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A laicidade do Estado e a retirada de símbolos religiosos de repartições públicas

A laicidade do Estado e a retirada de símbolos religiosos de repartições públicas

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A presença do símbolo de uma determinada religião, por mais predominante que ela seja na sociedade, pode se impor em detrimento de todas as outras crenças em um ambiente sustentado por verbas públicas?

RESUMO:Todos possuem liberdade de manifestar livremente sua crença, mas até onde essa liberdade pode ser tolerada no âmbito das repartições públicas? A principal questão é se a presença do símbolo de uma determinada religião, por mais predominante que ela seja na sociedade, pode se impor em detrimento de todas as outras crenças em um ambiente sustentado por verbas públicas. Utilizando decisões de tribunais e principalmente a opinião de juristas sobre o tema da laicidade do Estado com base na metodologia qualitativa, este artigo científico, procura observar se a permanência de símbolos religiosos em repartições públicas é abarcado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

PALAVRAS-CHAVE:Laicidade do Estado, Princípio da Laicidade, Estado Secular, Símbolos Religiosos, Liberdade Religiosa.


INTRODUÇÃO

O artigo científico exposto nas próximas páginas possui como questão primordial averiguar se é constitucional ou inconstitucional a presença de símbolos religiosos nas repartições públicas brasileiras. Desta forma, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) pode permitir a manifestação de um símbolo de uma determinada religião em uma instalação pública negligenciando outras religiões que também recebem proteção constitucional? E ainda, é legitima a atuação do Ministério Público na defesa da laicidade estatal?

O termo grego laikos, em português, laico, significa "popular". A expressão, em sentindo amplo, se refere ao povo. Quando se fala em um Estado laico, significa que é um Estado do povo, isto é, em que a convicção de todos tem o mesmo peso. A laicidade estatal procura primordialmente a separação da religião e do Estado, um não interferindo no campo de atuação do outro. Esse pensamento teve início na Europa, mais predominantemente na França durante o século XIX, com o uso do termo Laïcité e a chamada escola laica, com esta criou-se uma doutrina político- filosófica exigindo a dissociação entre o Estado civil e as confissões religiosas (COSTA; FERRAZ, 2010). Apesar disso, a separação Igreja e Estado só ocorreu na França a partir de 1905.

A laicidade do Estado reconhece que o ente estatal deve ser independente e autônomo em relação a qualquer religião, crença ou igreja. É importante frisar que não se exclui totalmente a manifestação religiosa no campo público, mas existindo uma colisão entre esses dois direitos, o direito à liberdade de crença e a laicidade do Estado, é preciso haver uma ponderação para decidir qual prevalecerá (CANOTILHO, 2008).

A liberdade de crença protege qualquer espécie de grupo que creia na existência de seres que não podem ser vistos ou sentidos, por serem transcendentes, como por exemplo, deuses, gnomos, espécies mágicas, entre outros. E por existir a liberdade de crença, consequentemente, também existe a liberdade de não crença, isto é, o indivíduo tem o direito também de não acreditar em seres metafísicos, ou seja, ser ateu ou agnóstico e ser respeitado pela sociedade por ter escolhido essa linha do pensamento (AGRA, 2008).

A laicidade do Estado está vinculada diretamente à democracia, pois "não há direitos civis e políticos sem democracia, nem tampouco liberdade religiosa. A democracia é o substrato que permite o exercício da liberdade religiosa e, também, dos demais direitos fundamentais da pessoa humana" (SORIANO, 2009, p. 164).

Este artigo será dividido em cinco partes: a primeira mostrará a relação que o Direito tem com a religião e a sociedade em geral; a segunda terá um histórico da evolução da liberdade religiosa nas constituições brasileiras; a terceira elucidará sobre a liberdade religiosa de acordo com a CRFB/88, a constituição em vigor no Brasil; a quarta tratará da questão da constitucionalidade da permanência de símbolos religiosos em repartições públicas; e a quinta falará sobre a atuação do Ministério Público na retirada de símbolos religiosos de repartições públicas.

Neste trabalho será utilizada metodologia qualitativa: uma análise crítica da bibliografia de doutrinadores consagrados da área constitucional e as decisões de tribunais estaduais e federais sobre o tema, e sempre que pertinente, citando e interpretando a CRFB/88 e leis infraconstitucionais relevantes.


1 A RELAÇÃO ENTRE DIREITO E RELIGIÃO

Em todas as sociedades que a história documentou é possível perceber a presença dealguma religião, quando não uma constituída com símbolos e entidades, mas algo que tente justificar o injustificável, tentando entender os mistérios da vida. Até nas sociedades que se consideravam atéias no período da "cortina de ferro", durante a Guerra Fria, existiam religiões atuando na clandestinidade. Um trabalho histórico que busque compreender determinada sociedade não pode furtar-se de tratar dos fenômenos religiosos presentes na época (ODEBRECHT, 2008).

É importante ressaltar que existem relatos de pelo menos uma tribo indígena no Brasil que não acredita em nenhuma divindade e não possui religião. São os Pirahãs. Eles acreditam que o mundo nunca evoluiu, que não existe uma entidade divina e de acordo com os relatos do antropólogo Daniel Everett (2009), são felizes sem Deus, religião ou autoridade política, mesmo depois que missionários tenham tentado converte-los por séculos.

As leis foram influenciadas pela religião desde os povos mais antigos. Os gregos e romanos fundamentavam suas leis de acordo com a religião, sendo as normas do Direito dispostas entre as normas religiosas. Além disso, apesar dos legisladores da época terem usado unicamente o raciocínio e intelecto para elaborar as leis, elas eram diretamente relacionadas ao sagrado, descendiam das crenças. Essa posição repercutia nos autores clássicos. Platão afirmava que desobedecer as leis era desobedecer os deuses. Sócrates se submeteu à lei da época e entregou sua vida por consequência (SKÁRLETT; MENEGHETTI, 2009).

O Direito na Idade Média, época dominada pelas concepções cristãs, distinguia-se entre lex divina, lex natura e lex positiva, isto é, direito divino, direito natural e direito positivo. Houve então a necessidade de submeter o direito positivo às normas jurídicas naturais, mas por ser a própria consciência humana que possibilitava o homem de julgar o valor disso, não houve uma isometria entre as duas, pois o indivíduo é passível de erros. Foi a secularização do direito natural que substituiu a vontade divina pela razão das coisas, dando origem à ideia de direitos do indivíduo e direitos humanos universais(CANOTILHO, 2008).

Quando ocorreu a quebra da hegemonia católica, religiões minoritárias começaram a defender o direito do que cada uma considerava sua "verdadeira fé". A defesa dessa liberdade religiosa se pautava na tolerância à crença da fé alheia e pode ser considerada o nascimento do princípio da liberdade religiosa.Foi quando os pensadores da época propuseram a vedação ao Estado em adentrar a convicção íntima de uma religião considerada oficial. A luta pelo desvencilhamento do Estado à religião foi considerada o verdadeiro início dos chamados direitos fundamentais (Idem). 

A relação entre o direito e a religião é um assunto polêmico, tanto por abranger o tema religião, que é algo delicado de se abordar, como por envolver crenças pessoais que podem ofender quando interpretadas equivocadamente, quanto pela força que as leis têm na sociedade, pois o Estado é o titular na elaboração da conduta que deve ser seguida pela sociedade e faz isso de forma coercitiva.

Na França houve uma decisão polêmica a respeito da laicidade do Estado e da liberdade religiosa no âmbito privado. Fatima Afif, de origem muçulmana, era empregada de uma creche e em 2008 foi demitida por se recusar a retirar o véu que vestia durante seu trabalho. Não conformada, ingressou com uma ação judicial pedindo indenização. Em 2010, a justiça entendeu que a demissão foi justa, por motivo de insubordinação, porém em março de 2013, a decisão foi modificada, entendendo que houve discriminação em razão de crenças religiosas(AMORIM, 2013).

O direito e a religião são formas de controle social, e por ambas terem tamanha repercussão em nossa sociedade, acabam influenciando uma a outra. É impossível para o magistrado ou qualquer outro intérprete da lei separar-se completamente de seu vínculo religioso no momento de decidir, mas o que a laicidade do Estado pretende, sendo este princípio constitucional, é impor ao magistrado que persiga esse objetivo no exercício de sua jurisdição. A presença de um símbolo religioso só vem deixar isso mais difícil (SARMENTO, 2008). 

A tolerância é fundamental para convivência pacifica em uma sociedade, que muitas vezes pode possuir dezenas de religiões, cada qual com suas características próprias que podem não ser compatíveis entre si. Na falta desta, a animosidade, principalmente entre os fundamentalistas, estará gerada e pronta para conflitos serem armados, muitas vezes violentos e desrespeitosos, que podem motivar uma guerra em nome da religião.

Tolerar algo não é aceitar de forma passiva a interpretação sobre determinado assunto, mas sempre respeitar as diferenças que naturalmente irão surgir quando dois seres humanos dialogam, pois todos cresceram em um ambiente diferente e tiveram experiências diversas que moldaram seu pensamento (ODEBRECHT, 2008).

As guerras religiosas documentadas na história não foram pela discordância da existência de um ser superior, mas sim pela não compatibilidade dos códigos de morais entre religiões. Ao invés de cada um seguir os dogmas de sua religião e tolerar a doutrina alheia, há uma imposição não salutar (VIANNA, 2010).

De acordo com o jurista norte-americano Milton Konvitz (1962), onde a religião é controlada restritivamente, a política também sofre restrições, como foi na União Soviética e Iugoslávia. O totalitarismo político e religioso são dois lados da mesma moeda, um não pode subexistir sem o outro.


2 HISTÓRICO DA EVOLUÇÃO DA LIBERDADE RELIGIOSA NO BRASIL

Antes de promulgada a primeira constituição do Estado brasileiro, durante o períodode colonização por Portugal, a religião oficial, por influência portuguesa, era a católica. Tinha o status de única religião admitida pelo Estado. A inquisição portuguesa, que teve início em 1536, refletiu contra os cristãos novos, e em 1540,  houve a ação de catequese dos jesuítas, feita pela Companhia de Jesus. Durante a ocupação holandesa, entre 1630 e 1656, ampliou-se a tolerância religiosa. Quando o Brasil tornou-se independente em 1822, já existia uma previsão de liberdade religiosa, ainda que muito restrita (ZYLBERSZTAJN, 2012).

A Constituição Federal de 1824 (CF/1824) continuou com a ligação direta entre o Estado e a religião católica, ainda que tolerando que outras crenças professassem sua fé, como mostra o artigo 5º da CF/1824: "[...] com seu culto doméstico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior ao templo" (SILVA, 2010, p. 249). A ação de venerar ou homenagear uma divindade em qualquer crença é considerado um culto, dependendo da religião pode ser direcionado a rituais, cerimônias e manifestações, tendo elas a liberdade de exaltarem suas orações e pregações (CUNHA, 2011).

É possível ver o verdadeiro autoritarismo religioso à época ao ler o artigo 95, III da CF/1824: "Todos os que podem ser Eleitores, abeis para serem nomeados Deputados. Exceptuam-se os que não professarem a Religião do Estado." Ou seja, apenas os católicos poderiam ser eleitos deputados.

O Decreto 119-A, de 7.1.1890, escrito por Rui Barbosa, iniciou contundentemente a liberdade religiosa na República, com a separação drástica da Igreja ao Estado. Além disso, todas as igrejas e confissões religiões agora possuíam personalidade jurídica. A Constituição de 1891, em seus artigos 11, §2º, 72, §§3º à 7º, 28 e 29, seguiu o Decreto 119-A e manteve o Estado separado da Igreja. Com isso, temos o início do Brasil como Estado laico, tendo todas as religiões igual respeito(SILVA, 2010).

A Constituição de 1891 pode ser considerada a Constituição mais laicista no histórico constitucional brasileiro, visto que em seu artigo 70, 1º, IV, proibia a participação de religiosos na política: "Os religiosos de ordens monásticas, companhias, congregações ou comunidades de qualquer denominação, sujeitas a voto de obediência, regra ou estatuto, que importe a renúncia da liberdade individual”. Desde então nenhuma outra Constituição brasileira seguiu essa corrente de pensamento. Além disso, só reconhecia o casamento civil (artigo 72, §4º), tornou os cemitérios com caráter secular, apesar de permitir que fossem realizadas cerimonias religiosas (artigo 72, §5º) e proibiu o ensino religioso em estabelecimentos públicos (artigo 72, §6º)(ZYLBERSZTAJN, 2012).

A Constituição Federal de 1934 (CF/1934) voltou a reconhecer a presença da religião na esfera pública, começando pelo preâmbulo, que retornou a invocar Deus. Foram feitas algumas modificações quanto à relação do Estado com a Igreja, visto que a Constituição antiga tinha uma separação mais rígida, e esta permitiu certos contatos(SILVA, 2010).

De acordo com o artigo 17 da CF/1934, a laicidade do Estado foi mantida: "É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: II - estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos; III - ter relação de aliança ou dependência com qualquer culto, ou igreja sem prejuízo da colaboração recíproca em prol do interesse coletivo"(ZYLBERSZTAJN, 2012, p. 21). É importante notar que o Estado começou a permitir a colaboração reciproca com igrejas em prol do interesse coletivo, na constituição anterior essa ajuda mútua era totalmente vedada.

O artigo 113, item 5º da CF/1934 diz que: "É inviolável a liberdade de consciência e de crença e garantido o livre exercício dos cultos religiosos, desde que não contravenham à ordem pública e aos bons costumes. As associações religiosas adquirem personalidade jurídica nos termos da lei civil.". Esse item foi importante por dois motivos, primeiro as associações religiosas adquiriram personalidade jurídica nos termos da lei civil, segundo que o conceito de "ordem pública e bons costumes" ainda mostrava resquícios da imposição de uma religião majoritária sobre as demais, pois são conceitos vagos e de ampla interpretação (SILVA, 2010).

E  ainda a CF/1934 voltou a admitir o casamento religioso (art.146) e o ensino religioso em escolas públicas (art. 153). O caráter secular dos cemitérios foi mantido (art. 113, §7º). Em se tratando do direito internacional público, começou a ser permitida a representação diplomática junto à Santa Sé (Art. 176).

A Constituição Federal de 1937 (CF/1937) não seguiu a constituição anterior em vários aspectos relacionados à laicidade do Estado. Foi uma constituição promulgada em pleno golpe, que resultou no Estado Novo de Getúlio Vargas. No próprio preâmbulo já foi possível notar a diferença, não existia mais o pedido da proteção divina(ZYLBERSZTAJN, 2012).

A laicidade do Estado foi mantida, mas de forma muito mais restrita, pois a CF/1937 não falou sobre relação de aliança e cooperação entre Igrejas e cultos com o Estado. A liberdade de crença recebeu proteção constitucional no artigo 122, §4º, mas foi tácito em relação à discriminação religiosa e o caráter jurídico das associações religiosas.

Os cemitérios continuaram seculares (art. 122, §4º), o casamento religioso não foi mencionado. O ensino religioso foi alcançado pela constituição da época, mas não poderia ser de frequência compulsória. A representação diplomática junto à Santa Sé não foi mencionada.

A maior inovação da Constituição Federal de 1946 foi a imunidade tributária dos templos, dispositivo que persiste na constituição vigente em nosso país. O casamento religioso com efeito civil voltou a ter lugar no texto constitucional.

Diferente da constituição atual, as constituições da época do golpe militar, Constituição de 1967 e Constituição de 1969, não protegiam a liberdade de crença, apenas a liberdade de consciência. Apesar de parecer que as duas são sinônimos, há uma grande diferença. Pela liberdade de consciência, alguém pode escolher não ter crença alguma, mas na falta da liberdade de crença, aqueles que são ateus e agnósticos não estavam protegidos constitucionalmente (CUNHA, 2011). A liberdade de crença era assegurada como simples forma de liberdade de consciência, sem ter o mesmo peso que a atual constituição trouxe(SILVA, 2010).

O Estado poderia colaborar com a Igreja, especialmente no âmbito escolar e hospitalar, de acordo com o artigo 9º, II da Constituição de 1967. Os serviços religiosos prestados pelos capelães das forças armadas foi previsto no artigo 93, parágrafo único. Foi mantida a assistência religiosa às forças armadas e em estabelecimentos de internação utilizados pela coletividade. Mantiveram-se no texto constitucional os efeitos civis do casamento religioso, o ensino religioso em escolas públicas e a imunidade tributária referente a templos religiosos(ZYLBERSZTAJN, 2012).


3A LIBERDADE RELIGIOSA DE ACORDO COM A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

A liberdade religiosa pode ser dividida em três formas de abrangência: a liberdade de crença, a liberdade de culto e a liberdade de organização religiosa. Todas estão garantidas na Magna Carta de 1988(SILVA, 2010).

O artigo 5º, VI da CRFB/88 diz que "é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias", isso mostra que a liberdade de crença está positivada em nossa Carta Maior.

O maior alvo de críticas das constituições anteriores não está presente nesta,conforme Silva (2010, p. 249)qual seja a frase "que não contrariem a ordem pública e os bons costumes, que é expressão vaga e aberta a interpretações arbitrárias".

A diferença entre a liberdade de consciência e a liberdade de crença é fundamental, como lembra Pontes de Miranda (1970, p.114) "o descrente também tem liberdade de consciência e pode pedir que se tutele juridicamente tal direito, a liberdade de crença compreende a liberdade de ter uma crença e de não ter crença".

E por mais que a liberdade de crença seja um direito fundamental presente em nossa CRFB/88, a pessoa não pode praticar algum ato que seja contrário ao nosso ordenamento jurídico em nome da religião, como por exemplo o consumo da Cannabis Sativa pelos membros da religião Rastafári (TJRS, Segunda Câmara Criminal, Apelação Crime Nº 70009503848, rel. Laís Rogéria Alves Barbosa, julgado em 28/10/2004) ou a prática de curandeirismo, que de acordo com o STF também não é incluída no âmbito da liberdade de prática religiosa (STF, Segunda Turma, RHC 62240, rel. Min. Francisco Rezek, julgado em 13/12/1984).

A liberdade de culto é a exteriorização da liberdade de crença. Enquanto a liberdade de crença em si pode ser considerada o desejo interno do indivíduo de expressar sua fé, a liberdade de culto permite que essa fé seja exteriorizada por meio da voz, música, cantos. A liberdade de crença não possui limites, pois o Direito não tutela aquilo que não possa ser posto na realidade, entretanto a liberdade de culto possui limite, como por exemplo, o respeito ao sossego dos vizinhos nas horas em que se deve fazer silêncio(WEINGARTNER, 2007).

Mostra o artigo 5º, VII da CRFB/88 que "é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva", por exemplo, penitenciárias, casas de detenção, quartéis, entre outros. O Ministério Público Federal do Distrito Federal criticou a presença dos chamados capelães em quartéis (MPF/DF, 2010).

A CRFB/88 afirma ainda em seu artigo 5º, VIII que "ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei".

O artigo fala sobre a chamada escusa de consciência, sendo um direito individual que permite o indivíduo de se recusar a prestar ou aceitar determinada obrigação que contrarie as suas crenças ou convicções(CUNHA, 2011). O mais conhecido exemplo disso é relacionado à religião das Testemunhas de Jeová, pela doutrina religiosa que eles seguem, não podem pegar em armas, servir o exército e fazer juramentos e saudações a símbolo nacionais(BARROS, 2012).

Os membros desta religião não são obrigados a ir contra a doutrina religiosa que seguem devotamente, mas terão que cumprir uma prestação alternativa. O exercício da escusa não depende de lei, o que a legislação pode identificar é somente o que será a prestação alternativa. Caso haja uma prestação alternativa e ainda assim a pessoa continue negando-se a cumprir, pode haver a perda dos direitos políticos, como afirma a CRFB/88 em seu artigo 15, IV (CUNHA, 2011).

O artigo 19, I da Magna Carta enuncia que:

É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.

Isso mostra que o Brasil não é um Estado ateu, e sim um Estado laico, ou seja, não permite que o Brasil se filie a nenhuma corrente religiosa.

O artigo 143, §§1º e 2º da CRFB/88 diz que:

às Forças Armadas compete, na forma da lei, atribuir serviço alternativo aos que, em tempo de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência, entendendo-se como tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política, para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar. As mulheres e os eclesiásticos ficam isentos do serviço militar obrigatório em tempo de paz, sujeitos, porém, a outros encargos que a lei lhes atribuir.

O serviço alternativo ao serviço militar obrigatório está regulamentado na lei nº 8.239/91, que definiu o serviço alternativo como "sendo o exercício de atividades de caráter administrativo, assistencial, filantrópico ou mesmo produtivo, em substituição às atividades de caráter essencialmente militar" (CUNHA, 2011, p. 696).

Os constituintes chegaram ao acordo de que templos de qualquer culto, de acordo com o artigo 150, VI, "b" da CRFB/88, teriam imunidade de impostos. Contribuições sindicais continuam sendo cobradas, já que não são impostos, todas as outras espécies de impostos não precisam ser recolhidas pelos templos religiosos, inclusive imóveis de propriedade de determinado culto que se encontrem alugados, já que a isenção tributária não abrange somente imóveis destinados a rituais e orações,também não isentos o patrimônio, a renda e os serviçostambém, o patrimônio, a renda e os serviços (BRANCO; MENDES, 2012).

A imunidade tributária atinge cultos religiosos, qualquer outro estabelecimento não vinculado diretamente a uma religião não recebe a isenção. Não será considerada uma religião uma instituição qualquer que inicia seus trabalhos com uma oração, é preciso mostrar uma série de características para ser considerada uma religião, entre elas, uma doutrina, prática de ritos, no culto, cerimônias, manifestações, reuniões, fidelidade aos hábitos, tradições. A simples adoração de um Deus não é considerada uma religião, esta é uma simples contemplação de um ente sagrado(SILVA, 2010).

A educação religiosa está prevista no artigo 210, §1º e artigo 213, caput, II da CRFB/88.  O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei, como mostra o artigo 226, §2º, também da Constituição de 1988.

Durante o processo de redemocratização do Brasil para origem da CRFB/88, o então deputado federal José Genoino do Partido dos Trabalhadores, apresentou emenda para retirada da expressão "sob a proteção de Deus" do preâmbulo, mas Roberto Freire, do partido comunista e Daso Coimbra, da bancada evangélica, manifestaram-se contra a emenda, citando que ela iria contra a unidade deísta da sociedade brasileira. A emenda não foi aceita(ZYLBERSZTAJN, 2012).

A justificativa da recusa não foi aceita por alguns juristas, neste sentido:

reforçou-se uma identidade religiosa monoteísta do sujeito constitucional, excluindo-se, pois, inúmeras expressões de religiosidade existentes no país, o que demonstra que a postura do Estado em relação à pluralidade em questões de fé não é tão inclusiva como se imagina (PINHEIRO, 2008, p. 101).

O Código Civil de 2002, em seu artigo 44, §1º afirma que o poder público não pode negar reconhecimento de uma organização religiosa ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento. No entanto, a mesma deve ser criada estritamente para fins religiosos, não podendo ser criada por um grupo de pessoas buscando benefício próprio em proveito da credulidade alheia.


4 A (IN) CONSTITUCIONALIDADE NA INCLUSÃO DE SÍMBOLOS RELIGIOSOS EM REPARTIÇÕES PÚBLICAS

Sendo as normas constitucionais de hierarquia absoluta em nosso ordenamento jurídico, quando qualquer ato obedecer à supremacia da CRFB/88 e estiver de acordo com seus dispositivos, estaremos na presença de uma ideia de constitucionalidade. Caso um ato, seja ele de cunho público ou privado, for de encontro ao caráter súpero das normas constitucionais, será dotado de inconstitucionalidade (BULOS, 2010).

Alguns juristas afirmam que os direitos da liberdade, entre estes se enquadra o direito à liberdade de crença, possuem superioridade em relação aos direitos sociais. A justificativa vem do direito natural, mostrando que quando se procura a liberdade em primeiro plano, os direitos sociais seriam um mero resultado. Esta não é a posição mais aceita. A corrente majoritária iguala as duas garantias constitucionais (BONAVIDES, 2010).

O tema retirada de símbolos religiosos em repartições públicas já vem sendo discutido, tanto nos tribunais quanto na doutrina, mas ainda não se chegou a um consenso majoritário. Alguns doutrinadores acreditam que o tema é de pouca relevância, pois a simples presença de um símbolo não feriria a laicidade do Estado. A doutrina majoritária é favorável à discussão:

A questão posta em debate não é fútil, já que não versa sobre a melhor forma de se decorar certos ambientes formais do Poder Judiciário, mas sim sobre o modelo de relação entre o Estado e religião mais compatível com o ideário republicano, democrático e inclusivo, adotado pela Constituição de 88. Trata-se, em suma, de uma questão de princípios, e não de uma discussão sobre meras preferências estéticas (SARMENTO, 2008, p. 196).

O principal argumento dos que defendem a permanência de símbolos religiosos em repartições públicas é a tradição católica presente em nosso país desde sua fundação com a invasão dos portugueses, que forçaram a aculturação dos índios, que foram doutrinados em seguir a religião monoteísta por influência da Igreja Católica, que possuía o pensamento predominante(BARROS, 2000). Estatísticas do IBGE (2012) mostram que houve uma considerável redução no número de católicos no Brasil e aumento na quantidade de protestantes e daqueles sem religião.

Estes que utilizam a tradição católica como argumento vão ao extremo de acusar os que são contra a permanência de símbolos religiosos em repartições públicas de perseguição religiosa, chegando ao cumulo de pensar que o próximo passo será o pedido de retirada do Cristo Redentor no Rio de Janeiro.

Dizem os doutrinadores favoráveis à permanência que não é possível impedir a demonstração pública de fé em Deus mesmo em uma repartição pública. Pelo fato de o Estado não ser ateu, é possível a convivência pacifica de símbolos que remetem à história cultural do país e são bens cultuados pela parcela majoritária da população (BRANCO; MENDES, 2012).

Já os que são contra a permanência de símbolos religiosos em repartições públicas defendem que a tradição não é argumento suficiente, pois quando a escravatura foi abolida em 1888, esta era um costume no Brasil. A tradição cristã não pode ser usada como fundamento jurídico para justificar um ato, caso isso fosse aplicado estritamente, as mulheres ainda seriam obrigadas a casar virgem, o divórcio não seria regulamentado e o adultério ainda estaria disposto em nosso Código Penal (VIANNA, 2010).

O argumento de que a maioria da população professa uma religião também não é válido, pois de acordo com a teoria constitucional vigente, deve haver a imposição dos textos normativos a população em geral. A maioria precisa seguir os preceitos constitucionais como qualquer outra pessoa, não é possível usar a desculpa de que por ter uma característica em comum, ela possa ser colocada hierarquicamente acima de nossa Carta Maior, que regula as ações de todos (VECCHIATTI, 2008).

Outro argumento de quem defende a permanência dos símbolos religiosos em repartições e prédios públicos é a evocação à divindade exposta no preâmbulo de nossa Magna Carta (BRANCO; MENDES, 2012).

Diz o preâmbulo da CRFB/88:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

De todas as constituições já promulgadas no Brasil, somente duas deixaram de pedir a proteção divina em seus preâmbulos, a constituição de 1891 e a constituição de 1937. O Deus referido no preâmbulo da CRFB/88 é ecumênico, não pertencendo a uma religião especifica, diferente do preâmbulo da Carta argentina, em que o Deus referido é o católico. Nas constituições estaduais vigentes nos estados-membros brasileiros, a única que não faz menção a Deus é a constituição acreana (BULOS, 2010).

O professor Túlio Vianna (2010) é contra esse argumento, ele afirma que aqueles que defendem a permanência de símbolos religiosos em prédios públicos usando como raciocínio o preâmbulo da CRFB/88 estão usando um falso fundamento jurídico, pois o preâmbulo, pela própria denominação, é o texto que antecede a norma, ou seja, não tem valor normativo algum, sendo assim, se usado como argumento, estariam excluídos da constituição aqueles que não professam fé alguma.

A ineficácia dos Preâmbulos é tão gritante que juristas viam nele o "lugar onde cabiam todasas normas não acionáveis da Constituição" (BONAVIDES, 2010, p. 227). As palavras do preâmbulo somente terão força normativa estando efetivamente reproduzidas em artigos constitucionais, o que não ocorre com a expressão “sob a proteção de Deus”.

A própria Corte Constitucional decidiu no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.076 que o Preâmbulo não possui valor jurídico-normativo, pois é matéria de ordem política e não de Direito, refletindo apenas a ideologia dos constituintes da época, sem relevância jurídica alguma. O Preâmbulo da CRFB/88 não é norma jurídica, não é norma constitucional, é apenas uma lista de posições políticas, sem força constitucional para obrigar, coibir ou permitir uma conduta ou seu descumprimento (OLIVEIRA, 2008).

Apesar de tudo que foi dito anteriormente sobre o preâmbulo da CRFB/88, isso na prática não é respeitado. A Juiza Federal Maria Lucia Lencastre Ursaia utilizou o preâmbulo da CRFB para justificar a permanência de símbolos religiosos em repartições públicas federais em São Paulo na Ação Civil Pública n° 2009.61.00.017604-0. Disse a magistrada que:

Desta forma, o legislador constituinte, invocando a proteção de Deus ao promulgar nossa Constituição Federal, demonstrou profundo respeito ao Justo para conceber a sociedade justa e solidária que se propôs.

Já existem algumas decisões em relação ao tema em nossos tribunais. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2007 já se pronunciou a respeito. O site do CNJ (2007) informa que “todos os presentes, exceto o relator, entenderam que os objetos seriam símbolos da cultura brasileira e que não interferiam na imparcialidade e universalidade do Poder Judiciário”

Apesar da negativa em relação ao tema, o voto do relator Ministro Paulo Lôbo foi de grande valia.

(...) apresentou o voto a favor da retirada dos símbolos das dependências do Judiciário. Segundo o relator, o Estado laico deve separar privado de público. O relator defendeu que no âmbito privado cabem as demonstrações pessoais como o uso de símbolos religiosos. O que não deve ocorrer no âmbito público. A maioria do plenário manteve a decisão contrária a retirada dos símbolos religiosos, concluindo o julgamento dos procedimentos.

Em março de 2012, o Conselho da Magistratura do Estado do Rio Grande do Sul, determinou a retirada de quaisquer símbolos religiosos que estivessem presentes em espaços do Poder Judiciário do Rio Grande do Sul abertos ao público, de acordo com o processo nº 0139-11/000348-0: 

PROC. Nº 0139-11/000348-0 - PORTO ALEGRE. RETIRADA DE CRUCIFIXOS E SÍMBOLOS DAS DEPENDÊNCIAS DO TJRS. REDE FEMINISTA DE SAÚDE, SOMOS -COMUNICAÇÃO, SAÚDE E SEXUALIDADE, NUANCES -GRUPO PELA LIVRE ORIENTAÇÃO SEXUAL, LIGA BRASILEIRA DE LÉSBICAS (ADV(S) BERNARDO DALLOLMO DE AMORIM), MARCHA MUNDIAL DE MULHERES, THEMIS - ASSESSORIA JURÍDICA E ESTUDOS DE GÊNERO, INTERESSADOS. DECISÃO: ACOLHERAM O PLEITO DE RETIRADA DE CRUCIFIXOS E OUTROS SÍMBOLOS RELIGIOSOS EVENTUALMENTE EXISTENTES NOS ESPAÇOS DESTINADOS AO PÚBLICO NOS PRÉDIOS DO PODER JUDICIÁRIO DO RIO GRANDE DO SUL. UNÂNIME.

O desembargador relator Cláudio Baldino Maciel afirmou sobre o tema que: "o julgamento feito em uma sala de tribunal sob expressivo símbolo de uma Igreja e de sua doutrina não parece a melhor forma de se mostrar o Estado-juiz equidistante dos valores em conflito. Resguardar o espaço público do Judiciário para o uso de símbolos oficiais é o único caminho que responde aos princípios constitucionais republicanos de um Estado laico, devendo ser vedada a manutenção dos crucifixos e outros símbolos religiosos em ambientes públicos” (TJRS, 2012).

A decisão reverberou por todo o Brasil, com comentários a favor e contra. O ministro do STF, Celso de Mello (2012) concordou com a decisão: "Parece-me justificável, desse modo, a resolução tomada pelo Conselho Superior da Magistratura do Estado do Rio Grande do Sul. Nem hostilidade oficial a qualquer religião nem ostentação, nos edifícios do Fórum (que são espaços de atuação do Poder Público), de quaisquer símbolos religiosos, como o crucifixo, a estrela de David ou o crescente islâmico". O Presidente da OAB/RJ concordou com a decisão do TJRS e ainda adicionou que a presença de um crucifixo no pleno do Supremo Tribunal Federal é inconstitucional e fere o princípio do Estado laico.

Entre os contrários à decisão, é possível citar o  arcebispo de Porto Alegre, o ex-Ministro do STF Paulo Brossard, que exageradamente comparou a decisão com os "tempos apocalípticos" e um dos desembargadores do TJRS que "considerou que o Conselho da Magistratura não é a instância adequada para tratar do assunto e que a separação entre Igreja e Estado não é absoluta no país, pois a maioria tem sentimento religioso, o hino nacional tem referência à divindade. Cristo, no âmbito do Judiciário, representa justiça" (ZYLBERSZTAJN, 2012, p. 111).

Na Alemanha, a Corte Constitucional decidiu no julgamento do BVERFGE 93,1 (KRUZIFIX – 1BvR 1087/91), de 16/05/1995, que é inconstitucional a lei que determina que cruzes fossem afixadas em escolas públicas, por entender que isso feriria a liberdade de crença(SCHWABE, 2005).

Nos Estados Unidos da América, a Suprema Corte dos Estados Unidos julgou alguns casos relacionados à laicidade do Estado, como por exemplo Lynch vs. Donnelly 465 U.S. 668 (1984), que tratou sobre a decoração natalina nos prédios que pertenciam a cidade de Pawtuckey em Rhode Island e County of Allegheny vs. ACLU 492 U.S. 573 (1989), que versou sobre a constitucionalidade da presença de um símbolo judaico nos prédios públicos da cidade de Pittsburgh.


5A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA RETIRADA DE SÍMBOLOS RELIGIOSOS DE REPARTIÇÕES PÚBLICAS

Diz a CRFB/88 em seu artigo 127 que: "O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis". Disso podemos entender que é dever do Parquet buscar que os princípios supremos do Estado sejam devidamente respeitados e efetivados (BULOS, 2010).

Entre esses princípios que o Ministério Público protege, existe o princípio da laicidade. As instituições públicas ainda precisam sofrer um processo de amadurecimento democrático para realização plena desse princípio, mas o Ministério Público já possui legitimidade na defesa da laicidade estatal (ZYLBERSZTAJN, 2012). O Ministério Público defende esse princípio por meio da ação civil pública, presente no artigo 129, III da CRFB/88.

Apesar da legitimidade que o Ministério Público possui na defesa da laicidade estatal, a atuação já sofreu críticas, a mais contundente foi feita pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes (2009), que disse "'Eu tenho a impressão de que há mais o que fazer', ironizando ainda que a próxima tentativa seria derrubar a estátua do cristo redentor".

Em contrapartida, é possível argumentar que "a humanidade não tem uma lista de espera de problemas hierarquizados de acordo com a urgência para a sua solução. Problemas menores muitas vezes possuem soluções simples e rápidas, e não haveria qualquer sentido em se esperar a solução de problemas complexos para se resolver questões facilmente superáveis" (VIANNA, 2012, p. 1).

Depois de atuar contra a prefeitura de Maceió, que tentou reprimir religiões de origem africana a realizarem oferendas à Iemanjá na orla de Maceió, o Ministério Público de Alagoas pretende atuar mais ativamente no combate à intolerância religiosa. O Promotor de Justiça Flávio Gomes da Costa afirmou isso em reunião com líderes de religiões afro "queremos descontruir barreiras, resgatando a imagem das religiões afro conforme os preceitos da Constituição brasileira, que estabelece a liberdade de cultos" (GAZETAWEB, 2013).

A atuação do Ministério Público vem tentar reprimir erros que o Estado cometeu em sua história, quando não respeitou o princípio da liberdade de crença, como aconteceu em 1912, com a Quebra de Xangô, onde houveram invasões em terreiros por toda a capital alagoana.Essa barbárie ainda deixa marcas na cultura dos afrodescendentes maceioenses (PALMARES FUNDAÇÃO CULTURAL, 2012).

A Quebra de Xangô aconteceu na noite do dia 1º de fevereiro de 1912, onde ocorreram as invasões, lideradas pela Liga dos Republicanos Combatentes, grupo político que era a oposição ao governador de Alagoas da época, Euclides Malta. O resultado foi o fechamento de diversos terreiros e o banimento de ialorixás e babalorixás do Estado(CORREIO DE ALAGOAS, 2012).

O Ministério Público Federal de São Paulo, por meio da Ação Civil Pública n° 2009.61.00.017604-0, pleiteou perante a Justiça Federal da 3ª Região, Seção Judiciária de São Paulo, que todos os símbolos religiosos nas repartições públicas federais no Estado de São Paulo fossem retirados. A juíza federal Maria Luci Lencastre Ursaia indeferiu liminarmente o pedido citando os mesmos argumentos que o CNJ argumentou em 2007, na ação já tratada neste artigo científico. O Procurador da República Jefferson Aparecido Dias, responsável pela ação disse que: "Quando o Estado ostenta um símbolo religioso de uma determinada religião em uma repartição pública,está discriminado todas as demais, ou mesmo quem não tem religião afrontando o que diz a Constituição" (ESTADÃO, 2009). 


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES, Pedro Victor Souza. A laicidade do Estado e a retirada de símbolos religiosos de repartições públicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3739, 26 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25405. Acesso em: 19 abr. 2024.