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A possibilidade de configuração de vínculo empregatício entre cooperativas e cooperados ou entre cooperados e terceiros

A possibilidade de configuração de vínculo empregatício entre cooperativas e cooperados ou entre cooperados e terceiros

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Muitas cooperativas são criadas a fim de proporcionar, apenas, mão-de-obra barata às grandes empresas, sendo caracterizadas como pseudo-cooperativas, meras intermediadoras de trabalho. Muitas delas admitem trabalhadores como sócios, quando, na realidade, estes figuram como empregados das próprias cooperativas.

Resumo: As cooperativas de trabalho costumam admitir associados que exercem serviços em seu favor e fornecê-los como mão-de-obra para as empresas, não caracterizando vínculo empregatício entre eles e as cooperativas ou os tomadores, por força de vedação celetista. Apesar disso, parte dos Tribunais brasileiros e da doutrina tem admitido a formalização da relação de emprego quando os seus requisitos se encontram preenchidos e quando há fraude na constituição das associações laborais, protegendo os direitos dos obreiros. Dessa maneira, pretende este trabalho analisar o modo como estas relações laborais se desenvolvem e a formação ou não do vínculo empregatício em favor dos associados. 


1 INTRODUÇÃO

As empresas, na gerência de suas atividades, buscam, além da sua inserção, a manutenção de seus serviços no mercado financeiro e consumidor, visando alternativas que permitam a competição em paridade com as demais e o ganho incessante de lucros e dividendos. Para a obtenção de êxito nesta empreitada, elas procuram dinamizar os seus investimentos, direcionando-os para locais que lhe proporcionem maiores vantagens, seja a partir de uma menor tributação, de garantias de incentivos fiscais, seja em lugares com baixos encargos trabalhistas.

Uma espécie de destino para a aplicação do capital dessas empresas e um dos mais procurados, tendo em vista a facilidade para implantação, o baixo custo de manutenção e a alta possibilidade de retorno, são os locais em que o valor da contratação de trabalhadores é inferior aos demais. Dessa maneira, com parcos investimentos em mão-de-obra barata, permite-se que o investidor apresente ao mercado produtos ou serviços com preço final reduzido, garantindo-se a concorrência e a superação sobre as demais empresas do mesmo ramo.

Além da procura por lugares que oferecem poucas despesas com encargos trabalhistas, as empresas buscam, como forma de reduzir ainda mais os seus gastos, a terceirização e outras formas de contratação do trabalho, que, em muitas situações, significam a diminuição do valor da mão-de-obra obreira e a desobrigação dos investidores para com o pagamento de direitos laborais.

O grande problema dessa conjuntura empresarial ocorre quando a contratação da mão-de-obra se disfarça de aparente legalidade para burlar a responsabilidade em relação aos encargos trabalhistas. Tais manobras têm como pretexto, muitas vezes, o excesso de regulamentação legal, que desestimula a contratação adequada de mão-de-obra e incita os acordos sem reconhecimento de vínculo empregatício. Além disso, essa dissimulação obtém êxito, entre outras razões, pelo desamparo ao obreiro da legislação trabalhista, que, em determinados casos, não o protege adequadamente ou não prevê soluções para situações mais graves.

Entre estes casos se localiza a contratação do trabalho por meio das cooperativas, onde muitos setores empresariais terceirizam a sua mão-de-obra através de acordos com as cooperativas de trabalho. Estas fornecem os trabalhadores necessários à atividade, que são a elas associados, enquanto aqueles recebem o serviço, não se responsabilizando pelo pagamento do labor e de suas decorrentes verbas trabalhistas, que ficam a cargo da cooperativa.

O problema acontece quando os obreiros associados ofertados pelas cooperativas de trabalho exercem suas atividades de modo a desenvolver e a caracterizar o vínculo empregatício com a empresa tomadora de serviço. O conflito também surge quando as próprias cooperativas admitem pessoas que, na qualidade de associadas, laboram para a entidade com os caracteres do vínculo empregatício. Ocorre que essas relações de trabalho não são reconhecidas pelas normas celetistas como relações de emprego, que vedam a sua caracterização entre a sociedade cooperativa e seus associados e entre estes e os tomadores dos serviços.

Apesar deste impedimento legal, alguns Tribunais brasileiros e parte da doutrina começam a entender que, a despeito de opiniões divergentes, uma vez caracterizada a relação de emprego entre associados e tomadores, a partir do preenchimento de seus requisitos, deve ser reconhecido o vínculo empregatício, além de garantir todos os direitos dele decorrentes e o dever da empresa tomadora de serviço pelo seu pagamento, como forma de proteger o trabalhador de possíveis fraudes na constituição da cooperativa de trabalho, onde não teria aplicação a norma contida no parágrafo único do artigo 442 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Um importante avanço no combate a estas fraudes é encontrado na edição da Lei 12.690 de 19 de julho de 2012, que impede, expressamente, a utilização das cooperativas de trabalho para intermediação de mão-de-obra subordinada.

Engendradas estas considerações, é neste cenário que se desenrola o presente estudo, objetivando promover o debate sobre as cooperativas de trabalho, no tocante à possibilidade ou não de contratação dessas entidades para a prestação de atividades-meio e atividades-fim da empresa beneficiária do serviço, verificando-se a caracterização ou não da relação empregatícia entre os associados e as cooperativas, ou os tomadores.

O tema é oportuno pelas hodiernas modificações nas normas trabalhistas, que tem gerado bastantes discussões sobre a existência do citado vínculo de emprego. O debate proposto contribui para análises de problemas reais, estudando-se se a proteção ao trabalhador restringe-se às relações empregatícias ou se deve ser tomada em relação a todas as atividades laborativas.


2 CONCEITO DE COOPERATIVA

A palavra “cooperação” é proveniente do latim cooperatio, que significa ação de cooperar, prestação de um auxílio para um fim comum. Por sua vez, a palavra “cooperativa” vem do latim cooperativus, de co operari, com acepção de obra em comum. A partir disso, ao longo do tempo, vários conceitos foram engendrados na legislação de vários países, entre eles o Brasil.

A Lei de Cooperativas da Alemanha de 1889 conceitua as cooperativas como sociedades nas quais o número de sócios é variável, com objeto de fomentar a produção ou o consumo de seus associados por meio de uma empresa comum. Na Espanha, em 1999, a Lei Estatal 27 estabeleceu que a cooperativa é uma sociedade constituída por pessoas que se associam, em regime de livre adesão e voluntariamente, para a realização de atividades empresariais, encaminhadas a satisfazer suas necessidades e aspirações econômicas e sociais.

O Estatuto Francês de Cooperação, datado de 1947, entendeu as cooperativas como sociedades com finalidades essenciais de reduzir, em benefício de seus membros e por seus esforços comuns, o preço de custo de determinados produtos e serviços, assumindo a função dos empresários ou intermediários, e melhorar a qualidade comercial dos produtos fornecidos a seus membros. Já o Código Cooperativo de Portugal, elaborado em 1996, definiu as cooperativas como pessoas coletivas autônomas, de livre constituição, de capital e composição variáveis, que, pela mútua ajuda de seus membros, buscam a satisfação das necessidades econômicas e sociais, sem fins lucrativos.

No Brasil, o Decreto 22.239 de 1932 definiu as cooperativas como aquelas constituídas entre operários de uma determinada área, visando melhorar os salários e as condições pessoais de trabalho, sem a intervenção de um patrão ou empresário. Para Martins (2008, p. 37), a palavra “operário”, empregada nesta definição, significa um trabalhador subordinado, enquanto a palavra “salários” alude a contrato de trabalho, e não a trabalhadores autônomos e eventuais.

O artigo 3º da Lei 5.764 de 1971 dispõe que celebram contrato de sociedade cooperativa “as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro”. De acordo com este diploma legal, as cooperativas são sociedade de pessoas com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas à falência e constituídas para prestar serviços aos associados.

A Recomendação 193 da Organização Internacional do Trabalho considera que o termo cooperativa significa associação autônoma de pessoas que se unem voluntariamente para “atender a suas necessidades e aspirações comuns, econômicas, sociais e culturais, por meio de empreendimento de propriedade comum e de gestão democrática”.

Vários conceitos sobre cooperativas são estruturados também pela doutrina. De acordo com Almeida (1998, p. 342), sociedade cooperativa é a sociedade de pessoas, com capital variável, que se propõe, mediante a cooperação de todos os sócios, a um fim econômico. Para Carrion (1999, p. 167), cooperativa é a associação voluntária de pessoas que contribuem com seu esforço pessoal ou suas economias a fim de obter vantagens que o agrupamento possa propiciar.

Da mesma forma, define Frediane (2000, p. 34) que trata-se a cooperativa de “uma sociedade de pessoas, que, voluntariamente, se associam, juntando sua economias e esforços, para a concretização de um objetivo comum, seja na área de produção, consumo, trabalho etc”.

Outrossim, Maior (2000, p. 322) leciona:

As cooperativas são sistemas de ajuda mútua em que pessoas que possuem necessidades comuns associam-se, voluntariamente para, mediante o exercício de um esforço conjunto e eliminando intermediário, satisfazer essas necessidades. As cooperativas têm um fim econômico porque visam à melhoria da situação econômica de seus membros, mediante um escopo puramente mercantil, o que as distingue das demais atividades empresárias.

Resumidamente, Martins (2008, p. 39) define as cooperativas como “sociedade de pessoas que tem por objetivo a organização de esforços em comum para a consecução de determinado fim”.

A partir dos pontos comuns entre estes conceitos, é possível dizer que as cooperativas são sociedades de pessoas, que, através de iniciativa comum, objetivam uma determinada finalidade, não importando o capital para a configuração da sociedade. Assim, a sociedade cooperativa é intuiti personae, não havendo hierarquia entre seus membros, mas um regime de colaboração. Neste regime, todos os cooperados buscam ajuda mútua para atingir o fim comum de melhores condições econômicas, financeiras e sociais, visando garantir e preservar a dignidade dos trabalhadores enquanto pessoa humana.

2.1 Natureza Jurídica

A cooperativa possui, em muitos aspectos, natureza dúbia, tendo em vista a sua infinidade de conceitos legais e doutrinários. É uma sociedade de pessoas, mas não é exatamente uma empresa. Não tem renda ou lucro, mas tem sobras. Não tem faturamento, mas são tributadas pela Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social e pelo Programa de Integração Social.

Desde o Decreto 22.239 de 1932, já se verifica que a natureza jurídica da cooperativa é de sociedade, porém o referido diploma não a definiu como sociedade civil ou comercial, levando a entender que sua natureza era sui generis.

Pela análise da Lei 5.764 de 1971, que fala em contrato de sociedade cooperativa, infere-se a sua natureza contratual. Esta mesma lei afirma que as cooperativas são sociedades de pessoas, ressaltando como aspecto essencial o relacionamento entre os sócios. Indica, ainda, em seu artigo 4º, que as cooperativas possuem forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, constituídas para prestar serviços aos associados. Desse modo, colocando que as cooperativas têm forma e natureza jurídica própria e natureza civil, “a cooperativa no Brasil passou a ser a única sociedade com duas naturezas diferentes” (BULGARELLI, 2000, p. 259).

Apesar disso, conclui Martins (2008, p. 47) que a natureza da cooperativa é civil, e não comercial, com objetivo de prestar serviços aos associados, e não a prestação para qualquer pessoa visando lucro. Além disso, na cooperativa, a subscrição do capital não é o elemento essencial para demonstrar a condição associativa. Por fim, ainda segundo Martins (2008, p. 48), possui a cooperativa a natureza de pessoa jurídica de direito privado.

Por sua vez, afirma Almeida (1998, p. 346):

A sociedade cooperativa não se confunde com as sociedades comuns, exatamente por faltar-lhe finalidade especulativa, embora não seja o lucro incompatível com a sua natureza. Muito ao contrário, o lucro está para a cooperativa na mesma situação em que está para as empresas públicas, constituindo-se em mera decorrência de uma gestão profícua, mesmo porque, como já observamos, dificilmente manter-se-á uma sociedade cooperativa deficitária.

Diante de todos estes posicionamentos, pode-se dizer que a natureza jurídica das cooperativas ainda é controvertida e amplamente discutida por estudiosos da matéria e por legisladores.

2.2 Objetivos e Princípios das Cooperativas

Não se pode confundir o objetivo das cooperativas com o seu objeto. Este pode ser de qualquer natureza ou atividade, como consumo, serviços ou de trabalho, entre outros. Aquele é a prestação de serviços aos seus associados, visando à melhoria de sua condição econômica, eliminando o intermediário. Apesar disso, é possível que a cooperativa ofereça os seus serviços a não-associados, desde que esteja entre os seus objetivos sociais e em conformidade com a lei.

Prelecionam Ricciardi e Lemos (2000, p. 31):

Deste modo, a solidariedade, indiscutivelmente, é a base da cooperativa. Não importa que, na realidade, cada cooperado tenha seus objetivos e planos individuais (e não poderia ser diferente); o mais importante, no caso da cooperativa, é que todos escolheram essa associação como o instrumento através do qual poderiam facilmente atingir seus propósitos. 

Não objetiva a cooperativa o retorno do capital investido, mas a conciliação de esforços e economias para a concretização dos fins do grupo, buscando conseguir trabalho para os associados. Envolve também a cooperativa uma atividade econômica, pois representa um complexo organizacional dos fatores da produção, gerando bens e serviços. Além disso, possui finalidade social, que é a ajuda mútua entre os cooperados, com igualdade de oportunidades.

Na criação da cooperativa de Rochdale, em 1843, na Inglaterra, foram estabelecidos como princípios a livre adesão, a gestão democrática, a distribuição das sobras líquidas, o retorno proporcional às operações, taxa limitada de juros sobre o capital, a constituição de um fundo de educação, a ativa cooperação entre os associados e a neutralidade política e religiosa. Em 1966, a maior parte desses princípios foi adotada pela Aliança Cooperativa Internacional, não aceitando como filiadas as cooperativas que não os aplicassem.

A Constituição Brasileira de 1988 traz, em seu artigo 5º, inciso XX, o princípio da livre adesão, ao afirmar que ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado.

A gestão democrática mostra que as cooperativas são geridas pelos próprios sócios, que participam ativamente na fixação de suas políticas e tomadas de decisões. O retorno das sobras é a distribuição pro rata das transações. Os sócios contribuem equitativamente para a formação do capital da sociedade, recebendo juros limitados a este capital.

Há, ainda, o princípio da dupla qualidade, pelo qual o cooperado é tanto sócio quanto destinatário do serviço da cooperativa. Neste sentido, leciona Delgado (2006, p. 329):

Isso significa que, para tal princípio, é necessário haver efetiva prestação de serviços pela Cooperativa diretamente ao associado e não somente a terceiros. Essa prestação direta de serviços aos associados/cooperados é, aliás, conduta que resulta imperativamente da própria Lei de Cooperativas (artigo 6º, I, Lei n. 5764/70).

De fato, segundo a lei, as cooperativas singulares (que não se confundem com as “cooperativa centrais” ou “federações de cooperativas” ou, ainda, “confederações de cooperativas” – artigo 6º, II e III, Lei das Cooperativas) “... se caracterizam pela prestação direta de serviços aos associados” (artigo 7º, Lei n. 5764/70). Na mesma linha, enfatiza o artigo 4º deste diploma que as cooperativas singulares são “constituídas para prestar serviços aos associados”.

Objetiva, desse modo, o princípio da dupla qualidade que as cooperativas destaquem-se por uma peculiaridade em face de outras associações: o próprio associado é um dos beneficiários centrais dos serviços por ela prestados.

A cooperativa é, ainda, autônoma e independente, mesmo quando firmam acordos com outras organizações, públicas ou privadas, ou quando conseguem capital de fonte externa. A autonomia e independência das cooperativas são refletidas no inciso XVIII do artigo 5º da Constituição Brasileira de 1988, no sentido de que a criação de associações e de cooperativas independe de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento.

As cooperativas preocupam-se com a comunidade, visando o seu desenvolvimento sustentável mediante políticas aprovadas por seus sócios. Buscam, ainda, através do princípio da educação, a formação de seus sócios, a fim de contribuírem de forma mais eficaz para o desenvolvimento da sociedade cooperada.

Efetivamente, a cooperativa permite que o cooperado obtenha uma retribuição pessoal em virtude de sua atividade autônoma, superior àquilo que obteria caso não estivesse associado. Esta retribuição é superior, pelo menos idealmente, àquela que obteria o cooperado caso atuasse isoladamente.

2.3 Características

A primeira característica da cooperativa, entre tantas, é a adesão voluntária de seus membros, com número ilimitado de associados, salvo impossibilidade técnica de prestação de serviços. Outra particularidade é a variabilidade do capital social, representado por cotas-partes, adaptado às entradas e saídas de pessoas.

Quanto à admissão de associados, tem-se como limite a viabilidade do bom andamento das atividades com a participação de todos os cooperados, de modo que uma cooperativa pode alcançar o âmbito nacional (FURQUIM, 2001, p. 46).

Um caractere importante é singularidade do voto, na qual cada membro corresponde a um voto. Contudo, as cooperativas centrais, federações e confederações de cooperativa, salvo as de crédito, podem optar pelo critério da proporcionalidade. Outra propriedade é o retorno das sobras líquidas do exercício, proporcionalmente às operações realizadas pelos associados. Todavia, a assembléia geral poderá destinar as sobras para outra finalidade, como reinvestimentos na própria cooperativa.

Deve a cooperativa estar pautada na neutralidade política e na indiscriminação religiosa, racial e social, não podendo ter fins de partido político. O tratamento dos associados deve ser igualitário, possuindo autonomia no desenvolvimento de suas atividades, e não subordinação, não havendo, assim, vínculo empregatício entre cooperado e cooperativa.

Como mais um aspecto das cooperativas, destaca-se o ato cooperativo, aquele realizado entre as cooperativas e seus associados no cumprimento do objeto social e consecução de seus fins institucionais da sociedade, bem como todos aqueles que as cooperativas realizem com outras pessoas. Exemplos desses atos seriam a prestação de serviços aos associados, a busca de trabalho, o gerenciamento e a administração dos serviços e a distribuição das sobras.

O ato cooperativo pode ser um ato-fim ou um ato-meio. Aquele se refere à finalidade principal da sociedade, ao seu objeto ou ramo específico de atuação. É o seu fim precípuo. Este envolve situações entre a cooperativa e o mercado, mas podem não ser essenciais da cooperativa. Pode ser dividido, por sua vez, entre ato auxiliar, como a compra de equipamentos para a realização das atividades da cooperativa, e ato acessório, como quando se compra os mesmos equipamentos para uso interno ou quando se vende bens que perderam a utilidade para a associação.


3 COOPERATIVAS DE TRABALHO: Conceito e Aspectos da Lei 12.690/2012

Conceitualmente, cooperativa de trabalho é uma reunião de pessoas com o desiderato de prestar serviços aos cooperados para a realização de uma atividade, sem fins lucrativos, baseando-se na ajuda mútua entre os sócios.

Segundo Furquim (2001, p. 50), cooperativas de trabalho são aquelas em que “trabalhadores se agrupam, organizam seu trabalho em comum, independente da atividade, cuja finalidade é afastar a figura do empregador, bem como obter melhorias das condições econômicas e das condições gerais de trabalho.

Pinho (2004, p. 130) afirma que as cooperativas de trabalho “representam um tipo de empresa alternativa, criada voluntariamente por trabalhadores”. Assim, não resultam da imposição do Estado ou de grupos econômicos, nem sequer da sustentação de importante capital.

Carrion (2005, p. 281) assevera que a “cooperativa de trabalho ou de serviços nasce da vontade de seus membros, todos autônomos e que assim continuam”. As tarefas são distribuídas com igualdade de oportunidades, repartindo-se os ganhos proporcionalmente ao esforço de cada associado.

A edição da Lei 12.690 em 19 de julho de 2012 trouxe a mais nova conceituação legal das cooperativas de trabalho. Dispõe o artigo 2º deste diploma:

Art. 2º Considera-se cooperativa de trabalho a sociedade constituída por trabalhadores para o exercício de suas atividades laborativas ou profissionais com proveito comum, autonomia e autogestão para obterem melhor qualificação, renda, situação socioeconômica e condições gerais de trabalho.

Apesar de já serem classificadas como cooperativas de trabalho, segundo Martins (2008, p. 56-57), estas podem ser subdivididas em:

a) de serviços, em que os associados prestam serviços a quem os requerer, nas diversas especialidades. São produzidos bens imateriais: serviços. O cooperado detém o know how do serviço. Na maioria dos casos, o serviço é prestado individualmente em relação a cada associado. Na maioria das vezes, os equipamentos de trabalho pertencem aos próprios trabalhadores, como no caso de médicos e dentistas. Poderiam ser exemplos as Unimeds, as Uniodontos, as cooperativas de programadores de computação. Cooperativas de serviços profissionais seriam as integradas por profissionais liberais, como médicos, advogados, engenheiros. Cooperativas de serviço seriam integradas por outros profissionais que, por exemplo, não têm formação universitária;

b) de mão-de-obra. Nestas, o objetivo é fornecer mão-de-obra para as empresas. Não possuem os fatores de produção dos serviços. Poderiam ser os exemplos das cooperativas de faxineiros, de vigilantes, de porteiros, de carregadores, de garçons etc.;

c) mistas. São mistas as cooperativas que apresentem mais de um objeto de atividades. Envolvem o fornecimento de serviços e de mão-de-obra.

Segundo a Lei 12.690 de 2012, em seu artigo 4º, as cooperativas de trabalho podem ser: a) de produção, quando constituída por sócios que contribuem com trabalho para a produção em comum de bens, detendo a cooperativa os meios de produção; e b) de serviço, quando os sócios prestam serviços especializados a terceiros, sem os requisitos da relação de emprego.

Entre os objetivos específicos das cooperativas de trabalho encontra-se a finalidade precípua de obter trabalho para os associados. Neste mesmo sentido, Mauad (2001, p. 92) ensina que o objetivo destas cooperativas é a “prestação de serviços aos seus sócios através do fornecimento de trabalho, a administração e a comercialização das tarefas por eles desempenhadas”.

O associado de uma cooperativa de trabalho é “dono do capital do empreendimento cooperativo e autogestor dos negócios comuns” (POLONIO, 2004, p. 77). Assim, tem-se por associado o trabalhador de uma mesma profissão ou de uma mesma classe, desde que tenham identidade de interesses em razão de sua atividade laborativa.

O artigo 3º da Lei 12.690 de 2012 traz um rol de princípios específicos das cooperativas de trabalho. São eles: adesão livre e voluntária, gestão democrática, participação econômica dos membros, autonomia e independência, educação, formação e informação, intercooperação, interesse pela comunidade, preservação dos direito sociais, do valor social do trabalho e da livre iniciativa, não precarização do trabalho e respeito às decisões da Assembléia.

O diploma mencionado entende que a autonomia deve ser exercida de forma coletiva e coordenada, mediante fixação, em Assembléia, das regras de funcionamento da cooperativa e a forma de execução dos trabalhos. Considera, ainda, como autogestão o processo democrático no qual a Assembléia Geral define as diretrizes para o funcionamento das cooperativas e os sócios decidem sobre a forma de execução dos trabalhos.

A Lei 12.690 de 2012 é incisiva ao determinar que as cooperativas de trabalho devam garantir aos seus sócios os seguintes direitos: retiradas não inferiores ao piso da categoria, ou ao salário mínimo, quando não houver piso estipulado; jornada de trabalho diária de até oito horas e semanal de até quarenta e quatro horas; repouso semanal remunerado, adicional sobre a retirada para trabalho noturno, insalubre ou perigoso e seguro de acidente de trabalho.

Assim como as demais, antes do advento da Lei 12.690 de 2012, as cooperativas de trabalho possuíam a sua constituição e a sua organização obedientes unicamente aos ditames da Lei 5.764 de 1971. De acordo com o artigo 14 deste diploma, “a sociedade cooperativa constitui-se por deliberação da Assembléia Geral dos fundadores, constantes da respectiva ata ou por instrumento público”.

Ainda de acordo com a mencionada lei, o ato constitutivo deve declarar, sob pena de nulidade, a denominação da entidade, sede e objeto de funcionamento, qualificação dos associados e cota de cada um, a aprovação do estatuto da sociedade etc. Embora sejam sociedades civis, os atos constitutivos devem ser registrados na Junta Comercial, a fim de adquirirem personalidade jurídica. Além disso, para o seu funcionamento, são obrigadas a registrar-se na Organização das Cooperativas Brasileiras ou na entidade estadual, se houver, mediante apresentação de seus estatutos sociais e modificações posteriores.

De acordo com a Lei 12.690 de 2012, para que a cooperativa de trabalho seja constituída, é necessário um número mínimo de sete integrantes, sendo que a admissão de sócios é limitada às possibilidades de reunião, à abrangência das operações e ao controle e à prestação dos serviços.

O trabalhador interessado em aderir à cooperativa apresentará uma carta à entidade. Em seguida, firmará termo de ciência estatutária e de disponibilidade. A sua retirada se dá por demissão, que somente pode ser solicitada pelo próprio cooperado, por exclusão, em razão de infração legal ou estatutária.

Em regra, as cooperativas são formadas por Conselho de Administração, Conselho Fiscal e Assembléia Geral. A sociedade cooperativa deve ser administrada por uma Diretoria ou Conselho de Administração, composto exclusivamente de associados eleitos pela Assembléia Geral, com mandato nunca superior a quatro anos. Este conselho é composto, em regra, por presidente, vice-presidente, secretários e dois diretores. O presidente é o representante legal da entidade, possuindo, entre outras atribuições, a função de convocar as Assembléias Gerais e as reuniões do Conselho Administrativo.

O Conselho Fiscal é o órgão responsável pela fiscalização da administração da sociedade. É constituído por associados, sendo três membros efetivos e três suplentes, eleitos anualmente pela Assembléia Geral, permitida apenas a reeleição de dois conselheiros.

De acordo com o artigo 16 da Lei 12.690 de 2012, as cooperativas de trabalho com mais de dezenove sócios poderá estabelecer em seu estatuto composição para o Conselho Administrativo e o Fiscal diferente deste diploma e da Lei 5764 de 1971, desde que assegurado o mínimo de três conselheiros fiscais.

A Assembléia Geral é o órgão supremo da cooperativa, com poderes para debater questões relativas ao objeto da sociedade e tomar as resoluções pertinentes ao seu desenvolvimento e à sua defesa. É, assim, o órgão deliberativo da cooperativa, sendo que suas decisões a todos vinculam, ainda que ausentes ou discordantes. Seu quórum legal, o modo de convocação e a maioria necessária para as deliberações são previstos no estatuto, possuindo cada associado direito a um voto, independentemente do capital social.

Pode a Assembléia acontecer de duas formas: ordinária e extraordinária. A Assembléia Geral Ordinária será realizada nos três primeiros meses após o término social e deliberará sobre prestação de contas da Diretoria, atos de gestão, sobras e rateios, eleições, entre outros temas. Cabem à Assembléia Geral Extraordinária as deliberações excepcionais, como reforma do estatuto, mudança do objeto da sociedade, dissolução voluntária etc.

A Lei 12.690 de 2012 trouxe mais um tipo de realização da Assembléia: a Assembléia Geral Especial. Esta deverá acontecer, segundo o artigo 11 da lei, pelo menos uma vez ao ano, no segundo semestre, para deliberar sobre a gestão da entidade, disciplina, direitos e deveres dos sócios, planejamento e resultado econômico dos projetos e contrato firmados e organização do trabalho.

Segundo a nova lei, para que as decisões das Assembléias Gerais sejam consideradas válidas, é necessária a aprovação da maioria absoluta dos presentes na reunião. Havendo fraude ou vício, as decisões serão nulas de pleno direito.

Na sociedade cooperativa, a responsabilidade dos associados poderá ser limitada ou ilimitada. Na primeira hipótese, o sócio somente responde subsidiariamente pelas obrigações assumidas pela cooperativa perante terceiros, limitadamente ao valor das cotas por ele integralizadas, bem como pelos prejuízos porventura verificados, na proporção das operações que tiver realizado. Na segunda hipótese, os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais. Os credores terão como garantia o patrimônio pessoal dos sócios, porém a sua responsabilidade somente poderá ser invocada após judicialmente exigida da cooperativa.

Mesmo após o seu desligamento, o sócio continua responsável pela obrigação e participação que lhe é devida, em virtude de a cooperativa ser um instrumento de melhoria na condição do cooperado, que assume individual e pessoalmente as obrigações que lhe são confiadas. Este aspecto funciona como instrumento de justiça, evitando-se o enriquecimento ilícito do sócio que se retira, não podendo auferir vantagens deixando o ônus da obrigação a outrem.


4 OS REQUISITOS ESSENCIAIS DA RELAÇÃO DE EMPREGO

A Relação de Trabalho faz referência a todas as relações jurídicas caracterizadas pela prestação de um serviço realizada, essencial e exclusivamente, pela força do labor humano. Este conceito engloba todas as modalidades de trabalho existentes, como o trabalho autônomo, o avulso, o eventual, o estágio, entre outros. A Relação de Emprego também é uma espécie do gênero Relação de Trabalho. Possui propriedades únicas e específicas, inconfundíveis com qualquer outro tipo de prestação de serviços.

A relação de emprego formaliza-se pela celebração do contrato individual de trabalho, exigindo-se um agente capaz, objeto lícito, possível e determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei. Este contrato, segundo o artigo 442 da Consolidação das Leis do Trabalho, é “o acordo tácito ou expresso realizado entre empregado e empregador”. Será expresso, portanto, quando houver estipulações recíprocas entre as partes, seja por escrito, seja verbalmente. Caso não haja acordo pré-definido, mas uma reiteração dos serviços prestados sem a oposição do tomador, o contrato será tácito.

Neste sentido, Carrion (2005, p. 279) afirma:

A simples tolerância de alguém permitindo e usufruindo o trabalho alheio terá os mesmos efeitos jurídicos do pacto expresso, se o esforço humano desenvolvido estiver cercado das mesmas características do contrato de emprego.

Dessa forma, o contrato de trabalho é o negócio jurídico pelo qual uma pessoa física se obriga, mediante remuneração, a prestar serviços, não eventuais, sob a direção de uma pessoa ou entidade. O contrato de trabalho cria a relação jurídica de emprego, formalizando-a, não podendo ser confundido com o vínculo empregatício propriamente dito. Assim, o contrato de trabalho é o instrumento da relação de emprego, e esta é o fim daquele.

Apesar de não se confundirem, é através do conceito de contrato de trabalho que são extraídos os requisitos caracterizadores da relação de emprego: continuidade ou não eventualidade, subordinação, onerosidade e pessoalidade.

4.1 Continuidade

Pela continuidade, o trabalho deve ser prestado de maneira não eventual. Assim, a relação empregatícia é um contrato de trato sucessivo, não se esvaindo com prestações determinadas, perdurando no tempo. Segundo Delgado (2006, p. 293), para que haja vínculo empregatício, é necessário que “o trabalho prestado tenha caráter de permanência, ainda que por um curto período determinado, não se qualificando como trabalho esporádico”.

Na relação empregatícia, existe a figura da habitualidade, regularidade na prestação dos serviços, que, na maioria das vezes, é feita diariamente. Martins (2010, p. 137) afirma que a habitualidade poderia ser exercida de outra forma, bastando, por exemplo, que “o empregado trabalhasse uma vez ou duas por semana, toda vez no mesmo horário, para caracterizar a continuidade da prestação de serviços”. Isso porque a CLT não usa a expressão trabalho cotidiano, diário, mas mostra continuidade, habitualidade.

4.2 Subordinação

A subordinação significa que o obreiro exerce suas atividades com dependência do empregador, por quem é dirigido, diferentemente do trabalhador autônomo, que assume os riscos de seu trabalho. O obreiro se obriga a cumprir as ordens determinadas pelo empregador, distinguindo-se da coordenação, que implica um objetivo comum das partes, havendo autonomia, inocorrente na subordinação. Sob a ótica do empregador, a contrapartida desta característica é o poder de direção.

Há várias espécies de subordinação, entre elas a: a) econômica, pela qual o empregado depende financeiramente do empregador para sua subsistência; b) técnica, dependendo o obreiro das determinações técnicas do tomador sobre a forma de desenvolvimento do trabalho; c) moral, como a obrigação de cooperar, com eficiência e lealdade, para o fim econômico da empresa; d) hierárquica, significando a posição do empregado na empresa, recebendo ordens de superiores; e) estrutural, pela qual o trabalhador não se subordina a estruturação da empresa, mas a uma pessoa, que lhe dá ordens.

Gomes e Gottschalk (2002, p. 75) reforçam a sua importância:

A subordinação do empregado é requisito não somente da prestação, como, ainda, o elemento caracterizador do contrato de trabalho, aquele que melhor permite distingui-los dos contratos afins. Sua extraordinária importância decorre do fato de ser o elemento específico da relação de emprego, cuja presença, nos contratos de atividade, facilita a identificação do contrato de trabalho propriamente dito.

Afirma Martins (2010, p. 140) a existência da telessubordinação, ou parassubordinação, em que há uma “subordinação à distância, uma subordinação mais tênue que a normal”, podendo o empregado ter controle de sua atividade por intermédio do próprio computador. A diferença entre a telessubordinação e a subordinação é que a primeira diz respeito a um regime de colaboração entre as partes, e não exatamente de subordinação, pois há autonomia na prestação de serviços. O trabalhador parassubordinado organiza a sua própria atividade, embora sob o poder de direção do empregador, podendo laborar em sua residência, de acordo com os horários de sua conveniência.

4.3 Onerosidade

A onerosidade, por sua vez, indica que o contrato de trabalho não é gratuito, recebendo o empregado a remuneração/salário pelos serviços prestados. O empregado assume a obrigação de colocar sua força laboral à disposição do empregador, enquanto este deve, em contrapartida, pagar pelos serviços recebidos. Assim é que o trabalho voluntário não tem o condão de gerar vínculo empregatício, pois não há e não se espera uma remuneração.

Delgado (2006, p. 300) reforça o entendimento:

A onerosidade manifesta-se pela intenção contraprestativa, pela intenção econômica conferida pelas partes – em especial pelo prestador de serviços – ao fato da prestação de trabalho. Existirá o elemento fático-jurídico da onerosidade no vínculo firmado entre as partes caso a prestação de serviços tenha sido pactuada, pelo trabalhador, com o intuito contraprestativo trabalhista, com o intuito essencial de auferir ganho econômico pelo trabalho ofertado.

Assim, o empregador recebe um serviço do empregado, devendo pagar-lhe uma remuneração. Se o labor for gratuito, como o do filho que lava o veículo do pai, não haverá condição de empregado do primeiro. O padre não é empregado da Igreja, pois, apesar de estar subordinado a uma hierarquia, não recebe remuneração. Porém, se o eclesiástico passa a trabalhar em uma escola ou em um hospital, não em decorrência do ofício pastoral, recebendo salário e subordinado a horário, haverá vínculo de emprego.

4.4 Pessoalidade

Através da pessoalidade, a relação de emprego é intuitu personae, ou seja, realizado com certa e determinada pessoa. Essa relação, no tocante ao trabalhador, é infungível, isto é, não pode o empregado fazer-se substituir por outra pessoa, sob pena de o vínculo formalizar-se com esta última.

Gomes e Gottschalk (2002, p. 70-71), quanto à pessoalidade, ensinam:

A pessoalidade é uma das notas típicas da prestação de trabalho. O contrato de trabalho origina para o empregado uma obrigação de fazer consistente, precisamente, na prestação do serviço convencionado pelas partes. Esta obrigação não é fungível, isto é, não pode ser satisfeita por outrem, mas tão-somente por quem a contraiu. Daí dizer-se, em relação ao empregado, que o contrato de trabalho é concluído intuito personae. Esta é a razão pela qual não tem o empregado a faculdade de prestar o serviço por intermédio de outrem. Não pode fazer-se substituir na empresa em que trabalha – salvo se o empregador consente. Mas, ainda neste caso, os efeitos do contrato se suspendem em relação à sua pessoa, para se produzirem na pessoa do substituto. A obrigação de prestar o serviço é, pois, personalíssimo e, portanto, intransmissível. Tanto que a morte do empregado dissolve, ipso facto, o contrato.

Reforça-se que o empregado deve ser pessoa física, pois não existe relação de emprego em que o trabalhador seja pessoa jurídica. Isso decorre da pessoalidade, pois não há como se garantir este requisito o empregado pudesse ser pessoa jurídica, uma vez que esta personalidade é uma ficção, não possuindo um rosto específico.

4.5 Outros Aspectos do Vínculo Empregatício

Além dos requisitos essenciais da relação de emprego, outros aspectos podem ser apontados. Um destes é que não é necessária a exclusividade da prestação de serviços pelo empregado ao empregador, podendo aquele ter mais de uma atividade, visando o aumento de sua renda. Apesar disso, a contratação sob exclusividade não desnatura o vínculo empregatício.

Também não é óbice para a configuração do vínculo o fato de o trabalhador não ser profissional ou não ter grau de escolaridade, podendo, inclusive, exercer atividade diversa daquela que é sua especialidade. Além disso, a intenção do obreiro pode ser um dos elementos subjetivos a considerar para a caracterização do contrato de trabalho. Se o trabalhador, por exemplo, tem a intenção de ser sócio da empresa, não se pode dizer que é empregado.

Há, ainda, a questão da alteridade significa que o trabalhador empregado presta seus serviços por conta de outrem, não assumindo qualquer risco do empreendimento, sendo de responsabilidade total do empregador. O obreiro até pode participar dos lucros, como no caso dos bancários, mas nunca suportar os prejuízos, arcados exclusivamente pelo tomador dos serviços.

Outra particularidade é a não exigência de que o trabalho seja prestado no estabelecimento do empregador para a configuração do vínculo empregatício, podendo ser prestado na própria residência do obreiro.

Por fim, no Direito do Trabalho prevalece o princípio da primazia da realidade sobre as formas, ou seja, deve ser considerada a situação de fato, pouco importando a forma utilizada pelo empregador. Assim, toda vez que o tomador tiver por objetivo desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação de preceito trabalhista, haverá nulidade desta situação, prevalecendo a caracterização do vínculo empregatício, se configurados os seus requisitos essenciais, como forma de garantir a proteção aos direitos laborais.

4.6 O Empregador

O artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho considera como empregador a “empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços”. O mesmo artigo equipara a empregador os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.

Para Martins (2010, p. 196), “empregador deveria ser pessoa física ou jurídica para aqueles que entendem que o empregador não é sujeito, mas objeto de direito. Assim, a partir de uma concepção mais objetiva, não é requisito para ser empregador ter personalidade jurídica, podendo sê-lo a sociedade de fato, a sociedade irregular, o condomínio edilício e as pessoas físicas.

Outras pessoas também podem ser caracterizadas como empregadores, como as pessoas jurídicas de direito público interno, as autarquias, fundações, massa falida, espólio, microempresa, empresas públicas e sociedades de economia mista.

Muitas vezes, a condição de empregador fica dissimulada, não se sabendo, realmente, se aquela pessoa possui esta qualidade. Nessas ocasiões, há a necessidade de desmascará-la, utilizando a doutrina da desconsideração da personalidade jurídica. Através desta, invade-se a personalidade jurídica de uma empresa a fim de responsabilizar pessoalmente os seus sócios pelos encargos trabalhistas.

Uma dos caracteres do empregador é assumir os riscos do empreendimento, não podendo transferir os prejuízos para o empregado, diferentemente das cooperativas, em que todos os cooperados assumem o risco do empreendimento. Outro aspecto é que não se exige do empregador o requisito da pessoalidade, sendo que o proprietário da empresa pode ser substituído, mantendo-se o vínculo de emprego. É o que ocorre, por exemplo, nas sucessões de empresa, em que a propriedade do estabelecimento é transferida a outrem deixando intactos, porém, os contratos de trabalho celebrados.


5 AS COOPERATIVAS DE TRABALHO E O VÍNCULO EMPREGATÍCIO

Adentra-se, a partir deste momento, ao ponto crucial deste trabalho, em que será analisada, sem a pretensão de esgotar o tema proposto, a possibilidade de caracterização do vínculo empregatício entre os cooperados e a cooperativa, ou entre aqueles e a empresa tomadora de serviços que obtém mão-de-obra a partir da terceirização celebrada com as associações cooperadas.

5.1 As Diferenças entre as Cooperativas e o Contrato de Trabalho

O contrato de trabalho, que formaliza a relação de emprego, conforme analisado no tópico anterior, tem por requisitos a pessoalidade, com prestação de serviços exclusivamente por pessoas físicas, a continuidade ou não eventualidade, a subordinação e a onerosidade.

A primeira distinção entre o vínculo do cooperado com a sua entidade e a relação criada a partir do contrato de trabalho é que o verdadeiro cooperado subscreve cotas do capital social e, embora seu labor não seja gratuito, assim como a relação de emprego, o pagamento por ele recebido não representa salário. Além disso, os valores auferidos pelo associado dependem do desempenho da sua produção, sendo variável, diversamente da remuneração do empregado, que tende a ser fixa.

A característica da subordinação não existe no âmbito das cooperativas. Entre os associados há uma relação de cooperação, societária, de iniciativa comum e união de esforços visando uma mesma finalidade. Todos os sócios têm a mesma condição de igualdade, diante do regime democrático que impera.

É possível gerenciar ou supervisionar o trabalho desenvolvido na cooperativa, mas não a pessoa do trabalhador. Esta “não pode ser controlada, sob pena de caracterizar a subordinação. A fiscalização do serviço pode ser feita por intermédio da cooperativa e não em relação ao próprio trabalhador” (MARTINS, 2008, p. 90-91).

Ainda quando o trabalho é realizado sob a forma de terceirização, não existe a subordinação, pois o cooperado labora por conta própria, com autonomia, assumindo os riscos de sua atividade. Neste sentido, o cooperado não pode ser fiscalizado ou punido por chegar atrasado ou por inassiduidade, bem como não pode ser utilizado cartão de ponto, que indica controle de horários, um dos aspectos da subordinação.

Além disso, o trabalhador cooperado é um trabalhador eventual, prestando seus serviços a terceiros de forma ocasional, esporádica, para a realização e conclusão de uma atividade específica. Desse modo, o cooperado não deve possuir como única fonte de renda o tomador dos serviços, mas seu labor deve ser fornecido a vários outros.

5.2 A Terceirização

A terceirização é a forma que diversas empresas utilizam para transferir parte de sua produção, ou serviço, a outras pessoas, físicas ou jurídicas. Com isso, podem se concentrar de forma exclusiva na elaboração de seu produto final, que é a sua verdadeira vocação. Essa modalidade serve, ainda, para a redução de gastos na produção, devido à diminuição de encargos sociais, trabalhistas e fiscais, bem como a facilitação da administração da empresa, já que parte da responsabilidade fica a cargo do prestador dos serviços.

O fenômeno da terceirização ou intermediação de mão-de-obra é cada vez mais presente na sociedade brasileira atual. Apesar disso, não existe uma legislação específica acerca da matéria e suas implicações sociais, econômicas e jurídicas.

Visando suprir esta lacuna, o Tribunal Superior do Trabalho editou a Súmula 331, anteriormente transcrita, afirmando que a contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, salvo no caso de trabalho temporário, sob pena de formalizar-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços. Na exceção está inserida, ainda, a contratação terceirizada de serviços de vigilância, conservação, e limpeza, além dos serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

A partir destas considerações, Mauad (2001, p. 231) diferencia atividade-meio e atividade-fim:

Atividades meio seriam todas aquelas atividades ou serviços que não visassem aos objetivos finalísticos da empresa. As atividades-fim seriam todas aquelas que convergem diretamente para a elaboração do produto final ou dos verdadeiros misteres da empresa tomadora.

Portanto, de acordo com a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, constata-se a ampliação das formas de terceirização aceitas pelo ordenamento, destinada inclusive para as atividades-meio da empresa.

5.3 A Discussão sobre a Possibilidade de Existência de Vínculo Empregatício no Âmbito das Cooperativas de Trabalho

A Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 442, parágrafo único, dispõe que “qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo de emprego entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela”.

No âmbito das cooperativas, o trabalhador cooperado age como sócio, participando da administração da entidade, que visa proporcionar trabalho aos seus associados. Há uma relação de cooperação entre os integrantes, buscando um fim comum, não se caracterizando o vínculo empregatício. Ainda, a prestação de serviços pelo cooperado a terceiros, entendida como terceirização, também é vista como atividade autônoma, inexistindo relação de emprego entre os associados e os tomadores do labor.

O acréscimo do parágrafo único ao artigo 442 consolidado tranqüilizou o tomador de serviço ao contratar uma cooperativa, pois, antes da inovação, vários cooperados ajuizavam reclamações trabalhistas diretamente contra os contratantes do serviço, visando o reconhecimento do vínculo empregatício com a empresa.

Em razão disso, Delgado (2006, p. 435) explica:

Isso significa que a ordem jurídica apenas favoreceu a prática cooperativista, envolvendo produtores e profissionais efetivamente autônomos (como cabe às cooperativas); neste favorecimento, criou, em favor dessas entidades, a presunção de ausência de vínculo empregatício. Porém não conferiu ao cooperativismo instrumental para fraudes trabalhistas.

Portanto, a aplicação correta deste regramento legal insculpido na Consolidação das Leis do Trabalho não desvirtua o instituto do vínculo empregatício, desde que obedecidas as normas e os princípios regentes das cooperativas e de seus sócios e a forma adequada de terceirização admitida pelo Tribunal Superior do Trabalho.

O problema ocorre quando as cooperativas concedem tratamento de empregados aos seus associados, escondendo essa condição sob o manto das regras do cooperativismo. Ainda, acontece esse desvirtuamento quando terceiros contratam os serviços dos obreiros cooperados e estes acabam atuando como verdadeiros empregados da empresa tomadora. Nestes casos, portanto, é imperiosa a caracterização do vínculo empregatício entre trabalhadores e cooperativas, ou entre aqueles e terceiros, visando resguardar os seus direitos laborais.

Neste sentido, leciona Campelo (2005, p. 53):

Assim, verificada a subordinação jurídica do associado com a empresa contratante dos serviços, estará configurado o vínculo empregatício e será constatada fraude entre esta e a sociedade cooperativa, que, então, terá participado como mera intermediária de mão-de-obra. Dessa forma, fica caracterizada a relação empregatícia com a empresa tomadora dos serviços, valendo lembrar, entretanto, que tais situações são especialíssimas e que não se constituem pelo simples fato da prestação do serviço referir-se à atividade fim, mas sim, à presença das características de relação de emprego.

Destarte, configurados os requisitos essenciais do vínculo de emprego (pessoalidade, subordinação, onerosidade e continuidade ou não eventualidade) nas relações entre associados e cooperativas, ou entre aqueles e terceiros, devem ser reconhecidos como empregado e empregador os cooperados e a cooperativa ou os terceiros, respectivamente. Interpreta-se, assim, o parágrafo único do artigo 442 consolidado como uma presunção relativa, e não absoluta, admitindo-se que o obreiro prove a existência do vínculo empregatício, sendo dele o ônus probatório.

Para que ocorra esse reconhecimento, é necessário comprovar o conluio entre a empresa tomadora dos serviços e a cooperativa fornecedora de mão-de-obra, em detrimento de seus cooperados, visando fraudar os seus direitos trabalhistas assegurados pela legislação. Assim, deve ficar evidenciada a intenção de desvirtuar ou impedir a aplicação do diploma consolidado nos atos praticados por essas entidades.

Segundo Martins (2008, p. 94-95), havendo fraude na contratação e presentes os requisitos, “fica configurado o vínculo de emprego. A realidade deve ficar acima da forma empregada pelas partes. A norma legal deve ser interpretada no sentido de proteger o trabalhador”.

A cooperativa presta serviços para o cooperado e não o contrário. “Somente em sociedades cooperativas fraudulentas é que se poderia falar que o cooperado presta serviços para a cooperativa” (MARTINS, 2008, p. 95).

Quando não houver interesse comum de sociedade entre as partes, mas, ao contrário, existir subordinação e os demais requisitos, haverá vínculo empregatício. Se há continuidade na prestação de serviços pela mesma pessoa e o serviço é prestado por tempo indeterminado e permanente, pode-se configurar a relação de emprego, uma vez que o adequado é existir rodízio dos cooperados na prestação dos serviços e estes sejam de curta duração, de conhecimentos específicos.

Exemplo de caracterização de relação empregatícia se dá na contratação de cooperativa de professores para o exercício letivo. Se esta atividade for exercida com horário de trabalho fixo e específico para as aulas e obrigatoriedade de dias de labor, indicada está a subordinação. Além disso, o fato de o obreiro trabalhar durante todo o ano letivo evidencia a continuidade da prestação dos serviços, uma vez que não se pode considerar um ano letivo inteiro como um evento, pois o professor labora em dias certos e tem aulas agendadas em horários fixos.

Furquim (2001, p. 84) ensina maneiras de verificação da veracidade de uma terceirização trabalhista:

1. A empresa contratante, quando contrata uma cooperativa de trabalho (seja ela de produção ou serviço ou de mão-de-obra), está contratando, sem sombra de dúvidas, o resultado de uma prestação de serviço, não importando a pessoa por quem o serviço será prestado. A prestação do serviço prescinde do requisito intuitu personae, pois temos a ausência do pressuposto pessoalidade, que, em conjunto com outros fatores, leva à configuração da relação empregatícia.

2. A sociedade cooperativa, quando contratada, além da equipe de trabalhadores que, efetivamente, prestam o serviço especializado, se faz presente também no local de trabalho um coordenador ou gestor, também cooperado, eleito em assembléia, para orientar e dirimir qualquer dúvida por parte dos associados que estão prestando o serviço. A presença de um representante da cooperativa, escolhidos pelos próprios cooperados, descaracteriza o poder de direção; enfim, a subordinação do trabalhador para com aquele que está aproveitando a sua força de trabalho.

3. Analisando, ainda, a onerosidade, que também não está presente na relação cooperado/tomadora de serviço, pois a empresa contratante contrata uma sociedade cooperativa, o preço é tratado com relação ao resultado, sendo que os cooperados ou associados têm remuneração percebida de acordo com a produção do trabalho de cada um, e essa tratativa é efetuada pela própria cooperativa. Embora em nome dos cooperados, é com ela que é firmado o contrato de prestação de serviços.

4. No que se refere à não-eventualidade, a presença desse requisito, por si só, não caracteriza a existência de vínculo empregatício. Na verdade, esse requisito, de certa maneira, tem ligação com a pessoalidade. Conforme já afirmado, a tomadora contrata o resultado, não tendo qualquer importância para ela que a prestação de serviços seja efetuada por trabalhadores distintos. Esse fato leva, em geral, a uma situação de prestação de serviços onde a continuidade, considerando-se um único trabalhador, não tem preponderância.

Não é permitida a cooperativa a realização das atividades-fim da empresa tomadora dos serviços, pois a mão-de-obra seria apenas parte de uma falsa cooperativa, que, na verdade, é a própria tomadora, sem nenhuma função social para os associados. A única vantagem seria para a empresa contratante, que vislumbraria um acréscimo em seus lucros a partir da sonegação de encargos trabalhistas.

Nesse sentido, o objetivo da jurisprudência em limitar a terceirização às atividades especializadas diz respeito à prestação de trabalho das fornecedoras d serviço, “as quais podem desempenhar serviços particularizados, com especificações próprias, e não simplesmente a realização de todo e qualquer tipo de tarefa que interesse à tomadora” (MAUAD, 2001, p. 230). Isso porque o serviço especializado é a atividade-fim da fornecedora e a atividade-meio da contratante.

Indícios de fraude podem ser apontados nas situações em que a cooperativa funciona dentro do tomador, uma vez que ambos podem ser confundidos. Se possível, afirma Martins (2008, p. 101), “o cooperado deve prestar serviços fora da empresa, pois não estará sujeito a ordens de serviço determinadas na empresa”.

Sob outra ótica, o trabalho do cooperado, embora não seja gratuito, é remunerado de forma dependente do seu desempenho, de modo variável, diferentemente da relação de emprego, na qual a remuneração tende a ocorrer por intermédio de um salário fixo. Segundo Martins (2008, p. 90), “deve-se evitar remunerar o trabalhador por hora, pois pode-se confundir com o contrato de trabalho. O mais correto é remunerar o trabalhador por serviço concluído”.

Outro sintoma do conluio entre empresas tomadoras e cooperativas de trabalho ocorre quando aquelas realizam o pagamento diretamente ao cooperado, ao invés de ser feito à cooperativa, podendo indicar a onerosidade.

Pode configurar, ainda, o requisito da subordinação quando a empresa tomadora dos serviços gerencia ou supervisiona o cooperado, e não o seu trabalho. Aquele não pode ser controlado, sendo que a fiscalização do serviço pode ser feita por intermédio da cooperativa, e não em relação ao próprio trabalhador.

O obreiro associado pode ser orientado a como fazer o seu trabalho, mas não pode ser fiscalizado ou punido por atrasos ou faltas. Conforme Martins (2008, p. 91), “advertência formal por fumar na recepção do local onde trabalha pode indicar subordinação”.

Ainda, indício de subordinação é a utilização de cartão de ponto pelo cooperado, pois indica controle de horário. Isso porque o cooperado é livre, podendo prestar seus serviços com autonomia e de livre e espontânea vontade, sem controle de horários. Ademais, o controle de horários não deve servir de pretexto para aferição de produtividade, pois esta deve ser analisada sob a ótica daquilo que é efetivamente produzido. Pode existir, no entanto, controle de freqüência, desde que seja apenas para verificar os dias trabalhados para efeito de pagamento do cooperado.

Neste sentido, leciona Martins (2008, p. 92):

A Assembléia Geral da cooperativa pode determinar que os cooperados usem cartão de ponto. Isso mostra um regime democrático, a prevalência da autonomia privada coletiva, da vontade da maioria, do interesse da sociedade. Contudo, a utilização do cartão de ponto pode e não vai indicar subordinação, pois envolve controle do trabalhador e não do trabalho. O elemento controle de ponto deve ser conjugado com outros elementos constantes da relação mantida entre as partes. Não há subordinação com a Assembléia Geral, que é órgão da sociedade.

Dessa forma, o verdadeiro cooperado não tem horário de trabalho, podendo prestar seus serviços por quanto tempo quiser e quando lhe aprouver, não sendo subordinado a ninguém, cumprindo apenas as determinações do estatuto e da Assembléia Geral.

Um importantíssimo avanço no combate utilização das cooperativas de trabalho como fraude da legislação trabalhista foi a edição da Lei 12.690 de 19 de julho de 2012.

Este diploma proíbe, expressamente, em seu artigo 5º, a utilização da cooperativa como intermediadora de mão-de-obra subordinada. Dispõe o parágrafo 6º do artigo 7º desta lei que, quando as atividades da cooperativa forem prestadas fora do estabelecimento da entidade, elas deverão ser submetidas a uma coordenação com mandato nunca superior a um ano ou ao prazo estipulado para a conclusão dos serviços, eleita em reunião específica pelos sócios que irão exercer o trabalho, em que serão expostos a forma de trabalho, o valor contratado e a retribuição de cada cooperado. Não sendo obedecidas estas condições, o parágrafo 2º do artigo 17 presume a atividade realizada como intermediação de mão-de-obra subordinada.

A proteção continua com o parágrafo 1º da mencionada lei, que fixa multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) por cada cooperado que exerça seus serviços através de intermediação de mão-de-obra subordinada, a ser paga pela cooperativa e revestida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador.

Ainda, em seu artigo 18, o mesmo diploma determina que a constituição ou utilização da cooperativa de trabalho para fraudar deliberadamente a legislação trabalhista e previdenciária, acarretará aos responsáveis sanções penais, civis e administrativas, além da ação judicial cabível para a dissolução da entidade. Por fim, fica inelegível a qualquer cargo na cooperativa de trabalho, por cinco anos contados do trânsito em julgado da sentença, o sócio, dirigente ou administrador condenado por fraude aos direitos laborais.

A partir destas considerações, é possível afirmar que é lícita a contratação de cooperativas de trabalho para fins de terceirização, desde que observados todos os requisitos exigidos pelo ordenamento jurídico, como o fornecimento de serviços de limpeza, vigilância e atividades-meio da empresa tomadora, além da prestação de serviços especializados, conforme permissão do artigo 3º da Lei 12.690 de 2012. Caso contrário, em nome do princípio da primazia da realidade sobre as formas, será configurado o vínculo empregatício com a tomadora de serviços se comprovada a fraude à legislação trabalhista, protegendo, assim, o obreiro.

5.4 O Entendimento Jurisprudencial Brasileiro

O Tribunal Superior do Trabalho vem reiterando, em suas decisões, a idéia de que, uma vez verificada a intenção de burlar a legislação trabalhista na criação de uma cooperativa de trabalho que presta serviços a uma empresa, deve ser reconhecido o vínculo empregatício em favor dos trabalhadores, se presentes os seus requisitos.

Neste sentido é a ementa do Agravo de Instrumento em Recurso de Revista nº 66300-81.2009.5.04.010, julgado em 30 de abril de 2012 e publicado em 04 de maio de 2012:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA - DESCABIMENTO. 1. COOPERATIVA. FRAUDE. RECONHECIMENTO DE RELAÇÃO DE EMPREGO DIRETAMENTE COM O TOMADOR DE SERVIÇOS. Não viola a literalidade do parágrafo único do art. 442 da CLT a decisão regional que, com esteio na prova dos autos (art. 131 do CPC), reconhece relação de emprego entre pretenso associado e tomador de serviço da cooperativa, assim criada com intuito de burlar a legislação trabalhista, quando efetivamente preenchidos os requisitos essenciais ao negócio jurídico (arts. 2º, 3º e 9º da CLT). Agravo de instrumento conhecido e desprovido (663008120095040101 66300-81.2009.5.04.0101, Relator: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira. Data de Julgamento: 30/04/2012, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 04/05/2012).

Entendeu-se, através deste julgamento, que deve ser aplicado o princípio da primazia da realidade sobre as formas, de acordo com o voto do Ministro Relator Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira:

À luz do princípio da primazia da realidade, que dá suporte à aplicação do Direito do Trabalho, na exegese do art. 9º consolidado, o julgador deverá buscar no art. 3º da CLT os elementos essenciais à configuração do real liame jurídico entre as Partes.

Segundo Américo Plá Rodrigues, “a existência de uma relação de trabalho depende, em conseqüência, não do que as partes tiverem pactuado, mas da situação real em que o trabalhador se ache colocado, porque [...] a aplicação do Direito do trabalho depende cada vez menos de uma relação jurídica subjetiva do que de uma situação objetiva, cuja existência é independente do ato que condiciona seu nascimento. Donde resulta errôneo pretender julgar a natureza de uma relação de acordo com o que as partes tiverem pactuado, uma vez que, se as estipulações consignadas no contrato não correspondem à realidade, carecerão de qualquer valor” (Apud DE LA CUEVA, Mario; Princípios de Direito do Trabalho; São Paulo; LTr, 2002, pág. 340).

Não viola a literalidade do art. 442 da CLT a decisão regional que, com esteio na prova dos autos (art. 131 do CPC), reconhece relação de emprego entre pretenso associado e tomador de serviço da cooperativa - assim criada com intuito de burlar a legislação trabalhista -, quando preenchidos os requisitos essenciais ao negócio jurídico (arts. 2º, 3º e 9º da CLT).

Nessa esteira, conforme consignado no acórdão regional, que “não fosse pela interveniência do Ministério Público do Trabalho, que, por meio da ação civil pública (fls. 254-358), já julgada em todos os graus de jurisdição, tenta estancar a fraude perpetrada contra os trabalhadores que desenvolveram, como é o caso dos autos, por vários anos, atividade essencial à consecução dos objetivos, na condição de ‘cooperativados’, sem que nenhum dos requisitos mínimos de verdadeiro sócio cooperativado tenham sido demonstrados” (fl. 656-v.).

Assim, perfeitamente aplicável, para o caso dos autos, o disposto no item I da Súmula 331 do TST, no sentido de que “a contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário” (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

Em outro Agravo de Instrumento de Recurso de Revista, nº 131840-41.2006.5.01.0012, julgado em 21 de setembro de 2011 e publicado em 30 de setembro de 2011, assentou-se que a fraude na legislação trabalhista e a existência de vínculo empregatício, evidenciadas a partir da contratação de pseudo-cooperativas, devem ser reconhecidas até mesmo contra a Administração Pública, de acordo com o trecho do voto do Ministro Relator Horácio Raymundo de Senna Pires:

A questão em debate se refere à contratação pela 2ª reclamada de pseudocooperativa, ocorrendo terceirização ilícita, por isso a responsabilização subsidiária da 2ª reclamada, que contratou Cooperativa que não atuava como cooperativa, mascarando a relação de emprego, fraudando a legislação trabalhista.

Com efeito, registrou o e. Tribunal Regional do Trabalho, referindo-se à fraude perpetrada por meio de pseudocooperativa, que, “Não bastassem esses, acrescente-se que a formatação da sociedade de pessoas em que se constitui a verdadeira cooperativa de serviços tem como norte a colaboração em prol do interesse comum, sendo o seu móvel a affectio societatis. Como corolário, tem-se na autogestão o signo emblemático do cooperativismo. No entanto, in casu nenhum ato jurídico que pudesse chancelá-lo foi constatado (...). Nada disso se verificou nos autos, não se escusando ainda que a reclamante permaneceu por período de 10 anos nos quadros da primeira reclamada. Por força do art. 9º da CLT, impõe-se o reconhecimento da nulidade da relação associativa. A vedação disciplinada no parágrafo único do art. 442 da CLT é dirigida à verdadeira cooperativa, hipótese em que não se forma vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela. Não é o caso dos autos, vez que a pessoa jurídica contratada, de fato, é uma fornecedora de mão-de-obra. Com efeito, tratou-se de efetiva terceirização de serviços contratada pelas pessoas jurídicas, com a clara intermediação de mão-de-obra subordinada revestida sob a forma de cooperativismo” (fl. 258).

Ressaltou, ainda, que restou configurada a responsabilidade subsidiária da Fundação-Reclamada, com base na Súmula 331, IV, do TST, aduzindo que, “ainda que o tomador de serviços seja pessoa jurídica de direito público, integrante da administração indireta – uma fundação governamental – e não se cogite da formação de vínculo jurídico entre o trabalhador e ele tomador dos serviços, este não se desonera da responsabilidade subsidiária na hipótese de inadimplemento da obrigação principal” (fl. 258).

Nesse contexto, comprovada a prática de ato fraudulento pela Administração Pública, desrespeitando os princípios insculpidos no caput do artigo 37 da CF e, por conseguinte, a Lei 8.666/93, inviável a pretensão de exclusão de sua responsabilidade com base naquele dispositivo constitucional e no artigo 71, § 1º da Lei de Licitações. A Fundação-Reclamada não pode se beneficiar de sua própria torpeza.

Além do reconhecimento da fraude e do vínculo empregatício, infere-se, a partir do aresto, a responsabilidade da empresa contratante pelos encargos trabalhistas dos obreiros, ainda que de modo subsidiário.

O julgamento do Agravo de Instrumento em Recurso de Revista nº 238800-93.2009.5.02.0042, publicado em 31 de agosto de 2012, deixou claro que o conluio celebrado entre a empresa tomadora de serviço e a cooperativa de trabalho para fraudar a legislação obreira gera o reconhecimento da relação de emprego a favor dos trabalhadores, o que não viola o artigo 3º e o artigo 442 da Consolidação das Leis do Trabalho:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. COOPERATIVA. FRAUDE. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO DE EMPREGO DIRETAMENTE COM O TOMADOR DOS SERVIÇOS. A decisão regional que reconhece, com base na prova dos autos, relação de emprego entre o pretenso associado e o tomador dos serviços da cooperativa (criada com intuito de fraudar a legislação trabalhista) não viola os arts. 3º e 442 da CLT. Agravo de instrumento a que se nega provimento (2388009320095020042 238800-93.2009.5.02.0042, Relator: Alexandre de Souza Agra Belmonte. Data de Julgamento: 29/08/2012, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 31/08/2012).

Neste julgado, o Ministro Relator Alexandre de Souza Agra Belmonte entendeu que as funções desempenhadas pelo obreiro correspondiam às atividades-fim da contratante, evidenciando a fraude:

Outrossim, a decisão regional que reconhece, com base na prova dos autos que indicam a existência de fraude, relação de emprego entre o pretenso associado e o tomador dos serviços da cooperativa (criada com intuito de burlar a legislação trabalhista) não viola os arts. 3º e 442 da CLT. Ora, uma vez registrado pelo TRT que "as funções desempenhadas pela autora eram típicas e inerentes à atividade fim da 1ª reclamada, colocando-se as cooperativas como meras intermediárias de mão de obra barata", verifica-se ser aplicável, in casu, o item I da Súmula 331 do TST, no sentido de que "a contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário” (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

Vários outros arestos do Tribunal Superior do Trabalho são exemplos da caracterização da relação de emprego entre cooperados e tomadores de serviço quando há fraude entre estes e as cooperativas de trabalho, desde que presentes os seus requisitos essenciais:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. 1. COOPERATIVA. VÍNCULO DE EMPREGO. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 442, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CLT. NÃO PROVIMENTO. Conforme assentado no v. acórdão regional, as provas dos autos denunciaram o desvirtuamento da cooperativa, que atuava como mera intermediária de mão-de-obra, e a existência dos requisitos caracterizadores do vínculo de emprego (Súmula nº 126). Assim, uma vez comprovada a fraude, não há falar em violação do parágrafo único do artigo 442 da CLT, que estabelece a inexistência de vínculo de emprego entre os associados e a cooperativa ou seus tomadores de serviços. Agravo de instrumento a que se nega provimento (2772400720055020073 277240-07.2005.5.02.0073, Relator: Guilherme Augusto Caputo Bastos. Data de Julgamento: 11/05/2011, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 20/05/2011).

RECURSO DE REVISTA. VÍNCULO EMPREGATÍCIO - RECONHECIMENTO. O Tribunal Regional, soberano na análise do conjunto fático-probatório, de inviável reexame nesta esfera recursal, nos termos da Súmula nº 126 desta Corte, constatou emergir dos autos a ocorrência de verdadeiro trabalho subordinado, sob a máscara de cooperativismo. A autora recebia ordens da tomadora de serviços, cumpria horário de trabalho, recebia salário, não se vislumbrando, assim, qualquer autonomia. Presentes a pessoalidade, habitualidade, onerosidade e a subordinação jurídica, há de se reconhecer o vínculo de emprego entre as partes. Assim, concluiu que a contratação por intermédio da cooperativa era fraudatória, já que a reclamante possuía, na realidade, vínculo empregatício direto com a reclamada, dando a exata subsunção dos fatos ao conceito contido nos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho. Convém ressaltar, ainda, que a disposição do artigo 442, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho não resiste à constatação da fraude na contratação por cooperativas e do preenchimento do vínculo empregatício com a tomadora de serviços, ante a aplicação do princípio da primazia da realidade. Recurso de revista não conhecido (1233 1233/2001-094-15-00.8, Relator: Renato de Lacerda Paiva. Data de Julgamento: 04/11/2009, 2ª Turma. Data de Publicação: 11/12/2009).

RECURSO DE REVISTA. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. TERCEIRIZAÇÃO. O TRT reconheceu a ilicitude da terceirização de serviços no caso dos autos, não apenas pelo fato de a reclamante trabalhar na atividade- fim do banco, mas também por ter sido provado que houve fraude na formação da cooperativa, e que ficaram configurados, na relação entre banco e reclamante, os elementos caracterizadores da relação empregatícia. Assim, fica afastada a aplicação do art. 442 da CLT, o qual se refere à cooperativa regular, em que o cooperado efetivamente seja sócio, e não empregado. O contexto fático apresentado pela Corte de origem corrobora sua conclusão acerca do reconhecimento do vínculo empregatício com o ora recorrente. Assim, decisão contrária demandaria novo exame das provas dos autos, o que é vedado pela Súmula n.º 126 do TST. Recurso de revista de que não se conhece (1499005720065060001 149900-57.2006.5.06.0001, Relator: Kátia Magalhães Arruda. Data de Julgamento: 21/09/2011, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 30/09/2011).

Em que pese a atualidade dessas decisões, desde as décadas de 80 e 90 a jurisprudência brasileira vem entendendo pelo reconhecimento do vínculo empregatício na existência de fraude, visando à proteção do trabalhador. Martins (2008, p. 95-96) enumera vários arestos neste sentido:

Sócio de Cooperativa de Trabalho, que mantém relação de trabalho subordinado para com ela, é empregado. Hipótese em que ocorrem as duas situações jurídicas. Embargos não conhecidos (TST, Pleno, E-RR 1.769/78, Ac. 1.234/80, Rel. Min. Hildebrando Bisaglia, DJ 4-7-80).

Imprópria a denominação da cooperativa na contratação de trabalho entre associados e beneficiários dos serviços, configurando evidente fraude aos direitos das reclamantes, por afastá-las da proteção do ordenamento jurídico trabalhista. Reconhecimento de vínculo empregatício entre cooperativados e tomador dos serviços (TRT 4ª R, RO 7.789/83, Ac. 4ª T., j. 8-5-84, Rel. Juiz Petrônio Rocha Violino, in LTr 49-7/839).

Cooperativa. Relação de Emprego. Quando o fim almejado pela cooperativa é a locação de mão-de-obra de seu associado, a relação jurídica revela uma forma camuflada de um verdadeiro contrato de trabalho (TRT 2ª R, 1ª T, RO 02930463800, Ac. 02950210648, Rel. Juiz Floriano Correa Vaz da Silva, DOESP 7-6-95, p. 41).

Inteligência do parágrafo único do art. 442 da CLT. As cooperativas caracterizam-se pela associação de pessoas que se comprometem a contribuir com bens ou serviços em prol de uma atividade econômica, sem objetivo de lucro e para prestar serviços aos próprios associados. A não-observância dessas características enseja fraude à lei, e a cooperativa deve ser considerada mera intermediadora de mão-de-obra (TRT 2ª R, 3ª T, RO 02950288701, Ac. 029600565279, Rel. juiz Décio Daidone, DOESP 12-11-96).

As chamadas cooperativas de trabalho se constituem com a finalidade precípua de melhorar as condições de trabalho e nível salarial de determinados trabalhadores, dispensando a intervenção do empregador. Todavia, arregimentar mão-de-obra barata, sob o manto de falso cooperativismo, fazendo o trabalhador renunciar a direitos sabidamente irrenunciáveis, e que assim sempre irá fazê-lo em virtude do próprio emprego, é um retrocesso histórico a todos os avanços conseguidos pelo Direito do Trabalho no decorrer dos tempos. Trabalhador que é fiscalizado, subordinado e que recebe importâncias com características de salário, é padronizado pela norma consolidada (art. 3º), não como cooperado, mas sim empregado, e como tal se acha amparado por todas as leis trabalhistas e previdenciárias (TRT 24ª R, RO 0150/99, Ac. 1.428/98, j. 7-7-99, Rel. Juiz Nicanor de Araújo Lima, LTr 64-03/405).

Diante de todos estes semelhantes julgados, percebe-se que a jurisprudência brasileira, representada pelo Tribunal Superior do Trabalho e demais Tribunais pátrios, aplica os ensinamentos doutrinários aos casos concretos, dando legitimidade ao espírito da legislação e das lições jurídicas e demonstrando a sua aplicabilidade prática. Assim, é louvável a subsunção realizada, revelando o efetivo interesse em proteger o trabalhador e garantir a eficácia do ordenamento trabalhista.


6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde os primórdios da humanidade, as pessoas buscavam, através da solidariedade e a partir de suas necessidades, unir-se para a consecução de finalidades comuns, pois a conjugação de esforços proporciona resultados inatingíveis para uma pessoa isolada, seja para a construção de obras, seja para reivindicar melhores condições de vida e trabalho. Percebe-se, assim, que o homem é um ser gregário por natureza.

Na Antiguidade Clássica já era possível perceber movimentos semelhantes ao cooperativismo, com a união de pessoas em torno do trabalho. Vários movimentos e ideologias corporativistas se desenvolveram ainda na Idade Moderna, com Charles Fourier e John Bellers.

Com a ascensão da burguesia ao poder a partir das revoluções do século XVIII e XIX, juntamente com o desenvolvimento do capitalismo e a Revolução Industrial, houve uma forte concentração do capital e dos meios de produção nas mãos de poucos, que compravam a força de trabalho de quem não os detinha, formando, assim, o proletariado.

Esta imensa classe, devido ao Liberalismo e à falta de proteção estatal, vivia subjugada às determinações dos industriais, submetida a baixos salários, exploração da mão-de-obra, ausência de direitos, excessivas jornadas de trabalho, parcas condições de sobrevivência e ausência de representatividade nas decisões governamentais. Vários grupos de trabalhadores já se organizavam em cooperativas visando à proteção contra a exploração.

A partir das Revoluções Liberais de 1830 e 1848, o socialismo, enquanto ideologia, foi germinado e floresceu completamente com os estudos científicos de Marx e Engels. Junto ao socialismo, o cooperativismo atingiu a sua plenitude, possuindo, agora, base teórica e ideológica concreta, e passou a ser visto como uma das formas, entre tantas, de concretizar as idéias comunistas.

Assim é que o movimento cooperativista foi aceito como uma oposição à sociedade industrial na época. Agora, ao invés do monopólio dos meios de produção por algumas pessoas, em detrimento da força de trabalho de outras, os próprios trabalhadores comandariam a produção, laborando por conta própria, excluindo a figura do patrão ou do intermediário, organizando-se em rodízios e escalas e distribuindo, entre si, os dividendos conforme o serviço de cada um.

No Brasil, devido à industrialização tardia, o cooperativismo demorou a se desenvolver e, quando o fez, foi produto da dominação de uma elite agrária, possuindo uma forte intervenção estatal. Porém, tais fatores não impediram o seu sucesso no país.

Fatores como a automatização da indústria e do campo relegam inúmeros trabalhadores ao desemprego. Assim, as cooperativas são importantes porque são uma alternativa de trabalho a quem não possui espaço no mercado de trabalho, sendo um local em que as pessoas podem desenvolver suas habilidades, expressar suas idéias, coordenar suas atividades, tomar duas próprias decisões.

Desse modo ocorre com as Cooperativas de Trabalho, sendo uma união de trabalhadores de uma mesma área ou de atividades afins, que se organizam para a busca de trabalho para cada um, seja prestando os serviços diretamente aos seus consumidores, seja laborando para empresas contratantes através da terceirização de suas atividades-meio.

Apesar disso, muitas cooperativas são criadas a fim de proporcionar, apenas, mão-de-obra barata às grandes empresas, sendo caracterizadas como pseudo-cooperativas, meras intermediadoras de trabalho. Além disso, muitas delas admitem trabalhadores como sócios, quando, na realidade, estes figuram como empregados das próprias cooperativas.

Com o intuito de burlar a legislação trabalhista, vários empreendimentos contratam os serviços das cooperativas de trabalho utilizando os obreiros como empregados apenas de fato, e não de direito, furtando-se ao dever de arcar com os encargos laborais, o que resulta em um menor preço final de seus produtos e maior poder de concorrência frente às demais empresas.

Não existe nenhuma finalidade social nestas entidades cooperativas, desrespeitando os princípios e objetivos básicos do movimento, como a gerência autônoma e a busca por trabalho aos cooperados, a preocupação com o bem-estar, com a educação e com a dignidade dos seus sócios.

Desse modo, revela-se de vital importância o trabalho doutrinário brasileiro, no sentido de identificar as fraudes, simulações e o conluio entre empresas tomadoras e cooperativas de trabalho, reforçado pelo advento da Lei 12.690 de 2012, que traz em seu corpo vários instrumentos de proteção aos direitos do obreiro contra estas situações. Louvável, ainda, é a posição jurisprudencial pátria, aplicando estes estudos ao caso prático, dando-lhes efetividade, de modo a proteger os interesses e direitos dos trabalhadores.


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Autor

  • Thiago Meneses Rios

    Advogado. Pós-graduado em Direito Constitucional pelo Centro de Ensino Unificado de Teresina. Graduado em Direito pelo Centro de Ensino Unificado de Teresina. Experiência anterior como Assessor de Juiz em Vara Criminal. Experiência como estagiário da Defensoria Pública Estadual do Piauí.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIOS, Thiago Meneses. A possibilidade de configuração de vínculo empregatício entre cooperativas e cooperados ou entre cooperados e terceiros. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3722, 9 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25252. Acesso em: 19 abr. 2024.