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O pedido de suspensão de segurança: uma sucinta sistematização

O pedido de suspensão de segurança: uma sucinta sistematização

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Aborda-se o instituto da suspensão de segurança: a natureza jurídica do pedido de suspensão, como elaborá-lo, quais são os órgãos competentes para apreciá-lo, bem como seus objetivos.

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS.

O presente artigo tem por escopo apresentar apontamentos envolvendo o tema da suspensão de segurança. Abordar-se-á no decorrer do texto questões atinentes à natureza jurídica do pedido de suspensão, como elaborá-lo, quais são os órgãos competentes para apreciá-lo, bem como seus objetivos. Para tanto, será feita a análise dos diplomas normativos responsáveis por seu tratamento, apontando-se, quando pertinente, os entendimentos jurisprudenciais e doutrinários acerca do tema.


2. O PEDIDO DE SUSPENSÃO DE SEGURANÇA:previsão normativa e natureza jurídica.

Inicialmente, convém destacar que não obstante a nomenclatura “suspensão de segurança” passar a ideia de que seu cabimento estaria restrito ao ambiente do mandado de segurança, hoje, tal noção não é adequada. Isto porque, apesar de o instituto em comento ter sidoidealizado para a ação de mandado de segurança, objetivando suspender os efeitos de sentença ou liminar proferidas neste tipo de demanda, modernamente, o aludido pedido cabe sempre quando for concedido provimento de urgência em desfavor da Fazenda Pública, ou mesmo quando proferida sentença quede pronto produz efeitos, dado o fato de somente poder ser impugnada via recurso não dotado de efeito suspensivo. Sobre o ponto, a explicação doutrinária:

A suspensão da execução das medidas de urgência nas ações contra o poder público teve como sua primeira expressão, o instituto da suspensão de segurança, que foi introduzido no ordenamento jurídico com a Lei nº 191, de 16 de janeiro de 1936, que regulou o mandado de segurança previsto na Constituição de 1934. A sua intenção era dar efeito suspensivo ao recurso interposto contra a decisão favorável ao impetrante, sempre tendo em vista o princípio, então dominante, da supremacia do interesse público sobre o privado. A regra foi mantida no Código de Processo Civil de 39, que introduziu as causas justificadoras do pedido de suspensão (evitar lesão à ordem, à saúde ou à segurança pública). Posteriormente surge a Lei nº 1.533/51 que, ao prever o instituto, omitiu-se quanto aos motivos ensejadores do requerimento de suspensão, ficando, deste modo, ao alvedrio do presidente do tribunal competente a justificativa para o deferimento ou não da suspensão de segurança. Observe-se, ainda, que o art. 13 da Lei nº 1.533/51 só se referia à suspensão da execução da sentença, dando ensejo à discussão doutrinária quanto a sua aplicação em relação às medidas liminares em mandado de segurança, havendo corrente encampada por Celso Agrícola Barbi, Hamilton de Moraes e Barros e Seabra Fagundes que estendiam o instituto também às medidas liminares. A Lei nº 4.348/64, de 26 de junho de 1964, suprindo omissão da Lei nº 1.533/51, estendeu expressamente o instituto à suspensão de liminar e de sentença, definindo como pressupostos da sua concessão a grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública.(Brandão, 2003, pp. 29-30)

Manteve-se o nome, portanto, meramente por praxe forense, na medida em que cabe o pedido de suspensão em sede de mandado de segurança (art. 25, Lei nº 8.038/90 e art. 15, Lei nº 12.016/2009), em ação civil pública (art. 12, § 1º, Lei nº 7.347/85), em processos cautelares e de ação popular (art. 4º, Lei nº 8.437/92), bem como em pedidos de antecipação de tutela e habeas data (arts. 1º e 16º, Leis nºs 9.494/97 e 9.507/97, respectivamente). Ainda sobre o tema, apresentando um resumo sobre o que vem se expondo, a lição doutrinária de Marcelo Abelha Rodrigues:

A suspensão de segurança tem 70 anos de idade. Nasceu em 16 de janeiro de 1936, precisamente no at. 13 da Lei nº 191, que foi a primeira lei a regular o processo em mandado de segurança. Depois desta data, a suspensão de segurança passou por várias mudanças legislativas (art. 328 do CPC 1939; art. 13 da Lei nº 1.533 de 1951; art. 4º da Lei nº 4.348/64; art. 25 da Lei nº 8.038/90), e a última delas foi a que mais mexeu em sua estrutura. Como já foi dito, foi introduzida pela Medida Provisória nº 2.180-35, que acabou sendo congelada pela EC nº 32. Esta última mudança – quase mutação – deu nova roupagem ao art. 4º da Lei nº 4248/64 [sic][1].

Em tempo, é de se dizer que a suspensão de segurança foi originalmente concebida para servir apenas aos processos de mandado de segurança, mas acabou sendo exportada para tantas outras leis e procedimentos processuais em que a Fazenda Pública, na condição de ré, se vê atingida por decisões judiciais mandamentais. Estas outras leis e procedimentos foram a ação civil pública, a ação popular, a ação cautelar, o habeas data, a tutela antecipada, a tutela específica, etc. Esta ‘outro’ suspensão de segurança conserva  mesmo nome da origina, embora se preste a situações diversas do mandado de segurança. E, regra geral, estes outros casos são regulados pelo art. 4º da Lei nº 8.437/92, que, também, não escapou de mutações sensíveis introduzidas pela Medida Provisória nº 2.180-35.(Apresentação e crítica de alguns aspectos que tornam a suspensão de segurança um remédio judicial execrável, 2007, p. 42).

Analisando o conteúdo jurídico do referido pedido de suspensão, denota-se que o mesmo não possui natureza de recurso, porquanto nele não se encontra o efeito substitutivo requerido pelo artigo 512, do CPC, bem como também pelo fato de nãoser elencado como tal, fato que contraria o princípio da taxatividade[2]. Não se pode ainda, cogitar que a suspensão de segurança seja um sucedâneo recursal, mesmo porque este“faz as vezes de um recurso, porquanto se destina a obter a reforma ou a anulação de uma decisão naquele mesmo processo”(Cunha, O Pedido de Reconsideração e suas Hipóteses de Cabimento, 2003, p. 101), ao passo que aquele “não se reveste de caráter revisional”(Northfleet, pp. 183-184)[3].

Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, nos autos da SS-AgR 2255/AM, bem assentou que “A via processual da suspensão de medida cautelar ou da concessão de segurança não se destina a refutar ou a reformar o provimento cautelar deferido, mas apenas a sustar os seus efeitos”.O Superior Tribunal de Justiça não vacilou ao dizer, quando do julgamento do AgRg na SS 1540 / CE, que “o pedido de suspensão de segurança não possui natureza jurídica de recurso, sendo defeso ao ente público dele se utilizar como simples via de atalho para reforma de decisão que lhe é desfavorável”. Outro não é o pensamento de Marcelo Abelha Rodrigues:

...quando se ataca uma decisão por via de um recurso, pretende-se que o seu conteúdo seja revisto e assim reformado ou anulado, e há casos em que o legislador prevê a mera que a mera recorribilidade já é motivo para impedir que a decisão produza efeitos, caso em que a interposição do recurso prolongará o estado de ineficácia já previsto pelo legislador (...). Não se toca, pois, por via da suspensão de segurança no conteúdo do que foi decidido, senão apenas os seus efeitos. Com isso se quer dizer que o mérito deste incidente processual não é revisar ou reexaminar decisões judiciais, mas tão somente impedir a produção de seus efeitos. Por isso, o Presidente do Tribunal não poderá, em hipótese alguma, exceder aos limites do mérito do pedido de suspensão de segurança, devendo cingir-se à análise da existência ou não do risco de grave lesão ao alegado interesse público. Qualquer desbordamento ou análise sobre o teor da decisão judicial é mais do que o ferimento à regra dispositiva da adstrição do pedido ao julgado, mas uma forma absurda de usurpar a competência recursal para análise dos ‘errores in procedendo’ e ‘in judicando’ da referida decisão judicial(Apresentação e crítica de alguns aspectos que tornam a suspensão de segurança um remédio judicial execrável, 2007, pp. 45-46).

Com efeito, parece evidente que o instituto da suspensão de segurança detém finalidade acautelatória/preventiva, manejada através de incidente processual, pois se destina a retirar da decisão judicial sua eficácia. Ou seja, não se volta ao mérito da controvérsia, mas apenas à ocorrência ou não de lesão a interesses públicos proeminentes[4], como em momento adequado será melhor dissecado. Correta, então, a lição doutrinária adiante:

...o pedido de suspensão possui natureza de incidente processual preventivo, já que se manifesta através do surgimento de uma questão processual que pode ser arguida mediante defesa impeditiva pela Fazenda Pública. É típico incidente processual voluntário que deve ser suscitado por partes legitimamente interessadas, dirigido ao Presidente do Tribunal ao qual couber o respectivo recurso. É fato que o pedido de suspensão depende da existência de um processo anterior o que lhe dá contorno acessório ou secundário, elemento básico de todo incidente processual. (Rocha, 2012, p. 158).

De mais a mais, para o STF e STJ,não há exame o meritório do feito principal. Há um juízo de reprimenda a pronunciamentos que venham a violar interesses públicos como ordem pública, segurança, saúde e economia. Para oSTJ o que se tem é um juízo político, e, como tal, não sujeito a controle por meio de Recurso Especial:

AgRg na MC 7512 / RJ

PROCESSUAL CIVIL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. LIMINAR. PEDIDO DE SUSPENSÃO FUNDADO NA LEI 8.437/92. DECISÃO DO PRESIDENTE. REFORMA OU REVISÃO. PLENÁRIO OU ÓRGÃO ESPECIAL DO TRIBUNAL DE ORIGEM. PRECEDENTES.

1. A decisão suspensiva da execução de medida liminar, com fundamento no art. 20, § 3º, da Lei nº 8.437/92, é resultado de juízo político a respeito da lesividade do ato judicial à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, não se sujeitando a recurso especial, em que as controvérsias são decididas à base de juízo de legalidade. É, pois, da estrita competência do Tribunal Presidente e Plenário ou Órgão Especial a que o juiz que a proferiu está vinculado. Precedentes.

2. Agravo regimental improvido.

Não nos parece adequado entender que se trata de um mero juízo político-administrativo, a um por que uma decisão de tal natureza (de cunho meramente político) não poderia atingir uma decisão judicial[5], e a dois,porque, se assim fosse, não haveria necessidade de provocação. Bastaria ao Tribunal agir de ofício(Cunha, A Fazenda Pública em Juízo, 2007, pp. 438-439), como bem aponta a doutrina:

Independentemente de se atribuir natureza administrativa, política ou judicial, não restam dúvidas de que o pedido de suspensão constitui incidente processual, como finalidade de contracautela, voltado a subtrair da decisão sua eficácia. No seu âmbito não se examina o mérito da controvérsia principal, aquilatando-se apenas, a ocorrência de lesão a interesses públicos relevantes(Freedie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha, 2006, p. 347).

Sendo contracautela[6], deve aquele que julgar o pedido analisar se estão presentes os requisitos ensejadores de seu deferimento, in casu, o fumus boni iuriseo periculum in mora, verificando assim, a plausibilidade da tese jurídica apresentada, a par da possibilidade ou mesmo da ocorrência de violação à paz social, ordem pública, econômica, etc, como bem salientou o Supremo Tribunal Federal:

SS-AgR 2664 / SC - SANTA CATARINA

AG.REG.NA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA

Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE

Julgamento:  09/08/2006

Órgão Julgador:  Tribunal Pleno

AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. OCORRÊNCIA DE LESÃO À ORDEM PÚBLICA CONSIDERADA EM TERMOS DE ORDEM ECONÔMICA. JUÍZO MÍNIMO DE DELIBAÇÃO. 1. Direito Administrativo. Exercício da função administrativa e a possibilidade de controle jurisdicional do mérito das decisões tomadas pela Administração Pública. Arts. 30, 70 e 74, II da Constituição Federal. 2. Lei 4.348/64, art. 4º: configuração de grave lesão à ordem pública: demonstrada a lesão à ordem pública, aqui considerada em termos de ordem econômica, com a determinação de adjudicação e imediata contratação pretendida pelo agravante. Pedido de suspensão de segurança deferido. 3. Agravo regimental improvido[7].

Destarte, sua finalidade é de contracautela. Não é feito um exame sobre o mérito da controvérsia principal.Verifica-se a potencialidade de lesão a interesses públicos proeminentes, de modo que o julgador, para conceder a suspensão, precisa avaliar a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora.


3. QUEM PODE REQUERER A SUSPENSÃO?

Aqueles que integram o conceito de Fazenda Pública podem intentar o pedido de suspensão de segurança. Tanto pessoas de direito público interno, quanto pessoas jurídicas de direito público pertencentes à administração indireta podem fazer o requerimento. Então, a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, as autarquias[8],[9]e fundações públicas[10] podem se valer do expediente[11].

O Superior Tribunal de Justiça, acertadamente, entendeu pela possibilidade de pessoas de direito privado, como por exemplo, concessionárias de serviços públicos, valerem-se do pedido de suspensão, desde que haja interesses públicos envolvidos. Por oportuno, colacionam-se as seguintes ementas:

AgRg na SLS 313 / CE

AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA  2006/0196407-6

Relator(a) Ministro BARROS MONTEIRO (1089)

 Órgão Julgador CE - CORTE ESPECIAL Data do Julgamento 23/11/2006

AGRAVO INTERNO. SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA. EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO. INTERESSE PARTICULAR. ILEGITIMIDADE.

– São partes legítimas para pleitear suspensão de liminar ou de sentença proferidas contra o Poder Público ou seus agentes o Ministério Público ou a pessoa jurídica de direito público interessada (Lei n. 8.437/1992, art. 4º).

– A concessionária de serviço público, atuando na defesa de interesses particulares, não tem legitimidade para pedir a suspensão de liminar (precedentes).

Agravo não provido.

****************

AgRg na SS 1277 / DF

AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA 2003/0201556-8

Relator(a) Ministro EDSON VIDIGAL (1074)

Órgão Julgador CE - CORTE ESPECIAL Data do Julgamento 25/10/2004

AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. BRASIL TELECOM S/A. LICITAÇÃO. FORNECIMENTO DE ACESSO À INTERNET. CONCORRÊNCIA COM EMBRATEL. AUSÊNCIA DE INTERESSE PÚBLICO. ILEGITIMIDADE ATIVA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO. NÃO-CONHECIMENTO DO AGRAVO. SÚMULA Nº 182/STJ.

1. São partes legítimas para pleitear suspensão de execução de decisão, nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, o Ministério Público ou a pessoa jurídica de direito público, nos termos da Lei nº 4.348/64, art. 4º.

2. A jurisprudência dos Tribunais Superiores tem admitido também o ajuizamento da excepcional medida por entidades de direito privado no exercício de atividade delegada da Administração Pública, como as sociedades de economia mista e as concessionárias prestadoras de serviço público, quando na defesa de interesse público, naturalmente.

3. Tal construção jurisprudencial tem a finalidade de assegurar a preservação do interesse público, evitando-se a sobreposição do interesse privado.

4. Evidencia-se a ilegitimidade da Brasil Telecom S/A para propor pedido de suspensão de segurança, tendo em vista que manifesta o intuito de defender interesse próprio, eminentemente particular, pretendendo a adjudicação de contrato com órgão público, em igualdade de concorrência com outra concessionária pública, a Embratel.

5. Constitui pressuposto objetivo de admissibilidade de qualquer recurso a motivação, cumprindo ao recorrente não apenas declinar as razões de seu inconformismo, mas atacar precisamente os fundamentos que embasaram a decisão recorrida (CPC, art. 514, II).

6. Ausente a impugnação dos fundamentos da decisão que negou seguimento ao pedido de suspensão, esta permanece íntegra. Súmula nº 182 do STJ.

7. Agravo Regimental não-conhecido[12].

É que, conforme o Superior Tribunal de Justiça “a empresa pública equipara-se à entidade de direito público, quanto à legitimidade para requerer a suspensão de liminar; quando se relaciona com aspectos públicos ligados à sua área de autuação[13]”.

Por isso, este mesmo tribunal já decidiu ter a “Caixa Econômica Federal legitimidade para requerer a suspensão de segurança, prerrogativa pública de que está investida na qualidade de gestora do FGTS”. Chega o STJ a dizer que a pessoa jurídica de direito público interessada, mesmo que não esteja incluída na relação processual, pode se valer da medida de suspensão[14].

O acerto dos julgados acima reside no fato de que, cada vez mais, dá-se atenção à finalidade perseguida pela entidade e não à sua natureza jurídica[15]. Marcelo Abelha Rodrigues produz lição com a qual se concorda integralmente:

A legitimidade par requerer o pedido de suspensão é explícita no dispositivo legal, que indica ser a pessoa jurídica de direito público interessada. Quando se fala em pessoa jurídica de direito público deve-se entendê-la em seu sentido amplo. Assim como se teve alargado o conceito de autoridade coatora para fins de mandado de segurança, já aceito pela doutrina e jurisprudência, admitindo-se, com base no art. 37, ‘caput’ e § 6º da CF/88, que os agentes públicos delegados de serviços públicos, os prestadores de serviço público, os concessionários ou permissionários poderiam enquadrar-se no esticado conceito de autoridade coatora, ‘mutatis mutantis’, esta parece ser a tendência jurisprudencial no tocante ao conceito de pessoa jurídica de direito público legitimada a requerer a suspensão da segurança. O próprio STJ tem admitido que a empresa pública se equipara a entidade de direito público, quanto à legitimidade para requerer a suspensão de liminar, quando a medida se relacionar com aspectos públicos ligados à sua área de atuação. Esta é a interpretação mais aceita hoje pelos nossos Tribunais, mas ainda existe uma grande corrente, defendida pela brilhante Professora Lúcia Valle Figueiredo, que entende que apenas, e, estritamente, as pessoas jurídicas de direito público em sentido estrito é que teriam a legitimidade para requerer o pedido de suspensão de segurança. Nesse ponto concordamos com a doutrina majoritária e com o caminho trilhado pela jurisprudência. De qualquer forma, é claro que este pedido não poderia nunca ser pleiteado por pessoa física (Suspensão de Segurança, 2000, p. 155).

Em outro estudo, o referido autor assim se posicionou:

A legitimidade para requerer o incidente de suspensão de segurança é da pessoa jurídica de direito público interessada, enfim, aquela que regra geral ocupará a posição jurídica de réu no processo onde foi concedida a decisão. Excepcionalmente, como terceiro interessado, a pessoa jurídica poderá requerer o seu ingresso no feito, já solicitando a suspensão de segurança, mas deve ficar muito claro que a legitimidade para postular o incidente decorre do fato de que é da suposta relação do ente público com interesse público (que sofre o risco de grave lesão com a execução da decisão judicial) que emerge a referida legitimidade conferida pela legislação que cuida do tema.

Exatamente por isso, que o conceito de pessoa jurídica de direito público interessada é aquela que guarda pertinência com o interesse público em estado de ameaça e risco. Por isso, algumas sociedades de economia mista ou empresas públicas, que embora sejam pessoas jurídicas de direito privado, podem postular o incidente quanto o façam em prol da tutela do interesse público a qual, por lei, lhe foi delegada a função pública. Assim é comum que Companhias de Abastecimento de Água (empresa pública), Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil (sociedade de economia mista), etc., possam utilizar-se da medida, se e quando o fizerem em prol da atividade pública que prestam à coletividade.

Ainda, admite-se que determinados órgãos da Administração pública ou entes despersonalizados, tais como a Câmara Municipal, possam manusear a suspensão de segurança, quando as funções públicas que exercem estejam sendo ameaçadas pela execução de decisão mandamental.(Rodrigues, 2007, p. 42).

Ressalte-se que o Supremo Tribunal Federal equipara à entidade de direito público também os órgãos públicos, a despeito de não possuírem personalidade jurídica própria, contanto que a decisão cuja suspensão se requer implique óbice ao desenvolvimento de seu plexo de competências[16]. Foi concedida legitimidade a Prefeito Municipal[17] alijado do exercício do mandato por força decisão judicial, como também ao Procurador-Geral[18] junto ao Tribunal de Contas pelos mesmos motivos.Há também precedente que indica a possibilidade de a Ordem dos Advogados do Brasil se valer do pedido de suspensão ora versado, como segue:

ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. AGRAVO REGIMENTAL. FORMAÇÃO DE LISTA SÊXTUPLA PELA OAB SECCIONAL PARA COMPOSIÇÃO DO QUINTO CONSTITUCIONAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE ALAGOAS. LEGITIMIDADE DA OAB PARA REQUERER A SUSPENSÃO. OFENSA À ORDEM PÚBLICA. INEXISTÊNCIA. MATÉRIA JÁ DEDUZIDA EM CORPO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO, ONDE SE PLEITEIA, LIMINARMENTE, ATRIBUA-SE EFEITO SUSPENSIVO A TAL RECURSO. INEXISTÊNCIA DE POSSÍVEL CONFLITO ENTRE AS DECISÕES TOMADAS EM TAIS RECURSOS, DADA A PREPONDERÂNCIA DA DECISÃO DE NATUREZA JUDICIAL (TOMADA NO RECURSO DO AGRAVO) SOBRE A DE NATUREZA ADMINISTRATIVA (TOMADA NO CURSO DA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA).1. TENDO A OAB NATUREZA DE AUTARQUIA, A INTEGRAR, POIS, A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA, E, CUIDANDO A HIPÓTESE DE PEDIDO DE SUSPENSÃO DE LIMINAR QUE SOBRESTARA PROCESSO DE FORMAÇÃO DE LISTA SÊXTUPLA POR AQUELE ÓRGÃO DE CLASSE, INDISCUTÍVEL SUA LEGITIMIDADE PARA DEDUZIR TAL PEDIDO SUSPENSIVO.2. CONSTITUINDO-SE O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE LISTA SÊXTUPLA, PARA COMPOSIÇÃO DO QUINTO CONSTITUCIONAL, ATO EMINENTEMENTE ADMINISTRATIVO, NÃO REFOGE O MESMO AO CONTROLE JUDICIAL (CF/88, ART. 5º, XXXV);CF/885ºXXXV3. O FATO DO DESPACHO, CUJA SUSPENSÃO SE PEDE, ENCONTRAR-SE ATACADO VIA AGRAVO DE INSTRUMENTO, NÃO HÁ FALAR-SE EM POSSÍVEL CONFLITO DE DECISÕES, NO QUANTO A DECISÃO JUDICIALMENTE TOMADA (NO RECURSO PROCESSUAL) PREVALECERÁ SOBRE A DECISÃO ADMINISTRATIVA (TOMADA NO PEDIDO SUSPENSIVO DE SEGURANÇA);4. NÃO SE IDENTIFICA OFENSA ALGUMA À ORDEM PÚBLICA POR DECISÃO JUDICIAL QUE SUSPENDEU TAL PROCESSO DE ESCOLHA, MÁXIME SE TAL SUSPENSÃO NÃO ACARRETOU QUALQUER PREJUÍZO NAS ATIVIDADES JUDICANTES DO TRIBUNAL DETENTOR DA VAGA A SER PREENCHIDA, QUE, PROVISORIAMENTE, PROVIDENCIOU SEU PREENCHIMENTO POR MAGISTRADO CONVOCADO.5. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO.(6113 AL 2001.05.00.035039-0, Relator: Desembargador Federal Geraldo Apoliano, Data de Julgamento: 25/09/2001, Pleno, Data de Publicação: DJ DATA-04/01/2002 PÁGINA-77)

Ainda, conforme artigo 4º da Lei nº 8.437/1992, também o Ministério Público possui legitimidade para ajuizar o pedido de suspensão, o que reforça a ideiade que qualquer pessoa que possa ajuizar ações coletivas também pode se valer do instituto ora em comento, mesmo porque, “o pedido de suspensão estratifica verdadeira pretensão à tutela de direitos coletivos, que transcendem à pessoa jurídica interessada, exatamente porque se destina à proteção de interesse público relacionado com a ordem, a segurança, a economia e a saúde”(Cunha, A Fazenda Pública em Juízo, 2007, p. 440).[19]


4. COMPETÊNCIA.

A competência para apreciar o pedido de suspensão de segurança pode ser resumida da seguinte forma: cabe ao Presidente daquele Tribunal que teria competência para julgar eventual recurso interposto em face de provimento liminar ou final. Nessa medida, acaso um juiz de primeira instância defira uma medida liminar ou profira uma sentença, incumbirá ao Presidente de seu respectivo Tribunal ad quem analisar o pedido de suspensão.

Cabe lembrar, todavia, que existem casos em que um juiz estadual desempenha competência de juiz federal (art. 109, § 3º, CF). Esta circunstância fará com que o pedido de suspensão seja direcionado ao Presidente do Tribunal Regional Federal daquela área geográfica.Das lições doutrinárias especializadas extrai-se a seguinte explicação:

Assim, tratando-se de suspensão de segurança de liminar ou sentença proferida por juiz de 1º grau de jurisdição (estadual ou federal), o requerimento será feito ao presidente do Tribunal de Justiça estadual ou Tribunal Regional Federal da respectiva região, respeitando-se os critérios que identificam a causa como sendo de competência federal, ou estadual. Segundo o dispositivo legal que regula a suspensão de segurança para estes casos, o art. 4º, da Lei n. 4.348/64, é competente o presidente do Tribunal ‘ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso’ que poderia ser interposto contra a decisão (liminar ou sentença), cuja eficácia se pretende suspender(Rodrigues, Suspensão de Segurança, 2000, p. 156).

Quando a medida liminar postulada for concedida diretamente no Tribunal, deverá ser aplicado o artigo 25, da Lei nº 8.038/90. O pedido de suspensão deverá se manejado perante o STJ ou STF, a depender do tipo de matéria, se infraconstitucional ou constitucional. Esta é a redação do citado dispositivo:

Art. 25. Salvo quando a causa tiver por fundamento matéria constitucional, compete ao Presidente do Superior Tribunal de Justiça, a requerimento do Procurador-Geral da República ou da pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, suspender, em despacho fundamentado, a execução de liminar ou de decisão concessiva de mandado de segurança, proferida, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal.

Ao que nos parece, o dispositivo não comporta maiores dúvidas quanto a sua adequada interpretação. É que, tanto no mandado de segurança (súmula 622, STF), quanto nos demais processos judiciais,notadamente após a vinda da Lei nº 11.187/2005, que veio a modificar o artigo 527, parágrafo único do CPC, não cabe recurso de agravo interno da decisão do relator[20], podendo-se, então, “ajuizar-se, desde logo, a suspensão liminar ao presidente do STF ou do STJ, sendo a matéria, respectivamente, constitucional ou infraconstitucional”(Freedie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha, 2006, p. 350).Este também é o entendimento doutrinário de Cássio Scarpinella Bueno:

...toda vez que o pedido de suspensão tiver fundamento constitucional deve ser dirigido ao Supremo Tribunal Federal. Quando o fundamento for de cunho legal (assim entendida qualquer fundamentação de cunho infraconstitucional), a competência é do Presidente do Superior Tribunal de Justiça. Esse, inequivocamente, o alcance do ‘caput’ do art. 25 da Lei n. 8.038/90(Bueno, 2003, p. 52).

Sobredita interpretação aplica-se ainda, naqueles casos em que, de uma decisão de primeiro grau,interpôs-se agravo de instrumento com o desiderato de reverter ou obter provimento liminar concedido ou negado pela instância inferior. Na linha do exposto, cita-se o teor do parágrafo 5º do art. 4º da Lei nº 8.437/1992, com a redação dada pela MP nº 2.180-35/2001, bem como o art. 15, § 2º da Lei nº 12.016/2009, respectivamente transcritos:

É cabível também o pedido de suspensão a que se refere o § 4º, quando negado provimento a agravo de instrumento interposto contra a liminar a que se refere o artigo.

***************

§ 2º É cabível também o pedido de suspensão a que se refere o § 1o deste artigo, quando negado provimento a agravo de instrumento interposto contra a liminar a que se refere este artigo.

A competência em casos tais será, consequentemente, do STF ou do STJ como mencionado anteriormente. Isto porque, acaso se defenda o entendimento no sentido de que o Presidente do Tribunal poderá analisar o pedido de suspensão de uma decisão proferida pelo relator do recurso de agravo, estar-se-á dizendo, por linhas transversas, que existe primazia hierárquica da presidência para com o relator, o que não é verdade. A doutrina que se reputa correta entende desta forma:

Assim, por exemplo, caso seja concedida pelo relator uma liminar em mandado de segurança de competência originária do Tribunal, o pedido de suspensão da execução da referida decisão deve ser endereçado ao presidente de um dos Tribunais de cúpula (STF ou STJ dependendo se se tratar de matéria constitucional ou não). Se, neste caso, for requerido o pedido de suspensão ao presidente do Tribunal estadual ou federal, então estará havendo usurpação da competência do presidente do Tribunal de cúpula respectivo(Rodrigues, Suspensão de Segurança, 2000, p. 157).

É esta, além disso, ainteligência do Superior Tribunal de Justiça, para quem cabe inclusive Reclamação, se por ventura a Presidência do Tribunal se imiscuir a sustar decisão de relator, verbis:

Rcl 496 / SP RECLAMAÇÃO

1997/0061058-6 Relator(a) Ministro VICENTE LEAL (1103) Relator(a) p/ Acórdão Ministro PAULO COSTA LEITE (353) Órgão Julgador CE - CORTE ESPECIAL Data do Julgamento 19/08/1998

RECLAMAÇÃO. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA.

Hipótese em que, em face de julgamento do recurso, não mais detinha o presidente do respectivo tribunal competência para a suspensão da liminar.

Usurpação, no caso, de competência do presidente do STJ.

Reclamação julgada procedente.

Fica ainda a dúvida: o art. 15, § 2º da Lei nº 12.016/2009 e o parágrafo 5º do art. 4º da Lei nº 8.437/1992 salientam que cabe o pedido de suspensão quando negado provimento a agravo de instrumento interposto contra a liminar a que se refere o artigo.Equivale dizer que não basta que o Poder Público tenha o efeito suspensivo de seu agravo de instrumento negado (quando a liminar for deferida por magistrado de 1º grau), ou mesmo que seja proferida decisão de relator de agravo de instrumento (interposto pelo particular) contrária a seus interesses. Em ambas as hipóteses deverá a entidade pública aguardar o desfecho do julgamento do recurso de agravo, porquanto só cabe a suspensão de segurança, seja para o STJ, seja para o STF, após o esgotamento da instância, a despeito da já citada regra do artigo 527, § único do CPC. Das duas uma, ou a entidade legitimada aguarda o julgamento do agravo pela Câmara ou Turma, ou ajuíza, em face da decisão do relator (a que concede o efeito ativo ou nega o efeito suspensivo) mandado de segurança. É do julgamento final do agravo ou do mandado de segurança (que aqui funcionará como sucedâneo de agravo interno) que nasce o direito à apresentação da suspensão de segurança para o STJ ou STF, a depender da matéria. Sobre o tema[21]:

RECURSO. SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. Inadmissibilidade. Oposição à decisão concessiva de efeito ativo a agravo de instrumento. Caso de Mandado de Segurança. Agravo improvido. Não cabe pedido de suspensão de segurança contra decisão de relator que concede efeito ativo a agravo de instrumento.

(STA 440 AgR, Relator(a):  Min. CEZAR PELUSO (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 12/08/2010, DJe-159 DIVULG 26-08-2010 PUBLIC 27-08-2010 EMENT VOL-02412-01 PP-00001 LEXSTF v. 32, n. 381, 2010, p. 329-332)

Nesse diapasão: 1) acaso a decisão que se vise suspender seja de juiz de primeiro grau, o pedido de suspensão deve ser dirigido ao Presidente do Tribunal hierarquicamente superior; 2) caso haja pronunciamento do Tribunal de 2º grau, seja ele originário ou não, o pedido de suspensão deverá ser intentado perante o STF ou STJ, a depender de a matéria ser constitucional ou infraconstitucional; 3) se, equivocadamente, na hipótese supra, manejar-se o pedido de suspensão perante a presidência do Tribunal local, sendo este admitido, poderá a parte prejudicada se valer da Reclamação, na medida em que se estará diante de usurpação de competência dos Tribunais Superiores, conforme entendimento jurisprudencial retro.


5. PROCEDIMENTO DO PEDIDO DE SUSPENSÃO.

A parte que pretenda intentar o pedido de suspensão de segurança deverá elaborar petição dirigida ao Presidente do Tribunal competente para apreciá-la. Não há necessidade de maiores formalidades. Se exige, tão-só, que o petitório seja elaborado com uma narrativa clara e fundamentada de forma a demonstrar porquea decisão, cuja suspensão de efeitos se pede, fere a saúde, a economia, a segurança ou a ordem pública.

O Presidente do Tribunal, recebendo a supracitada petição pode: a) determinar sua emenda; b) denegar o pedido; c) instaurar o contraditório e determinar a intimação do autor da demanda originária ou do Ministério Público, para que apresentem suas razões, no prazo de 72 (setenta e duas) horas, conforme preconizado pelo art. 4º, § 2º da Lei nº 8.437/92; c) conceder, liminarmente, o pedido, paralisando os efeitos da decisão contrastada, acasovisualize, de pronto, a plausibilidade do direito invocado e a urgência na concessão da suspensão (art. 4º, § 7º, da Lei nº 8.437/92 e art. 15 da Lei nº 12.016/2009).

Apesar de não haver norma acerca do tema, reputa-se conveniente que a parte apresente o pedido de suspensão, junte ao seu requerimento os documentos tidos como essenciais à sua apreciação, sob pena de, em não os colacionar, determinar-se sua apresentação, através de ordem de emenda à petição[22]. Logo, deve, sob nossaótica, ser entendido com alguma ressalva o entendimento doutrinário que sustenta que “o requerimento de suspensão também, por óbvio, não comporta dilação probatória, devendo a postulante trazer com o pedido todos os documentos que sustentem as afirmativas de potencial agressão aos interesses públicos tutelados”(Northfleet, p. 188).

Parece-nos que o formalismo exacerbado caminha na contramão do princípio do livre acesso ao judiciário (art. 5º, XXXV, CR/88). O mesmo se diga quanto à máxima efetividade constitucional técnica que, segundo UadiLammêgoBulos, tem como desiderato “imprimir eficácia social ou efetividade às normas constitucionais, extraindo-lhes o maior conteúdo possível, principalmente em matéria de direitos fundamentais”(Bulos, 2007, p. 336). Impossibilitar a apresentação de documentos, que eventualmente não tenham sido trazidos no momento de apresentação do requerimento,contraria, com a devida venia, o princípio da instrumentalidade das formas, explicado pela doutrina desta forma: “Por este princípio, a forma se destina a alcançar um fim. Essa é a razão pela qual a lei regula expressamente a forma em muitos casos. Mas, não obstante expressa e não obstante violada, a finalidade em vista pela lei pode ter sido alcançada. Para a lei isso é o bastante, não havendo razão para anular-se o ato”(Santos).

É claro que, se o pedido for devidamente instruído, mas não contiver em seu bojo razões suficientes para convencer o julgador acerca de seu deferimento, pode ele, indeferi-lo de plano, sem necessidade de instaurar-se o contraditório, até porque não haverá prejuízo para a parte adversa. Se, todavia, a um primeiro olhar, o Presidente vier a entedender pela admissão do requerimento, inclinando-se pela suspensão liminar dos efeitos das decisões, deverá ser instaurado o contraditório. Neste caso, devem ser intimados o Ministério Público e o autor para apresentarem suas respectivas manifestações, tal como disposto no artigo 4º, § 2º, da Lei nº 8.437/92, verbis:

O presidente do Tribunal poderá ouvir o autor e o Ministério Público, em setenta e duas horas.

É que, o substantive dueprocessoflaw:

impõe a justiça razoabilidade das decisões restritivas a direitos. Vale dizer, parte do pressuposto de que não basta a garantia da regular instauração formal do processo para assegurar direitos e liberdades fundamentais, pois vê como indispensável que as decisões a ser tomadas nesse processo primem pelo sentido de justiça, de equilíbrio, de adequação, de necessidade e proporcionalidade em face do fim que se deseja proteger.(Júnior, 2008, p. 677)[23].

Logicamente, se o tempo entre a instauração do contraditório prévio e a eventual concessão da suspensão puder vir a causar grave lesão ao patrimônio público, poderá aquele, ser diferido, até porque não existem direitos fundamentais absolutos[24], que não comportam relativização. Estar-se-á diante de evidente colisão entre o princípio da efetividade do processo (art. 5º, XXXV, da CR/88) e o do contraditório (art. 5º, LV, CR/88), que deverá ser dirimido por meio da proporcionalidade.

Nas palavras de Paulo Bonavides, para tais casos, o princípio da proporcionalidade pretende instituir “a relação entre fim e meio, confrontando o fim e o fundamento de uma intervenção com os efeitos desta para que se torne possível o controle do excesso.”(Bonavides, 2003, p. 393).

Ainda segundo o autor supra, os elementos que compõem o princípio da proporcionalidade são três, a saber: a) a pertinência ou aptidão, que revela “se determinada medida representa ‘o meio certo para levar a cabo um fim baseado no interesse público’”(Bonavides, 2003, pp. 396-397), examinando-se, pois, “a adequação, a conformidade ou a validade do fim”(Bonavides, 2003, p. 397), de modo a analisar se a medida é suscetível de atingir o fim escolhido; b) a necessidade, que indicará se a medida “não há de exceder os limites indispensáveis à conservação do fim legítimo que se almeja”(Bonavides, 2003, p. 397), de forma que se houver mais de uma medida que igualmente atendam à consecução de um fim, deve ser eleita aquela que seja menos nociva aos interesses do cidadão; c) a proporcionalidade (em seu sentido estrito), que conduz o agente público à escolha de meio que, no caso específico, mais leve em conta o conjunto de interesses em jogo(Bonavides, 2003, pp. 397-398).

Concorda-se, com Leonardo José Carneiro da Cunha, para quem:

a obediência do contraditório não poderia chegar ao ponto de subtrair da prestação jurisdicional a efetividade garantida pelo mesmo texto constitucional, fazendo com que pereça o direito da parte, sobretudo quando se trata da Fazenda Pública, que tem subjacente o interesse público primário a ser tutelado e que precisa de um provimento de urgência destinado a conferir penhor e efetividade à sua postulação de contracautela.(A Fazenda Pública em Juízo, 2007, p. 453).


6. DURAÇÃO DA SUSPENSÃO.

O pedido de suspensão pode ser ajuizado enquanto perdure o risco de grave lesão aos interesses públicos a que ele se presta a resguardar. Então, não tendo o processo transitado em julgado e existente grave risco ao interesse público caberá o pedido de suspensão.

A questão que se coloca mais interessante é a de sua ultra-atividade, pois, nos termos do artigo 4º, § 9º da Lei nº 8.437/92, acolhido o pleito de suspensão, a sustação dos efeitos da medida liminar ou final “vigorará até o trânsito em julgado da decisão de mérito na ação principal”.

Entretanto, como visto alhures, dentre os diplomas normativos que tratam da suspensão de segurança estava a Lei nº 4.348/64 (hoje revogada) e a Lei nº 8.437/92. A primeira, regulava a aplicação do instituto expressamente para o mandado de segurança e a segunda é tida como verdadeiro diploma normativo geral sobre o tema[25].

Assim, na forma disposta no antigo § 2º, do artigo 4º da Lei nº 4.348/64, mostra-se aplicável ao mandado de segurança o que se encontra descrito nos §§ 5º a 8º, do art. 4º da Lei nº8.437/92, os quais nada falam acerca da duração da suspensão concedida, que, como visto, é assunto do parágrafo 9º desta última lei.

Primeiramente, poder-se-ia interpretar este vácuo normativo como um verdadeiro silêncio eloquente, pois se a suspensão é medida de exceção, não tendo o legislador destinado ao mandado de segurança o tratamento conferido pelo artigo 4º, § 9º da Lei nº 8.437/92, não caberia ao operador do direito, por meio de interpretação extensiva, ampliar o alcance da específica regra do já revogado § 2º, do artigo 4º da Lei nº 4.348/64 (que apenas remetia o intérprete aos §§ 5º a 8º da Lei nº 8.437/92 e não ao § 9º). Em outras palavras, se no antigo regime apenas havia remissão legislativa aos §§ 5º a 8º da Lei nº 8.437/92, questionava-se a possibilidade de ser aplicado ao mandado de segurança a ultra-atividade disposta no § 9º da mesma lei.

Entendendo-se de tal maneira, parece-nos que se estaria defendendo uma interpretação deveras estreita, a qual “só poderia subsistir nos casos de absoluta clareza verbal, o que já vimos é muito raro”(Torres, 2006, p. 203). É que, “O brocardo ‘in clariscessatinterpretatio’ não pode ser elevado a categoria de princípio de interpretação, embora tenha recuperado em parte o seu prestígio (...). Procura-se hoje o meio-termo, reconhecendo-se que a zona de clareza existente na lei enfraquece a atividade do intérprete, o que, todavia, não significa reduzir a interpretação ao só método literal”(Torres, 2006, p. 58).

Não existe razão jurídica para se emprestar um tratamento diferenciado às demandas ventiladas em mandado de segurança ou em outras ações. Parece-nos, com o devido acatamento, que o mais correto é aplicar o regramento oferecido pela norma geral (Lei nº 8.437/92) à suspensão de segurança obtida em sede de ação mandamental, quanto mais se hoje está revogada a Lei nº 4.348/64. Aliás, conforme a doutrina:

Como o pedido de suspensão existe para que se preserve o interesse público primário, evitando-se a consumação de grave lesão à ordem, à saúde, à economia ou à segurança públicas, seria desgastante, arriscado, temerário e até contrário ao interesse público, exigir que o Poder Público tivesse que ajuizar ‘novo’ pedido de suspensão, desta feita de nova decisão, quando ainda persistem os ‘mesmos’ motivos que renderam ensejo ao deferimento da suspensão de liminar.(Cunha, A Fazenda Pública em Juízo, 2007, p. 459).

O Supremo Tribunal Federal entendeu desta forma, tal como se observa do conteúdo da súmula nº 626, cuja redação segue:

a suspensão da liminar em mandado de segurança, salvo determinação em contrário da decisão que a deferir, vigorará até o trânsito em julgado da decisão definitiva de concessão da segurança ou, havendo recurso, até a sua manutenção pelo supremo tribunal federal, desde que o objeto da liminar deferida coincida, total ou parcialmente, com o da impetração.

O Supremo Tribunal Federal é bem incisivo neste ponto, consignando, expressamente que “o posterior deferimento da segurança, por si só, não afeta a continuidade dos efeitos da suspensão de liminar, que se determinou[26]”.

Extrai-se da inteligência da referida súmula que a ultra-atividade somente subsistirá acaso a decisão subsequente à suspensão seja proferida sob as mesmas condições de fato e de direito. Mantendo-se idênticas tais condições, a suspensão da liminar perdura até o trânsito em julgado do processo.Cabendo até Reclamação, se por ventura vier a ser desrespeitadoo ato do Presidente do STF que determinou a suspensão de segurança. A posição doutrinária a seguir é bastante coerente. Vale o registro:

...viu-se que na hipótese de suspensão de tutela jurisdicional cautelar ou antecipatória, a produção de seus efeitos se estendem até o trânsito em julgado da tutela jurisdicional definitiva que confirmou, ratificou ou incorporou os termos desta mesma tutela jurisdicional cautelar ou antecipatória ou até a confirmação dos termos desta mesma tutela jurisdicional definitiva pelo Superior Tribunal de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Federal, em julgamento de recurso especial ou extraordinário contra ela interposto. Tal extensão automática de efeitos, denominada por parcela da doutrina como ‘efeito ultra-ativo da tutela jurisdicional suspensiva’, somente pode verificar-se quando o conteúdo da tutela jurisdicional cautelar ou antecipatória seja coincidente, total ou parcialmente, com o conteúdo da tutela jurisdicional definitiva, sendo esta mera confirmação ou ratificação da primeira. Em hipóteses diversas prevalece a regra geral de que a tutela jurisdicional suspensiva possui conteúdo específico, restando impossibilitada a automática extensão dos seus efeitos para outros provimentos jurisdicionais.

A ultra-atividade dos efeitos da tutela jurisdicional suspensiva, nestas hipóteses, decorre, como visto, da própria causa que justifica a existência do instituto”(Bezerra, 2009, p. 268).

Dos exemplificativos julgados abaixo, se vê que a questão, muito embora cause celeumas doutrinárias, é bastante pacificada na jurisprudência (vide súmula 626, supra). A conclusão do tema, portanto, é a de que “A vigência temporal da decisão da suspensão de segurança, quando o objeto da liminar deferida é idêntico ao da impetração, deve ser entendida de acordo com o art. 4º, § 9º, da Lei n. 8.437/1992, ou seja, até o trânsito em julgado da decisão de mérito na ação principal. Exegese condensada no verbete n. 626 da Súmula do Pretório Excelso[27]”. Ainda no mesmo sentido:

Rcl 429 / SC - SANTA CATARINA

RECLAMAÇÃO

Relator(a):  Min. OCTAVIO GALLOTTI

Julgamento:  14/10/1993

Órgão Julgador:  Tribunal Pleno

Persiste, após a concessão da segurança pelo Tribunal estadual, a decisão do Presidente do Supremo Tribunal, que, fundada no art. 4º da Lei nº 4.348-64, suspendeu a execução de liminar dotada dos mesmos efeitos do mandado deferido no mérito. Reclamação julgada procedente por maioria de votos.

Resumidamente: a decisão concessiva de suspensão de segurança produz efeitos até o trânsito em julgado do feito principal. Resultada orientação pretoriana, portanto, que com o termo final do processo não há mais lugar para feitura do pedido de suspensão, sob pena de este assumir contorno rescisório, fato que desvirtuaria sua finalidade.


7. AGRAVO INTERNO E PEDIDO DE SUSPENSÃO.

A temática envolvendo o cabimento do agravo interno face à decisão do Presidente do Tribunal que defere ou indefere o pedido de suspensão é envolvida por grandiosas polêmicas.

Explica-se: o parágrafo 3º do artigo 4º da lei nº 8.437/1992 dispõe que: “§ 3º - Do despacho que conceder ou negar a suspensão, caberá agravo, no prazo de cinco dias”. Entretanto, quando se está a falar de pedido de suspensão relativo ao mandado de segurança, existia, como dito, legislação específica, in casu, a Lei nº 4.348/64, que em seu artigo 4º, somente antevia a possibilidade de manejo de agravo interno da decisão que defere o pleito de suspensão, fixando ainda o interregno de 10(dez) e não de 05 (cinco)dias, como feito pelo citado parágrafo 3º do artigo 4º da lei nº 8.437/1992.Esta mesma regra, inclusive no que toca ao limitador de cabimento do agravo apenas para a decisão que defere a suspensão, hoje, encontra-se prevista no artigo 15[28] da Lei nº 12.016/09.

Diante de tal quadro, pergunta-se: em se tratando de pedido de suspensão em mandado de segurança cabe ou não agravo interno da decisão denegatória do Presidente do Tribunal?

Poder-se-ia dizer que na ausência de disposição expressa não haveria possibilidade de da interposição do agravo interno. Este fato (ausência de previsão legal) levou tanto o Supremo Tribunal Federal, quanto o Superior Tribunal de Justiça, a firmarem inteligência no sentido do não cabimento. Tais entendimentos chegaram a ser sumulados, a teor do que se vê das orientaçõesnºs 506, STF e 217, STJ, que seguem transcritas:

STF, súmula nº 506: o agravo a que se refere o art. 4º da Lei n. 4.348, de 26.6.1964, cabe, somente, do despacho do presidente do Supremo Tribunal Federal que defere a suspensão da liminar, em mandado de segurança; não do que a denega.

*****************

STJ, súmula 217: Não cabe agravo de decisão que indefere o pedido de suspensão da execução da liminar, ou da sentença em mandado de segurança.

Felizmente ambos os Tribunais cancelaram os referidos entendimentos. Quanto ao Supremo Tribunal Federal, extrai-se de seu Informativo de Jurisprudência de nº 295, que o Plenário desta Corte, apreciando a SS(AgR) 1945- AL assim se manifestou:

O Tribunal, por maioria, resolvendo questão de ordem suscitada pelo Min. Gilmar Mendes, decidiu pelo cabimento de agravo regimental contra despacho do Presidente do Supremo Tribunal Federal que indefere o pedido de suspensão de segurança, cancelando, portanto, o Verbete 506 da Súmula do STF ("O agravo a que se refere o art. 4º da Lei 4.348, de 26.06.1964, cabe somente, do despacho do Presidente do Supremo Tribunal Federal que defere a suspensão da liminar, em mandado de segurança, não do que a denega."). Vencido o Min. Sepúlveda Pertence, que rejeitava a questão de ordem e mantinha o Verbete da Súmula até que o Tribunal revisse o não-cabimento de agravo regimental contra decisão de relator que concede ou indefere liminar em mandado de segurança. Vencido, também, o Min. Marco Aurélio, Presidente, que não conhecia do agravo regimental por incabível. Em seguida, apreciando o mérito do agravo regimental, o Tribunal, por maioria, deu-lhe provimento para deferir o pedido de suspensão da segurança pela ocorrência de grave lesão à economia pública do Estado de Alagoas, vencido o Min. Marco Aurélio, que mantinha a decisão agravada.

O Superior Tribunal de Justiça seguiu no mesmo trilho, a teor do que se observa do Informativo nº177, em que o referido tribunal, de maneira contrária ao que até então prescrevia a já citada súmula de n.º 217,admitiu no julgamento do Agr em SS nº.1166-SP, Relator o Ministro Nilson Naves, a viabilidade de apresentação de Agravo Interno tanto no caso de concessão, como no de denegação da suspensãoda segurança.

Mostra-se acertada a mudança, porquanto sendo a Lei nº 8.437/92 verdadeira norma geral relacionada com o pedido de suspensão de segurança, e, contendo dito diploma, regra possibilitando a utilização do agravo interno tanto nas hipóteses de concessão, quando nas de denegação do pleito suspensivo (parágrafo 3º do artigo 4º da lei nº 8.437/1992), é de se aplicar o referido regramento.

Fica, todavia, outra pergunta: em que prazo deverá ser manejado o recurso? É preciso relembrar que o artigo 4º da lei nº 4.348/64 previa o prazo de 10 (dez) dias, e apenas para os casos de deferimento do pedido de suspensão, ao passo que a lei nº 8.437/1992, em seu multicitado artigo 4º, § 3º, fixa o lapso de 05 (cinco) dias, tanto para o deferimento, quanto para o indeferimento.

Vale lembrar, com esteio em prestigiada doutrina que “não se aplica o art. 188 do CPC, não havendo prazo em dobro. O prazo para interposição do agravo interno é de 5 (cinco) dias. O Supremo Tribunal Federal sempre aceitou a aplicação do prazo em dobro para o agravo interno. E continua aceitando, a não ser para aqueles casos em que há prazo legal ‘específico’. Não se aplica o art. 188 do CPC para o agravo interno previsto no art. 4º da Lei nº 8.437/92, que incide também no processo de mandado de segurança. É que se trata de prazo legal ‘específico’, relativo ao agravo a ser interposto contra a decisão que denega o pedido de suspensão(Fredie Didier Jr e Leonardo José Carneiro da Cunha, 2011, p. 510)”.

Aceita-se a proposição doutrinária, cujo sentido se retrata, com as pertinentes modificações, ante a revogação da Lei nº 4.348/64: i) deferimento do pedido de suspensão: cabimento do agravo interno, na forma do artigo 15, da Lei nº 12.016/09, no prazo de 05 (cinco) dias; ii) indeferimento do pedido de suspensão: cabimento do agravo interno, na forma do artigo 4º, § 3º, da Lei nº 8.437/1992, no prazo de 05 (cinco) dias(Cunha, A Fazenda Pública em Juízo, 2007, p. 465)[29].


8. RENOVAÇÃO DO PEDIDO.

Como visto, a sistemática, a título de competência para apreciação do pedido de suspensão é simples, podendo assim ser resumida: i) no caso de decisão de juiz de 1º grau que concede provimento de urgência (liminar em sentido amplo) ou sentença, o pedido de suspensão é endereçado ao Presidente do Tribunal; ii) quando a decisão liminar é concedida, em grau recursal ou originariamente pelo tribunal, o pedido de suspensão é dirigido ao Presidente do STF ou STJ, a depender da causa de pedir versar sobre matéria constitucional ou infraconstitucional.

Acontece que se o pedido de suspensão de liminar ou sentença favorável vier a ser negado pelo Presidente do Tribunal a entidade legitimada deverá manejar o respectivo agravo interno, o mesmo ocorrendo com o autor da demanda que, se sentido prejudicado pelo deferimento no tribunal, do pedido de suspensão elaborado pela entidade pública.

Diante disso, é preciso fazer, ou mesmo reiterar as seguintes perguntas: da decisão proferida em sede de agravo interno,na qual o tribunal, por meio do órgão competente ou de seu plenário negue o pedido de suspensão, cabe outro pleito suspensivo? Dirigido a quem? Cabe também recurso especial e extraordinário?

No pertinente ao terceiro questionamento, lembre-se que o STF[30] e o STJ atribuem à decisão do pedido de suspensão um caráter político-administrativo.Retiram, por tal circunstância, a possibilidade de utilização dos citados recursos excepcionais, que controlam, como se sabe, matéria de estrito direito. Ilustra-se a fala com a orientação do STJ, verbis:

PROCESSUAL CIVIL. SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SEGURANÇA. ART. 4º DA LEI 4.348/64. JUÍZO POLÍTICO. RECURSO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.4º4.34871. O juízo formulado em pedido de suspensão de liminar e de segurança é essencialmente político. Exige do julgador que o exame da presença dos requisitos encartados no art. 4º da Lei 4.348/64 dependa da interpretação dessa norma a partir das circunstâncias de fato de cada caso, mormente em se considerando a vagueza dos conceitos de "grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas".4º4.3482. Para se verificar a suposta ofensa ao dispositivo legal referenciado, seria imprescindível revolver os elementos de fato e a prova de cada caso, providência vedada em recurso especial ante o enunciado da Súmula 7/STJ. Precedentes.3. Recurso especial não conhecido

(622554 SP 2004/0004915-0, Relator: Ministro CASTRO MEIRA, Data de Julgamento: 11/12/2006, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJ 01.02.2007 p. 446)

Assim, a Fazenda, que não logrou êxito em suspender através de pronunciamento do Presidente do Tribunal, a liminar ou sentença de primeiro grau, e que novamente viu sua pretensão não ser acolhida em sede de agravo interno, poderá oferecer novo pedido de suspensão, na forma do artigo 4º, parágrafo 4º, da lei nº 8.437/92, que assim se encontra redigido: “§ 4º Se do julgamento do agravo de que trata o § 3º resultar a manutenção ou o restabelecimento da decisão que se pretende suspender, caberá novo pedido de suspensão ao Presidente do Tribunal competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.180-35, de 2001)”.

Com efeito, tem-se um outro pedido de suspensão[31] para o correlato Tribunal Superior, “o qual irá, no caso, suspender ou não uma decisão de um juízo de primeira instância, num verdadeiro pedido de suspensão ‘por salto de instância’”(Cunha, A Fazenda Pública em Juízo, 2007, p. 467).

Observe-se que de acordo com a Lei nº 8.437/92 não se pode confeccionar o pedido de suspensão dirigindo-o diretamente ao STF ou STJ. Depende-se, primeiro, de uma espécie de “esgotamento de instância”, levado a efeito pela apresentação do agravo interno e de seu correspondente julgamento, porquanto, somente da decisão plenária ou de órgão especial no âmbito do agravo, é que será oportunizado um novo pedido de suspensão.

A ressalva fica por conta do procedimento do mandado de segurança, eis que a legislação específica, ao que tudo indica não condiciona a feitura do “novo” pedido de suspensão ao julgamento do agravo interno. Pela pertinência, eis que o § 1º do artigo 15 da Lei nº 12.016/09: “§ 1º Indeferido o pedido de suspensão OU provido o agravo a que se refere o caput deste artigo, caberá novo pedido de suspensão ao presidente do tribunal competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário”.

Logo, ao que tudo indica, são duas, em sede de mandado de segurança, as possibilidades de confecção de novo pedido de suspensão de segurança: (i) decisão proferida pelo Presidente do Tribunal que indefere o pedido originário de suspensão de liminar ou sentença, hipótese em que, em verdadeiro salto, oferta-se um novo pedido, este dirigido ao STJ ou ao STF, a depender da matéria; (ii) decisão contrária aos interesses do poder público (logicamente atendidos os pressupostos específicos do pedido de suspensão) em sede de agravo interno.

Ainda que em tom de crítica, a doutrina parece concordar com o fato de que a sistemática da ‘renovação’ do pedido de suspensão é diversa no procedimento do mandado de segurança. Eis, verbi gratia, a seguinte passagem: “Pelo texto, a apresentação de pedido de suspensão junto aos Tribunais Superiores não está condicionada à interposição do recurso especial e/ou do extraordinário, bastando a demonstração de interesse processual na concessão da medida(Comentários à nova lei do mandado de segurança, 2009, p. 135)”.

Em julgado proferido em pedido de suspensão formulado em meio a uma ação ordinária, o STF adotou o entendimento de que não cabe a feitura de novo pedido de suspensão antes de finalizado o julgamento do agravo interno[32]. Eis o trecho:

(...)Não se desconhece a existência de isolada decisão monocrática do Ministro GILMAR MENDES , quando Presidente do Tribunal, na SL nº 297 , no sentido de admitir, em situações rigorosamente excepcionais, o julgamento per saltum do pedido de suspensão.Mas tenho reservas quanto ao entendimento pessoal do então Presidente da Corte, e, por isso, mantenho a exegese sistemática adotada por meus antecessores, de que o julgamento de suspensão por esta Corte, quando pendente recurso de agravo contra idêntica medida na instância a quo, constitui inaceitável supressão de instância. Convém ter presente que os incidentes processuais de suspensão de liminar, de segurança e de tutela antecipada, constituem medidas excepcionais, que devem ser tratados com o rigor que a excepcionalidade da medida exige, considerando-se a organicidade do Direito (SL nº 188, Rel. Ministra ELLEN GRACIE, DJe de 31.1.2008). A admissão de dois pedidos de suspensão em trâmite simultâneo aproxima o instituto de verdadeira e inaceitável loteria jurídica, pois, além dos diversos recursos disponíveis no ordenamento processual, a Fazenda Pública ainda contaria com duas medidas excepcionais ao mesmo tempo! A doutrina também não admite o trâmite simultâneo de dois pedidos de suspensão: Admite-se, como se observa, a renovação do pedido de suspensão para o respectivo Tribunal Superior, o qual irá, no caso, suspender ou não uma decisão de um juízo de primeira instância, num verdadeiro pedido de suspensão por salto de instância, assemelhando-se à hipótese do recurso extraordinário por salto de instância do Direito argentino. A renovação somente é permitida após o julgamento proferido no agravo interno. Ainda que rejeitado o pedido de suspensão, a Fazenda Pública não poderá, desde logo, renová-lo ao Tribunal Superior. Deverá, antes disso, interpor o agravo interno e aguardar seu julgamento. Confirmada, no julgamento do agravo interno, a rejeição do pedido suspensão, caberá, somente a partir daí, sua renovação para o Presidente do respectivo Tribunal Superior. (grifos do original) . Ademais, o rito imposto pela Lei nº 8.437/92 permite rápida solução do caso. É que, após a decisão do Presidente, se abre exíguo prazo de cinco dias para recurso, com julgamento, ex vi legis, na sessão seguinte à interposição. 3. Ante o exposto, nego seguimento ao pedido (art. 21, § 1º, do RISTF). 5. Ante o exposto, indefiro o pedido. Publique-se. Brasília, 26 de abril de 2012.Ministro Ayres Britto.

Diante disso, afora no procedimento do mandado de segurança, somente quando promovido o “esgotamento de instância”, por meio da correspondente apreciação do, agora cabível, agravo interno, é que deverá ser acolhida a formulação do requerimento de suspensão de segurança ao Tribunal Superior.


9. A EXISTÊNCIA DE DECISÕES SIMILARES.

Sobre este ponto, conforme artigo 4º, § 8º da Lei nº 8.437/92, também aplicável ao MS, mas por força do § 5º do artigo 15 da Lei nº 12.016/09, é possível estender os efeitos da suspensão concedida a outras liminares e/ou sentenças de conteúdo idêntico, obtidas em outros processos.

Eis o citado § 8° do art. 4° da Lei n° 8.437/1992, “as liminares cujo objeto seja idêntico poderão ser suspensas em uma única decisão, podendo o presidente do tribunal estender os efeitos da suspensão a liminares supervenientes, mediante simples aditamento do pedido original”.

Tem-se aqui, um duplo objetivo: i) evitar o efeito multiplicador de uma determinada decisão obtida; ii) uniformizar a jurisprudência.

As observações de José Miguel de Garcia Medina e Fábio Caldas de Araújo são precisas e por merecem alusão:

Incorporando regra advinda da Lei 8.437/92 (art. 4º, § 8º), o art. 15, § 5º, da Lei 12.016/2009 estabelece um mecanismo de controle coletivo das liminares concedidas sobre um mesmo objeto. Este efeito expansivo procura facilitar a defesa da pessoa jurídica de direito público, que poderá, inclusive, aditar o pedido de suspensão inicialmente formulado, para incluir outras liminares supervenientes. Há um autêntico efeito ‘erga omnes’, que não é automático, mas que depende exclusivamente de mera indicação e comprovação de identidade de objeto quanto ao pedido formulado pelo impetrante já prejudicado com a suspensão(José Miguel Garcia Medina e Fábio Caldas de Araújo, 2009, p. 182).

Trata-se de verdadeira medida de economia processual, porquanto permite-se que, através de uma decisão, o presidente do tribunal suspenda, várias liminares de conteúdo igual, fazendo-se com que tal pronunciamento alcance novas liminares que venham ser conferidas ulteriormente, evitando-se, em uma só tacada, que pronunciamentos de conteúdo diverso tenham eficácia.


10. CONCLUSÕES.

Como encerramento, são aqui expostas breves conclusões:

1. Em que pese o nome suspensão de segurança sugerir aceitação restrita ao mandado de segurança, hoje, cabe o pedido de suspensão nesta modalidade de demanda (art. 25, Lei nº 8.038/90 e art. 15, Lei nº 12.016/2009), em ação civil pública (art. 12, § 1º, Lei nº 7.347/85), em processos cautelares e de ação popular (art. 4º, Lei nº 8.437/92), bem como em pedidos de antecipação de tutela e habeas data (arts. 1º e 16º, Leis nºs 9.494/97 e 9.507/97, respectivamente).

2. A suspensão de medida cautelar ou da concessão de segurança não se destina a refutar ou reformar o provimento cautelar deferido, mas apenas a sustar os seus efeitos, porquanto o instituto em questão detém finalidade acautelatória/preventiva, manejada através de incidente processual.

3. Independentemente de se atribuir natureza administrativa, política ou judicial, não restam dúvidas de que o pedido de suspensão constitui incidente processual, com fim de contracautela.

4.  Tem legitimidade para manejar a suspensão a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, as autarquias e fundações públicas, além de concessionárias de serviços públicos, empresas públicas e sociedades de economia mista, quando o pedido se relaciona com aspectos públicos ligados à sua área de autuação. Além disso, o Supremo Tribunal Federal equipara à entidade de direito público, também os órgãos públicos, a despeito de não possuírem personalidade jurídica própria, contanto que a decisão cuja suspensão se requer implique óbice ao desenvolvimento de seu plexo de competências. Já foi concedida legitimidade a Prefeito Municipal alijado do exercício do mandato por força decisão judicial, como também ao Procurador-Geral junto ao Tribunal de Contas pelos mesmos motivos. Há também precedente que indica a possibilidade de a Ordem dos Advogados do Brasil, e, conforme artigo 4º da Lei nº 8.437/1992, o Ministério Público se afigura como parte legitimada.

5.  título de competência cabe ao Presidente daquele Tribunal que teria competência para julgar eventual recurso interposto em face de provimento liminar ou final.

6. É feito por meio de petição simples, de modo que não há necessidade de maiores formalidades.Exige-se, tão-só, que o petitório seja elaborado com uma narrativa clara e fundamentada de forma a demonstrar por que a decisão, cuja suspensão de efeitos se pede, fere a saúde, a economia, a segurança ou a ordem pública.

7. Conforme súmula 626, STF “a suspensão da liminar em mandado de segurança, salvo determinação em contrário da decisão que a deferir, vigorará até o trânsito em julgado da decisão definitiva de concessão da segurança ou, havendo recurso, até a sua manutenção pelo supremo tribunal federal, desde que o objeto da liminar deferida coincida, total ou parcialmente, com o da impetração”.

8. Ante a revogação da Lei nº 4.348/64: i) deferimento do pedido de suspensão: cabimento do agravo interno, na forma do artigo 15, da Lei nº 12.016/09, no prazo de 05 (cinco) dias; ii) indeferimento do pedido de suspensão: cabimento do agravo interno, na forma do artigo 4º, § 3º, da Lei nº 8.437/1992, no prazo de 05 (cinco) dias.

9. Afora no procedimento do mandado de segurança, somente quando promovido o esgotamento de instância, por meio da correspondente apreciação do, agora cabível, agravo interno, é que deverá ser acolhida a formulação do requerimento de suspensão de segurança ao Tribunal Superior.

10. Permite-se que, através de uma decisão, o presidente do tribunal suspenda, várias liminares de conteúdo igual. Tal pronunciamento irá alcançar novas liminares que venham ser conferidas ulteriormente. Evita-se, em uma só tacada, que pronunciamentos de conteúdo diverso tenham eficácia.


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Notas

[1] Hoje a referida lei se encontra revogada ante a sobrevinda da lei nº 12.016/2009, conforme artigo 29 deste último diploma legal, verbis: “Art. 29.  Revogam-se as Leis nos 1.533, de 31 de dezembro de 1951, 4.166, de 4 de dezembro de 1962, 4.348, de 26 de junho de 1964, 5.021, de 9 de junho de 1966; o art. 3o da Lei no 6.014, de 27 de dezembro de 1973, o art. 1o da Lei no 6.071, de 3 de julho de 1974, o art. 12 da Lei no 6.978, de 19 de janeiro de 1982, e o art. 2o da Lei no 9.259, de 9 de janeiro de 1996”.

[2] Em manifesta imprecisão, o Superior Tribunal de Justiça, 2ª T., quando do julgamento do REsp nº 213.491/RJ, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, em 16.05.200, DJ 19.06.2000, chegou a classificar a suspensão de segurança, equivocadamente, como recurso.

[3] Marcelo Abelha Rodrigues consigna a respeita da suspensão de segurança e de seu caráter não-recursal o seguinte: “Não é recurso porque em momento algum o instituto é utilizado para reexame de eventuais erros ‘in judicando’ ou ‘in procedendo’ da decisão judicial. Enfim, não tem a finalidade de levar ao conhecimento ou julgamento do Presidente do Tribunal (órgão competente para julgá-lo) qualquer tipo de erro da decisão judicial proferida contra o Poder Público. Faltam-lhe, portanto, inúmeros aspectos atinentes aos recursos, tais como a tempestividade, o preparo, a tipicidade, a devolutividade, a legitimidade, a competência etc. Não é demais repetir que o pedido de suspensão requerido ao Presidente do Tribunal não pretende a reforma ou anulação da decisão, o que significa dizer que, mesmo depois de concedida a medida, o conteúdo da decisão permanecerá incólume” (Rodrigues, Apresentação e crítica de alguns aspectos que tornam a suspensão de segurança um remédio judicial execrável, 2007, pp. 40-41).

[4] Merece alusão a ponderação doutrinária: “Entretanto, é oportuno observar que a mencionada preventividade não está atrelada ao resultado útil do processo, à instrumentalidade do feito de origem, pois, como já salientado, a decisão suspensiva não analisa o mérito da matéria, o acerto ou desacerto da decisão, mas apenas a possibilidade de lesão aos interesses públicos previstos na lei. Essa concepção a distancia da cautelar propriamente dita, pois não guarda relação com o interesse do requerente do feito. É justamente por esta diferenciação que Marcelo Abelha Rodrigues prefere classificar como preventiva a prestação jurisdicional prestada no incidente de suspensão de segurança. Talvez a terminologia mais acertada para se classificar a suspensão seja a de contracautela, pois se suspende o provimento jurisdicional com o intuito de evitar prejuízos maiores ao interesse público (periculum in mora in reverso)” (Scartezzini, 2010, pp. 52-53).

[5] Em tom bastante semelhante Elton Venturi salienta que não seria lógico dizer que uma decisão político/administrativa ficasse acima de uma decisão judicial, até porque isso infringiria o princípio da independência do Judiciário, fazendo letra morta o princípio da inafastabilidade da jurisdição, comprometendo a segurança jurídica e priorizando o arbítrio, tão combatido no moderno Estado Democrático de Direito (Suspensão de liminares e sentenças contrárias ao Poder Público, 2005, p. 53).

[6] Refutando a natureza de contracautela do instituto da suspensão de segurança, colhe-se a passagem doutrinária adiante: “... se ambos [suspensão de segurança e cautelar] são semelhantes em suas finalidades – visto que há diversos casos de tutela cautelar que determina a suspensão da eficácia de atos jurisdicionais, são totalmente distintos em seus requisitos, o que os afasta como institutos de mesma natureza. (...) A cautelar ‘representa, na verdade, antídoto contra a demora para entrega da tutela jurisdicional. (...) ao se pensar na suspensão de segurança, por outro lado, tem-se que o perigo da demora não é uma nota que se possa considerar essencial para caracterizá-la. (...) quer-se, em verdade, evitar que a decisão concedida contra a Fazenda lese os direitos difusos elencados nas normas de cabimento do instituto (ordem, saúde, economia e segurança públicas (...)(Rodrigo Klippel e José Antônio Neffa Junior, 2010, pp. 250-251)”.

[7] No mesmo sentido: SS-AgR 1272 / RJ, Relator(a):  Min. Carlos Velloso, Julgamento:  10/02/1999, Órgão Julgador:  Tribunal Pleno - CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA: SUSPENSÃO. MÉRITO DA SEGURANÇA: DELIBAÇÃO. COMPETÊNCIA DO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. I. - Matéria constitucional discutida e decidida na ação de segurança. Competência do Presidente do Supremo Tribunal Federal para apreciação do pedido de suspensão da segurança. Lei nº 8.038, de 1990, art. 25. II. - Mérito da causa: delibação: necessidade de, na decisão que examina o pedido de suspensão da segurança, observar-se um mínimo de delibação da matéria discutida na segurança. É que, se para a concessão da cautelar, examina-se a relevância do fundamento, o fumus boni juris e o periculum in mora Lei nº 1.533/51, art. 7º, II - na sua suspensão, que constitui contracautela, não pode o Presidente do Tribunal furtar-se a um mínimo de apreciação daqueles requisitos. Precedente do STF: SS 846 (AgRg)-DF, Pertence, Plenário, 29.5.96, "DJ" de 08.11.96. III. - Ordem pública: ordem pública administrativa: princípio da legalidade: execução provisória que arrosta proibição legal: hipóteses excepcionadas nos arts. 5º, par. único, e 7º da Lei nº 4.348/64. CPC, art. 588, II. A execução imediata, pois, da decisão que concedeu a segurança, arrostando proibição legal, seria atentatória à ordem pública, presente a doutrina do Ministro Néri da Silveira, a respeito do conceito de ordem pública. SS 846 (AgRg)-DF, Pertence. IV. - Grave lesão à economia pública. Lei nº 4.348/64, art. 4º; Lei nº 8.038/90, art. 25; RI/STF, art. 297. V. - Agravo não provido.

[8] O art. 5º, I, do Decreto-lei nº 200/67 conceitua autarquia como “o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada”.

[9] As agências reguladoras, são autarquias de regime especial, podendo, portanto, intentar o pedido de suspensão. Sobre sua natureza jurídica, vale transcrever a passagem doutrinária: “As agências reguladoras federais (ANATEL, ANEEL, ANP, ANA, ANAC etc.) têm sido, todas elas, instituídas sob a forma de autarquias em regime especial, exatamente em razão da intenção do legislador de conferir-lhes maior autonomia perante o Poder Executivo, comparativamente às demais autarquias, sujeitas ao regime geral do Decreto-Lei nº 200/1967”(Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, 2007, p. 32).

[10] Conforme a doutrina: “As fundações públicas são entidades integrantes da Administração Indireta, voltadas para o desempenho de atividades de caráter social, como assistência social, assistência médica e hospitalar, educação e ensino, pesquisa, atividades culturais etc.”(Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, 2007, p. 33).

[11] Conforme explanação doutrinária: “...o Poder Público só pode lançar mão esta medida quando se encontra numa posição de réu, seja na ação de mandado de segurança, seja nas demais ações em que é cabível o instituto”(Rodrigues, Apresentação e crítica de alguns aspectos que tornam a suspensão de segurança um remédio judicial execrável, 2007, p. 44).

[12] STJ, REsp 4.8331/SP, 2ª Turma, Rel. Min. José de Jesus Filho, DJ 5/8/94, p. 37.

[13] STJ ROMS 2852/PR, 2ª Turma, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, RSTJ 54/427.

[14] SS 490 AgR/RJ, Pleno, Min. Rel. Sydney Sanches, DJ 28/5/93, p. 10.382.

[15] Seguindo esta linha de raciocínio, o STF entendeu que a Empresa de Correios e Telégrafos, por prestar serviço público exclusivo de Estado, goza de imunidade, podendo-se colher daquele julgamento, excerto do voto do Ministro Carlos Velloso, nos autos do RE 407.099/RS, afirmando o seguinte: “(...) não tenho dúvida em afirmar que a ECT está abrangida pela imunidade tributária recíproca (CF, art. 150, VI, a), ainda mais se considerarmos que presta ela serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado, que é o serviço postal, CF, art. 21, X (...)”.

[16] Admitiu-se, nessa linha, a Assembléia Legislativa, quando a decisão questionada constitua óbice ao exercício de seus poderes ou prerrogativas (SS 936 Ag/PR, Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 23/02/96, p. 3.626). No mesmo sentido: SS 1.197-9, Min. Ellen Gracie Northfleet, DJ 22.09.97.

[17] SS 444 AgR/MT, Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, RTJ 141-02/380.

[18] PET 2225 AgR/GO, Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/acórdão Min. Sepúlveda Pertence, DJ 12/4/02, p. 55.

[19] No mesmo sentido (Venturi, 2005, pp. 83-86).

[20] Sobre o tema duas decisões, sendo uma do STJ: 1) (...) A decisão do relator que defere ou infere o pedido de efeito suspensivo, no âmbito de agravo de instrumento, mercê da impossibilidade de sua revisão mediante a interposição de agravo previsto em regimento interno, porquanto sujeita apenas a pedido de reconsideração (parágrafo único do art. 527, do CPC), desafia a impetração de mandado de segurança, afastando, outrossim, a incidência da Súmula 267/STF. Precedentes do S.T.J: REsp1032924/DF, QUINTA TURMA, DJ de 29/09/2008; RMS 25619/BA, QUARTA TURMA, DJ de 01/09/2008; MC 14561/BA, TERCEIRA TURMA, DJ de 08/10/2008; RMS 25143/RJ, TERCEIRA TURMA, DJ 19.12.2007; e RMS 22847/MT,  TERCEIRA TURMA, DJ 26.03.2007 (...) (RMS 25949/BA, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/03/2010, DJe 23/03/2010). 2) AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO QUE DEFERIU A CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO EM SEDE DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO INCABÍVEL. Não se conhece do agravo regimental interposto contra decisão que indefere a concessão de efeito suspensivo em sede de agravo de instrumento, por expressa vedação legal - parágrafo único do art. 527 do CPC, com redação dada pela Lei n.º 10.187/2005.Recurso não conhecido. (TJMG - Agravo de Instrumento n.º 1.0142.08.024175-5/003 - 3ª Câmara Cível - Rel. Des. DÍDIMO INOCÊNCIO DE PAULA - DJ 06/05/2010).

[21] STF - SUSPENSÃO DE LIMINAR: SL 609 BA: (...) quando se tratar de agravo de instrumento interposto contra liminar concedida por juiz de primeira instância, o acesso a esta nossa Casa de Justiça se dá apenas depois de "negado provimento" ao agravo, não bastando o simples indeferimento de efeito suspensivo por desembargador-relator. Nesse sentido, e com exceção de alguns poucos casos isolados, é a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal: STA 440-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso; SS 3.722, Rel. Min. Gilmar Mendes; SL 32-AgR, STA 10-AgR, SS 2.272-AgR e SS 2.275-AgR, todas da relatoria do ministro Maurício Corrêa. 7. Ante o exposto, nego seguimento ao pedido, o que faço com fundamento no § 1º do art. 21 do RI/STF. (...). (609 BA , Relator: Min. Presidente, Data de Julgamento: 22/05/2012, Data de Publicação: DJe-102 DIVULG 24/05/2012 PUBLIC 25/05/2012)

[22] Verifica-se que aqui, no âmbito do pedido de suspensão, não há um rigorismo tão intenso como existe no recurso de Agravo de Instrumento, no qual, como se sabe, “a petição de agravo deve vir acompanhada, ‘obrigatoriamente’, sob pena de não conhecimento do recurso”(Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, 2007, p. 540), das peças elencadas no artigo 525, I, CPC, entendendo-se, inclusive, que as peças “facultativas”, previstas no artigo 525, II, CPC, podem gerar a mesma conseqüência, haja vista que, acaso estas se mostrem essenciais à análise da controvérsia, não pode o relator converter o julgamento do recurso em diligência (Vide: EREsp 478.155/PR e 509.934/RS).   

[23] Mais uma vez não se concorda com a seguinte posição doutrinária, in verbis: “O requerimento de suspensão não constitui, portanto, recurso e, menos ainda ação. Nele não há espaço para contraditório, ainda que o Presidente possa, a seu exclusivo critério, ouvir a parte requerida e o órgão do Ministério Público”(Northfleet, p. 184).

[24] Conforme clássica doutrina, quando dois direitos fundamentais estão a se enfrentar, é preciso lembrar que: “deve-se falar de direitos fundamentais não absolutos, mas relativos, no sentido de que a tutela deles encontra, em certo ponto, um limite insuperável na tutela de um direito igualmente fundamental, mas concorrente”(Bobbio, 1992, p. 42).

[25] Além de se relembrar o que foi dito anteriormente acerca do emaranhado de leis que oferecem tratamento à suspensão de segurança, vale ser destacada a seguinte passagem doutrinária: “o nome suspensão de segurança poderia legal a falsa ideia de que tal remédio só existiria apenas nos casos sustação de eficácia de decisões em mandado de segurança. Não é o que ocorre, já que este instituto, embora tenha nascido para ser utilizado para sustar a eficácia de liminares e sentenças contra o Poder Público em ação de mandado de segurança, o seu uso foi pulverizado pela legislação extravagante, permitindo a sua utilização contra toda decisão mandamental contra o Poder Público (mandado de injunção, habeas data, ação civil pública, ação cautelar, tutela antecipada, ação popular, etc), de forma que, hoje, têm-se dois regimes jurídicos bem definidos em sede de suspensão de segurança: a) quando se tratar de suspensão de segurança em sede de mandado de segurança, utilizam-se as leis nº 4.348/64 (art. 4º) e nº 8.038/90 (art. 25); b) quando se tratar de suspensão de segurança nos demais casos, utiliza-se a lei nº 8.437/92 (art. 4º)(Rodrigues, Apresentação e crítica de alguns aspectos que tornam a suspensão de segurança um remédio judicial execrável, 2007, p. 41).

[26] STF, AGRSS 780/PI, Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 20/9/96, p. 34.542.

[27] 3503 PI 2009/0084256-7, Relator: Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Data de Julgamento: 07/10/2009, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 29/10/2009.

[28] Art. 15. Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5 (cinco) dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição.

[29] Uma observação doutrinária se faz relevante: “Nesse caso, não se aplica o art. 188 do CPC, não havendo prazo em dobro. O prazo para a interposição do agravo interno é de 5 (cinco) dias. O Supremo Tribunal Federal sempre aceitou a aplicação do prazo em dobro para o agravo interno. E continua aceitando, a não ser para aqueles casos em que há prazo legal específico. Não se aplica o art. 188 do CPC para o agravo interno previsto no art. 4º da Lei nº 8.437/1992, que incide também no processo de mandado de segurança. É que se trata de prazo legal específico, relativo ao agravo a ser interposto contra a decisão que denega o pedido de suspensão”(Cunha, A Fazenda Pública em Juízo, 2007, p. 465).

[30] A súmula nº 735 do STF orienta o seguinte “não cabe recurso extraordinário contra acórdão que defere medida liminar”.

[31] Parte da doutrina enxerga este pedido de suspensão da suspensão negada uma natureza recursal e os argumentos não deixam de ser coerentes. Eis um interessante trecho: “O que vem a ser a suspensão da suspensão negada? Trata-se de uma modalidade recursal disfarçada sob a nomenclatura de suspensão de segurança. Basicamente o seu emprego se dá no seguinte caso: ao finalizar o procedimento da suspensão de segurança no tribunal de justiça ou no tribunal regional federal, o poder público é derrotado e não obtém a suspensão de segurança pedida. A suspensão de segurança é, pois, negada. Caso ocorra tal situação, o § 1º do art. 15 da Lei 12.016/09 admite que o Poder Público ou o Ministério Público apresentem ao Superior Tribunal de Justiça ou ao Supremo Tribunal Federal um pedido de suspensão da suspensão negada”(Rodrigo Klippel e José Antônio Neffa Junior, 2010, p. 253).

[32] (STA 643 SP, Relator: Min. Presidente, Data de Julgamento: 26/04/2012, Data de Publicação: DJe-085 DIVULG 02/05/2012 PUBLIC 03/05/2012).


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  • Leonardo Zehuri Tovar

    Leonardo Zehuri Tovar

    Advogado em Vitória (ES), Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade Cândido Mendes de Vitória, Pós-graduado em Direito Público pela Faculdade de Direito de Vitória, Mestrando em Direitos e Garantias Constitucionais Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória, autor de artigos em revistas especializadas

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOVAR, Leonardo Zehuri. O pedido de suspensão de segurança: uma sucinta sistematização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3726, 13 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25270. Acesso em: 1 maio 2024.