas. O estudo da independência jurídica e funcional dos Tabeliães e dos Registradores também foi abordado. A caracterização de tal atividade como serviço público teve capítulo específico, especialmente considerado o enfoque administrativista deste trabalho. A aplicação do regime jurídico administrativo foi elaborado, com apoio na doutrina, na legislação e na jurisprudência pátrias.

Palavras-chave: Tabelião. Registrador. Regime jurídico administrativo. Profissão pública. Enquadramento. Classificação.

Sumário: 1 INTRODUÇÃO. 2 HISTÓRICO. 2.1 NO MUNDO. 2.2 NO BRASIL. 2.2.1. Do Notariado. 2.2.2. Dos Registros Públicos. 3 SERVIÇO PÚBLICO. 4 DELEGAÇÃO E EXERCÍCIO PRIVADO. 5 INDEPENDÊNCIA. 6 ENQUADRAMENTO FUNCIONAL. 7 REGIME JURÍDICO. 8 CONCLUSÃO. 9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo indicar a relação entre as serventias notariais e de registro e o Direito Administrativo.

A despeito de a doutrina ter sedimentado posição no sentido de que tais profissionais são particulares em colaboração com o Poder Público, isso não basta para classificá-los.

O regime jurídico administrativo e a sua aplicação aos serviços de notas e de registro ainda gera controvérsias, especialmente quanto à sua repercussão nas relações tributárias e trabalhistas.

Os Notários e os Registradores não possuem uma identificação funcional. Foi somente com a Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, que regulamenta o exercício da atividade notarial e de registro, é que se definiu a denominação de tais profissionais.

A abordagem deste trabalho será norteada pelo estudo do Direito Administrativo aplicável. Ainda, o Direito Constitucional deve nortear qualquer trabalho científico, especialmente considerando que a escolha pelo exercício privado, mediante delegação do Poder Público, é imposição prevista constitucionalmente.

A elevação da atividade notarial e registral à categoria de norma constitucional demonstra a sua importância. E o legislador constituinte agiu desta forma justamente para garantir o regime jurídico aplicável. Não deixou a escolha ao legislador ordinário para evitar a fugacidade das orientações governamentais que, em certo momento indicam um certo rumo, e, em outro momento, indicam outro rumo.

Ainda, a doutrina nacional tende a, dentro de um conceito restrito de serviço público, afastar as atividades notariais e de registro desta noção. Neste trabalho será abordada tal problemática, elucidando a mais adequada orientação doutrinária e jurisprudencial a respeito.

E para que todo esse estudo seja feito, deve-se ter em mente o passado, a história de tais profissões, para que seja possível melhor entender os problemas que atualmente existem.

O enquadramento funcional dos Tabeliães e dos Registradores depende do estudo de todo o regramento jurídico aplicável não somente à tais profissionais, mas também à toda atividade notarial e de registral, posto que uma não pode ser dissociada da outra, e isso será demonstrado no decorrer do estudo.

A classe dos Registradores e dos Tabeliães merece especial atenção dos estudiosos do Direito, conforme será visto no transcorrer desta obra.


2.histórico

2.1. NO MUNDO

Ao elaborar um estudo técnico sobre determinada atividade, não é possível deixar de analisa-la tendo em mente a origem e as raízes da mesma. O passado é importante para saber os motivos da atual conformação do sistema, possibilitando antever o rumo pelo qual será orientada a atividade.

A história das atividades notarial e registral pode ser atrelada à própria história do Direito. A necessidade de estabilizar as relações, garantindo-lhes um mínimo de publicidade é um dos fundamentos do surgimento da atividade notarial.

Os acontecimentos humanos mereciam ser documentados para perpetrá-los. E as técnicas de assentamentos e arquivamento dessas informações evoluíram conforme a própria evolução da sociedade. O desenvolvimento do notariado, assim, acompanhou as alterações culturais, políticas, sociais e econômicas da cultura em que esteve inserida.

Rafael Gibert confirma a importância histórica dos notários na composição do registro histórico do Direito ao afirmar que “los notários, por la forma escrita, sonlos más genuínos historiadores do derecho” (GIBERT, Rafael. Notarios em la historia delderecho. Revista de Derecho Notarial, Madrid, ano 31, n. 121-122, jul/dic. 1983, pag. 413).

Obviamente, a função do notário e do registrador sofreu alterações no decorrer da histórica, especialmente quanto aos limites de sua atuação e dos efeitos de sua atuação.

Os negócios jurídicos celebrados, inicialmente, eram conhecidos por terceiros pela pouca quantidade de transações. Os acordos de vontade eram celebrados verbalmente, tornando árdua a tarefa de perpetuá-los.

Surgiu então a necessidade de que terceiros, não interessados no negócio, fossem incumbidos de transpor à escrita os acordos verbais. O notariado, assim, tinha uma função meramente redatora. Não lhe cabia averiguar a licitude do acordo, a capacidade das partes, e etc. A produção de prova da existência do acordo foi, então, o motivo do nascimento da atividade.

Leonardo Brandelli leciona:

“A atividade notarial não é, assim, uma criação acadêmica, fenômeno comum no nascimento dos institutos jurídicos do direito romano-germânico, tampouco uma criação legislativa. É, sim, uma criação social, nascida no seio da sociedade, a fim de atender às necessidades desta diante do andar do desenvolvimento voluntário das normas jurídicas. O embrião da atividade notarial, ou seja, o embrião do tabelião, nasceu do clamor social, para que, num mundo massivamente iletrado, houvesse um agente confiável que pudesse instrumentalizar, redigir o que fosse manifestado pelas partes contratantes, a fim de perpetuar o negócio jurídico, tornando menos penosa a sua prova, uma vez que as palavras voam ao vento” (BRANDELLI, Leonardo. Teoria Geral do direito notarial. 2. ed. São Paulo : Saraiva, 2007, página 4).

O mesmo Leonardo Brandelli ensina que na civilização egípcia é que se encontra a origem do notário, o qual era chamado de escriba (Idem, página 4). Já Cláudio Martins afirma que a história do notário é bem mais antiga, e a figura do notário encontra a sua origem no sacerdote memorista. Assim explana:

“Bem cedo, por força da lei das necessidades crescentes, o relacionamento social se tornou mais exigente, sobretudo no que se referia aos assuntos de trocas ou de mercado, esboço de economia fechada. E foi preciso disciplinar esse relacionamento em ascensão através de interpostas pessoas, na hipótese, pela confiança que inspiravam, os sacerdotes (...).

Como ainda não existia a escrita, os negócios eram igualmente memorizados pelo sacerdote memorista, cuja integridade se fazia, assim, a única garantia do cumprimento das relações negociais.

O memorista foi, portanto, o primeiro indivíduo a exercer, embora rudimentarmente, a função notarial” (MARTINS, Cláudio. Direito notarial: teoria e prática. Fortaleza: Imprensa Universitária Federal do Ceará, 1974, pág. 47-48).

O escriba possuía preparação cultural e era alçado a uma condição privilegiada dentro do quadro de funcionários egípcios. Leonardo Brandelli expõe que as funções deles “recebiam o tratamento de propriedade privada e, por vezes, transmitiam-se em linha de sucessão hereditária. Eram eles que redigiam os atos jurídicos para o monarca, bem como atendiam e anotavam todas as atividades privadas. No entanto, como não eram possuidores de fé pública, havia a necessidade de que os documentos por eles redigidos fossem homologados por autoridade superior, a fim de alcançar o valor probatório” (Teoria Geral do direito notarial. 2. ed. São Paulo : Saraiva, 2007, página 5).

Entre os hebreus, haviam os escribas do povo, escribas do rei, escribas da lei e o escriba do Estado. Dentre eles, o escriba do povo era o que o precursor do atual notário na civilização hebraica.

Na Grécia, os profissionais dotados de capacidade para lavrar atos e contratos eram chamados de mnemons. 

João Mendes Júnior ensina que Aristóteles assim expunha a estrutura funcional dos mnemons da Grécia:

“...classifica entre os funcionários públicos aqueles que lavram os atos e contratos dos particulares, assim como os que reproduzem as petições, citações, proposições das demandas, acusações, defesas, e as decisões dos juízes; acrescenta que, em alguns lugares, estas funções dividem-se por diversos funcionários para significar ou a função de lavrar os contratos, ou a função de escrever os atos do processo judicial, ou a função de guardar e conservar os documentos públicos e particulares. Estes funcionários denominavam-se mnemons, epistates e hieromnmons, que costumam a traduzir em latim – notarii, actuarii, chartularii e em português – notários, secretários e arquivistas” (ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Órgãos da fé pública. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 16).

Entre os romanos, no início, as relações jurídicas eram asseguradas verbalmente. Dispensavam a forma escrita, a fim de privilegiar a boa-fé dos contraentes.

Com o desenvolvimento das práticas comerciais e o aumento dos negócios jurídicos, insurgiu a necessidade impor maior segurança e de instituir meios de prova mais eficientes. Daí a importância natural da atividade notarial.

Luís Paulo Aliende Ribeiro expõe as categorias de profissionais:

“Essa tarefa foi destinada a pessoas com funções diversas:

Os notarii: assemelhados a estenógrafos ou taquígrafos, que, como os escribas hebreus, costumavam escrever com notas, ou seja iniciais das palavras ou abreviaturas com significações conhecidas na praxe.

Os argentarii: espécie de banqueiros, que confeccionavam os contratos de mútuo.

Os tabularii: empregados fiscais que tinham a seu cargo a direção do censo, a escrituração e a guarda dos registros hipotecários.

Os tabelliones: verdadeiros precursores do notário moderno e que, embora imperitos no direito, eram pessoas livres, encarregadas de lavrar, a pedido das partes, os contratos, testamentos e convênios entre particulares”(RIBEIRO, Luís Paulo Aliende. Regulação da função pública notarial e de registro. – São Paulo : Saraiva, 2009, p. 14).

Depreende-se que o tabelliones romano é a figura mais parecida com o Tabelião de hoje. Por isso, entendo que a nomenclatura mais adequada é Tabelião, e não Notário. Este nome tem origem no notarii, que tinha função de taquígrafo, e escreviam por notas, ou seja, por abreviações das palavras. Os Tabelliones intervinham nos negócios jurídicos, assessorando as partes e lavrando os instrumentos adequados.

Entretanto, a atividade notarial ganhou força, como profissão, com Justiniano, o imperador bizantino. Segundo Brandelli, Justiniano “...inteirado da importância do ofício dos tabeliães, quis que estes fossem peritos em direito e proporcionou muitas inovações, como a intervenção deles nos inventários, a subscrição das denúncias que visassem interromper a prescrição se faltasse magistrado no lugar, dentre outras” (Teoria Geral do direito notarial. 2. ed. São Paulo : Saraiva, 2007, página 10).

Para isso, o imperador criou determinou que os tabelliones se reunissem em corporações, as quais tinham a finalidade de formar outros profissionais, capacitando-os para exercer a atividade.

Na Idade Média, no entanto, o sistema do feudalismo impõe um sério e desastroso declínio às atividades notariais e de registro. O senhor feudal detinha todo o poder e titularidade das terras. A função de notário e registrador acabou se tornando em mero cumpridor das determinações feudais. Deixou-se de lado a formação, a capacidade técnica, para privilegiar os apadrinhados, os mais próximos.

Em razão do objetivo deste trabalho, e para que não torne exaustivo o tema, passarei a estudar a história notarial e registral no direito pátrio.

2.2. NO BRASIL

2.2.1. Do Notariado

O regramento jurídico dos tabeliães e dos registradores no Brasil foi o mesmo aplicado em Portugal, até o início do século XX. O direito português, das ordenações, era aplicado em solo pátrio.

E durante o período que compreende o descobrimento do Brasil até a edição e promulgação do Código Civil de 1916, vigoram no Brasil as Ordenações portuguesas. Daí se depreende um forte atraso do sistema notarial brasileiro neste período.

As leis portuguesas eram atrasadas, e expunham um sistema notarial enfraquecido e ultrapassado.

Foi o art. 134 do Código Civil de 1916 que primeiro regulamentou, no direito brasileiro, a temática das escrituras públicas, especialmente os seus requisitos.

E a própria função notarial era tratada como propriedade privada. Aliás, isso já era uma prática que ocorria em Portugal, e que remonta à civilização egípcia, como visto.

Enquanto na Europa, com a Lei francesa de 25 Ventoso, o notariado avançava, no Brasil continuava a ser utilizado o direito das ordenações, com as suas falhas e atrasos.

Posteriormente, com a edição da Lei nº 7.433/85 e o Decreto nº 93.240/86, o direito notarial passou a ser tratado com mais adequação ao universo de desenvolvimento das instituições jurídicas que ocorria no Brasil. Um notariado forte significa segurança jurídica, e é esse um dos objetivos do direito contemporâneo.

A Constituição Federal de 1988, no art. 236, terminou por confirmar a importância peculiar dos serviços notariais e de registros, e do profissional que os exercem, ao elevar o tema à categoria de norma constitucional.

A Lei nº 8.935/94 é um marco regulatório da atividade notarial e registral, contribuindo para garantir a identidade profissional dos tabeliães e registradores, que há muito eram relegados às leis estaduais de disciplina funcional.

2.2.2. Dos Registros Públicos

Os Registros Públicos, no Brasil, tiveram a mesma sorte do notariado. A regulamentação técnica advinha do direito português.

Até 1843 não havia um ato normativo nacional que tratasse da matéria. A Lei nº 317, daquele ano, instituiu a forma de registro das hipotecas, com o Registro Hipotecário.

Entretanto, foi em 1850, com a Lei nº 601, que o Registro Imobiliário foi inicialmente tratado em solo pátrio. Criou-se o registro do vigário, a quem incumbia a guarda e o reconhecimento da posse sobre as terras.

O Registro de Imóveis, com a conotação de garantir as transações imobiliárias e a transmissão de direitos reais, foi instituído no Brasil por meio da Lei nº 1.237/1864.

Depreende-se que a garantia aos direitos de crédito e aos direitos reais antecede ao interesse de estabelecer uma ordenação do registro da propriedade.

Diversos outros instrumentos foram editados. No entanto, o Código Civil de 1916 avançou mais em matéria de registros públicos, especialmente no que tange ao registro de imóveis. A propriedade imobiliária só é transmitida com a inscrição do título formal perante o Registro de Imóveis. O sistema registral imobiliário alemão foi adaptado à realidade brasileira.

Posteriormente, o Decreto-lei nº 1.000, de 21 de novembro de 1969, regulamentou a forma de execução dos serviços de registro. Contribuiu para o avanço técnico da atividade, consolidando as normativas pertinentes.

E, por fim, a Lei nº 6.015/73 é o ato normativo que disciplina os Registros Públicos atualmente. Constituiu verdadeiro marco na história registral nacional. Mostra-se atualizada frente às inovações tecnológicas ocorridas.


3. REGIME JURÍDICO

Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por meio de delegação do Poder Público, via concurso público de provas e títulos, e estão sujeitos à fiscalização constante do Poder Judiciário.

Essa é a orientação constitucional da atividade. E é do art. 236 que se extrai toda a regulamentação da atividade notarial e registral.

Os serviços são de titularidade pública. O Estado é titular da atividade notarial e de registro. Ao Poder Público compete proceder adelegação do exercício da atividade a particulares. A escolha constitucional, de não as exercer diretamente, se deu pela ligação histórica do exercício privado dos serviços notariais e de registro com o direito brasileiro. As vantagens da gestão privado são enormes: o Estado não precisa contratar servidores públicos para exercê-las, desonerando a folha de pagamentos; pelo exercício do poder de polícia, cada titular de delegação deve recolher taxa aos cofres públicos, de cada ato não gratuito que pratica; a gestão privada permite maiores investimentos no desenvolvimento da atividade; os avanços tecnológicos podem ser melhor acompanhados por particulares, pois a movimentação da estrutura pública demanda maior tempo; a responsabilidade civil por atos praticados é total dos particulares, isentando o Estado por qualquer atos ilícitos, exceto na hipótese de designação, sem concurso público, de pessoas para exercerem a atividade a título transitório e precário.

Ricardo Dip disserta que há “uma co-naturalidade histórica, no Brasil, entre registros públicos e gestão privada no Brasil, e uma história consagradora, de que bem dá conta a importância do aparato do registro imobiliário brasileiro” (DIP, Ricardo. Aposentadoria compulsória de registradores e notários. Revista de Direito Imobiliário. Edição nº 47, ano 22, jul/dez de 1999. São Paulo : Revista dos Tribunais).

E continua o nobre doutrinador:

“Ao registro público brasileiro é conatural, no modo histórico, a gestão indireta. Se se considera, por brevidade de causa, principalmente, o registro de imóveis, averbada sua condição arquetípica de todos os registros públicos, tem-se de logo que a Lei orçamentária n. 317, de 21-10-1843, instituindo, no Brasil, o registro hipotecário, foi regulamentada pelo Decreto imperial n. 482, de 14-11-1846, que atribuiu a tabeliães a gestão indireta da atividade registral, tabeliães que, por força das Ordenações Filipinas, eram pessoas autorizadas a “usar de Ofício de Tabelião”” (DIP, Ricardo Henry Marques. Direito administrativo registral. – São Paulo : Saraiva, 2010, p. 36 e 37).

A exigência de concurso público para o exercício de tais atividades assegura a escolha do profissional com maior habilitação técnica. Coaduna-se com a visão democrática de acesso às funções e cargos públicos. As atividades notarial e registral exigem do profissional uma grande preparação jurídica. Deve conhecer as normas federais, estaduais e locais pertinentes ao exercício da atividade e aos atos específicos praticados.

Depreende-se, assim, a coexistência da gestão privada de uma função pública. Há o regramento administrativista-constitucional da função pública, que existe simultaneamente, mas não sob o mesmo enfoque, com regras de Direito privado.

Ricardo Dip evidencia essa dúplice característica:

“...a indicação de que o serviço dos registros e das notas é público – e serviço público não quer dizer serviço estatal, mas sim um serviço que tem por escopo a consecução de um fim público: no caso, a administração pública de interesses privados, cujo objeto material é um direito privado e não um direito público” (DIP, Ricardo. Aposentadoria compulsória de registradores e notários. Revista de Direito Imobiliário. Edição nº 47, ano 22, jul/dez de 1999. São Paulo : Revista dos Tribunais).

O nobre doutrinador paulista expõe não só a coexistência de regras pertinentes ao serviço público e da gestão privada sobre a atividade em sim, mas também sobre o objeto material dos interesses privados sob os quais atuam o Tabelião e o Registrador.


4. DELEGAÇÃO E O EXERCÍCIO PRIVADO

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 236, como foi acima dito, decidiu por transferir aos particulares a execução dos serviços notariais e de registro. Optou pela tradição histórica de tais serviços no direito pátrio.

Isso denota a condição de que o Estado é o titular dos serviços notariais e de registro. A ele compete, por meio do Poder Público, a delegação do exercício da atividade.

A opção constitucional da delegação foi orientada pela noção de descentralização administrativa por colaboração.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro ensina:

“Descentralização por colaboração é a que se verifica quando, por meio de contrato ou ato administrativo unilateral, se transfere a execução de determinado serviço público a pessoa jurídica de direito privado, previamente existente, conservando o Poder Público a titularidade do serviço” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. – 24ª ed. – São Paulo: Atlas, 2011, pág. 424).

Em verdade, a descentralização por colaboração pode originar a transferência da execução de serviços públicos a pessoas físicas. É o que ocorre nos serviços notariais e de registro. Pela natureza da atividade, não há como transferi-la (a execução) a pessoas jurídicas. A fé pública é própria dos seres humanos. O poder de decisão, peculiar dos registros públicos e do notariado, depende do conhecimento e da prudência humana.

Ricardo Dip confirma:

“Embora o serviço público seja suscetível de atribuir-se a pessoas físicas e jurídicas, não se pode perder de vista que o objeto do “serviço” registral é, propriamente, uma atividade jurídica, atividade que, no mais, entranha, por essência, caráter jurisprudencial, é dizer, de julgamento jurídico de casos, além de rematar-se dação de fé pública. Os jurisprudentes constituem-se, por definição, titulares de um saber prático, prudencial, dotado de independência jurídica. Por esse aspecto, já não se desvelaria possível uma simples “delegação” da atividade registral a pessoa jurídica – que é coisa diversa de um colegiado de jurisprudentes -, sem que, em acréscimo, se radicasse, de modo expresso, a titularidade do exercício da prudência jurídico-registral (ainda que, de toda a sorte, enquanto decisão de casos, possa emanar de um órgão colegiado. O que, agora sim de modo absoluto, inibe a gestão registral por pessoa jurídica é a impossibilidade de atribuir-lhe a dação da fé pública, que é atributo próprio da potestade individual. É fácil ver que a fé pública, uma vez afirmada em dado caso não comporta dissidência do poder de sua dação; um eventual conflito interno, nessa área, implica a pronta desaparição da fé pública, que ou é firma em si própria e confere confiança sócia, ou não tem valor. Daí que, sendo comum aos juízos colegiados a existência de dissídios, não se vislumbra possível sejam eles titulares da qualidade de assinar fé pública. De fato, “fé pública” majoritária, “fé pública” divergente, não é fé pública” (DIP, Ricardo Henry Marques. Direito administrativo registral. – São Paulo : Saraiva, 2010, p. 82 a 83).

E Luís Paulo Aliende Ribeiro define o regime de descentralização dos serviços notariais e de registro:

“A função pública notarial e de registro é, por imperativo constitucional, exercida por meio de descentralização administrativa por colaboração: o Poder Público conserva a titularidade do serviço e transfere sua execução a particulares (pessoas físicas com qualificação específica e que foram aprovados em concurso público de provas e títulos) em unidades (ou feixes de competências) definidas, pela Administração, em função das necessidades dos usuários e da adequação do serviço, mediante critérios relativos ao número de atos praticados, receita, aspectos populacionais e conformidade com a organização judiciária de cada Estado da Federação. Não há mais que se falar em cartórios como unidades da estrutura administrativa do Estado, nem cargos a serem providos, tampouco quadros, classes ou carreiras” (RIBEIRO, Luís Paulo Aliende. Regulação da função pública notarial e de registro. – São Paulo : Saraiva, 2009, p. 56 e 57).

A gestão privada, ou exercício privado de funções públicas tem por consequência a liberdade da definição das diretrizes do funcionamento administrativo e financeiro da unidade cartorial.

Essa liberdade merece ser considerada como legalmente restrita. Os oficiais de registro e os tabeliães são orientados por normas positivadas. As condutas, os limites da liberdade estão previstos em lei, especialmente na Lei nº 8.935/94.

Pode-se dizer, então, que a liberdade é relativa. O profissional tem a permissão legal de gerenciar a unidade como melhor lhe convier, desde que atenda os preceitos legalmente estabelecidos, que atenda o fim público da atividade, orientado pelos princípios administrativos aplicáveis ao serviço público em geral.

É o que reza o art. 21 da citada Lei:

“Art. 21. O gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços notariais e de registro é da responsabilidade exclusiva do respectivo titular, inclusive no que diz respeito às despesas de custeio, investimento e pessoal, cabendo-lhe estabelecer normas, condições e obrigações relativas à atribuição de funções e de remuneração de seus prepostos de modo a obter a melhor qualidade na prestação dos serviços”. (grifo nosso).

A exclusividade no gerenciamento administrativo e financeiro da unidade lhes confere também, de outro lado, a exclusiva responsabilidade pelas condutas danosas praticadas. O Estado não pode ser compelido a responder por danos que o particular, inserido no regime jurídico da delegação do exercício, cometer. E essa é uma das vantagens que a delegação dos serviços notariais e de registro confere ao poder delegante: isenção de responsabilidade, exceta hipótese de atos cometidos por pessoas indicadas pelo Estado, transitória e interinamente, sem concurso público.


5. INDEPENDÊNCIA E FISCALIZAÇÃO

Como foi acima dito, o exercício privado de funções públicas acarreta a transferência ao particular de responsabilidades que antes eram, ou poderiam ser, cometidas ao poder delegante.

Ao Estado, por meio do Poder Público, compete garantir que as atividades sejam exercidas de modo a garantir a consecução das finalidades públicas da atividade, especialmente a segurança jurídica, pacificação social, prevenção de litígios, eficácia dos atos, validade, publicidade, e etc.

Assim, a própria Constituição Federal de 1988, resguardou, no parágrafo 1º do art. 236, que a fiscalização da atividade compete ao Poder Judiciário.

A natureza das atividades notariais e de registro é essencialmente jurídica. O trato com direitos e interesses privados demanda conhecimento do arcabouço legal existente em determinada localidade. O Tabelião não é se restringe a reproduzir o dito, mas vai além. Capta as vontades das partes, realiza um processo de triagem daquilo que foi dito, enquadra nas situações tipicamente previstas em lei, ou define como atípicas, e posteriormente as transpõe, se lícitas ou conformes ao direito, ao papel. Como poderia um desconhecedor do Direito declinar a legalidade de um ato ou de um negócio jurídico? Há quem possa fazê-lo, mas não me parece que isso seja recorrente.

A gestão privado dos serviços notariais e de registro não afasta a obrigatoriedade de sua fiscalização. Pelo contrário, esta existe em função daquela. O titular da atividade – Estado – tem o dever de zelar pelo seu adequado exercício, especialmente quando o concedo a terceiros. A forma pela qual o Estado orienta a fiscalização é denominada de regulação.

Quanto a isso, Hely Lopes Meirelles disserta:

“O Estado deve ter sempre em vista que o serviço público e de utilidade pública são serviços para opúblico e que os concessionários ou quaisquer outros prestadores de tais serviços são, na feliz expressão de Brandeis, publicservants, isto é, criados, servidores do público. O fim precípuo do serviço público ou de utilidade pública, como o próprio nome está a indicar, é servir ao público e, secundariamente, produzir renda a quem o explora. Daí decorre o dever indeclinável de o concedente regulamentar, fiscalizar e intervir no serviço concedido sempre que não estiver sendo prestado a contento do público a que é destinado”  (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. – 37ª ed. São Paulo : Malheiros, 2011, pág. 370).

Em verdade, o ente fiscalizador não deverá intervir apenas quando o serviço não estiver a contento do público. Corresponder às expectativas dos usuários pode ser algo muito fugaz. Deve-se, no entanto, buscar atender ao interesse da coletividade. Isso porque a atividade notarial e registral é caracterizada, muitas vezes, pela negativa da instrumentalização da vontade ou das vontades das partes. A expectativa dos usuários, nestes casos, é frustrada. A legalidade que orienta tais serviços impede a realização da vontade das partes. Condutas ilícitas, ou em desconformidade ao direito merecem ser repudiadas. Portanto, a fiscalização não deve apenas se atendar ao grau de satisfação do usuário do serviço, que muitas vezes pode não ser um bom termômetro para medir o grau de eficiência, segurança, adequação, moralidade, impessoalidade e etc, de tais serviços. Pelo contrário, deve servir como um indicador da atividade fiscalizadora, mas não o único instrumento de avaliação.

E quando se fala em fiscalização das atividades notariais e de registro, deve-se ter em mente que esta não pode ser confundida com ingerência. Ao Poder Judiciário é conferido o poder de fiscalização, o que inclui o de regulação.

Da mesma forma que aos Tabeliães e aos Registradores é aplicada uma série de restrições a atuação, ao Estado também foram definidos os limites da fiscalização.

O já citado art. 21 da Lei nº 8.935/94 é um dos limites aplicáveis ao Poder Judiciário, no exercício da atividade fiscalizadora.

A independência é uma garantia aos titulares das delegações públicas em comento. E essa independência pode ser dividia em administrativa e jurídica.

A primeira define a forma de gestão da atividade concedida. Ao profissional compete a gestão administrativa e financeira da unidade. Assim, as regras internas, o número de empregados, o número de substitutos, a quantidade de equipamentos de informática, o local de instalação da sede do serviço (em alguns Estados, a própria lei estadual de criação determinação o local), a cor do ambiente, o papel utilizado, o uniforme, enfim, praticamente toda a parte administrativa da unidade compete ao Oficial delegado.

Como já exposto acima, isso configura uma garantia para o próprio Estado, que se isenta de qualquer relação de gestão frente à unidade. Obviamente que o titular da delegação deve respeitar as leis aplicáveis aos empregados, aos consumidores, normas municipais de posturas e etc. E isso está diretamente ligado à gestão privada. A independência sempre vem acompanhada de responsabilidades.

Ainda, a independência pode ser configurada sob o aspecto jurídico. O art. 28 da Lei nº 8.935/94 positiva tal característica:

“Art. 28. Os notários e oficiais de registro gozam de independência no exercício de suas atribuições, têm direito à percepção dos emolumentos integrais pelos atos praticados na serventia e só perderão a delegação nas hipóteses previstas em lei”.

Daí é extraída a noção de que para o exercício da atividade notarial e de registro é assegurada a independência em relação às atribuições que lhes são peculiares. Significa que não pode haver interferências no exercício da função. É uma garantia para o livre exercício de tais funções, sem que se submeta a sucumbir às pressões de quem quer que seja.

Novamente, Ricardo Dip brilhantemente leciona:

“O modelo de independência jurídica do registrador e do notário, como foi antecipado, ajusta-se, entre nós, ao direito posto: notário e oficial de registro são ‘profissionais do direito’, ‘dotados de fé pública’ (art. 3º, Lei 8.935, de 18.11.1994), gozando ‘de independência no exercício de suas atribuições’ (art. 28, Lei cit.). Daí que, submetidos à legalidade, têm o dever de observar ‘as normas técnicas estabelecidas’ pelo Poder que o fiscaliza (inc. XIV, art. 30, Lei cit.). Esse modelo, fundado em uma sólida teoria dos saberes jurídicos, corroborado pela tradição e compaginado, pois, com o direito posto – incluso o constitucional -, não se compatibiliza, é verdade, com o fato da poietização da profissão jurídica dos notários e registradores, nem com o fato da administravização do objeto jurídico primeiro de sua tarefa: a autonomia de vontades contratantes, no caso dos notários, e a propriedade privada, no dos registradores. Tampouco o paradigma da independência jurídica de oficiais de registro e tabeliães e acomodável ao fato de comumente entender-se que a mais rigorosa das punições administrativas a eles cominadas, a perda de delegação, esteja ligada a um simplíssimo elemento normativo de tipo – a falta grave -, sem menção da conduta que o carregue” (DIP, Ricardo Henry Marques. O paradigma da independência jurídica dos registradores e dos notários. Revista de Direito Imobiliário n. 42, set/dez de 1997. – São Paulo : Revista dos Tribunais, página 5).

E a independência jurídica também diz respeito à qualificação dos atos judiciais. O Tabelião e Registrador devem decidir sempre pela legalidade, mesmo que estejam realizando determinado ato sob autorização, solicitação, requisição ou determinação judicial. A negativa da prática do ato é ínsita à atividade jurídica. A qualificação notarial e registral é o meio pelo qual o profissional analisará a legalidade do ato. Se legal, praticasse o ato desejado pela parte. Se ilegal, rejeitasse a pratica, expondo os motivos da negativa. Sem consequências maiores do que a revisão judicial-administrativa de seus atos. Essa é a verdadeira independência jurídica dos notários e dos registradores: a consequência de seus atos deve estar restrita aos limites dos procedimentos legalmente previstos para a insurgência dos usuários. Não há que se falar em responsabilidade disciplinar do oficial que pratica atos em conformidade com o direito.

Sobre isso, Luiz Egon Richter disserta:

“Para que o exercício da função qualificadora possa ser cumprida é imprescindível que o Notário e o Registrador tenham liberdade decisória, sem nenhum tipo de condicionamento, seja de ordem política, econômica, burocrática e corporativa. O condicionamento ao qual os Notários e Registradores estão sujeitos é o da ordem jurídica” (RICHTER, Luiz Egon. Da qualificação notarial e registral e seus dilemas. In Introdução ao direito notarial e registral; coordenação Ricardo Dip. – Porto Alegre : IRIB : Fabris, 2004, página 193).

Pode-se dizer que a independência jurídica do notário e do registrador constituiu o maior instrumento de consecução do segurança jurídica peculiar a tais serviços. As intempéries próprias dos gostos e desgostos dos seres humanos podem gerar manifestações de diversas formas. O descontentamento com determinadas condutas ou práticas pode incitar situações constrangedoras. E isso é inerente a qualquer atividade qualificadora. O Poder de decisão acompanha uma carga natural de pressão. A forma pela qual os notários e os registradores garantem o livre exercício das atividades notarial e registral é a independência jurídica. Devem seguir, primeiramente, a lei, e em segundo plano, as suas próprias convicções.

Ainda, pode-se dizer que quando o Oficial público age com respaldo na lei, no caso, na Lei nº 8.935/94 e as demais aplicáveis a cada ato específico, não pode ser forçado, ou pressionado a executado. Assim, não pode ser condenado por crime de desobediência quando age com respaldo na lei ou em orientações normativas.

 


6. SERVICO PÚBLICO

A definição comumente difundida no meio jurídico, sobre serviço público, é a de Celso Antônio Bandeira de Mello.

Vejamos:

“Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelas administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais -, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. – 28ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, página 679).

Maria Sylvia Zanella Di Pietro expõe o conceito de serviço público que julga mais correto, após discorrer sobre o serviço público em sentido amplo e em sentido restrito:

“Daí a nossa definição de serviço público como toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. – 24ª ed. – São Paulo: Atlas, 2011, pág. 424).

Depreende-se que ambos os doutrinadores concordam que o serviço público exige uma atividade materialmente fruível pelos usuários ou administrados.

Os serviços notariais e de registro exercem atividade tipicamente jurídica. Materialmente não oferecem uma atividade que possa ser fruída pelos administrados. Dessa forma, para os nobres doutrinadores citados não poderiam ser enquadrados no conceito de serviço público.

Com o devido respeito, discordo do conceito exposto pelos citados doutrinadores, e filio-me à posição adotada por Hely Lopes Meirelles e Edmir Netto de Araújo.

Vejamos a posição do primeiro administrativista:

“Serviço público é todo aquele prestado pela Administração Pública ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniências do Estado” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. – 37ª ed. São Paulo : Malheiros, 2011, pág. 364 e 365)

Edmir Netto de Araújo assim conceitua os serviços públicos:

“...serviço público é toda atividade exercida pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, para a realização direta ou indireta de suas finalidades e das necessidades ou comodidades da coletividade, ou mesmo conveniências do Estado, tudo conforme definido pelo ordenamento jurídico, sob regime peculiar, total ou parcialmente público, por ele imposto” (ARAUJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo. – São Paulo: Saraiva, 2005, página 106).

A atividade notarial e de registro é verdadeiro serviço público. Embora exercido por particulares, a atividade jurídica visa garantir segurança jurídica, paz social, fundamentos da existência do próprio Estado. Os registros públicos e os tabelionatos constituem verdadeiras necessidades da sociedade. Historicamente, tais serviços nasceram da sociedade, e não foram elaborados em bancas acadêmicas. A exigência da forma escrita para a comprovação dos negócios jurídicos impôs a existência do notariado.

Em contrario sensu, o Ministro Carlos Ayres Britto diverge:

“Numa frase, então, serviços notariais e de registro são típicas atividades estatais, mas não são serviços públicos, propriamente. Inscrevem-se, isto sim, entre as atividades tidas como função pública lato sensu, a exemplo das funções de legislação, diplomacia, defesa nacional, segurança pública, trânsito, controle externo e tantos outros cometimentos que, nem por ser de exclusivo domínio estatal, passam a se confundir com serviço público.” (ADI 3.643, voto do Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 8-11-2006, Plenário, DJ de 16-2-2007).

E continua o Ministro Carlos Ayres Britto, dissertando sobre o regime jurídico dos serviços notariais e de registro:

"Regime jurídico dos serviços notariais e de registro: a) trata-se de atividades jurídicas próprias do Estado, e não simplesmente de atividades materiais, cuja prestação é traspassada para os particulares mediante delegação. Traspassada, não por conduto dos mecanismos da concessão ou da permissão, normados pelo caput do art. 175 da Constituição como instrumentos contratuais de privatização do exercício dessa atividade material (não jurídica) em que se constituem os serviços públicos; b) a delegação que lhes timbra a funcionalidade não se traduz, por nenhuma forma, em cláusulas contratuais; c) a sua delegação somente pode recair sobre pessoa natural, e não sobre uma empresa ou pessoa mercantil, visto que de empresa ou pessoa mercantil é que versa a Magna Carta Federal em tema de concessão ou permissão de serviço público; d) para se tornar delegatária do Poder Público, tal pessoa natural há de ganhar habilitação em concurso público de provas e títulos, não por adjudicação em processo licitatório, regrado pela Constituição como antecedente necessário do contrato de concessão ou de permissão para o desempenho de serviço público; e) são atividades estatais cujo exercício privado jaz sob a exclusiva fiscalização do Poder Judiciário, e não sob órgão ou entidade do Poder Executivo, sabido que por órgão ou entidade do Poder Executivo é que se dá a imediata fiscalização das empresas concessionárias ou permissionárias de serviços públicos. Por órgãos do Poder Judiciário é que se marca a presença do Estado para conferir certeza e liquidez jurídica às relações interpartes, com esta conhecida diferença: o modo usual de atuação do Poder Judiciário se dá sob o signo da contenciosidade, enquanto o invariável modo de atuação das serventias extraforenses não adentra essa delicada esfera da litigiosidade entre sujeitos de direito; f) as atividades notariais e de registro não se inscrevem no âmbito das remuneráveis por tarifa ou preço público, mas no círculo das que se pautam por uma tabela de emolumentos, jungidos estes a normas gerais que se editam por lei necessariamente federal." (ADI 3.151, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 8-6-2005, Plenário, DJ de 28-4-2006.)

Divergindo, o Superior Tribunal de Justiça considerou como serviço público a atividade notarial e de registro:

“ADMINISTRATIVO – SERVENTIA NOTARIAL E REGISTRAL – REGIME DE DIREITO PÚBLICO – CUSTAS E EMOLUMENTOS – NATUREZA JURÍDICA DE TRIBUTO – TAXA REMUNERATÓRIA DE SERVIÇO PÚBLICO – NÃO INCIDÊNCIA DA IMPENHORABILIDADE LEGAL CONTIDA NO ART. 649, IV DO CPC.1. O cerne do recurso especial consiste em saber, em primeiro lugar, qual a natureza jurídica das custas e emolumentos de serviços notariais e registrais, e, após a obtenção da resposta, se tais valores estão protegidos pela impenhorabilidade legal.2. As serventias exercem atividade por delegação do poder público, motivo pelo qual, embora seja análoga à atividade empresarial, sujeita-se, na verdade, a um regime de direito público. As custas e emolumentos devidos aos serventuários os são em razão da contraprestação do serviço que o Estado, por intermédio deles, presta aos particulares que necessitam dos serviços públicos essenciais prestados pelo foro judicial ou extrajudicial.3. Os valores obtidos com a cobrança das taxas e emolumentos são destinados à manutenção do serviço público cartorário, e não simplesmente para remunerar o serventuário. Se tais valores tivessem a finalidade exclusiva de remunerar o serventuário, que exerce função pública, o montante auferido não poderia exceder o subsídio mensal dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, conforme dispõe o art. 37, XI da CF.4. Sendo assim, tendo as custas e emolumentos de serviços notariais natureza jurídica tributária, na qualidade de taxas destinadas à promover a manutenção do serviço público prestado, e não simplesmente à remuneração do serventuário, não há que se falar na incidência da impenhorabilidade legal prevista no art. 649, IV do CPC.5. Não há ilegalidade, portanto, na decisão do juiz inicial que, nos autos de uma ação cautelar determinou a indisponibilidade de parte dos recursos da recorrente, obtidos na serventia em que era titular, com o garantir o ressarcimento dos danos causados ao erário, em ação de improbidade administrativa.Recurso especial improvido.(Processo: REsp 1181417/SC RECURSO ESPECIAL 2010/0032835-6, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS (1130), Órgão Julgador: T2 - SEGUNDA TURMA, Data do Julgamento: 19/08/2010, Data da Publicação/Fonte: DJe 03/09/2010).”

O Ministro Joaquim Barbosa reconhece a natureza de serviço público dos serviços notariais e de registro:

"Incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN sobre serviços de registros públicos, cartorários e notariais. Constitucionalidade. Ação direta de inconstitucionalidade ajuizada contra os itens 21 e 21.1 da Lista Anexa à LC 116/2003, que permitem a tributação dos serviços de registros públicos, cartorários e notariais pelo ISSQN. (...) As pessoas que exercem atividade notarial não são imunes à tributação, porquanto a circunstância de desenvolverem os respectivos serviços com intuito lucrativo invoca a exceção prevista no art. 150, § 3º da Constituição. O recebimento de remuneração pela prestação dos serviços confirma, ainda, capacidade contributiva. A imunidade recíproca é uma garantia ou prerrogativa imediata de entidades políticas federativas, e não de particulares que executem, com inequívoco intuito lucrativo, serviços públicos mediante concessão ou delegação, devidamente remunerados. Não há diferenciação que justifique a tributação dos serviços públicos concedidos e a não tributação das atividades delegadas." (ADI 3.089, Rel. p/ o ac. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 13-2-2008, Plenário, DJE de 1º-8-2008).

Assim, como visto, não há consenso sobre o enquadramento das atividades notariais e de registro como serviço público. Nesta obra, entretanto, posiciono-me no sentido de que tais atividades constituem verdadeiro serviço público.

 


6. ENQUADRAMENTO FUNCIONAL

O estudo da profissão do Notário e do Registrador demanda analise jurisprudencial e doutrinária. A construção, no Brasil, do enquadramento funcional de tais profissões ocorreu paulatinamente.

Inicialmente, o entendimento majoritário era voltado no sentido de que eles estavam inseridos dentro do quadro de funcionários públicos.

A Constituição Federal de 1988 tratou de forma específica dos serviços notariais e de registro. Retirou do corpo administrativo do Estado o exercício de tais funções. Escolheu o constituinte, como dito, pela delegação. O particular, o notário ou o registrador, ao exercer a atividade, o faz sob o regime jurídico administrativo do ato jurídico unilateral do Poder Público: a delegação. Não há que se falar em funcionário público por delegação. E isso é reforçado pela Lei dos Notários e Registradores.

A Lei nº 8.935/94, no art. 3º expõe que o “Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro”.

Outra passagem, já citada, corrobora a exclusão do quadro de funcionários públicos: “Art. 28. Os notários e oficiais de registro gozam de independência no exercício de suas atribuições, têm direito à percepção dos emolumentos integrais pelos atos praticados na serventia e só perderão a delegação nas hipóteses previstas em lei”.

Sobre a história do tratamento legal conferido aos Notários e aos Registradores, Narciso Orlandi explana:

“Em nosso sistema, os serviços notariais e de registro sempre foram considerados públicos. Até 1994, com a Lei 8.935, de 18 de novembro, eram prestados por pessoal vinculado ao Poder Judiciário. Embora não fossem funcionários públicos, porque não eram propriamente estatutários, também não eram celetistas. Aplicava-se-lhes o estatuto dos funcionários públicos, mas apenas supletivamente. O sistema de admissão, a estabilidade, o regime disciplinar e a aposentadoria tinham normas próprias, constantes de provimentos e resoluções do próprio Poder Judiciário. Os titulares dos serviços estavam sujeitos ao mesmo regime. Vinculados diretamente ao Poder Judiciário, contratavam seus funcionários pelas normas já referidas. Os serviços eram chamados extrajudiciais, como forma de separá-los dos serviços judiciais, isto é, daqueles ligados à atividade jurisdicional. Cartórios judiciais e cartórios extrajudiciais compunham, assim, a infra-estrutura do Poder Judiciário, cada qual com seu campo de atuação. Os estabelecimentos em que os serviços extrajudiciais eram prestados chamavam-se cartórios extrajudiciais e cartorários eram os funcionários” (ORLANDI NETO, Narciso. Serviços notariais e de registro. In: FREITAS, Vladimir Passos de (Coord.). Corregedorias do poder judiciário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, página 333).

Entendiam que tais profissionais integravam o quadro de serventuários da Justiça, e, por consequência, o quadro de funcionários do Poder Judiciário.

É o que leciona Leonardo Brandelli:

“A legislação, fonte forma primeira do ordenamento jurídico pátrio, tem comumente incluído o notário na categoria dos serventuários da Justiça, considerando-o, pois, funcionário público, o que de forma inquestionável foi fator decisivo a firmar a jurisprudência dominante, a qual seguia os preceitos legais. Assim, o Código de Organização Judiciaria do Rio Grande do Sul, instituído pela Lei n. 7.356, de 1º de fevereiro de 1980, em seu art. 90, reza: “Os serviços auxiliares da justiça são constituídos pelos ofícios que integram o Foro judicial e o extrajudicial e, bem assim, os das Secretarias dos Tribunais de Justiça”. No art. 103 do mesmo diploma legislativo tem-se o que segue: “São servidores do Foro Extrajudicial: ... II – sob regime privatizado de custas: 1 – Tabeliães” (BRANDELLI, Leonardo. Teoria Geral do direito notarial. 2. ed. São Paulo : Saraiva, 2007, página 48).

Foi a Lei nº 8.935/94 que tratou de tentar enquadrar os notários e os registradores fora da Administração Pública direta ou indireta, colocando-os em um campo próprio. E a delegação, o regime jurídico da transferência da execução dos serviços públicos em comento é a chave, como dito, para a solução do impasse.

Em verdade, o Tabelião e o Registrador pertencem à categoria dos particulares em colaboração com o Poder Público.

O art. 236, da Constituição Federal de 1988 expõe que tais serviços serão prestados por particulares, por delegação do Poder Público.

Na classificação doutrinária de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

“Nesta categoria entram as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado, sem vínculo empregatício, com ou sem remuneração. Podem fazê-lo sob títulos diversos, que compreendem: 1. Delegação do Poder Público, como se dá com os empregados das empresas concessionarias e permissionárias de serviços públicos, os que exercem serviços notariais e de registro (art. 236 da Constituição), os leiloeiros, tradutores e intérpretes públicos; eles exercem função pública, em seu próprio nome, sem vínculo empregatício, porém sob fiscalização do Poder Público. A remuneração que recebem não é paga pelos cofres públicos mas pelos terceiros usuários do serviço” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. – 24ª ed. – São Paulo: Atlas, 2011, pág. 533 e 534).

Segundo o conceito de servidor público exposto pelo mesmo doutrinador, os Tabeliães e Registradores não podem ser considerados servidores públicos, pois não são remunerados pelos cofres públicos e não possuem vínculo empregatício com o poder delegante. Para ele, “são servidores públicos, em sentido amplo, as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e às entidades da Administração Indireta, com vínculo empregatício e mediante remuneração paga pelos cofres públicos” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. – 24ª ed. – São Paulo: Atlas, 2011, pág. 528).

Pertencem, no entanto, ao quadro de agentes públicos. É o que leciona Celso Antônio Bandeira de Mello:

“Esta expressão – agentes públicos – é a mais ampla que se pode conceber para designar genérica e indistintamente os sujeitos que servem ao Poder Público como instrumentos expressivos de sua vontade ou ação, ainda quando o façam apenas ocasional ou episodicamente.

Quem quer que desempenhe funções estatais, enquanto as exercita, é um agente público. Por isto, a noção abarca tanto o Chefe do Poder Executivo (em quaisquer das esferas) como os senadores, deputados e vereadores, os ocupantes de cargos ou empregos públicos da Administração direta dos três Poderes, os servidores das autarquias, das fundações governamentais, das empresas públicas e sociedades de economia mista nas distintas órbitas de governo, os concessionários e permissionários de serviço público, os delegados de função ou ofício público, os requisitados, os contratados sob locação civil de serviços e os gestores de negócios públicos.

Dentre os mencionados, alguns integram o aparelho estatal, seja em sua estrutura direta, seja em sua organização indireta (autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações governamentais). Outros não integram a constelação de pessoas estatais, isto é, são alheios ao aparelho estatal, permanecem exteriores a ele (concessionários, permissionários, delegados de função ou ofício público, alguns requisitados, gestores de negócios públicos e contratados por locação civil de serviços)” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. – 28ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, página 244 e 245).

E o nobre doutrinador classifica os Tabeliães e os Registradores como integrantes da classe dos particulares em colaboração com a Administração. Diverge de Maria Sylvia Zanella Di Pietro apenas quanto ao aspecto de que tais profissionais agem em colaboração com a Administração, e não com o Poder Público, como defendido por esta doutrinadora.

Vejamos as colocações de Celso Antônio Bandeira de Mello, que disserta com certa profundidade sobre o tema, que merecem ser colacionadas na íntegra, pois constituem verdadeiro norte administrativista da matéria aqui abordada:

“Esta terceira categoria de agentes é composta por sujeitos que, sem perderem sua qualidade de particulares – portanto, de pessoas alheias à intimidade do aparelho estatal (com exceção única dos recrutados para serviço militar) -, exercem função pública, ainda que às vezes apenas em caráter episódico.

Na tipologia em apreço reconhecem-se:

(...)

e) delegados de função ou ofício público, que se distinguem de concessionários e permissionários em que a atividade que desempenham não é material, como a daqueles, mas é jurídica. É, pois, o caso dos titulares de serventias da Justiça não oficializadas, como notários e registradores, ex vi do art. 236 da Constituição, e, bem assim, outros sujeitos que praticam, com o reconhecimento do Poder Público, certos atos dotados de força jurídica oficial, como ocorre com os diretores de Faculdades particulares.

Anote-se que cada “serviço” notarial ou registral, constitui-se um plexo unitário, e individualizado, de atribuições e competências públicas, constituídas em organização técnica e administrativa, e especificadas quer pela natureza da função desempenhada (serviços de notas e de registro), quer pela área territorial onde são exercidos os atos que lhes correspondam.

Inobstante estejam em pauta atividades públicas, por decisão constitucional explícita elas são exercidas em caráter privado por quem as titularize, como expressamente o diz a Constituição no artigo referido.

Tal titularizaçãoprocede, consoante igualmente explícita dicção constitucional, de um ato de “delegação”. A delegação – justamente por sê-lo – não se confunde com uma simples habilitação, ou seja, com um ato meramente recognitivo de atributos pessoais para o desempenho de funções de tal gênero. Dita habilitação (aferida no concurso público que a precede, cf. § 3º do art. 236 da CF e que, demais disto, aponta o melhor dos candidatos) é apenas um pressuposto da investidura nas funções em causa” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de.Curso de Direito Administrativo. – 28ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, página 250, 251 e 252).

Hely Lopes Meirelles enquadra tais profissionais dentro da categoria de agentes públicos delegados.

Vejamos:

“Agentes delegados: são particulares – pessoas físicas ou jurídicas, que não se enquadram na acepção própria dos agentes públicos – que recebem a importância da execução de determinada atividade, obra ou serviço público e o realizam em nome próprio, por sua conta e risco, mas segundo as normas do Estado e sob a permanente fiscalização do delegante. Esses agentes não são servidores públicos, nem honoríficos, nem representantes do Estado; todavia, constituem uma categoria à parte de colaboradores do Poder Público. Nessa categoria encontram-se os concessionários e permissionários de obras e serviços públicos, os serventuários de ofícios ou cartórios não estatizados, os leiloeiros, os tradutores e intérpretes públicos; as demais pessoas que recebam delegação para a prática de alguma atividade estatal ou serviço de interesse coletivo” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. – 37ª ed. São Paulo : Malheiros, 2011, pág. 81 e 82).

Entretanto, melhor se adequa às características de tais profissionais a nomenclatura de profissões públicas independentes. Isso não afasta a classificação tradicional acima exposta, apenas a específica.

É que afirma Luís Paulo Aliende Ribeiro:

“Caracteriza-se, por opção do constituinte originário, o exercício privado de funções públicas, as quais, no caso das notas e dos registros, são desempenhadas de forma singular por integrantes do que pode chamar, com amparo nas doutrinas espanhola e portuguesa, de profissões oficiais ou profissões públicas independentes e que se inserem na ampla categoria de agentes públicos, nos termos acolhidos de forma pacífica pela doutrina brasileira de direito administrativo, que sempre os reconheceu como particulares em colocação com o Poder Público...” (RIBEIRO, Luís Paulo Aliende. Regulação da função pública notarial e de registro. – São Paulo : Saraiva, 2009, p. 80).

 E Ramón Parada disserta:

“A caballo entre lasprofesionesliberales y los funcionários propriamente dichos se encuentramotras categorias de personal, a las que cuadraperfectamenteelcalificativo de profesionesoficiales, como los notários y los Registradores de laPropriedad. Suregulacion básica está contenida em laleydel Notariado y em laLey Hipotecaria y Reglamentos que ladesarrollan. Todos ellosson selecionados y nombrados por el Estado, a través, normalmente, del sistema de oposición, pero desempeñamsufuncion de forma similar a losprofesionalesliberales, pues no percibensuretribucion a cargo de lospresupuestosdel Estado, sino diretamente de los particulares por médio de um arancel que se apruebareglamentariamente”. (PARADA, Ramón. Derecho administrativo II – organización y empleo público. 17ª ed. Madrid: Marcial Pons, 2004, página 437)


7. CONCLUSÃO

É possível afirmar que a característica mais marcante no regime jurídico administrativo aplicável aos notários e aos registradores é a independência.

A Constituição Federal de 1988, no art. 236, deixou explícito que a tais profissionais é garantida a independência.

E ela pode ser dividida no aspecto de gerenciamento administrativo e financeiro da unidade notarial e registral, e no aspecto jurídico.

O Tabelião e o Registrador tem o direito de livremente gerenciar a unidade que lhes foi delegada. Obviamente que essa liberdade é restrita às disposições legais, e deve ser exercida dentro do que é adequado para o exercício privado de funções públicas. Portanto, o norte sempre será o bem público, o interesse público.

A independência jurídica de tais profissionais é um dos pilares para o cumprimento das disposições legais aplicáveis aos serviços notariais e de registro. Isto porque, como profissionais públicos independentes que são, os Notários e os Registradores não podem sofrer ingerências quaisquer.

É natural do ser humano que a frustração de determinada expectativa nos incite a agir de forma fora dos padrões da correção. E isso se aplica tanto para os indivíduos de boa-fé quanto àqueles de má-fé. O que os diferencia é a maneira como enfrentará a problemática. Os primeiros entenderão, se a negativa da execução de suas expectativas foi adequada, ou seja, respaldada na lei, e buscarão alguma forma, legal, para sanar o problema. Já os segundos buscarão, naturalmente, atingir a liberdade profissional, de convicção, ou mesmo do exercício da profissão, do Tabelião e do Registrador. Com a garantia da independência, contida implicitamente na Constituição Federal, e explicitamente no art. 28 da Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, essas práticas famigeradas podem ser ignoradas.

Ainda, podemos afirmar que os titulares de delegação pública para o exercício da função notarial e de registro enquadram-se na categoria de agentes públicos, especialmente na dos particulares em colaboração com o Poder Público. Assim, por consequência, não podem sofrer sanções disciplinares que não estejam legalmente tipificadas. E não estão sujeitos à aposentadoria compulsória e ao limite remuneratório aplicável aos servidores públicos. A contraprestação dos serviços realizados é feita por meio do recolhimento dos emolumentos, os quais constituem tributo da espécie taxa.

Por fim, a classificação mais adequada para definir tais profissionais é a de profissões públicas independentes. Isso considerando que a atividade constitui em verdadeiro exercício privado de funções públicas, sempre norteada pelas suas características mais marcantes: gestão privada, delegação, e independência.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Órgãos da fé pública. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1963.

ARAUJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo. – São Paulo: Saraiva, 2005.

BRANDELLI, Leonardo. Teoria Geral do direito notarial. 2. ed. São Paulo : Saraiva, 2007.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. – 24ª ed. – São Paulo: Atlas, 2011.

DIP, Ricardo. Aposentadoria compulsória de registradores e notários. Revista de Direito Imobiliário. Edição nº 47, ano 22, jul/dez de 1999. São Paulo : Revista dos Tribunais.

DIP, Ricardo Henry Marques. Direito administrativo registral. – São Paulo : Saraiva, 2010.

DIP, Ricardo Henry Marques. O paradigma da independência jurídica dos registradores e dos notários. Revista de Direito Imobiliário n. 42, set/dez de 1997. – São Paulo : Revista dos Tribunais.

GIBERT, Rafael. Notarios em la historia delderecho. Revista de Derecho Notarial, Madrid, ano 31, n. 121-122, jul/dic. 1983.

MARTINS, Cláudio. Direito notarial: teoria e prática. Fortaleza: Imprensa Universitária Federal do Ceará, 1974.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. – 37ª ed. São Paulo : Malheiros, 2011.

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ORLANDI NETO, Narciso. Serviços notariais e de registro. In: FREITAS, Vladimir Passos de (Coord.). Corregedorias do poder judiciário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

PARADA, Ramón. Derecho administrativo II – organización y empleo público. 17ª ed. Madrid: Marcial Pons, 2004.

RIBEIRO, Luís Paulo Aliende. Regulação da função pública notarial e de registro. – São Paulo : Saraiva, 2009.


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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAES, José Eduardo de. Serviços notariais e de registro e a vinculação com o regime jurídico administrativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3719, 6 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25232. Acesso em: 19 abr. 2024.