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As decisões do juiz da instrução, após as alegações da art. 406

pronúncia, impronúncia, absolvição sumária e desclassificação

As decisões do juiz da instrução, após as alegações da art. 406: pronúncia, impronúncia, absolvição sumária e desclassificação

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1. PRONÚNCIA

Prescreveu o Legislador:

"Art. 406. Terminada a inquirição das testemunhas, mandará o juiz dar vista dos autos, para alegações, ao Ministério Público, pelo prazo de cinco dias, e, em seguida, por igual prazo, e em cartório, ao defensor do réu.

§ 1º Se houver querelante, terá este vista do processo, antes do Ministério Público, por igual prazo, e havendo assistente, o prazo lhe correrá conjuntamente com o do Ministério Público.

§ 2º Nenhum documento se juntará aos autos nesta fase do processo".

Tais alegações, tecnicamente, nada mais são que a indicação, para o juiz sumariamente[1], dos necessários "indícios de autoria" e a comprovação da "materialidade do delito", para que se possibilite o recebimento do jus accusationis, a teor do art. 408, com a conseqüente submissão do réu ao julgamento pelo Júri.

As alegações de oferecimento são obrigatórias do art. 406, apenas para o Ministério Público, porquanto não pode este faltar ao dever funcional, porque precisa delimitar o petitum de levar ou não o réu a julgamento perante o órgão colegiado. A defesa não precisa, conforme consta.

Consoante recorda Adriano Marrey:

"Freqüentemente, por uma estratégia de defesa, e na expectativa da pronúncia, abstêm-se os advogados mais experientes de apresentar as alegações no prazo do art. 406 do CPP. Protestam somente pelo oferecimento da defesa, em plenário, sem desnudar antecipadamente a argumentação possível em favor do acusado"[2].

Tanto inexiste o impetrante legal que já se decidiu:

"A própria falta de tais alegações não anula o processo" (STF, RTJ, 113:81; HC 63.894, 2ª T. TJSP, RT, 606:320).

E, nesse particular, pacífica é a jurisprudência:

"Nos processos de competência do Tribunal do Júri, a não-apresentação das alegações finais pelo Advogado na fase do art. 406 do CPP, reservado a defesa para o plenário, não implica constrangimento ilegal por se tratar de técnica habitual utilizada como estratégia nos procedimentos da espécie, como forma de evitar o desnudamento antecipado da tese defensiva" (TJSP, 2ª G., Rev. 95.196-3/5, RT, 674:291). No mesmo sentido: 3ª Câm. do TJSP, Rec. 76.002-3, RT 643:291, e ainda 2ª Câm. do TJSP, SER 112.996/317, RT 698:330.

A pronúncia tem a sua previsão no art. 408, caput e § 1º, do CPP.

Convencido da existência do crime e de haver indícios da autoria, o juiz deve proferir a decisão de pronúncia.

"Sendo a pronúncia mero juízo de admissibilidade da acusação, bastam para decretá-la, a prova da materialidade do delito e indícios da autoria, não se exigindo certeza de culpa, ainda que relativa."[3]

Destarte, a pronúncia, como decisão de admissibilidade da acusação, constitui juízo fundado em suspeita, não o juízo de certeza que se exige para a condenação.[4] Há, portanto, na pronúncia, a inversão da regra in dubio pro reo para in dubio pro societate. [5] Desse modo, somente diante de prova inequívoca é que deve o réu ser subtraído ao julgamento pelo júri, seu juízo natural.[6]

A pronúncia é decisão processual de conteúdo declaratório, em que o juiz proclama admissível a acusação, para que seja julgada pelo Tribunal do Júri.[7] Sendo mero juízo de admissibilidade, cujo objetivo é submeter o acusado a julgamento pelo júri, tem natureza processual, não produzindo res judicata, e sim preclusão pro judicato. Assim sendo, caso não poderá o juiz reexaminar o que foi decidido na pronúncia, exceto, por fato superveniente. Caberá aos jurados decidirem sobre o mérito, por ocasião do julgamento pelo Tribunal do Júri.

"É inadmissível na sentença de pronúncia fazer o magistrado menção a circunstâncias agravantes, sob pena de invadir o julgador atribuição privativa dos jurados" (TJMT – RC – Rel. Milton Figueiredo Ferreira Mendes – RT 525/402).

A prova meramente inquisitorial pode ensejar a pronúncia, sem sombras de dúvidas, encontrou-se o problema na 1ª Vara do Júri de São Paulo/SP, quando, diante de r. impronúncia, que não declarava a admissibilidade da acusação (porque não havia sido produzida nenhuma prova sob o crivo do contraditório), o eminente Promotor Fernando Capez interpôs recurso em sentido estrito (n. 120.534-3/3), o qual ensejou, por votação unânime, o seguinte e v. Acórdão, prolatado pela E. 3ª Câmara Criminal, em 24-05-1993.

Para a decretação da pronúncia não se faz necessário um juízo de certeza, bastante a presunção de responsabilidade. Apenas se exige a existência de indícios que o réu seja o autor do fato.

Em síntese, incumbe ao fiscal da lei:

a) relatar resumidamente o processo;

b) requerer preliminarmente documentos faltantes (folha de antecedentes, certidões processuais, etc.), e diligências necessárias à apuração dos fatos (v.g., laudo complementar de exame de corpo de delito nos casos de tentativa, exame necroscópico, outras provas periciais, oitiva de testemunhas referidas, fundamentando-se no art. 209 do CPP etc.), convertendo-se o julgamento em diligências;

c) argüir em preliminar a ocorrência de eventual nulidade (art. 571, I, CPP)[8];

d) requerer, quando cabível, a aplicação de medida de segurança, ou a realização de exame médico-pericial, se houver dúvida sobre a higidez mental do acusado[9];

e) requerer o afastamento das qualificadoras manifestamente improcedentes[10];

f) requerer a "prisão pela pronúncia" (art. 408, § 2º do CPP) quando o réu não for primário e de bons antecedentes, ou estiver foragido, e sua custódia preventiva ainda não tenha sido decretada[11] ;

g) pedir a pronúncia (ou impronúncia) em termos técnicos e necessários, indicando a prova do fato[12], os indícios de autoria e demonstrando a intentio necandi – se esta não for evidente – como nos casos de dolo eventual em aparente conflito com a culpa consciente[13];

h) postular pela absolvição sumária ou desclassificação, quando for o caso, fazendo então detalhística análise fático-jurídica.

É expressamente vedado juntar documentos nesta fase processual (art. 406, § 2º)[14].

Configuram-se os seguintes acórdãos que seguem a remansosa jurisprudência:

"Tratando-se de sentença de pronúncia, mero juízo de possibilidade, não se justifica a exclusão de qualificadoras apontadas na denúncia, quando não as repele, manifesta e declaradamente, a prova colhida no inquérito e na instrução. Ao Tribunal do Júri compete apreciá-las, com melhores dados, em face da amplitude da acusação e defesa em plenário" (TJSP, Rec., rel.Silva Leme, RT, 560:323).

Contudo, "embora na fase da pronúncia qualquer dúvida deva ser dirimida em favor da sociedade, não menos certo é que, sem prova, ainda que indiciária, não se pode reconhecer qualificadora de homicídio" (TJMG, Rec., rel. Des. José Arthur, RT, 520:483).

Desse modo, se é "manifestamente improcedente", não há por que levá-la aderida ao lebellum, para apreciação do Júri. O pedido de afastamento de qualificadora, nesse caso, há que ser feito pelo promotor na oportunidade do art. 406, porque, se realizado em plenário de julgamento, acaba por acarretar (embora sem razão, mas invariavelmente) o enfraquecimento do libelo.

Como basta o fummus boni juris do direito da sociedade, para pronunciar-se o réu, promotor e defensor, no geral, pautam-se em contida argumentação nessa etapa, mesmo porque o convencimento do magistrado sobre a existência ou não dos requisitos necessários a pronúncia advém mais da prova do que da argumentação, porquanto, técnico em matéria jurídica, prescinde das verbosas manifestações.

Proveitosas são as alegações dirigidas ao magistrado, que apenas sucintamente discutem a possibilidade ou não do recebimento da acusação, deixando as bonitas argumentações e as proverbiais "lições de direito" para os jurados.

Anote-se: "A falta de alegações na fase do art. 406 do CPP não constitui nulidade, uma vez que, tratando-se de processo de competência do Júri, pode o advogado abster-se de oferecê-las, reservando-se para o julgamento em plenário" (TJSP, HC, rel. Des. Diwaldo Sampaio, RT, 606:320).

Também:

"Júri – Alegações finais – Não apresentação pelo advogado no prazo do art. 406 do CPP – Cerceamento de defesa inexistente – Processo com peculiaridades próprias que admitem que a defesa seja apresentadas em outras fases, como na contrariedade ao libelo crime acusatório em plenário – Tática habitual como estratégia de defesa nos procedimentos da espécie, para não se desnudar antecipadamente a tese defensiva – Prejuízo inocorrente – Preliminar de nulidade repelida." TJSP, Rec., rel. Des. Gentil Leite, RT, 643:291).

"Pronúncia. Provas após a prolação desta. Possibilidade. A busca da verdade real é princípio do Direito Processual Penal. Admissível qualquer prova, salvo admitida por meio ilícito. Assim, legal deferimento de prova após a sentença de pronúncia. Inexistência de nulidade ante o conhecimento prévio da defesa. Tempo útil, pois, para impugnar qualquer ilegalidade."[15]

Recentemente assim decidiu o STJ, através da sua 6ª Turma, a respeito: "Ao juiz singular, ao fazer a pronúncia, é defeso excluir qualificadora. O julgamento, por imposição constitucional, é do Tribunal do Júri (CF, art. 5º, XXXVIII)."[16]

No que tange à inclusão na pronúncia de qualificadora não articuladas na denúncia, o STF entende possível, por aplicação dos arts. 383, 408, § 4º e 416 do CPP, com a não-aplicação do parágrafo único do art. 384. É também a posição do STJ.[17] Outras decisões dos nossos Tribunais a esse respeito também entendem que, apesar de não articulada na denúncia, mas explicitamente descrita e amparada na prova, pode ser incluída (RT 662/315); desde que implicitamente contida na denúncia, também pode (RT 573/443).

Cabe recurso em sentido estrito da decisão de pronúncia (CPP, art. 581, inc. IV, 1ª parte).

E, mais recente mais recente decisão (24.03.98), a 5ª Turma do STF, em habeas corpus, decidiu: "É inadmissível emprestar efeito suspensivo a recurso em sentido estrito, para restabelecer a prisão preventiva por meio de liminar em mandado de segurança."[18]

O STJ, através de sua 6ª Turma, no julgamento do Recurso Especial 35.320-3-TO, em 14.06.94, embora reconhecendo o dissídio jurisprudencial, assim decidiu em votação unânime a respeito dessa matéria:

"Ministério Público. Assistente da Acusação. Legitimidade Recursal. Postulação de aumento de pena. Admissibilidade. Inexistência de recurso ministerial. Ementa oficial: O processo penal é complexo de relações jurídicas que têm por objetivo a aplicação da lei penal. Não há partes, pedido ou lide, nos termos empregados no processo civil. Juridicamente, acusação e defesa conjugam esforços, decorrência do contraditório e defesa ampla, para esclarecimento da verdade real. Ninguém pode ser condenado sem o devido processo legal. O assistente também é interessado na averiguação da verdade substancial. O interesse não se restringe à aquisição de título executório para reparação de perdas e danos. O direito de recorrer, não o fazendo o Ministério, se dá quando a sentença absolve o réu, ou postulado aumento da pena. A hipótese não se confunde com a justiça privativa. A vítima, como o réu, tem o direito à decisão justa. A pena, por seu turno, é a mádida jurídica do dano social decorrente do crime" (RT 713/410)[19].

Cabe apelação, e não recurso em sentido estrito, da decisão do juiz que na fase da pronúncia determina o desmembramento do processo, por considerar inexistente a conexão ou a continência de molde a justificar a simultaneidade dos processos (TJSP, RT 513/384).

O Ministério Público pode recorrer da pronúncia, visando a absolvição sumária do acusado. É que o Parquet tem sempre interesse na exata aplicação da lei, sendo de se lhe reconhecer o direito de impugnação por esse interesse, ainda que as conseqüências de impugnação possam ceder a favor do réu (RT 655/285). No mesmo sentido: RTJ 83/849; RJTJESP 81/398 e 400, 83/397, 397, 112/509; RT 552/431, 557/354, 560/426.


2.

IMPRONÚNCIA

Ao decidir no processo, se não se convencer da existência do crime ou de indícios suficientes de que seja o réu o seu autor, ao juiz cumprirá "julgar improcedente a denúncia ou a queixa" (CPP, art. 409).

Se para a pronúncia é indispensável a concorrência de fato típico, com indícios bastantes e sérios que apontem o réu como o autor da infração penal descrita, já a impronúncia - ao - reverso - envolve um juízo de inadmissibilidade da imputação. O juiz terá verificado a inexistência de prova quanto ao fato objeto da denúncia e serem inconcludentes os indícios da pretendida autoria.

No caso de impronúncia, será descabido conclua a sentença pela "absolvição", nem acertada seria a manifestação subseqüente de recurso de ofício. Envolve, sempre, a absolvição o exame intrínseco do mérito de uma imputação verídica, julgada, porém, improcedente. Somente se justifica a absolvição se comprovada alguma causa de exclusão do crime o isenção de pena, conforme nessa hipótese permite o art. 411 do CPP.

Anota o autor Damásio E. de Jesus:

"A impronúncia, de acordo com o STF só deve ser admitida ‘no caso de não ter ficado perfeitamente provada a existência da infração penal na sua materialidade’ (elementos objetivos do tipo, esclarecemos) ‘ou de não haver uma indicação suficiente de autoria’. Assim, se o juiz absolve o réu por entender ausente o dolo, a espécie é de absolvição sumária (HC 56.729 - DJU 24.04.1979, p. 3.380).

"A absolvição sumária só ocorre, nos termos do que dispõe o art. 411 deste Código, nas hipóteses de incidência de causa de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade. A ausência do dolo não exclui a antijuridicidade, nem a culpabilidade (teoria finalista da ação). A ausência de dolo exclui a tipicidade do fato e, por conseqüência, inexiste crime. Assim, ausente o dolo, inexiste crime. É hipótese de impronúncia: ‘Se não se convencer da existência do crime...’ (caput da disposição). Contra: RT 531/328".[20]

A decisão de impronúncia não impede a renovação da ação penal, enquanto não extinta pela prescrição. Se houver novas provas, o processo poderá ser instaurado (reinstaurado) em qualquer tempo, contra o réu (CPP, art. 409, parágrafo único).

A impronúncia - ato formal do processo a competência do Júri - não se estende aos crimes conexos, objeto da denúncia julgada improcedente.

Quanto a estes, observa-se a regra contida no art. 410 do CPP. Assim, ao impronunciar o réu da acusação de prática de crime doloso contra a vida, não poderá o juiz, na mesma sentença, decidir acerca do crime conexo, de lesões corporais, pelo qual também responda o acusado.

As sentenças de impronúncia não comportam recurso de ofício, reservado para a absolvição liminar (CPP, art. 411, última alínea). O recurso em sentido estrito cabendo o previsto nos arts. 581, IV, e 584, § 1.º, do CPP. Tem cabimento também na hipótese de haver sido afastada alguma qualificadora do crime de homicídio, porque nessa parte tem o caráter de impronúncia.

Lembra Hermínio Alberto Marques Porto que "no tocante ao afastamento pela impronúncia de uma qualificadora articulada na denúncia ou pela queixa, na pronúncia, no fundo existe uma impronúncia relativamente a essa modalidade agravada do crime contra a vida" (mencionados como precedentes de jurisprudência: RT 309/118, 303/127 e RT 49/344).[21]

Se da sentença não for interposto recurso pelo Ministério Público, no prazo legal, dela poderá recorrer o Assistente ou ofendido, ainda que não habilitado (CPP, art. 598) (STF, Súmula 210).

O recurso não terá efeito suspensivo (CPP, art. 598) e não impedirá seja o réu impronunciado posto, desde logo, em liberdade (CPP, art. 584, § 1.º, com remissão ao art. 596).

Recurso formulado contra decisão de pronúncia e objetivando a homologação de parte da classificação apresentada pela petição inicial penal, denúncia ou queixa, encontra amparo na segunda parte do inciso IV do art. 581 ("impronúncia o réu"), assim porque na decisão de pronúncia ao afastar, por exemplo, uma qualificadora do crime de homicídio proposto, está presente parte decisória com caráter de impronúncia.[22]


3. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA

Se o Juiz se convencer de que o réu agiu na prática do fato sob o manto de causa excludente de antijuridicidade ou de culpabilidade (cf. CP, arts. 20, 21, 22, 23, 26, caput, e 28, § 1º), o absolverá sumariamente.

Há opiniões contrárias, entendendo que não só as causas que excluam o crime ou isentem de pena o réu, mas também o reconhecimento da inexistência do crime, ensejam a absolvição sumária. Entendem Adriano Marrey, James Tubenchlak e o STF[23] que, "ausente o dolo, inexiste crime", comportamento dessa maneira a absolvição sumária; por sua vez, Damásio de Jesus, entende que essa hipótese comporta a impronúncia.[24]

Discordamos, permissa venia, desses entendimentos, pois, ausente o dolo, pode o fato ser considerado como crime culposo, se previsto em lei, à luz das disposições contidas nos arts. 18, parágrafo único, e 20, caput, e § 1º e 2ª parte, do Código Penal. Comporta, destarte, a desclassificação do crime, e, não, a impronúncia ou a absolvição.

A respeito do assunto, o egrégio STF assim já se manifestou:

"A regra geral é a punibilidade a título de dolo, e a exceção é a punibilidade a título de culpa. É princípio de Direito Penal fundamental aplicável ao Direito Penal complementar, se este não dispõe de outro modo."[25]

Discordamos do posicionamento adotado pelos insignes doutrinadores, em face de entendermos incabível a aplicação do art. 409 como sucedâneo do art. 411, por se tratar de dispositivos taxativos e específicos, e consoante já decidiu a 2ª T. do STF, "a analogia somente pode ser aplicada na lacuna involuntária da lei, não sendo cabível nas hipóteses em que a lei processual tem caráter inflexível, taxativo." (RT 619/372).

Tratando-se de absolvição sumária decorrente da inimputabilidade do réu por doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado (CP, art. 26, caput), devidamente comprovada pericialmente essa insanidade ou deficiência mental, aplica-se ao acusado a medida de segurança cabível. E, nesse caso, pode a defesa recorrer da decisão de absolvição da medida de segurança (RT 539/288), ou para o reconhecimento de causa excludente de ilicitude. Neste último caso, o TJMT decidiu recentemente: "A inimputabilidade do réu não induz a aplicação obrigatória de medida de segurança, se das provas dos autos ressai a convicção do julgador da excludente da legítima defesa, caso em que se impõe a decretação da absolvição sumária."[26]

O TJMG já acolheu esse entendimento, decidindo pelo não-conhecimento do recurso de ofício (RT 698/483).

O STF, entretanto, na apreciação dessa matéria, adotou o seguinte posicionamento:

"O impropriamente denominado ‘recurso ex officio’ não foi revogado pelo art. 129, I, da Constituição, que atribui ao Ministério Público a função de promover privativamente a ação penal, e, por extensão, a de recorrer nas mesmas ações. A pesquisa da natureza jurídica do que se contém sob a expressão ‘recurso ex officio’, revela que se trata, na verdade, de decisão que o legislador submete ao duplo grau de jurisdição e não de recurso no sentido próprio e técnico." (RT 762/558).

O recurso de ofício na absolvição sumária não impede que a acusação interponha o recurso em sentido estrito cabível na espécie (art. 581, VI).[27] O assistente do Ministério Público, porém, não pode recorrer na hipótese já que não se lhe confere expressamente a possibilidade de interpor recurso em sentido estrito (art. 271). A defesa apenas pode interpor o recurso voluntário no caso de absolvição por inimputabilidade decorrente de doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado, diante da imposição de medida de segurança (absolvição sumária), o que lhe dá legítimo interesse para pleitear a modificação da sentença.[28]


4. DESCLASSIFICAÇÃO

Na fase do art. 408 do CPP, o juiz poderá desclassificar crime para outro da competência do próprio Tribunal do Júri e, nesse caso pronunciará o réu com base nessa nova modalidade criminosa, ou desclassificá-lo para crime da competência do juiz singular (cf. arts. 408, § 4º; 74, § 3º, 1ª parte; 81, parágrafo único e 410, caput).

Em ambos os casos cabe recurso em sentido estrito dessa desclassificação, no primeiro caso, com base no art. 581, inc. IV, 1ª parte, do CPP, e no segundo, com fulcro no inc. II do mesmo dispositivo legal retroaludido. O efeito do recurso, nesses casos, será apenas devolutivo.

De igual forma, poderá, concomitantemente ao recurso em sentido estrito, ser interposto mandado de segurança visando a esse efeito suspensivo quando da revogação da prisão do réu nos casos previstos nos arts. 581, inc. V, e 408, § 2º, do CPP.[29]

Em qualquer desses casos, deverá estar plenamente demonstrada a existência do periculum in mora e a flagrante ilegalidade da decisão atacada (TJSP, RT 627/281).

E, mais recentemente(24.03.98), a 5ª Turma do STJ, em habeas corpus, decidiu: "É inadmissível emprestar efeito suspensivo a recurso em sentido estrito, para restabelecer a prisão preventiva por meio de liminar em mandado de segurança."[30]

Caso haja dúvida quando se trata de um crime da competência do Júri ou do juiz singular, o juiz deve pronunciar o réu (TJSP, RT 648/275).

Desclassificado o delito por decisão passada em julgado, não se anulam os atos processuais praticados, devendo o processo prosseguir perante o juiz competente.[31] Será então dado vista à defesa, para requerer a produção de prova, não se admitindo porém a oitiva de testemunhas que já depuseram nos autos, prosseguindo-se o processo na forma prevista para o rito ordinário estabelecido para os crimes apenados com reclusão e de competência do juiz singular.

Não se tratando de desclassificação, mas de caso de extinção da punibilidade com relação ao crime de competência do Tribunal do Júri, como a morte do agente, por exemplo, ocorre a prorrogatio fori; a competência do tribunal popular só deixa de existir nas hipóteses previstas na lei processual.[32]

Temos a seguinte jurisprudência:

"Negada a ocorrência do crime contra a vida e desclassificada a tentativa para lesões corporais, compete ao juiz de direito proferir, em seguida, sentença, nos termos do art. 492, § 2º, do CPP. Já não é mais dado ao Júri prosseguir votando o crime conexo e que somente por tal circunstância estava sujeito a julgamento perante ele" (TJSP – AC – Rel. Adriano Marrey – RT 448/346).

"Desclassificada pelo Tribunal do Júri, a tentativa de homicídio para lesões corporais, a competência para o julgamento desse crime remanescente quanto ao conexo de cárcere privado, se desloca para o Juiz Presidente daquele Colégio. A vulneração dessa regra (art. 492, § 2º, do CPP) produz a nulidade tão-somente do julgamento pelo Júri dos crimes de lesões corporais e de cárcere privado. Habeas Corpus deferido a fim de que o Juiz Presidente do Tribunal Popular profira sentença julgando esses crimes" (STF – HC – Rel. Soares Muñoz – RTJ 101/997).

"Desclassificação o homicídio para o delito do art. 129, § 3º, do CP, o cumprimento do art. 492, § 2º, do CPP, levava a que o Juiz Presidente do Tribunal do Júri julgasse não somente a infração desclassificada, mas também as conexas. Concessão da ordem de Habeas Corpus, para esse efeito" (STF – HC – Rel. Décio Miranda – RTJ 102/599 e DJU 13.08.1982, p. 7.586).


NOTAS

1.Doutrina mais atualizada sobre o rito do júri: Tourinho Filho, Processo penal, cit. 11.ed., v.4, p.41 e s.; Hélio Tomaghi, Curso, cit., v.2, p.198 e s.; Walter P.Acosta, O processo penal, 17.ed., Rio de Janeiro, Coleção Jurídica da Editora do autor, 1987, p.460 e s.; Marques Porto, Júri, cit.; James Tubenchlak, Tribunal do Júri – Contradições e Soluções, 1.ed., Rio de Janeiro, Forense, 1990.

Jurisprudência específica: Adriano Marrey, Júri, cit.; Marques Porto, Júri, cit.; Walkimi Barbosa Lima, Manual do Júri, 2.ed., Rio de Janeiro, Ed. Aide, 1987; José Ruy Borges Pereira, Tribunal do Júri, 1.ed., São Paulo, Saraiva, 1993.

2.Júri, cit., p. 109.

3.TJSP, 4ª C., RT 686/321.

4.Cf. MIRABETE, Processo Penal. p. 486-487 e STF, 1ª T., RT 682/393.

5.STF, 2ª T., RT 730/463; TJSP, RT 650/255 e 648/275, e TJMT, DJMT 23.05.97.

6.RT 557/323, 587/296 e RT 63/476.

7.Cf. MARQUES, Frederico Elementos..., vol. III, p. 181.

8.Como é cediço, as nulidades relativas não argüidas nesta fase considerar-se-ão sanadas pela pronúncia, que torna preclusas as vias impugnativas: é a regra, não se admite tergiversação.

"A argüição de nulidades durante a instrução criminal deverá ser feita dentro do prazo do art. 406 do CPP, sob pena de restarem sanadas, a rigor dos arts. 571, inc. I, e 572, inc. I do CPP" (2ª Câm. do TJSP, SER 109.507-3/8, RT, 697:284). No mesmo sentido: 5ª T. do STJ, HC 390-RO, 671:379.

9."Tratando-se de crime de competência do Tribunal do Júri, se o laudo psiquiátrico conclui pela semi-imputabilidade do acusado e o juiz se convence da existência de crime e de indícios de autoria, deve pronunciar o réu. É impossível não submeter ao Tribunal do Júri, competindo ao libelo articular as notas das quais decorram a causa de diminuição de pena e pedir a medida de segurança" (1ª Câm. do TSP, Rec. 78.344-3, RT 647:280).

10."As qualificadoras articuladas na denúncia somente devem ser afastadas quando manifestamente improcedente e de todo descabidas, e, mesmo quando duvidosas, devem ser incluídas na pronúncia, para que sobre elas se manifeste e decida o Júri, juiz natural do processo (cf. RT 438/386, 440/376)" (TJSP, Rec., rel. Des. Adalberto Spagnuolo, RJTJESP, 37:253).

11."Pronúncia. Réu preso. Sua manutenção. As expressões as quais ‘o juiz poderá deixar de decretar a prisão ou negá-la’, constantes do § 2º do art. 408 do CPP, não significam arbítrio, mas dever jurisdicional, se configurados os pressupostos legais de uma dessas providências, porquanto o dispositivo, embora na aparência traduza permissão ou autorização, envolve franquias individuais asseguradas na Constituição Federal. Todavia, presentes que se acham na pronúncia e no acórdão recorrido os pressupostos da prisão preventiva, é de ser desprovido o recurso da decisão denegatória do habeas corpus" (STF, RHC, rel. Min. Soares Muñoz, RT, 582:410).

12."Pronúncia – Prolação com base nos indícios veementes de autoria – Causa mortis contudo indeterminada – Inadmissibilidade – Recurso provido – Inteligência do art. 408 do CPP: Para a pronúncia não basta a suficiência dos indícios de autoria. A materialidade do delito há de estar cumpridamente demonstrada nos autos. A causa mortis não pode ser indeterminada" (TJSP, Rec., rel. Des. Djalma Lofrano, RT, 492:300).

13."O Juiz não pode realizar, no momento da pronúncia, análise profunda da prova, para verificar qual seja o elemento subjetivo do delito. A matéria da culpabilidade, nos delitos de competência do Júri, cabe ser resolvida pelo conselho de jurados, e não pelo juiz Presidente, salvo se estiver demonstrado cabalmente que o acusado agiu por dolo de crime estranho à sua competência" (TJSP, Rec., rel. Des. Ladislau Fernando Rohnelt, RT, 567:382).

14."Nulo é o processo em que, após a fase das alegações previstas no art. 406 do CPP, admite o Juiz juntada de documentos e, sem antes ouvir a parte contrária sobre o mesmo, profere a decisão de pronúncia" (TJSP, Rec., rel. Des. Goulart Sobrinho, RT, 429:393).

15.RBCCrim, n. 05. p. 193.

16.RT 694/363 e 730/475.

17.Apud JESUS, Damásio de. CPP Anotado, p. 302.

18.Bol. IBCCrim., n. 68, Jurisp., p. 270. No mesmo sentido: STJ, 6ª T., j. 15.09.98, Bol. IBCCrim, n. 75, Jurisp., p. 326.

19.Cf. LIMA, Matcellus Polastri. Livro de Estudos Jurídicos, n. 3, p. 257; STRECK, Lenio Luiz. Tribunal do Júri - Símbolos e Rituais, p. 146-148; NASSIF, Aramis. Júri - Instrumento da soberania popular, p. 100-102, e JARDIM, Afranio Silva. Direito Processual Penal, p. 304-305.

20.Damásio E. de Jesus. Op. cit., p. 246. coment. ao art. 409.

21.Hermínio Alberto Marques Porto. Op. cit., nº 47.

22.No tocante ao afastamento pela pronúncia de uma qualificadora articulada pela denúncia ou pela queixa, na pronúncia "no fundo existe uma impronúncia relativamente a essa modalidade agravada do crime contra a vida" (RT 309/118, Rel. Thomaz Carvalho); no mesmo sentido, RT 303/127 e RT 49/344; ainda, julgamento da 3ª. Câmara do TJSP, de 01.03.64, Rel. Humberto da Nova, dando referências a Galdino Siqueira (Curso, p. 398). Borges da Rosa (Processo Penal Brasileiro, III/506-507) e Espínola Filho (Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, IV/460).

23.MARREY, Adriano. Teoria e Prática do Júri, p. 248; TUBENCHLAK, James. Tribunal do Júri, p. 14 e 15, e o STF, no HC 56.729, DJU 27.04.79, p. 3.380.

24.CPP Anotado, p. 304.

25.JUTACRIM 69/543, apud FRANCO, Alberto Silva. CP e sua interpretação jurisprudencial, p. 219.

26.TJMT, Recurso "Ex Officio", Classe I-22, 218/97 – Nobres, DJMT, 09.02.98, p. 1 e 2.

27.RT 519/342.

28.Nesse sentido: RT 539/288. Tal demonstração importará conclusões ainda mais inequívocas quando, contra a pronúncia ou contra a desclassificação, é, pela defesa, empregado o habeas corpus (HC 97.245, de 08.10.68, Câm. Conjs. do TJSP, Rel. Octávio Lacorte: "o exame profundo das provas para obter a absolvição sumária não é permitido no campo do habeas corpus").

29.Nesse sentido: TJSP, RT 629/327, 637/250, 710/275; TJMT, Mandado de Segurança Individual 1.404 – Classe II – 11 – Capital, e Mandado de Segurança 1.893 – Classe II. E, ainda, TJSP, RT 592/316, esta em relação a relaxamento de prisão em flagrante delito.

30.Bol. IBCCrim. n. 68, Jurisp., p. 270. No mesmo sentido: STJ, 6ª T., j. 15.09.98, Bol. IBCCrim, n. 75, Jurisp., p. 326.

31.Nesse sentido: STF: HC 56.817, DJU 30.03.79, p. 2.410.

32.Nesse sentido: ABREU FILHO, Saulo de Castro. Morte do co-réu – Cessação da competência do Tribunal do Júri, Justitia 163/22-34.


BIBLIOGRAFIA

ALMEIDA, João Batista de. Tribunal do Júri. 2ª ed. atual. e ampl. Curitiba: Juruá, 2.001. p. 49 a 70.

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FILHO, Tourinho. "VI Curso de Especialização em Direito Processual Penal", PUC/SP, Aula Magna de 05.05.1979.

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Informações sobre o texto

Trabalho orientado pelo professor Eduardo Mahon, que leciona a disciplina Direito Processual Penal, sobre o procedimento do Tribunal do Júri.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCHLENDER, Adelino; CRESTANI, Fernando Bruno. As decisões do juiz da instrução, após as alegações da art. 406: pronúncia, impronúncia, absolvição sumária e desclassificação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2648. Acesso em: 24 abr. 2024.