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A intimação pessoal da fazenda pública e as consequências do seu desrespeito pelo Poder Judiciário na prática processual.

Análise do caso do Estado de Alagoas

A intimação pessoal da fazenda pública e as consequências do seu desrespeito pelo Poder Judiciário na prática processual. Análise do caso do Estado de Alagoas

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A intimação pessoal da Fazenda Pública nos processos judiciais, antes de ser um privilégio, é uma prerrogativa que visa a favorecer a coletividade em razão das suas peculiaridades: burocracia interna, quantidade enorme de processos para cada Procurador, impossibilidade de afastamento de demanda etc.

INTRODUÇÃO

A intimação pessoal da Fazenda Pública tem sido motivo de debates acirrados no meio jurídico. Em verdade, boa parte do Judiciário entende a questão como um privilégio, porém, nós, que fazermos parte do corpo que defende os entes públicos, acreditamos que se trata de uma verdadeira e necessária prerrogativa.

Inicialmente, convém esclarecer que os privilégios se dão por razões pessoais, sendo em boa parte desmedidos e personalistas – normalmente conferidos a determinadas pessoas com fundamento simplesmente no poder e não na autoridade que ela representa.

Os privilégios, na lógica do Direito Administrativo e Direito Processual Civil e, indo mais além, de acordo com os próprios princípios norteadores da coisa púbica e que amparam o nosso ordenamento jurídico, não têm mais lugar na moderna dinâmica das relações público-privadas, sendo resquício de tempos passados em que os próprios governantes e as altas autoridades desenvolviam seus trabalhos baseados unicamente nos benefícios que eles receberiam para si próprios, esquecendo-se da finalidade maior, que é a fiel observância do bem comum coletivo.

De fato, por muito tempo, o cargo público e a hierarquia de que determinados agentes públicos estavam investidos traziam inúmeras diferenças (privilégios) entre eles e os demais cidadãos brasileiros. O alto escalão era visto como uma espécie de seres superiores frente aos demais. Inclusive, isto acarretava enormes prejuízos para o próprio Estado quando havia a confusão entre os bens públicos e os interesses/bens privados.

O Estado brasileiro era muito acostumado a ver agentes públicos se utilizarem da posição que possuíam para angariar interesses exclusivamente pessoais, e muitas vezes conflitantes com o interesse coletivo.

Pois bem, esta época passou e precisamos cada vez mais nos adequar à nova realidade republicana em que os interesses públicos devem ser colocados à frente dos interesses meramente individuais. Não é à toa que a supremacia do interesse público frente ao privado representa um dos mais importantes princípios do Direito Administrativo.

Assim, percebe-se que houve uma guinada dos privilégios pessoais para as prerrogativas em razão do cargo. Em outras palavras, deixa-se de lado o privilégio para erigir a prerrogativa nos limites do imprescindível para o bom desempenho da atividade pública.

Quando o cargo está intrinsecamente ligado a uma pessoa/autoridade ainda enxergamos alguns resquícios de privilégios travestidos de prerrogativas. A título de exemplo está o fato de ser deferida “aposentadoria”, carros com motoristas, assessores e seguranças pessoais para os ex-Presidentes da República ou até mesmo Governadores de Estado.

Quanto a estes últimos, o Supremo Tribunal Federal já apreciou a inconstitucionalidade e afastou, em termos, a discrepância de algumas normas com o ordenamento jurídico nacional.

Cite-se, por exemplo, a ADI 3853-MS que julgou procedente a ação para considerar inconstitucional a criação de benefícios vitalícios aos ex-Governadores do Estado do Mato Grosso do Sul e seus cônjuges.

De toda forma, ainda existem sim privilégios que se mantiveram em nosso ordenamento – fato que, aos poucos, merecerão a atenção da sociedade civil organizada para a completa extirpação de seus rastros em nosso país.

Contudo, é interessante salientar a diferença com as prerrogativas que são deferidas não somente aos cargos, mas também aos entes públicos – como é caso da intimação pessoal dos Procuradores quando estiverem atuando na defesa de um Estado, por exemplo. Fato bastante diverso dos privilégios conferidos a pessoas.

Quando a intimação é conferida a determinado cargo, em razão da função que o seu ocupante exerce, qual seja, a defesa de um ente público, é imprescindível lembrar que quem ganha com a prerrogativa não é a pessoa em si, mas toda a coletividade que se beneficiará da prerrogativa deferida a um exercente de cargo público quando em atuação em nome da Fazenda Pública.

Este é o caso que estamos a analisar neste trabalho científico.

A intimação pessoal da Fazenda Pública é prerrogativa que tem como objetivo deferir maior possibilidade de defesa ao ente público. Ora, o ente público engloba todos os beneficiários de sua existência (coletividade) e não apenas os Procuradores.

Aliás, os Procuradores públicos não têm a possibilidade de escolher em quantos processos pretendem atuar. Ou seja, não pode recusar demanda sob o fundamento de excesso de trabalho. Pelo contrário, vê-se obrigado a peticionar em uma quantidade muito superior de processos do que os advogados privados, os quais estão livres para restringir as suas causas.

Assim, como forma de remediar tais contratempos, bem como economizar tempo do ente público fazendo carga, tirando cópias etc, leis nacionais e estaduais vêm deferindo a prerrogativa da intimação pessoal para os advogados públicos. Exatamente como acontece no Estado de Alagoas por meio de sua Lei Complementar Estadual nº 07 de 1991.

A despeito disso, alguns órgãos judiciários alagoanos não vêm observando esta prerrogativa, deixando de receber e encaminhar recursos processuais do Estado de Alagoas para as instâncias superiores sob o argumento de que este não teria ratificado os mesmos após a publicação do acórdão de embargos de declaração interpostos na sequência da apresentação dos recursos excepcionais.

Expliquemos melhor: durante o julgamento de uma apelação, o Tribunal de Justiça de Alagoas publica um acórdão. Desta decisão, o Estado de Alagoas interpõe Recurso Especial e Extraordinário logo nos primeiros dias. Porém, a parte contrária apresenta Embargos de Declaração – os quais são julgados e, em sua grande maioria, são afastados. Neste momento, o TJAL deixa transcorrer o tempo não enviando os autos processuais para a Procuradoria-Geral do Estado para que este ratifique os Recursos Excepcionais anteriormente interpostos. Assim, o Judiciário alagoano não envia o processo para as instâncias superiores sob o argumento de falta de ratificação dos mesmos. Mas olvida que não deferiu a intimação pessoal – o que representa uma afronta à legislação.

Esta situação causa enorme prejuízo para o Estado de Alagoas e para os entes públicos em geral, pois o Poder Judiciário deixa de analisar recursos em matérias das mais diversas e de importância vital para a Fazenda Pública e toda sua população (principalmente a mais carente).

Dito isto, seguimos para os pontos específicos deste trabalho.


1. DA NECESSIDADE DE SE CONFERIR À FAZENDA PÚBLICA PRERROGATIVAS PROCESSUAIS

Inicialmente, interessante trazer à baila informações constantes dos ensinamentos do Professor Leonardo José Carneiro da Cunha – o qual também integra os quadros da advocacia pública:

A Constituição Federal, em seu art. 5º, enuncia que ‘todos são iguais perante a lei’. O conteúdo político-ideológico de tal princípio constitucional denota que ‘a lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos.’ O princípio da igualdade longe de pretender conferir tratamento substancialmente idêntico a todas as pessoas, entes, sujeitos, e organismos, leva em conta as diversidades de cada um, tomando como parâmetro a notória e antiga lição de Aristóteles, segundo quem a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.[1]

Assim, como já dito anteriormente, o ente público possui especificidades, tais como a burocracia, que impedem que as respostas se deem na mesma velocidade que as do âmbito privado. Aliás, a máquina pública é dotada de uma série de cautelas referentes à probidade administrativa e legalidade, também inexistentes nas relações privadas.

Tudo isso faz com que o Poder Público realmente necessite de prerrogativas para o seu atuar. E principalmente no que concerne ao Direito Processual.

Nesse mesmo sentido caminha o famoso administrativista José dos Santos Carvalho Filho:

O Código de Processo Civil estabelece algumas regras especiais para regular a atuação do Poder Público em Juízo. São as particularidades processuais que dão especificidade de tratamento e, usualmente, constituem benesses para o Poder Público.

Essas prerrogativas não são conferidas ao Estado de forma aleatória. É evidente que a complexidade das ações a cargo do Poder Público, a quantidade de litígios em que se envolve e a imensidão das estruturas estatais não podem permitir situação de inteira igualdade entre o Estado e o particular no processo. São particularidades que, de resto, se incluem em praticamente todos os ordenamentos jurídicos. Alguns sustentam, no entanto, que as prerrogativas processuais ofendem os princípios da igualdade, da razoabilidade e da dignidade da pessoa humana. Assim não nos parece. Entretanto. Ostentando situações jurídicas diversas, não podem Estado e particular sujeitar-se às mesmas regras, porque, aí sim, estaria vulnerada a isonomia. Da mesma forma, não se afigura razoável tal resistência contra o ente público, que, bem ou mal, representa os interesses da coletividade. É certo que o Estado deve buscar maior eficiência na sua atividade, mas o fato de ser rodeado de ineficiências não tem o condão de afastar as particularidades processuais.[2]

Seguindo esta linha, um exemplo típico de prerrogativa conferida à Fazenda Pública e que já é amplamente difundida perante os Tribunais, é a outorga de prazos diferenciados para a apresentação de peças processuais: contestação e recursos. Segundo o art. 188 do Código de Processo Civil, “computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público”.

Este é apenas um exemplo de uma série de outros que visam apenas conferir maiores condições de participação do Estado no processo, tais como: duplo grau obrigatório de jurisdição (também chamado de remessa necessária e que, hoje, comporta algumas restrições), limites a concessões de liminares (tutelas antecipadas e cautelares) em desfavor da Fazenda Pública, a necessidade de boa parte dos pagamentos do Poder Público, quando condenado judicialmente, se submeter ao regime de precatórios previsto no art. 100 da Constituição Federal, isenção no recolhimento de custas e emolumentos, o processo executivo autônomo etc. E a intimação pessoal que é o objeto de estudo deste trabalho.

Isto tudo representa o acolhimento de ações afirmativas em prol do Ente Público com o intuito de salvaguardar, em última análise, a supremacia do interesse público.

Aliás, mais à frente o nobre autor Leonardo José Carneiro da Cunha afirma:

Daí resulta o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, constituindo um dos alicerces de todo o direito público. É bem verdade que não há norma constitucional que albergue tal princípio. Sua consolidação, todavia, decorre, como visto, de uma ideia antiga e praticamente universal, segundo a qual se deve conferir prevalência ao coletivo em detrimento do individual.[3]

Dessa forma, o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, vem sendo considerado o super-princípio do Direito Público, haja vista a própria noção republicana de que o conjunto dos interesses privados forma um todo coletivo que deve prevalecer sobre os desejos e ambições de uma única pessoa.

Nesse sentido, com o objetivo de manter-se na estrita legalidade, é imperioso que, antes de surgir uma prerrogativa, deve-se indagar se a mesma será útil, proporcional e razoável para o fim que almeja, bem como se a mesma é apta a alcançar a finalidade do bem comum.

No caso em análise, a intimação pessoal, conforme será reiteradamente visto mais adiante, é sim uma espécie de procedimento bastante apta a ensejar uma melhor atuação da Administração Pública em Juízo.

Vejamos o magistério de José Roberto de Moraes:

Quando a Fazenda Pública está em juízo, ela está defendendo o erário. Na realidade, aquele conjunto de receitas públicas que pode fazer face às despesas não é de responsabilidade, na sua formação, do governante do momento. É de toda a sociedade que contribui para isso. (...) Ora, no momento em que a Fazenda Pública é condenada, sofre um revés, contesta uma ação ou recorre de uma decisão, o que se estará protegendo, em última análise, é o erário. É exatamente essa massa de recurso que foi arrecada e que evidentemente supera, aí sim, o interesse particular. Na realidade, a autoridade pública é mera administradora[4].

Diante destes argumentos, necessário complementar que o Poder Público representa todos os interesses dos particulares. É, na verdade, a junção de todos em um só. É a própria personificação da coletividade.

Para elucidar melhor esta ideia, vamos conferir mais uma vez o magistério do Professor José dos Santos Carvalho Filho:

Primitivamente se entendeu que os agentes eram mandatários do Estado (teoria do mandato). Não poderia prosperar a teoria porque, despido de vontade, não poderia o Estado outorgar mandato.

Passou-se a considerar os agentes como representantes do Estado (teoria da representação). Acerbas foram as críticas a essa teoria. Primeiro, porque o Estado estaria sendo considerado como uma pessoa incapaz, que precisa de representação. Depois, porque se o dito representante exorbitasse de seus poderes, não seria, à evidência, iníqua e inconveniente.

Por inspiração do jurista alemão OTTO GIERKE, foi instituída a teoria do órgão, e segundo ela a vontade da pessoa jurídica deve ser atribuída aos órgãos que a compõem, sendo eles mesmos, os órgãos, compostos de agentes.[5]

Portanto, a coletividade é personificada por meio do Poder Público e este será dividido em órgãos públicos compostos de agentes. No fim das contas, estes agentes têm o papel de representar (a nomenclatura mais correta seria “presentar”) o Poder Público nas mais diversas esferas, inclusive na judicial.

Pois bem, na medida em que tornarmos essa ideia uma noção primordial, ficará mais simples de compreender que as prerrogativas conferidas são um poder para a melhor defesa, em última análise, de todos nós.


2. DA INTIMAÇÃO PESSOAL DA FAZENDA PÚBLICA

A intimação pessoal da Fazenda Pública é uma das mais notórias prerrogativas processuais conferidas a um ente público, ao lado dos prazos processuais diferenciados.

Esta intimação pessoal deve se dar na pessoa do Procurador-Geral ou por meio de seu substituto legal, podendo ser tanto o Subprocurador-Geral como os Chefes de núcleos específicos.

Por meio destas pessoas, que representam o Poder Público, deve ser comunicada a ocorrência de alguma decisão judicial ou a abertura de prazo para a apresentação das mais diversas peças processuais.

Com relação aos advogados públicos federais, já existe norma específica conferindo-lhes o poder de serem intimados pessoalmente com a vista dos autos. Já com relação aos advogados públicos do âmbito estadual, não existe norma expressa deferindo-lhe tal poder (exceto com relação ao processo executivo fiscal).

Como exemplo da prerrogativa em questão na legislação federal, podemos ver o art. 25 da Lei nº 6.830/80 (Lei que trata especificamente das Execuções Fiscais):

Art. 25. Na execução fiscal, qualquer intimação ao representante judicial da Fazenda Pública será feita pessoalmente.

Parágrafo único. A intimação de que trata este artigo poderá ser feita mediante vista dos autos, com imediata remessa ao representante judicial da Fazenda Pública, pelo cartório ou secretaria.

No mesmo sentido, porém de forma ampliada a todos os processos em que oficiem os advogados públicos federais, está o art. 38 da Lei Complementar nº 73/93, que instituiu a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União:

Art. 38. As intimações e notificações são feitas nas pessoas do Advogado da União ou do Procurador da Fazenda Nacional que oficie nos respectivos autos.

Aliás, comentando-se este dispositivo, os autores Bruno Colodetti e Cláudio Madureira arrematam quanto à prerrogativa:

- A propósito, é importante referir que a Lei nº 11.033/04 confere aos Procuradores da Fazenda Nacional a prerrogativa de serem intimados por meio de carga dos autos.

- Também não se discute a necessidade de intimação pessoal dos Procuradores Federais, por força do art. 17 da Lei nº 10.910/04.[6]

Afora isso, os Defensores Públicos também possuem a multirreferida prerrogativa. Vejamos:

Art. 44. São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública da União:

I – receber, inclusive quando necessário, mediante entrega dos autos com vista, intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição ou instância administrativa, contando-se-lhes em dobro todos os prazos

Ressalte-se que esta norma é repetida nos artigos 89, I, e 128, I, que fazem alusão às Defensorias Públicas do Distrito Federal e dos Estados.

Do mesmo modo, ao Ministério Público é deferida a intimação pessoal – previsão que consta do próprio Código de Processo Civil:

Art. 236. (...) § 2º A intimação do Ministério Público, em qualquer caso será feita pessoalmente.

Assim, fica evidente que o ordenamento jurídico federal ao prever a intimação pessoal para a Advocacia Pública Federal (esquecendo-se da Estadual) e para todas as Defensorias Públicas e Ministérios Públicos, possui uma lacuna – a qual deve ser regularmente preenchida pelo Poder Legislativo Estadual.

Portanto, o Poder legislativo local, com fundamento no art. 24, XI, e §§ 1º a 4º, da Constituição Federal, está plenamente imbuído do direito de legislar sobre procedimentos em matéria processual. Vejamos:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...)

XI - procedimentos em matéria processual; (...)

§ 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.

§ 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.

§ 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

§ 4º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.

E foi exatamente isso que fez a Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas ao estatuir a Lei Complementar nº 07/1991, outorgando aos Procuradores a intimação pessoal. Prerrogativa esta que, em tempos seguintes, foi regulamentada pelo próprio Poder Judiciário local, mas que, a despeito das normas cogentes, não vem sendo fielmente cumprida.

Vejamos a literalidade da Lei Alagoana:

Art. 81. São prerrogativas do Procurador de Estado:

(...) VI – receber intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição, mediante a entrega dos autos com vistas;

Destarte, a intimação pessoal consiste em, por meio do oficial de justiça, levar ao conhecimento da Procuradoria-Geral do Estado qualquer decisão que tenha sido tomada pelo Poder Judiciário num processo.

Assim, o oficial de justiça, levando consigo o processo judicial (vista dos autos), deve comunicar o Procurador do Estado sobre a decisão para simples ciência ou tomada de alguma providência com a possível elaboração da peça processual cabível.

Ou seja, assinando a contrafé, o Procurador se dá por intimado e toma conhecimento do ato processual a ser praticado e seu prazo, ficando com o processo (no caso deste encontrar-se em autos físicos).

Por fim, ressalte-se, conforme dito alhures, que a intimação pessoal é muito importante para evitar a perda de tempo e para ter a certeza de que a Procuradoria tomou conhecimento de uma decisão judicial, haja vista não ocorrer a revelia contra os entes públicos.


3. DA OBRIGATORIEDADE DE SE OBSERVAR A INTIMAÇÃO PESSOAL PELO PODER JUDICIÁRIO E A CONSEQUÊNCIA DO SEU DESRESPEITO – CASO DO ESTADO DE ALAGOAS

Conforme o que já foi dito acima, no Estado de Alagoas há a Lei Complementar nº 07/1991 que confere à Procuradoria-Geral do Estado a prerrogativa da intimação pessoal quando se tratar de processos judiciais.

Em que pese a existência de legislação neste sentido, alguns órgãos judiciários (algumas Varas e, em algumas ocasiões, o próprio Tribunal de Justiça) daquele Estado não vêm observando os seus dispositivos.

Aliás, esta não observância vem causando enormes prejuízos ao Estado quando este interpõe Recursos Especial e Extraordinário, sendo seguido de embargos de declaração pela outra parte. Quando do julgamento deste último, o Tribunal de Justiça de Alagoas, mais das vezes, não possibilita a intimação pessoal da Procuradoria-Geral do Estado de Alagoas para ratificar os seus recursos excepcionais já interpostos.

Nesta medida, o Tribunal estadual entende que os mesmos foram extemporâneos, pois necessitavam de ratificação para o seu recebimento e envio para os tribunais superiores.

Em termos práticos, é como se os recursos cabíveis não tivessem sido apresentados.

Diante deste problema, tanto o Estado de Alagoas como muitos outros entes públicos no Brasil, levam a questão ao conhecimento do Superior Tribunal de Justiça. Este, quando conhece do Agravo da decisão que nega a subida dos recursos excepcionais, vem se posicionando pela possibilidade de normas estaduais criarem procedimentos em matéria processual, dentre elas, a intimação pessoal da Fazenda Pública para os atos processuais. Paradigma este que deve ser estendido para os Tribunais inferiores com o intuito de pacificar o tema no âmbito dos Estados.

3.1. DA FALTA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DA FAZENDA PÚBLICA: EVIDENTE VIOLAÇÃO AO ART. 81, VI, DA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL Nº 07/1991

Ultimamente, discute-se bastante sobre a prerrogativa que a Fazenda Pública Estadual teria para receber intimação pessoal. Contudo, apenas a União Federal possui norma que explicita a necessidade de intimação pessoal de seu representante jurídico para todos os atos processuais, conforme demonstrado acima em diversas passagens normativas.

Já as Fazendas Públicas Estaduais, estas são agraciadas apenas por algumas leis federais isoladas, que exigem a intimação pessoal para determinado tipo de relação processual, como é o caso da Lei nº 6.830/80[7], que trata das execuções fiscais, e a Lei nº 12.016/09 (nova lei do mandado de segurança), nas intimações a ser realizadas a partir da sentença.

Nos demais processos judiciais, todavia, a legislação federal é completamente omissa com relação à Advocacia Pública Estadual, gerando inúmeras distorções, incertezas e inseguranças jurídicas.

Os conflitos oriundos desta contrariedade não são poucos, o que fez surgir duas correntes doutrinárias no que se refere ao estudo do tema.

A primeira corrente sustenta que cada ente federativo detém autonomia para legislar sobre a matéria, haja vista que não se trataria de norma processual, mas de norma de natureza procedimental, ramo do direito cuja competência para legislar é concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

(...) XI - procedimentos em matéria processual

Para explicar melhor a noção de competência concorrente, citemos o autor Alexandre de Moraes:

No âmbito da legislação concorrente, a doutrina classifica-a em cumulativa sempre que inexistirem limites prévios para o exercício da competência. Por parte de um ente, seja a União, seja o Estado-membro, e em não cumulativa, que propriamente estabelece a chamada repartição vertical, pois, dentro de um mesmo campo material (concorrência material de competência), reserva-se um nível superior ao ente federativo União, que fixa os princípios e normas gerais, deixando-se ao Estado-membro a complementação.

A Constituição brasileira adotou a competência concorrente não cumulativa ou vertical, de forma que a competência da União está adstrita ao estabelecimento de normas gerais, devendo os Estados e o Distrito federal especificá-las, através de suas respectivas leis. É a chamada competência suplementar dos Estados-membros e Distrito Federal (CF, art. 24, §2º).

Essa orientação, derivada da Constituição de Weimar (art.10), consiste em permitir ao governo federal a fixação das normas gerais, sem descer a pormenores, cabendo aos Estados-membros a adequação da legislação às peculiaridades locais.

Note-se que, doutrinariamente, podemos dividir a competência suplementar dos Estados-membros e do Distrito Federal em duas espécies: competência complementar e competência supletiva. A primeira dependerá de prévia existência de lei federal a ser especificada pelos Estados-membros e Distrito Federal. Por sua vez, a segunda aparecerá em virtude da inércia da União em editar lei federal, quando então os Estados e o Distrito Federal, temporariamente, adquirirão competência plena tanto para edição de normas de caráter geral, quanto para normas específicas (CF, art. 24, §§ 3º e 4º).[8]

Dito isto, apesar da difícil e cinzenta distinção entre processo e procedimento, os argumentos são fortes, e vêm sendo paulatinamente acolhidos pelo Judiciário nacional, em decisões que têm entendido que a forma como se dá a intimação da Fazenda Pública em nada tem a ver com processo, mas com procedimento em matéria processual.

O posicionamento conclui afirmando que a prerrogativa da intimação pessoal seria uma escolha de cada ente da Federação, que poderia optar por não editá-la para si, abrindo mão, portanto, desta prerrogativa procedimental. Ou seja, seria uma liberalidade legislativa de cada Pessoa Federada.

Pois bem, no caso do Estado de Alagoas, o legislador local optou livremente por disciplinar a matéria, positivando no art. 81, VI, da Lei Complementar nº 07, de 18 de julho de 1991 (que institui a Lei Orgânica da Advocacia Geral do Estado de Alagoas), a exigência de intimação pessoal do representante jurídico da Fazenda Pública Estadual. Vejamos a literalidade da Lei Alagoana:

Art. 81. São prerrogativas do Procurador de Estado:

(...) VI – receber intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição, mediante a entrega dos autos com vistas;

Apesar de se encontrar em vigor faz mais de 20 (vinte) anos, o preceito normativo acima transcrito quase sempre foi ignorado pela maioria dos julgadores alagoanos, que o desconheciam ou simplesmente não o aplicavam por entender (equivocadamente) se tratar de norma inconstitucional, já que o legislador local não poderia editar lei de cunho processual.

Estas decisões foram sendo gradualmente reformadas pelo Tribunal de Justiça alagoano, que, no ano de 2008, no intuito de exigir o cumprimento da regra da intimação pessoal da Fazenda Estadual, já diversas vezes declarada constitucional pela egrégia Corte, editou o Provimento nº 22/2008 – o qual foi posteriormente substituído pelo Provimento nº 09/2009, da Corregedoria-Geral de Justiça.

Eis basicamente o que prescreve o Provimento n. 09/2009:

Provimento nº 09/2009

Estabelece o procedimento de citação e intimação do Estado de Alagoas, revoga o Provimento nº 22/2008 e dá outras providências.

O CORREGEDOR-GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE ALAGOAS, no uso de suas atribuições legais e,

CONSIDERANDO que, por força do contido nos artigos 41 e 42, da Lei n.º 6.564/2005 (Código de Organização Judiciária do Estado de Alagoas), cabe ao Corregedor-Geral da Justiça o disciplinamento das atividades jurisdicionais e dos auxiliares da justiça, baixando as instruções necessárias, com vista a regulamentar os procedimentos judiciais a serem realizados em sede de primeiro grau;

CONSIDERANDO ser preciso imprimir maior celeridade no cumprimento das decisões judiciais em que o Estado de Alagoas seja parte ou interessado;

CONSIDERANDO a necessidade de adequar o procedimento de citação e intimação nos processos cujo interesse seja patrocinado pela Procuradoria Geral do Estado de Alagoas à realidade forense;

CONSIDERANDO, ainda, o conteúdo do Ofício PGE/GAB nº 043/2009, encaminhado pelo Procurador Geral do Estado ao Corregedor-Geral da Justiça, datado de 13 de abril do corrente ano,

RESOLVE:

Art. 1º O Estado de Alagoas será citado ou intimado na pessoa do Procurador-Geral, seu substituto ou Procuradores de Estado Coordenadores das Procuradorias Especializadas, relacionadas no artigo 22 da Lei Complementar nº. 07, de 1991, por delegação, nos prazos e formas legais.

§ 1º A citação ou intimação de que trata o caput deste artigo será realizada por Oficial de Justiça, quando se tratar de feitos em tramitação na Comarca da Capital e na de Arapiraca.

§ 2º Nas demais comarcas, consoante a respectiva relação e endereços constantes nos Anexos I e II a este Provimento, far-se-á pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, utilizando-se de Cartão de Postagem-Destinatário Único, fornecido pela Procuradoria Geral do Estado de Alagoas.

§ 3º As despesas decorrentes de envio dos autos judiciais via postal serão da responsabilidade do Estado de Alagoas, mediante contrato administrativo existente entre a Procuradoria Geral do Estado e a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT.

§ 4º A devolução dos autos judiciais para as Comarcas do interior também será realizada pela Procuradoria Geral do Estado, por meio postal, considerando como data do cumprimento do ato processual a data da respectiva postagem.

Art 2º Os processos que tramitam na Comarca da Capital e na de Arapiraca poderão ser retirados, mediante carga, por Procurador de Estado, ou por servidor público lotado na Procuradoria Geral do Estado e cadastrado na Corregedoria Geral da Justiça.

§ 1º O prazo para a prática de ato processual na Comarca da Capital e na de Arapiraca terá início a partir da juntada aos autos do mandado devidamente cumprido ou quando da retirada dos autos pelo Procurador de Estado ou servidor autorizado.

§ 2º Nas demais comarcas, o prazo terá início a partir da entrega dos autos nos endereços constantes dos Anexos I e II.

Ou seja, apesar do Tribunal de Justiça entender como pacífico que o Estado de Alagoas deve ser intimado pessoalmente para a prática dos atos processuais, às vezes, esta mesma Corte tem desconsiderado esta regra, o que tem gerado insegurança jurídica de um modo geral e prejuízos processuais incalculáveis, como no caso em que a Procuradoria Geral do Estado não é intimada pessoalmente para tomar ciência do acórdão que julga os embargos de declaração interpostos pela parte contrária.

Um exemplo prático com que muitas Procuradorias têm se deparado: a falta da intimação pessoal faz com que o prazo para que o Estado de Alagoas possa ratificar o Recurso Extraordinário e o Recurso Especial, interpostos anteriormente à apresentação de Embargos de Declaração pela parte contrária, transcorra in albis, e o presidente do Tribunal de Justiça local, em sede de juízo de admissibilidade recursal, denegue seguimento aos mesmos.

De todo modo, vista a primeira teoria, vale salientar que existe ainda uma segunda corrente doutrinária a estudar o tema da intimação pessoal do representante jurídico da Fazenda Pública Estadual.

Seus estudos partem de uma premissa diferente, invocando a aplicação do princípio constitucional da isonomia para conferir tratamento isonômico ao que é conferido à União Federal, e concluir que toda a Fazenda Estadual possui a prerrogativa de ser intimada pessoalmente.

Para esta corrente, a intimação pessoal é a regra e deve ser realizada independentemente da existência de lei local que a positive.

A nosso ver, a fundamentação desta corrente encontra pilares mais frágeis, baseando-se exclusivamente por princípios e querendo estender a prerrogativa para todos os entes públicos do Brasil.

Não que pensemos ser a mesma equivocada. Muito pelo contrário.

Em verdade, qualquer argumento para a manutenção da prerrogativa da intimação pessoal das Fazendas Públicas seria válido em razão da imprescindibilidade da outorga deste direito aos Procuradores, pois já está assazmente evidenciado que não se trata de um privilégio e que o mesmo é extremamente necessário para o bom desempenho das atividades de defesa do ente público em juízo.

Simplesmente acreditamos que a primeira corrente explica melhor o direito conferido pelo Poder Legislativo Estadual.

Assim, para aqueles Estados que não possuem a prerrogativa expressamente prevista em legislação local, orienta-se a fazê-lo. Até mesmo por ser uma norma expressa mais facilmente comprovável perante o Judiciário do que alguns princípios mais abstratos.

É importante salientar que toda esta discussão está para se encerrar, haja vista a introdução de regra expressa neste sentido pelo legislador federal quando da elaboração do projeto do novo Código de Processo Civil brasileiro, encerrando, com isso, uma época de profunda incerteza e insegurança jurídica.

Citemos o artigo “As prerrogativas processuais da Fazenda Pública no Projeto do Código de Processo Civil (PLS n. 166, de 2010)” escrito em conjunto pelas Mestres em Direito, Mirna Cianci, Rita Quartieri e Liliane Ito Ishikawa, Procuradoras do Estado de São Paulo:

Se por um lado houve redução do prazo para contestar – a nova ordem não prevê prazo em quádruplo –, a duplicação de prazo, hoje restrita à via recursal, foi estendida para todas as manifestações do Advogado Público, o que é mais benéfico que a regra anterior. O prazo duplicado não se aplica quando houver prazo próprio estabelecido pelo Projeto, como é o caso do prazo para impugnação à execução contra a Fazenda Pública, fixada em trinta (30) dias (Projeto 166/2010, art. 520).

Há ainda distinta regra quanto ao termo inicial do prazo, que no Projeto tem fluência a partir da vista pessoal dos autos. Com isso, Os Procuradores Estaduais e Municipais passaram a ser beneficiados com a prerrogativa da intimação pessoal de seus procuradores, que hoje favorece apenas os representantes judiciais da União (Advogados da União, Procuradores da Fazenda Nacional e Procuradores Federais, que representam as autarquias e fundações públicas federais, assim como Procuradores do Banco Central). (...)

Roberto de Aragão Ribeiro Rodrigues (2000) considera que ‘a modificação revela-se adequada e justa, pois o tratamento diferenciado dispensado aos representantes judiciais dos diversos entes da federação pela sistemática atual não possui qualquer justificativa plausível’.[9]

Portanto, esperamos ansiosamente pela aprovação do novo Código de Processo Civil (nos termos propostos, porém aliado à vista dos autos) e temos a esperança de contar com o reconhecimento por parte dos legisladores das inúmeras dificuldades enfrentadas pela Advocacia Pública e das apontadas soluções.

3.2. DA DESNECESSIDADE DE RATIFICAÇÃO DO RECURSO CONSTITUCIONAL. ACORDÃO SUPERVENIENTE EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO QUE NÃO INOVA NA DECISÃO OBJETO DA IMPUGNAÇÃO RECURSAL

De acordo com o que já foi dito linhas atrás, não deve existir nenhuma dúvida quanto à tempestividade de recursos constitucionais interpostos pela Fazenda Pública antes que os embargos de declaração sejam protocolados pela parte contrária ao ente público, descabendo qualquer argumento de extemporaneidade por parte do Judiciário.

A despeito de tal conclusão a que já havíamos chegado, é necessário complementar que existem ainda outros fundamentos suficientes para o afastamento da alegação de extemporaneidade dos Tribunais de Justiça locais.

Pois, parte respeitável da doutrina leciona que, não havendo inovação na decisão judicial impugnada pelo recurso constitucional, seria desnecessária a ratificação do mesmo após o julgamento dos aclaratórios posteriormente interpostos, haja vista inexistir no Código de Processo Civil qualquer norma criando este tipo de obrigação para as partes.

Em verdade, nenhuma das partes pode ser prejudicada por decisões que não se baseiam em regras ou, ao menos, em princípios. Assim, não havendo disposição legal determinando a ratificação, não pode a jurisprudência criar situação para prejudicar a Fazenda Pública.

Senão, vejamos o estudo do professor Bernardo Pimentel Souza em Introdução aos Recursos Cíveis e à Ação Rescisória:

O caput do artigo 538 do Código de Processo Civil consagra a possibilidade jurídica da interposição de embargos declaratórios e de outro recurso contra uma mesma decisão. Com efeito, além de poder ser impugnada por recurso específico, toda decisão jurisdicional também pode ser atacada por meio de embargos de declaração, com a possibilidade até mesmo da interposição simultânea de dois recursos. Trata-se de verdadeira exceção ao princípio da singularidade, como bem ensina a melhor doutrina. Na jurisprudência, todavia, prevalece entendimento contrário, com a vedação da interposição conjunta dos embargos declaratórios e de outro recurso. A despeito da predominância da jurisprudência, prestigia-se a lição da doutrina, em prol da possibilidade jurídica da interposição conjunta dos aclaratórios e de outro recurso, o qual, a rigor, nem precisa ser ratificado após o julgamento dos embargos, tendo em vista a ausência de determinação legal.[10]

Mais adiante o nobre autor arremata:

Em síntese, a despeito do entendimento jurisprudencial restritivo, sustenta-se, no presente compêndio, que as decisões jurisdicionais podem ser impugnadas mediante recurso específico e por meio de embargos declaratórios. A rigor, tanto é juridicamente possível a interposição simultânea quanto o protocolo do recurso específico durante a interrupção ocasionada pelos aclaratórios, sem a necessidade da posterior ratificação que a jurisprudência considera obrigatória. Por fim, é certo que o recurso específico também pode ser interposto após o término da interrupção ocasionada pelos declaratórios, quando há a intimação do julgamento proferido nos embargos de declaração. Sem dúvida, diante da interrupção do prazo para a interposição de outros recursos, à vista do artigo 538 do Código de Processo Civil, é juridicamente possível (...) que a interposição do recurso específico ocorra após a intimação do julgamento dos embargos de declaração (ao menos conhecidos, frise-se).

Desse modo, soa excessivamente rigoroso exigir a ratificação dos termos do recurso constitucional, diante do julgamento que negou provimento aos embargos de declaração opostos pelas partes contrárias ao ente público, ainda mais porque, na maioria das vezes, não ocorre qualquer espécie de inovação no julgado que possa justificar o aditamento, a alteração ou até mesmo a ratificação do objeto da impugnação recursal.

Afora isso, reitere-se que, normalmente, a ausência de ratificação dos recursos excepcionais somente ocorre ante a evidente falta de intimação pessoal da Fazenda Pública por meio de sua Procuradoria.

Quando isso ocorrer, não se vislumbra outra saída senão a nulidade da decisão que inadmite o Recurso Especial ou Extraordinário, devendo enfrentar os recursos pertinentes para, em seguida, ser expungida do processo e este ter o seu regular seguimento.

3.3. DO EVIDENTE PREJUÍZO ÀS FAZENDAS PÚBLICAS QUANDO DA INOBSERVÂNCIA DE SUAS PRERROGATIVAS PELO PODER JUDICIÁRIO

Quando o Judiciário se esquiva de aplicar a lei, de antemão já temos um prejuízo incalculável para o Direito. Mas o mal não fica por aqui, vai mais além.

Ao deixar de receber recursos regularmente interpostos (e em consonância com a legislação nacional e local), o Judiciário tolhe de uma das partes (o Poder Público) a garantia de ver seus argumentos processar e, possivelmente, serem providos.

Tal atitude do Judiciário, que é o guardião do Direito e da Constituição, fere de morte o princípio da ampla defesa, do contraditório e, principalmente, do devido processo legal.

Tais princípios têm previsão e autoridade constitucional:

Art. 5º (...) XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito; (...)

LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios recursos a ela inerentes

Aliás, o devido processo legal existe para deferir às partes igualdade de tratamento também durante o processo. Esta é apenas uma das diversas facetas das prerrogativas que cercam o Poder Público, justamente por ser um ente coletivo.

Nas causas levadas ao conhecimento do Poder Judiciário, a Fazenda Pública conta com a estrita observância dos ditames legais.

De fato, existem muitas causas de valores exorbitantes financeiramente, assim como questões de relevância jurídica, social e política suficientes a desestabilizar um Governo e, por consequência, a própria noção de Estado.

Por exemplo, corriqueiramente os Estados Federados lidam com processos judiciais referentes a ações civis públicas ajuizadas pelos mais diversos entes legitimados sobre as mais diferentes matérias: desde a tentativa de forçar o Estado à construção de presídios e escolas até a promoção de cargos e carreiras.

Ora, são matérias que já têm sua tese devidamente delimitada pelos Tribunais Superiores, mas que os Tribunais locais insistem em julgar reiteradamente ao contrário.

Assim, ao se impossibilitar o acesso àqueles Tribunais, o Estado enfrenta enorme prejuízo jurídico e também econômico ante o trânsito em julgado de um provimento judicial completamente em dissonância com as normas de divisão de competências entre os Poderes Executivo e Judiciário. Principalmente no que concerne à escolha das Políticas Públicas e à discricionariedade administrativa que foi deferida à Chefia do Poder Executivo por meio do elemento mais representativo da soberania popular: o voto, a eleição consciente pelo povo.

Em última análise, quando se impede o conhecimento dos Tribunais Superiores à análise destas causas, cria-se um obstáculo inexistente no nosso ordenamento jurídico suficiente a ensejar a sensação de insegurança e, o que é pior, injustiça.

Numa única causa, pode existir pretensão que seja favorável a uma única pessoa ou empresa, porém que prejudique uma quantidade incontável de pessoas, causando um mal tão forte que pode desestruturar famílias, cidades e até mesmo o Estado inteiro. Mais especificamente aos Estados menores que contam com limitados recursos financeiros para abarcar uma gama infindável de necessidades e urgências públicas.

Ninguém deseja isso, razão pela qual tais prejuízos devem ser afastados por meio da legítima correção dos Tribunais com a determinação de seguimento das normas estaduais no que pertine à efetiva intimação pessoal dos Advogados Públicos e órgãos correlatos.


4. DA JURISPRUDÊNCIA PREDOMINANTE

Ante todo o exposto, interessante trazer a lume jurisprudência que deve prevalecer face os desrespeitos cometidos pelos Tribunais inferiores:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. TERMO INICIAL DO PRAZO RECURSAL DA FAZENDA ESTADUAL. INTIMAÇÃO PESSOAL (CPC, ART. 236, § 2º). RECEBIMENTO DOS AUTOS PELO ÓRGÃO.

1. Não viola o artigo 535 do CPC, nem importa negativa de prestação jurisdicional, o acórdão que, mesmo sem ter examinado individualmente cada um dos argumentos trazidos pelo vencido, adotou, entretanto, fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia posta.

2. A intimação da Fazenda Estadual dos atos processuais, por meio da entrega dos autos com vista, considera-se realizada no momento do recebimento do processo pelo órgão, quando começa então a fluir o prazo para interposição de recurso, sendo irrelevantes, para esse fim, os trâmites internos aí realizados. Entendimento em sentido diverso, subordinando o início da fluência do prazo à aposição de "ciente" pelo Procurador, importaria deixar ao arbítrio de uma das partes a determinação do termo a quo do prazo.

3.   É irrelevante, no caso,  a juntada de "folha de vista". Se os autos foram encaminhados com a decisão recorrida, a partir de então considera-se a parte intimada e inicia-se a contagem do prazo recursal.

4. Recurso especial a que nega provimento.

(REsp 476769 / SP, Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, DJ 06/09/2004 p. 165)

RECURSO ESPECIAL – ADMINISTRATIVO – PROCESSUAL CIVIL – FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS – DEFERIMENTO DE TUTELA ANTECIPADA – AGRAVO DE INSTRUMENTO – TERMO INICIAL – INTIMAÇÃO DO PROCURADOR ESTADUAL – TEMPESTIVIDADE.

1. O Estado do Rio Grande do Sul, ora recorrente, representado pela Procuradoria-Geral do Estado, tem a prerrogativa de intimação pessoal. A intimação do Delegado Regional de Saúde não pode ser considerada como termo inicial do prazo recursal, pois não representa ele o Estado judicialmente. Começa a fluir o prazo recursal a partir da intimação pessoal do Procurador.

2. No caso dos autos, tendo em vista que a intimação do Procurador estadual deu-se em 11.12.2003 (fl. 47), e a interposição do recurso em 12.12.2003, verifica-se a tempestividade do agravo.

Recurso especial provido, a fim de considerar tempestivo o agravo de instrumento interposto contra decisão que deferiu a antecipação de tutela em desfavor do Estado do Rio Grande do Sul.

(REsp 664154 / RS, Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJ 02/03/2007 p. 278)

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL. ARTIGO 25, DA LEI 6.830/80. EXISTÊNCIA DE PREJUÍZO DA PARTE. CERCEAMENTO DE DEFESA. OCORRÊNCIA. NULIDADE RECONHECIDA.

1. A intimação pessoal do representante da Fazenda Pública Nacional é de rigor no feitos em que figura como interessada, autora, ré, assistente, oponente, recorrente ou recorrida, a teor do que dispõem os artigos 38, da Lei Complementar 73/93, e 6º, da Lei 9.028/75, verbis: "Art. 38. As intimações e notificações são feitas nas pessoas do Advogado da União ou do Procurador da Fazenda Nacional que oficie nos respectivos autos." (Lei Complementar 73/93: Institui a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União e dá outras providências) "Art. 6º A intimação de membro da Advocacia-Geral da União, em qualquer caso, será feita pessoalmente. § 1º O disposto neste artigo se aplica aos representantes judiciais da União designados na forma do art. 69 da Lei Complementar nº 73, de 1993. (Renumerado pela Medida Provisória nº 2.180-35, de 24.8.2001) § 2o As intimações a serem concretizadas fora da sede do juízo serão feitas, necessariamente, na forma prevista no art. 237, inciso II, do Código de Processo Civil. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.180-35, de 2001)" (Lei 9.028/95: Dispõe sobre o exercício das atribuições institucionais da Advocacia-Geral da União, em caráter emergencial e provisório, e dá outras providências)

2. O artigo 25 da Lei 6.830/80, que regula a cobrança judicial da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias, determina, por seu turno, que: "Art. 25 - Na execução fiscal, qualquer intimação ao representante judicial da Fazenda Pública será feita pessoalmente. Parágrafo Único - A intimação de que trata este artigo poderá ser feita mediante vista dos autos, com imediata remessa ao representante judicial da Fazenda Pública, pelo cartório ou

secretaria."

3. Consequentemente, a intimação do representante da Fazenda Pública deve ser realizada pessoalmente na execução fiscal, bem como nos embargos contra ela opostos, à luz da regra imperativa geral (artigo 25, da Lei 6.830/80), sendo certo, entrementes, que se admite a intimação por carta registrada (artigo 237, II, do CPC), em situações excepcionais, em que inexistente representante judicial da Fazenda Nacional lotado na sede do juízo, solução adotada pelo próprio legislador em circunstâncias análogas (artigo 6º, § 2º, da Lei 9.028/95, com a redação dada pela MP 2.180-35/2001) (Precedentes da Primeira Seção: EREsp 743.867/MG, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, julgado em 28.02.2007, DJ 26.03.2007; e EREsp 510.163/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 12.09.2007, DJ 08.10.2007).

4. In casu, cuida-se de embargos à execução fiscal em que o representante da Fazenda Pública Estadual foi intimado, pela imprensa oficial, para manifestação sobre o laudo elaborado pelo perito judicial.

5. O acórdão regional rejeitou a preliminar de cerceamento de defesa, unicamente, sob o fundamento de que a intimação pessoal do representante da Fazenda Pública somente é inafastável nas Comarcas que não possuam órgão de publicação dos atos processuais, o que se extrai da interpretação conjunta dos artigos 25, 27, parágrafo único, da Lei 6.830/80, e 237, do CPC, sendo certo que "a jurisprudência tem entendido que a intimação do representante da Fazenda Pública pode ser feita através da Imprensa Oficial".

6. Consequentemente, revela-se inarredável a declaração da nulidade dos atos processuais subsequentes à juntada da aludida prova, máxime tendo em vista o evidente prejuízo para a parte (o que poderia ter sido suprido pelo seu comparecimento espontâneo, a exemplo do que ocorre com a citação), restando, portanto, caracterizado o cerceamento de defesa.

7. Outrossim, o artigo 535, do CPC, resta incólume quando o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.

8. Recurso especial provido, declarando-se a nulidade dos atos processuais subsequentes à juntada do laudo pericial, restando prejudicada a insurgência especial remanescente (inaptidão do laudo pericial para infirmar a liquidez e certeza da CDA, notadamente na hipótese em que existente confissão extrajudicial do contribuinte).

(REsp 1001929 / SP, Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, DJe 07/10/2009)

Em especial, interessante citar o caso paradigma da Bahia (EDcl no AI Nº 710.585) – o qual, devido à sua importância, colacionamos em seu inteiro teor, ressaltando que o mesmo enfrentou diretamente a competência concorrente da União com os Estados a respeito dos procedimentos em matéria processual, bem como a existência de Lei Estadual prevendo a intimação pessoal para o Procurador do Estado:

PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - PROVIMENTO - SUBIDA DO RECURSO ESPECIAL - RECORRIBILIDADE - HIPÓTESES EXCEPCIONAIS - TEMPESTIVIDADE - PROCEDIMENTO EM MATÉRIA PROCESSUAL - COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE - INTIMAÇÃO PESSOAL - PROCURADOR - ESTADO DA BAHIA - EXISTÊNCIA DE LEI LOCAL (LEI 8.207/2002, ART. 58, III) - POSSIBILIDADE.

- Excepcionalmente esta Corte tem admitido recurso da decisão que dá provimento ao agravo de instrumento e manda subir o recurso especial. Contudo, tal hipótese só tem cabimento em casos excepcionais, quando ausentes os pressupostos de admissibilidade do próprio agravo de instrumento, o que não ocorre nestes autos.

- A Constituição Federal de 1988 concedeu competência concorrente aos Estados-membros para legislarem sobre normas de procedimento em matéria processual (art. 24, XI). Assim, na ausência de lei federal e existindo lei local dispondo sobre a prerrogativa de intimação pessoal aos procuradores estaduais, há que se observá-la.

- Ausentes quaisquer dos pressupostos do art. 535 do CPC, e tendo em vista o princípio da fungibilidade recursal, deve o recurso ser recebido como agravo regimental.

- Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da SEGUNDA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, receber os embargos de declaração como agravo regimental, e negar-lhe provimento. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Eliana Calmon, João Otávio de Noronha e Castro Meira. Presidiu o julgamento o Exmo. Sr. Ministro João Otávio de Noronha.

Brasília (DF), 06 de dezembro de 2005 (Data do Julgamento)

MINISTRO FRANCISCO PEÇANHA MARTINS

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO FRANCISCO PEÇANHA MARTINS:

Trata-se de embargos de declaração opostos pela CONSTRUTORA NORBERTO ODEBRECHT à decisão que deu provimento ao agravo de instrumento e determinou a subida do recurso especial inadmitido na origem, nos seguintes termos:

"Presentes os pressupostos de admissibilidade, dou provimento ao agravo e determino a subida do recurso especial para melhor exame."

Alega a embargante, em síntese, que a decisão ora embargada teria incorrido em omissão ao deixar de apreciar a preliminar de intempestividade do agravo de instrumento suscitada na ocasião da resposta a esse recurso, assim como teria sido omissa ao não apreciar a preliminar de ausência de certidão de intimação do acórdão recorrido.

Sustenta, ainda, que admitir a tempestividade do recurso violaria a coisa julgada, pois a matéria recorrida pelo Estado da Bahia já teria transitado em julgado, nos termos das certidões emitidas pelo Tribunal de origem.

Requer, assim, o recebimento dos presentes embargos, de forma a sanar os supostos vícios apontados.

É o relatório.

VOTO

EXMO. SR. MINISTRO FRANCISCO PEÇANHA MARTINS (Relator):

Fiel ao entendimento consagrado pelo STF, no sentido do não cabimento dos embargos de declaração opostos contra decisão monocrática de relator, recebo os presentes embargos como agravo regimental, em face do princípio da fungibilidade recursal.

A decisão atacada não merece reforma. Mantenho-a pelos seus próprios fundamentos.

Como afirmado, estão presentes todos os pressupostos de admissibilidade do agravo de instrumento.

Excepcionalmente esta Corte tem admitido recurso da decisão que dá provimento ao agravo de instrumento e manda subir o recurso especial.  Contudo, tal hipótese só tem cabimento em casos excepcionais, quando ausentes os pressupostos de admissibilidade do próprio agravo de instrumento, o que não ocorre nestes autos.

Quanto às alegadas preliminares suscitadas pela embargante, melhor sorte não lhe assiste.

Com efeito, no tocante à ausência de certidão de intimação do acórdão recorrido, compulsando os autos, verifica-se que tal documento se encontra no verso das fls. 878 e 887, respectivamente.

O mesmo se diga quanto à suposta intempestividade do agravo de instrumento.

Ora, nos termos do art. 24, inciso XI, da Constituição Federal de 1988, os Estados-membros possuem competência concorrente para legislar sobre procedimento em matéria processual, como é o caso das normas envolvendo a tempestividade dos recursos. Assim, na ausência de lei federal dispondo sobre a matéria, podem os Estados estabelecer normas próprias.

No caso concreto, o agravo de instrumento interposto pelo Estado da Bahia, comprova a existência de norma local, qual seja, a Lei Orgânica da Procuradoria Geral do Estado que, em seu art. 58, inciso III, confere ao procurador do estado o direito de receber intimação pessoal dos atos processuais relativos aos feitos sob seu patrocínio (cópia da lei juntada às fls. 1061/1089).

Assim, não cumpridas as formalidades legais atinentes à intimação da parte, não se há falar em início do prazo recursal e por conseguinte, em intempestividade do agravo de instrumento.

De outra parte, as certidões proferidas pelo Tribunal de origem, atestando o trânsito em julgado da decisão agravada, não tem o condão de vincular esta Corte, a quem cabe a competência para realizar o juízo de admissibilidade dos recursos a ela dirigidos.

Nesse sentido:

"PROCESSO CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL – TÍTULOS DE CRÉDITO - NOTA PROMISSÓRIA - CÓPIA DA CERTIDÃO DE INTIMAÇÃO DO ACÓRDÃO PROFERIDO EM SEDE DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - TRASLADO OBRIGATÓRIO - AUSÊNCIA DE PEÇAS - ART. 544, § 1º, DO CPC - TEMPESTIVIDADE DO RECURSO ESPECIAL - IMPOSSIBILIDADE DE AFERIMENTO – JUNTADA POSTERIOR - IMPOSSIBILIDADE – PRECLUSÃO CONSUMATIVA - DESPROVIMENTO.

(...)

2 - É firme o entendimento de que cabe a este Superior Tribunal de Justiça aferir a tempestividade do recurso especial por ocasião da apreciação do agravo de instrumento, porquanto o juízo de admissibilidade é bifásico, e o controle realizado no Tribunal de origem não vincula o STJ, a quem compete verificar a existência dos pressupostos gerais de admissibilidade. Precedente (AgRg Ag 582.488/RJ).

(...)

4 - Agravo regimental desprovido. (AgRg no Ag 610.613/RS, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 02.08.2005, DJ 22.08.2005 p. 286)”

À vista do exposto, ausentes os requisitos do art. 535 do CPC e tendo em vista o princípio da fungibilidade recursal, recebo os presentes embargos de declaração como agravo regimental, ao qual nego provimento.

(Embargos de Declaração no Agravo de Instrumento Nº 710.585 / BA, MINISTRO FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, STJ, SEGUNDA TURMA, DJ: 06/03/2006)

Todos os casos acima se referem à Fazenda Pública Estadual. Nestes precedentes, o STJ, como o mais alto Tribunal que aprecia questões infraconstitucionais, deixou bastante claro que a intimação pessoal se faz necessário para aquele ente público que possui tal prerrogativa.

Em outras palavras, havendo dispositivo expresso de lei, mesmo que seja estadual, o Poder Judiciário deve observância ao procedimento de intimação pessoal do Procurador Público. E de preferência com vista dos autos.

A seguir, citamos mais alguns precedentes representativos da jurisprudência do Tribunal da Cidadania, nos quais, apesar de se referirem à Fazenda Pública Federal, são bastante significativos para demonstrar que a mesma possui esta imprescindível prerrogativa e que a mesma vem sendo muito bem observada:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. INTIMAÇÃO PESSOAL DA FAZENDA PÚBLICA. TERMO INICIAL DO PRAZO RECURSAL. JUNTADA DO MANDADO AOS AUTOS. ARTIGO 241, INCISO II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. 1. A Corte Especial, por ocasião do julgamento dos EREsp nº601.682/RJ, firmou entendimento em que, realizada a intimação pessoal da Fazenda Pública, o dies a quo do prazo recursal é a data da juntada aos autos do mandado de intimação devidamente cumprido, nos termos do artigo 241, inciso II, do Código de Processo Civil. 2. Precedentes. 3. Embargos de divergência acolhidos.

(EMBARGOS DE DIVERGENCIA NO RECURSO ESPECIAL – 500066, HAMILTON CARVALHIDO, STJ, CORTE ESPECIAL, DJE DATA:13/11/2008)

PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – INTIMAÇÃO PESSOAL DA FAZENDA PÚBLICA – ART. 25 DA LEI 6.830/80 – SÚMULA 240 DO EXTINTO TRF. 1. A jurisprudência desta Corte posicionou-se no sentido de que o representante judicial da Fazenda deve ser intimado pessoalmente tanto na execução fiscal, quanto nos embargos à execução (art. 25 da Lei 6.830/80 e Súmula 240/TFR). 2. Recurso especial provido.

(RECURSO ESPECIAL – 856800, ELIANA CALMON, STJ, SEGUNDA TURMA, DJE DATA:04/11/2008)

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. JULGAMENTO. SUCESSIVOS ADIAMENTOS. LONGO DECURSO DE PRAZO. NÃO-INCLUSÃO EM PAUTA. NULIDADE. NECESSIDADE DE NOVA PUBLICAÇÃO (CPC, ART. 255, §§ 1º E 2º, COM REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.280/2006). PRECEDENTES. 1. O julgamento do recurso especial, embora pautado para o dia 13 de dezembro de 2005, somente foi concluído na sessão do dia 15 de março de 2007. Nesse período, ocorreram três adiamentos: o primeiro, em 13 de dezembro de 2005, por indicação do então Relator; o segundo, em 14 de fevereiro de 2006, e o terceiro, em 12 de dezembro de 2006, em razão dos pedidos de vista formulados. 2. O sucessivo adiamento do julgamento do recurso especial, sem que houvesse nova publicação da pauta, violou o devido processo legal, porquanto suprimiu-se o direito da embargante (recorrente) de realizar sustentação oral, o que somente foi exercido pelas embargadas (recorridas), na segunda assentada (14 de fevereiro de 2006). 3. O registro exclusivo dos sucessivos adiamentos no sítio do Tribunal não supre a necessidade de intimação pessoal da Fazenda Pública, por se tratar de prerrogativa legal (LC 73/93, art. 38; Lei 9.028/95, art. 6º) inderrogável. 4. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para se anular o julgamento do recurso especial, desde a sessão ocorrida em 12 de dezembro de 2006, assegurando-se à embargante, via publicação de nova pauta, o direito de apresentar memoriais e realizar sustentação oral.

(EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL – 783192, DENISE ARRUDA, STJ, PRIMEIRA TURMA, DJ DATA: 29/06/2007 PG:00494)

Todos os grifos são nossos.

Pois bem, por se tratarem os Estados-membros de entes federados, do mesmo modo que a União, eles devem ter acesso às mesmas prerrogativas que os Procurados Públicos Federais, pois têm a mesma essência e origem ao estatuir em suas leis a necessidade da intimação pessoal.

Dessa forma, ante todo o exposto, percebemos que não há razão suficiente para os Tribunais inferiores não seguirem a orientação fixada nos referidos acórdãos paradigmas.

Notadamente, o Poder Judiciário do Estado de Alagoas também deve obediência à lei com o intuito da Fazenda Pública poder gozar de suas prerrogativas sem a pecha de ilegalidade que vem sendo combatida, ressaltando que na mesma situação se encontram diversos entes públicos estaduais espalhados por todo o Brasil.


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ante todo o exposto, podemos concluir que a intimação pessoal da Fazenda Pública nos processos judiciais, antes de ser um privilégio, é uma prerrogativa que visa a favorecer a coletividade em razão das suas peculiaridades: burocracia interna, quantidade enorme de processos para cada Procurador, impossibilidade de afastamento de demanda etc.

Sendo-lhe regularmente deferido o Direito à intimação pessoal com vista dos autos, os entes públicos poderão elaborar defesas/recursos muito mais claros e convincentes – o que é bom para todos, pois a coisa pública é reflexo da contribuição de cada um de nós.

Assim, ela não pode ser menosprezada. Pelo contrário, deve ser protegida.

Acrescente-se ainda que a intimação pessoal, ao ser observada nos processos judiciais, terá o condão de viabilizar o acesso das ações até as mais altas Cortes nacionais sem a dificuldade hoje enfrentada com relação à interposição de embargos declaratórios pela parte contrária após a apresentação de recursos excepcionais por parte do ente público.

Mas não é só para isso que a intimação tem utilidade. Pretende-se a equiparação e o mesmo tratamento já disponibilizado para a Fazenda Pública Federal, para o Ministério Público e para as Defensorias Públicas.

Não há razão para manter a dissonância com tais entes apenas dos Entes Públicos Estaduais (e também os Municipais). Principalmente quando houver dispositivo legal expresso deferindo a prerrogativa.

Diante de todo o exposto, todos os juízes e Tribunais têm o dever de seguir a estrita legalidade e não se desviar da mesma.

Assim, com o pleno conhecimento por parte dos juízes das prerrogativas de que são investidas as Procuradorias estaduais, o processo poderá ter seguimento muito mais célere, possibilitando o seu caminhar sem maiores percalços e discussões meramente procedimentais.

Por fim, todos ganham com o respeito às prerrogativas da Administração Pública, sendo necessário passarmos a pensar mais coletivamente e menos individualmente.


6. REFERÊNCIAS

ABELHA, Marcelo. Manual de execução civil. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

BARROSO, Luis Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. 4ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

BATISTA DA SILVA. Ovídio A. Curso de processo civil. 4ª Ed. São Paulo: RT, 2002.

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Notas

[1] CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A fazenda pública em juízo. 9ª Ed. São Paulo: Dialética, 2011, p.31

[2] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 971-972.

[3] CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A fazenda pública em juízo. 9ª Ed. São Paulo: Dialética, 2011, p.32-33.

[4] MORAES, José Roberto de. Prerrogativas processuais da Fazenda Pública. Direito Processual Público: a fazenda pública em juízo. Coordenação de Carlos Ari Sundfeld e Cassio Scarpinela Bueno. São Paulo: Malheiros, 2000.

[5] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 11.

[6] COLODETTI, Bruno e MADUREIRA, Cláudio. Advocacia-Geral da União – AGU. Lei Complementar nº 73/1993 e Lei nº 10.480/2002. Editora Jus podivm, p. 76.

[7] Art. 25 - Na execução fiscal, qualquer intimação ao representante judicial da Fazenda Pública será feita pessoalmente.

[8] MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 27ª Ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011, p. 325.

[9] CIANCI, Mirna, QUARTIERI, Rita e ITO ISHIWAKA, Liliane. As prerrogativas processuais da Fazenda Pública no Projeto do Código de Processo Civil (PLS n. 166, de 2010). Brasília: Revista de Informação Legislativa. Senado Federal. Abril-Junho/2011 – Ano 48 – Nº 190 – Tomo 2, p. 194/195.

[10] SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. 6ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.


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SOUZA NETO, Gentil Ferreira de. A intimação pessoal da fazenda pública e as consequências do seu desrespeito pelo Poder Judiciário na prática processual. Análise do caso do Estado de Alagoas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3767, 24 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25606. Acesso em: 30 abr. 2024.