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Execução de alimentos mediante coerção pessoal

Execução de alimentos mediante coerção pessoal

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O presente artigo traça ligeiras considerações sobre a execução de alimentos e a utilização da coerção pessoal para o adimplemento.

Generalidades:

De acordo com as normas referentes à responsabilidade do devedor, de regra, será o seu patrimônio que responderá no caso de inadimplemento da obrigação (art. 591 do CPC)[1]. Para Gian Antonio Micheli[2], os bens do devedor sofrem os efeitos da execução em virtude de sujeição inerente à relação de direito processual, que torna os bens do mesmo sujeito à satisfação compulsória do crédito do credor. Todavia, no que se refere ao débito alimentar o devedor poderá sofrer coação pessoal para adimplir a obrigação[3].

A regra, portanto, é de que não haverá possibilidade de prisão civil por dívida, mas a lei (arts. 18 e 19 da lei 5.478/68 e art. 733 do CPC) e em especial a Constituição de 1988 no seu art. 5º, LXVII, permitem a exceção no caso de débito alimentar, ao lado também do caso de depositário infiel. Assim, devido a natureza alimentar do crédito, a lei abre uma das hipóteses de exceção, permitindo-se que o devedor sofra coação pessoal para que cumpra com sua obrigação.

No direito comparado, mais especificamente no Common Law, encontramos a possibilidade de coerção pessoal, através do chamado Contempt of Court, que é o instituto capaz de influenciar de forma constrangedora e coercitiva o destinatário da ordem judicial a fim de que este a cumpra. Nos dizeres de Edward Dangel, o contempt representaria exatamente o ato de ignorar ou desobedecer às determinações ou leis do corpo legislativo ou judicial, ou ainda, a interrupção de seus procedimentos através de mau comportamento ou mediante utilização de linguagem insolente[4].

Segundo Cristina da Motta, historicamente o contempt of court sempre se preocupou em prevenir e punir conduta capaz de obstruir, comprometer ou abusar da autoridade do Poder Judiciário. “Por causa da abrangência que lhe é inerente, muitos tipos de condutas reprováveis já foram controladas através deste instituto. Atualmente, qualquer tipo de inferência, na prática, é bastante para se aplicar uma sanção em razão de contempt”[5].

Cabe ainda, a referência que no comonn law o contempt é classificado, de regra, em contempt criminal e contempt civil. O primeiro representa uma conduta que ofende a dignidade e a autoridade do judiciário. Já o contempt civil trata-se da omissão da prática de determinado ato ordenado pelo tribunal, em benefício de uma das partes, quando se trata de procedimento civil. Sendo que, a maioria dos casos de contempt, se enquadram em ambas as classificações[6], já que desrespeitado uma determinação prevista em ordem judicial, de regra, há também, além de violação à autoridade do judiciário, existe violação a direito da outra parte.

Diversamente do direito anglo-saxão, que pelo contempt off court permite aos juízes uma ampla liberdade para compelir (mediante coerção pessoal) alguém, inclusive terceiros não integrantes da relação processual, ao cumprimento de suas determinações, no ordenamento pátrio, como vimos anteriormente, isso não é possível, pois em decorrência de determinação constitucional a possibilidade de prisão civil é uma exceção apenas para os casos expressamente por ela autorizados[7]. Ademais, acreditamos que os nossos julgadores não possuem o poder do contempt off court, pois não possuem a legitimidade que é atribuída (decorrente de uma cultura jurídica e social diversa da nossa) ao julgador do comonn law. Assim, como menciona Cristina da Motta[8], não há previsão legal do contempt no ordenamento pátrio:

entretanto, é inevitável pensar em formas que poderiam levar a prestação jurisdicional mais efetiva, e forma de maior alcance que fosse capaz de dar real poder ao julgador de compelir a parte a cumprir a ordem emanada do judiciário. Isto porque não basta haver previsão legal de prestação jurisdicional, mas sim deve existir maneira de torná-la eficaz.

No ordenamento pátrio, a nossa doutrina tem reconhecido que a possibilidade de prisão para o caso de inadimplemento de verba alimentar não se constitui em pena, mas apenas meio coercitivo para compelir o executado para que pague os alimentos devidos. Essa possibilidade de prisão não existe como meio de punição, tanto é que se o devedor pagar o que deve, será posto em liberdade[9]. Portanto, a referida prisão, é apenas meio coativo[10], do qual pode se utilizar um parente (a prisão pressupõe débito alimentar entre parentes –relação familiar ex iuri sanguinis) para exigir de outro o adimplemento da verba alimentar[11]. Nesse sentido, a posição de Arnaldo Marmitt[12]:

A prisão existente na jurisdição civil é simples fator coercitivo, de pressão psicológica, ou de técnica executiva, com fins de compelir o depositário infiel ou o devedor de alimentos, a cumprirem sua obrigação. Insere-se na Constituição Federal como exceção ao princípio da inexistência de constrição corporal por dívida. Sua finalidade é exclusivamente econômica, pois não busca punir, mas convencer o devedor relapso de sua obrigação de pagar.

A possibilidade do pedido de prisão é uma opção do credor, desde que preenchidos os ditames legais. Sendo que, a maioria da doutrina e a jurisprudência têm se posicionado no sentido de que se mostra inadmissível a prisão civil antes de esgotados todos os meios para a cobrança da obrigação. Ou seja, só seria cabível a prisão se não houvesse outra possibilidade de receber o quantum devido, quer seja por desconto em folha de pagamento, arresto de renda ou bens do devedor, já que a prisão seria “remédio heróico, só aplicável em casos extremos, por violento ou vexatório”[13].

Esse entendimento tem sido por vezes refutado, já que condenaria o credor à lenta e dispendiosa execução expropriativa, sendo que tal preterição do meio executório da coação, contraria a natureza e a urgência do crédito. Vale aqui citarmos também a lição de Arnaldo Marmitt[14], para o qual:

O caráter coercitivo da custódia por débito alimentar requer que ela seja imposta sem delongas, para que não se constitua em expediente meramente teórico. Sua razão de ser exige que tenha efeitos práticos e expeditos, os quais lhe devem ser inerentes. É inadmissível na espécie qualquer uso de manobras ladinas ou deletéreas, que até podem levar ao definhamento e à morte de crianças inocentes.

No nosso entendimento, acreditamos também na não necessidade do esgotamento dos meios executórios para que se possa então utilizar a coação pessoal, bastando apenas que não seja possível o recebimento dos alimentos por meio do desconto em folha de pagamento ou recebimento de rendas (v.eg. alugueres) do devedor. Diante de tal situação cabe ao credor, como opção, utilizar-se da coação pessoal pelo procedimento do art. 733 do CPC, ou então, pela coerção patrimonial do art. 732 do CPC, valendo-se da que melhor lhe aprouver diante da urgência de sua necessidade. Logo, mostra-se um tanto equivocado o entendimento de que primeiro o credor deve valer-se da tentativa de penhora, para então poder pedir a coerção pessoal[15].

Por fim, cabe aqui a lembrança de que pelo entendimento da doutrina[16] e da jurisprudência[17] a coerção pessoal, ou seja, execução de alimentos pelo rito do art. 733 do CPC, é cabível tanto em relação a alimentos definitivos, provisórios ou provisionais, fixados em sentença ou decisão liminar.


Procedimento mediante coerção pessoal

A decretação da prisão, como medida de coerção pessoal, a fim de compelir o devedor a adimplir com a sua obrigação alimentar, pode parecer para alguns[18] como sendo uma medida odiosa e ultrapassada, mas sem dúvida alguma, que na prática tem uma repercussão satisfatoriamente positiva, já que como bem lembra Sérgio Gischkow Pereira, é bastante comum depararmo-nos diante de situações de miséria humana, na qual os devedores de alimentos fazem de tudo para furtar-se ao pagamento, mesmo que seja dirigido a filhos de tenra idade, sendo que “é também comum, extremamente comum, só pagarem pensões com atraso se ameaçados de prisão civil. Esta nem precisa se verificar, bastando a possibilidade de aplicação. Outrossim, se recolhidos são, imediatamente providenciam em conseguir dinheiro. E este sempre aparece”[19].

De acordo com a jurisprudência[20] e a doutrina que tem prevalecido, o procedimento de execução de alimentos pelo rito do art. 733 do CPC, ou seja, com pedido de prisão, só é cabível tratando-se de dívida alimentar decorrente da lei e do vínculo familiar, ou seja, exige-se que entre o credor de alimentos e o devedor haja parentesco civil. Logo, aqueles credores de alimentos decorrentes de, por exemplo, sentença condenatória criminal ou sentença cível indenizatória por ato ilícito deverão utilizar-se do procedimento do art. 732 do CPC, ou seja, utilizar-se da coerção patrimonial.

O entendimento retro citado, no entanto, tem sido rejeitado por alguns doutrinadores, dentre estes podemos citar Araken de Assis, Luiz Guilherme Marinoni e Eduardo Talamini. Estes autores sustentam a viabilidade da utilização da prisão civil no caso de execução de alimentos que não decorram de vínculo familiar (ex: alimentos decorrentes de ato ilícito, tutela antecipada com caráter alimentar...), pois têm uma interpretação de “alargamento” do conceito de crédito alimentar, tendo por base o art. 100, §1º da CF/88. De acordo com Eduardo Talamini[21] o sentido constitucional de alimentos, necessariamente vai além do direito de família, portanto, abrangendo indenizações, pensões, salários e outras verbas, desde que essencialmente destinadas ao sustento do titular do crédito. Sendo que, a Constituição não só autorizaria como também asseguraria a utilização da prisão civil a fim de tutelar o alimentando, independente da fonte do seu direito a alimentos. Araken de Assis também menciona que “o verdadeiro espírito da lei é o de franquear meios executórios mais lestos e eficazes aos alimentários em geral, deixando de discriminá-los em razão da fonte da obrigação alimentar”. [22] Corroborando ainda com esta tese, Luiz Guilherme Marinoni acrescenta que de fato não há razões para a discriminação do credor de alimentos indenizativos. “A menos que se entenda, por exemplo, que os filhos daquele que se afasta do lar merecem tutela jurisdicional mais efetiva do que os filhos que têm o pai morto em acidente automobilístico!”. [23] Todavia, embora os argumentos plausíveis destes renomados autores ainda prevalece o entendimento em contrário, no sentido de que só cabe a prisão civil para o caso dos alimentos previstos no art. 1694 e seguintes do Código Civil. Mas acreditamos, assim como Marinoni[24], que este entendimento será superado, já que:

A tese que discrimina o credor de alimentos indenizativos, ilógica e distante da realidade social, certamente será superada pelo juiz atento ao espírito da reforma do Código, que realça com mais força, em nome do princípio da isonomia, o valor da efetividade. Todos os que conhecem a realidade da prática forense sabem que os réus de ações de indenização, principalmente quando o autor é economicamente frágil, valem-se da demora do processo para obter vantagens econômicas. De fato, o autor, nestas ações, não raramente é obrigado a abrir mão de parte de seu direito apenas por não poder suportar a lentidão da justiça.

Além do vínculo familiar existente entre credor e devedor, tem-se exigido que a execução pelo rito do art. 733 do CPC, como regra, tenha por base título executivo[25], mas título judicial, ou seja, não se admite a coerção pessoal tendo por base título executivo extrajudicial (v.g. escritura pública; acordo firmado entre as partes e subscrito por duas testemunhas – art. 584, II do CPC). Neste sentido, o entendimento de Araken de Assis, segundo o qual o art. 733 do CPC refere-se apenas a sentença e ou decisão, não englobando títulos extrajudiciais. E segue o autor mencionando que “inadmissível se afigura o uso da coação pessoal independentemente de prévio e rigoroso controle judicial sobre a existência do crédito alimentar”. Não havendo assim o crivo judicial quanto a existência do crédito, o credor munido de documentos com natureza de título extrajudicial deverá deduzir sua pretensão em ação condenatória, a fim de obter, caso procedente o seu pedido, o competente título executivo judicial que lhe autorizará, então, o uso da coerção pessoal contra o devedor inadimplente[26].

Veja-se, por exemplo, o posicionamento do STJ no julgamento do HC nº.22401, T-3. Rel. Carlos Alberto Menezes Direito. DJ. 30.09.2002; senão vejamos:

Habeas corpus. Título executivo extrajudicial. Escritura pública. Alimentos. Art. 733 do Código de Processo Civil. Prisão civil. 1. O descumprimento de escritura pública celebrada entre os interessados, sem a intervenção do Poder Judiciário, fixando alimentos, não pode ensejar a prisão civil do devedor com base no art. 733 do Código de Processo Civil, restrito à "execução de sentença ou de decisão, que fixa os alimentos provisionais". 2. Habeas corpus concedido. (grifo nosso)

Divergindo desse entendimento, ou seja, entendendo viável a coerção pessoal mediante título executivo extrajudicial, encontramos o posicionamento de Iwao Celso Tadakyio Mura Suzuki[27], o qual leciona que:

Tal conclusão deriva de pressupostos jurídicos: nada há no CPC nem na legislação processual esparsa que nos desautorize a concluir o acima, em reverência ao Princípio da Legalidade (“É proibido o que a Lei não permitir”) posto que o artigo 580 fala apenas em "título executivo", genericamente, sem descer à minúcia de discriminar suas espécies. Deriva, igualmente, de pressupostos fáticos, dado o caráter famélico da prestação de alimentos, que exige pronta tutela jurisdicional, e mesmo a possibilidade de entrave processual deve ser evitada; o que se pretende com a conclusão apresentada é marcar posição em dois planos: o reconhecimento do título extrajudicial como hábil a fulcrar ação executiva de alimentos e a necessidade de apontar-se alternativas processuais à tradicional ação de alimentos, como forma de desonerar o Judiciário de desnecessárias discussões jurídicas, o que, sem dúvida, constitui-se em ato de sã consciência viva cidadania...

Neste sentido, também o posicionamento de Belmiro Pedro Welter, para o qual:

tanto o título executivo judicial quanto o extrajudicial, inclusive o documento firmado pelo Juizado Especial de Pequenas Causas, o Ministério Público, Defensoria Pública ou por advogado, desde que cumpridos os requisitos da lei (art. 585, II, CPC), podem embasar a execução dos alimentos, inclusive com pedido de prisão civil, visto que o Código de Processo Civil, em nenhum momento, coarta a execução, servindo-se somente da expressão ampla título executivo[28].

            Entretanto, evoluindo a sua interpretação, o Superior Tribunal de Justiça caminha para uma nova orientação jurisprudencial, qual seja: a de que títulos executivos extrajudiciais, por exemplo acordos firmados perante a Defensoria Pública ou do Ministério Público, referendados por estes órgãos são aptos a instruírem execuções de alimentos com pedido de prisão. Cite-se por exemplo a decisão que segue:

Execução de Alimentos. Acordo referendado pela Defensoria Pública. Ausência de homologação judicial. Observância do rito do art. 733 do CPC. Possibilidade.

1. Diante da essencialidade do crédito alimentar, a lei processual civil acresce ao procedimento comum algumas peculiaridades tendentes a facilitar o pagamento do débito, dentre as quais destaca-se a possibilidade de a autoridade judicial determinar a prisão do devedor. 2. O acordo referendado pela Defensoria Pública estadual, além de se configurar como título executivo, pode ser executado sob pena de prisão civil. (STJ, 3ª Turma, REsp 1117639 / MG. Rel. Min. Massami Uyeda,  DJe 21/02/2011)

Cabe aqui também, a referência de que tem prevalecido o entendimento de que o procedimento do art. 733 do CPC, ou seja, a execução com pedido de prisão, só seria cabível para a execução das três últimas parcelas vencidas e as vincendas, estas últimas por força do art. 290 do CPC. Portanto, se o débito alimentar for superior às três últimas parcelas vencidas, o credor terá então de utilizar-se para a execução das demais parcelas o procedimento do art. 732 do CPC, pois segundo o entendimento predominante tais verbas teriam perdido o seu caráter alimentar.

Esse entendimento tem sido combatido por alguns doutrinadores como Araken de Assis, Arnaldo Marmitt e Yussef Said Cahali, dentre outros, que entendem que o decurso do tempo não faz com que o crédito alimentar perca a sua natureza.

Nesse sentido Araken de Assis leciona que “do ponto de vista técnico, o envelhecimento da dívida não altera sua natureza. Os alimentos pretéritos não deixam de constituir ‘alimentos’ pelo simples decurso do tempo”[29]. E complementando, Arnaldo Marmitt também refere que “improcede, por falho, o argumento generalizado de que, se o destinatário não os recebeu e assim mesmo sobreviveu, não se tratava de algo necessário e indispensável, que dissesse de perto com sua sobrevivência”[30].

Com essa linha de raciocínio encontramos o posicionamento do Min. César Asfor Rocha, do STJ, para o qual:

Permanecendo a inadimplência do executado no curso da execução fundada no art. 733 do CPC, legítimo se afigura o aprisionamento em virtude do não-pagamento das prestações anteriores à execução e que foram seu específico objeto, não obstante o pagamento das três últimas vencidas antes do depósito. A natureza do débito não se altera em virtude do inadimplemento do devedor. A dívida de alimentos continua sendo de alimentos. O decurso do tempo não retira o caráter alimentar da prestação que, não satisfeita oportunamente, repercute no padrão de subsistência do alimentando. A jurisprudência que, vincula às peculiaridades dos casos concretos, restringe a prisão ao pagamento das três últimas prestações, não constitui regra absoluta, comportando temperamento após a análise das circunstâncias de cada hipótese. Ordem denegada[31].

Frise-se o fato de que se o débito do devedor foi se acumulando, sendo superior às três últimas parcelas, isso não é culpa do credor, o qual não pode ser “penalizado” em face da negligência do devedor, cuja conduta pode tipificar-se como delito de abandono material previsto no art. 244 do CP. Cabe aqui a referência de que se mostra um contraste um tanto curioso, senão até lamentável, permitir-se a prisão no caso de depositário infiel por até 01 ano, e negar-se a prisão, por período bem inferior, ao devedor de alimentos, cuja natureza do crédito, sem dúvida, é de maior urgência e relevância social. Ademais, nem a Constituição nem os dispositivos infraconstitucionais impõem tal limite temporal.

Assim, acreditamos que os dogmas referentes a prisão civil devem ser afastados, interpretando-se o tema da prisão civil, sem limites temporais de atraso no pagamento, face a natureza do crédito em questão, a relevância e a urgência do mesmo, bem como, face aos fins sociais e as exigências do bem comum, como bem preceitua o art. 5º da LICC. Portanto, ao credor deve ser facultada qual a forma de execução que melhor atenda aos seus interesses. Obrigar ao credor a ter de ingressar com uma modalidade executiva (rito do art. 732), serve apenas para tumultuar a persecução do crédito, beneficiar o devedor, fomentar o inadimplemento e forçar o ingresso de execuções idênticas a cada trimestre, abarrotando ainda mais o judiciário.

Todavia, não foi esse o entendimento e nem a posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, o qual firmou entendimento consolidado no texto da Súmula n. 309, segundo a qual: “o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo”.

Por fim, cabe-nos ainda uma referência sobre uma dúvida que paira sobre a questão procedimental, qual seja: se a nova sistemática processual para a execução de alimentos, mais especificamente o denominado cumprimento de sentença, previsto no art. 475 do CPC, se aplicaria ou não para a execução de alimentos ?

A doutrina e a própria jurisprudência dos tribunais divergem, pois alguns entendem possível a aplicação do procedimento do cumprimento de sentença, ao passo que outros, entendem que as regras do art. 732 e 733 do CPC não foram revogadas e, portanto, isso inviabilizaria tal aplicação.

Entretanto, em recentes decisões o Superior Tribunal de Justiça tem decidido pela possibilidade da aplicação do cumprimento de sentença (art. 475 do CPC) para a execução dos alimentos pretéritos, ao passo que, para os alimentos “atuais” continuaria sendo aplicado o procedimento do art. 733 do CPC, que permite a coerção pessoal. Nesse sentido é a posição da Minª Nancy Andrighi quando do julgamento do REsp. 1315476/SP, senão vejamos:

(...) no que toca à execução de prestação alimentícia, regulada nos arts. 732 a 735 do CPC, não houve expressa revogação ou qualquer alteração nos dispositivos que tratam da execução de alimentos, ou, ainda, qualquer referência à obrigação alimentar nas novas regras de cumprimento de sentença (arts. 475-A a 475-R do CPC).

Contudo, por se tratar de um crédito mais sensível ao tempo e que, por isso, exige formas de execução que permitam a sua realização de maneira mais rápida, o crédito alimentar conta com privilégios, v.g. a possibilidade de coação pessoal e de desconto em folha de pagamento.

 Nesse sentido, o fato de a lei ter silenciado sobre a execução de alimentos não pode conduzir à ideia de que a falta de modificação dos arts. 732 a 735 do CPC impede o cumprimento da sentença. A omissão não deve ser interpretada como intenção de afastar o procedimento mais célere e eficaz logo da obrigação alimentar, cujo bem tutelado é a vida.

Ademais, a sentença que impõe o pagamento de alimentos possui natureza condenatória, ou seja, reconhece a existência de obrigação de pagar quantia certa (art. 475-J do CPC). Assim:

Numa interpretação sistemática, e não literal, é bem de ver que as execuções de sentença têm disciplina própria, sujeitas ao regime de cumprimento da sentença (CPC, art. 475-J e ss.), independentemente de o crédito ser ou não alimentar. (DIDIER JR., Fredie, Curso de Direito Processual Civil, vol. 5, 4ª ed. Salvador: Jus Podium, 2012, p. 717)

Por conseguinte, se os alimentos decorrem de decisão judicial – v.g. a sentença que condena ao pagamento de alimentos ou homologa acordo firmado entre alimentante e alimentando – a execução inicia-se mediante simples requerimento, nos termos do art. 475-J do CPC.

O credor, portanto, após o trânsito em julgado da sentença, deve requerer a intimação do devedor para pagar em 15 (quinze) dias para evitar a incidência da multa (art. 457-J do CPC) – se se tratar de débito pretérito – ou sua citação para pagar em três dias, sob pena de prisão (art. 733 do CPC) – se o débito for atual, nos termos da Súmula 309⁄STJ.

A partir de uma interpretação sistemática e teleológica dos dispositivos que versam sobre cumprimento de sentença e execução de prestação alimentícia, conclui-se que, tendo o cumprimento de sentença tornado mais ágil o adimplemento da quantia devida, e considerando a presteza que deve permear a obtenção de alimentos – por ser essencial à sobrevivência do credor –, a cobrança de alimentos pretéritos deve se dar via cumprimento de sentença, sem a necessidade de uma nova citação do executado.

Ressalte-se, por fim, que no julgamento do REsp 1.177.594⁄RJ, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe de 22.10.2012, essa 3ª Turma já decidiu pela aplicabilidade do art. 475-J do CPC à execução de alimentos.

Por conseguinte, considerando que a Lei 11.232 pretendeu garantir maior celeridade à entrega da prestação jurisdicional, e tendo em vista a urgência e a importância do crédito alimentar, a execução dos débitos alimentares pretéritos deve ser feita por meio de cumprimento de sentença. (STJ, 3ª Turma, 1315476/SP, Relª. Minª Nanci Andrighi, DJe 25/10/2013)

Desta feita, adotando-se essa interpretação sistemática do ordenamento jurídico, bem como levando-se em conta a natureza alimentar do crédito e sua finalidade ligada a dignidade da pessoa humana, conclui-se que tendo em conta o objetivo da Lei 11.232/2005 que foi a de acelerar a entrega da prestação jurisdicional, é perfeitamente possível a aplicação do artigo 475-J do Código de Processo Civil às execuções de alimentos pretéritos.


Competência

A regra de competência para as execuções fundadas em título executivo judicial é a constante do art. 575, II do CPC, ou seja, a execução deve de se processar no juízo em que se formou o título e trata-se de regra de competência absoluta.

Todavia, de acordo com a jurisprudência e doutrina, esta regra sofre abrandamento face ao disposto no art. 100, II do CPC e Súmula 1 do STJ, mediante uma interpretação analógica, permitindo-se assim ao credor, caso mude seu domicílio, que ajuize neste a sua demanda[32].

Um ponto a ser observado, é o fato de que quando a execução se processar por carta precatória, o juízo deprecado não pode decretar a prisão civil do devedor, já que a competência para tal pertence ao juízo deprecante[33]. Assim, o juízo deprecado deve apenas cumprir o requisitado na carta, de regra apenas citando o devedor, sem poder apreciar a defesa ou decretar a prisão, incumbindo-lhe revogá-la caso haja o pagamento do débito face ao disposto no § 3º do art. 733 do CPC[34].


Requisitos da petição inicial

A inicial da execução de alimentos pelo rito do art. 733 do CPC deve seguir os requisitos preceituados no art. 282 do CPC, tendo inclusive, como regra, face ao art. 604 do CPC, de ser instruída com a planilha de cálculo do débito. Deve também de ser observado o enunciado no art. 733 do CPC, ou seja, deverá o credor[35] requerer a citação do devedor para que, no prazo de 03 dias, efetue o pagamento, comprove caso já o tenha feito, ou apresente justificativa da impossibilidade, sob pena de não o fazendo ser-lhe decretada a prisão.

Esses requisitos devem de ser observados, a fim de evitar o indeferimento da inicial, pois ao juiz cabe de ofício a verificação dos mesmos; e caso encontre alguma irregularidade mandará intimar o credor para que a supra, caso contrário indeferirá a inicial (art. 284 do CPC). De acordo com Araken de Assis esse controle da inicial é oficioso do órgão jurisdicional, o qual deve de verificar os pressupostos de existência, validade e eficácia do procedimento executivo. Sendo que, o indeferimento da inicial só seria cabível se o juiz se deparar com vício insanável tipo o de manifesta ilegitimidade de parte (art. 295, II do CPC). Refere ainda que a decisão que indeferir a inicial é considerada sentença passível de recurso de apelação[36].

Uma questão que é objeto de divergência doutrinária é com relação se o juiz pode de ofício, ou seja, sem o pedido do credor, determinar a prisão do devedor. O posicionamento que tem prevalecido é no sentido de que a prisão civil só é possível em face de requerimento do credor[37], pois segundo Arnaldo Marmitt é ele que “dispõe de melhores condições para avaliar a oportunidade e a conveniência. É o exequente que tem a liberdade para requerer ou deixar de requerer a aplicação desse mecanismo forte de coação”[38]. Ademais, é ele que sabe de suas necessidades e das possibilidades do devedor, podendo muito bem acontecer que o credor, maior interessado na questão, por qualquer motivo, inoportuna e até inconveniente a prisão do executado naquele momento[39].


Defesa do executado

De acordo com o disposto no art. 733 do CPC, no tríduo legal, após devidamente citado, o executado terá três opções: efetuar o pagamento ou comprovar que o tenha realizado, apresentar defesa ou então se manter inerte.

O pagamento que o executado deve fazer é o da integralidade das prestações vencidas e as que se vencerem até a data do pagamento. Sendo que, de acordo com Araken de Assis, o que elide a prisão é somente o pagamento integral, no entanto, pagamentos parciais os quais denotam impossibilidade momentânea, bem como, proposta de parcelamento, inibem em princípio a privação da liberdade[40].

Álvaro Villaça Azevedo menciona também o fato de que verbas estranhas ao débito alimentar não viabilizam a prisão civil. A orientação que tem prevalecido é  no sentido de que a prisão só será cabível no caso de inadimplemento dos valores referentes tão somente a verba alimentar, ou seja, a prisão civil não cabe para o caso de o devedor não recolher o valor referente a despesas processuais e honorários advocatícios[41]. Portanto, a falta do recolhimento de parcelas autônomas, diversas do crédito alimentar, não pode acarretar a coerção pessoal[42], já que o texto constitucional abre a exceção, permitindo-se a possibilidade da prisão civil, apenas e tão somente no que tange ao caso de depositário infiel e débito alimentar. Logo, as parcelas referentes às despesas judiciais e honorários advocatícios devem ser reclamadas pelo processo executivo comum, mediante coerção patrimonial.

No caso de o devedor decidir manter-se inerte, nada fazendo no prazo dos 03 dias, que lhe fora concedido, será então determinada a sua prisão caso tenha havido o requerimento do credor.

A sua defesa, caso deseje apresentá-la, se dá sob a forma de incidente, nos próprios autos e fica limitada à prova do pagamento (abrange qualquer fato extintivo, modificativo ou impeditivo) ou apresentação de justificativa de impossibilidade de fazê-lo. No entanto, conquanto sumária a defesa do devedor, é permitido ao juiz o conhecimento de questões que pode e deve conhecer de ofício e questões que de regra seriam remetidas aos embargos; sendo que, lhe seria vedado apenas o conhecimento de questões em torno da existência da pretensão creditória, pois tais questões devem ser deduzidas em ação própria. Cabendo ao devedor, alegar também questões processuais do tipo pressupostos processuais e condições da ação[43].

No que se refere a defesa de impossibilidade a que é alegável é apenas a impossibilidade temporária[44]. Devendo, caso haja impossibilidade permanente, tal questão ser deduzida em ação própria[45]. Esse todavia, não é o pensamento de Amílcar Castro, para o qual havendo caso de impossibilidade permanente, o caso é de exoneração do encargo e, “portanto, de se declarar extinta a execução por falta de objeto”[46]. Com a devida vênia, entendemos ser um tanto extremo tal idéia, acreditando ser o caso então de determinar-se ao menos a conversão para o procedimento do art. 732 do CPC ao invés de simplesmente extinguir-se o feito por falta de objeto.

Havendo a apresentação de justificativa de impossibilidade, mostra-se inviável a decretação de prisão sem que o juiz a aprecie[47], sendo que isso por vezes abrangerá a necessidade de produção de provas, as quais podem ser todas aquelas admitidas em direito (v.eg. testemunhal, pericial, documental...). Lembrando ainda, que ao devedor cabe o ônus da alegação e o ônus da prova da referida impossibilidade, mas tal prova não precisa ser de imediato, ou seja, no tríduo legal, pois como bem lembra Celso Neves pode haver “insinuação de prova, nesse prazo, podendo o juiz determinar as providências que o incidente exija, inclusive mediante requisição de informações”[48]. Desta forma, independente de qual seja a causa da impossibilidade, havendo a sua respectiva comprovação, mostra-se inviável a coerção pessoal do devedor.


Decisão do incidente da justificativa

Como vimos anteriormente, ao devedor é permitido, no prazo dos 03 dias estabelecido no art. 733 do CPC, a apresentação de justificativa de impossibilidade (temporária) de pagamento dos valores executados, dando ensejo com tal procedimento a instauração de um incidente processual nos próprios autos da execução.

O julgamento desse incidente se dá mediante decisão judicial do tipo decisão interlocutória[49]. Tal decisão deve necessariamente, sob pena de invalidade, ser motivada, ou seja, o julgador deverá declinar expressamente os motivos ensejadores da sua decisão, quer seja no sentido de acolher a justificativa de impossibilidade, ou então, de rejeitá-la e conseqüentemente determinar a coerção pessoal. Essa motivação decorre da exigência do princípio constitucional da motivação (art. 93, IX da CF/88).

Se a decisão for de acolhimento da justificativa isso implicará na inviabilidade da coerção pessoal por hora. Caberá então ao credor requerer o prosseguimento do feito, com a conversão do meio executório para a expropriação de bens caso existam, se isso não for possível o processo então deverá ficar suspenso até o cumprimento da pena ou o desaparecimento da impossibilidade temporária[50]. Frise-se aqui o fato de que passada a impossibilidade temporária o credor pode requerer o prosseguimento do feito e caso o devedor continue inadimplente injustificadamente, poderá ser-lhe decretada a prisão. Nesse sentido temos o entendimento de Arnaldo Marmitt[51], para o qual:

Sobrevindo a recuperação financeira do obrigado, com ela também se restabelece o dever de alimentar. Se a falta de condições para manter a prisão em determinado momento era correta e justa, se ela tinha amparo legal, isso já não ocorre mais a partir do instante em que as possibilidades se implementaram. Com a modificação para melhor da situação do inadimplente, ressurge a viabilidade da coação pessoal.

Dessa forma, como bem lembra Araken de Assis[52], a prisão é reiterável, tantas vezes quantas forem necessárias, no curso do mesmo processo ou em outro, todavia, exige-se dívida diversa, já que juridicamente não se admite uma segunda decretação de prisão pela mesma dívida.


Meios de impugnação da decisão do incidente

Proferida a decisão interlocutória, decidindo o incidente decorrente da apresentação de justificativa de impossibilidade por parte do devedor, poderão as partes utilizar-se de meios processuais para impugná-la.

Se a decisão proferida foi num sentido de acolher a justificativa do devedor poderá o credor, caso inconformado, impugnar tal decisão mediante o recurso de agravo de instrumento a fim de reformar tal decisão.

Por outro lado, caso a decisão tenha sido de rejeitar a justificativa do devedor, poderá este, a fim de tentar impedir a coerção pessoal, utilizar-se do recurso de agravo de instrumento ou então do remédio constitucional que é o Habeas Corpus.

No que tange ao recurso de agravo de instrumento, de regra, ele tem efeito apenas devolutivo (art. 497 do CPC), no entanto, o devedor poderá pleitear a concessão do efeito suspensivo com base no disposto no art. 527, III c/c 558 ambos do CPC[53]. Sendo que, nessa modalidade de recurso ele poderá discutir os chamados error in judicando e error in procedendo, permitindo-lhe assim a discussão de questões de fato e de direito.

Poderá também o devedor utilizar-se do remédio constitucional do habeas corpus a fim de atacar a decisão que determina a sua prisão. Todavia, deve ater-se ao fato de que no habeas corpus não poderá discutir matéria de fato, eis que só admite questões de direito. Assim, devido a natureza do procedimento sumário e pela sua finalidade, no habeas corpus é inviável “investigar a fundo as questões que dizem respeito ao mérito da lide alimentar, especialmente se o alimentante está podendo ou não cumprir a sua obrigação”[54]. Nesse mesmo sentido é o posicionamento do STJ para o qual: “O habeas corpus, nos termos da jurisprudência da Corte, não é via adequada para o exame aprofundado de provas e a verificação das justificativas, fáticas, apresentadas em relação à inadimplência do devedor dos alimentos e da necessidade dos alimentários”[55]. Assim, como no habeas só podem ser alegadas questões de direito, Yussef Said Cahali menciona algumas hipóteses que podem ser objeto de discussão no writ. Vejamos algumas: 1) competência do juízo, decretação de ofício, legitimidade ad causam e ad processum do requerente da medida; 2) falta de liquidez e certeza do débito; 3) recusa de dilação probatória; 4) ausência ou carência de fundamentação do decreto de prisão; 5) fixação do prazo da prisão fora dos parâmetros legais[56].

Cabe aqui também a lembrança, feita por João Roberto Parizatto, de que se o devedor por ventura durante a tramitação da execução venha interpor demanda revisional ou exoneratória de alimentos tal demanda não pode interromper nem suspender o prosseguimento da execução e muito menos suspender o decreto de prisão, eis que “tal ação não possui efeito suspensivo com referência às prestações vencidas e vincendas”[57].


Prisão do executado

Não havendo a apresentação de justificativa de impossibilidade, ou tendo esta, caso apresentada, sido rejeitada, e o devedor não a tenha conseguido alterar mediante recurso, caberá então ao juiz decretar-lhe a prisão.

A referida decisão, como visto anteriormente, é decisão interlocutória e deve ser devidamente fundamentada (art. 93, IX da CF/88) . Deverá também, a referida decisão, quando determinar a coerção pessoal, fixar o prazo da prisão, já que como adverte Arnaldo Marmitt “o confinamento por tempo indeterminado não pode prevalecer, impondo-se a sua imediata desconstituição”[58]. Nesse sentido também o pensamento de Yussef Said Cahali, para o qual tendo em vista as características da cominação, tem-se por ineficaz a decisão que a determina se é omissa com relação ao respectivo prazo[59].

No que se refere à duração da prisão existe um certo descompasso em relação ao disposto no art. 19 da lei 5478/68 e o disposto no art. 733 do CPC, pois no primeiro há previsão de tempo até 60 dias, ao passo que no segundo a previsão é de até 90 dias. Assim, isso acabou gerando também um descompasso no que tange ao posicionamento da doutrina, sendo possível como bem menciona Sérgio Gilberto Porto encontrarmos posicionamentos em um e em outro sentido[60]. Mas segundo este mesmo autor, o posicionamento que há de prevalecer é o que limita a prisão ao tempo máximo de 60 dias, já que “considerando que a prisão não é pena, mas modo coercitivo, forma de execução, e que, segundo os princípios gerais, deve ser feita de forma menos gravosa para o devedor, não resta dúvida que preponderam os 60 dias (art. 620 do CPC)”[61].

Com relação a possibilidade de o devedor pleitear o benefício de cumprimento da pena em regime domiciliar é necessário observarmos o fato de que em face da sua própria natureza e finalidade, a prisão civil não se confunde com a criminal, por isso o regime de prisão domiciliar não se aplica às prisões civis, já que poderia lhe tirar o caráter constritivo que a embasa e justifica[62]. Esse também tem sido o posicionamento em decisões do STJ: “o beneficio da prisão domiciliar não se estende, em tese, a prisão civil, pois esta não e pena, mas simples coação admitida para cumprimento de obrigação”[63]. Bem lembra Araken de Assis de que é preciso deixar claro ao devedor relapso de que insatisfeitas as prestações a pena será concretizada da pior forma, pois caso contrário ele não se sensibilizará com a medida judicial, sendo que “as experiências de colocar o executado em albergue, à margem da lei, revelaram que ele prefere cumprir a pena em lugar de pagar a dívida”[64].

Por fim, com relação a revogação e suspensão da pena de prisão, pode-se dizer que uma vez paga a dívida[65] deve ser de imediato determinado a soltura do devedor (§3º do art. 733 do CPC). A suspensão e revogação também poderão ser requeridas diretamente pelo credor, mesmo sem o pagamento, por vezes motivado por razões emocionais; sendo que tal pedido deve de ser acolhido pelo julgador, de vez que só pode ser decretada a pedido do credor.[66]


Embargos do executado

Existe a possibilidade de o devedor apresentar embargos a execução, pois a coerção pessoal não impede que o devedor se valha dos embargos a execução, bem como de qualquer outra demanda autônoma com o fim de discutir o pretenso crédito. Mas é necessário compreender de que os embargos não serão para atacar a prisão em si, pois em relação a ela devem ser utilizados o recurso de agravo de instrumento, ou então, o remédio constitucional do habeas corpus como antes referido.

Frise-se também o fato de que a prisão civil do devedor não é impedida nem revogada em face de por ventura o devedor ter ajuizado embargos ou qualquer outra demanda autônoma a fim de discutir a pretensão executiva[67]. Por fim, como a propositura dos embargos pressupõe a segurança do juízo pela penhora, tem sido reconhecido que o desconto em folha de pagamento equivale a tal ato; portanto após o referido procedimento perfeitamente legítimo ao executado a utilização dos embargos.

 Necessário ainda mencionar a peculiaridade em relação a execução de alimentos pelo fato de que recaindo a penhora em dinheiro, os eventuais embargos apresentadorsnão inibem ou obstam que o credor possa levantar mensalmente o valor da pensão independente de prestação de caução (art. 732, parágrafo único)[68].


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Notas

[1] Nesse sentido Enrico Tullio Liebman menciona que “o objeto sobre o qual opera a sanção executiva não é a pessoa do devedor, mas os bens que se encontram no seu patrimônio [...] O órgão do Estado, usando do poder de que é investido, pode lançar mãos sobre os bens do devedor e destiná-los à satisfação do credor, pelos modos e com os efeitos estabelecidos na lei”. (LIEBMAN, 1955, p. 83.). Do mesmo entendimento é Salvatore Satta (SATTA, 2000, p. 601)

[2] Cf., MICHELI. 1970. vol. 3. p.131/132.

[3] De acordo com Chiovenda, os meios executivos podem ser de coação e de sub-rogação. Meios de coação seriam aqueles que tendem a conseguir o bem devido ao exequente através da participação do executado, influindo na sua vontade, a fim de que então preste o que deve. (Cf., CHIOVENDA. 1969, vol. I. p. 262)

[4] Cf., DANGEL.  1939, p.2.

[5] MOTTA, 2002,  p.28.

[6] Ibidem,  p.55/61.

[7] Em sentido contrário, entendendo que existe a possibilidade de coação pessoal para casos além dos elencados no dispositivo constitucional, encontramos Cândido Rangel Dinamarco. (Cf,. DINAMARCO. 2000. p.178)

[8] Ibidem,  p.121.

[9] Cf. TESHEINER. 1972. p.212.

[10] Cf. PONTES DE MIRANDA. 1974. tomo X. p.483.

[11] Cf. AZEVEDO. 1993. p.132.

[12] MARMITT, 1989. p.7.

[13] CASTRO, 1974. p.377.

[14] MARMITT, op. cit.,  p.111.

[15] Nesse sentido também o posicionamento de Yussef Cahali (Cf. CAHALI. Dos Alimentos. p.1077).

[16] Para Edgard de Moura Bittencourt: “A pena de prisão tem lugar para assegurar a prestação alimentícia de qualquer natureza, seja provisional, provisória, ou definitiva, originária ou revista”. (Cf. BITTENCOURT. 1986. p.161).

[17] De acordo com acórdão do TJRS: “Dispõe o credor de alimentos da faculdade de fazer uso de qualquer dos meios executórios assegurados pela lei para sua cobrança. Desimporta a natureza do encargo, se definitivo, provisório ou provisional, bem como se fixado em decisão liminar ou através de sentença, para que possa ser buscado quer pela via do art. 732, quer pela do 733 do CPC”. (TJRS, EI nº.70002456598 – 4º G. C. Civ.- Relª. Desª. Maria Berenice Dias – j.10.08.2001)

[18] Álvaro Villaça Azevedo é do entendimento de se abolir totalmente a possibilidade da prisão civil por dívida, mesmo a decorrente de débito alimentar. (Cf. AZEVEDO. op. cit., p.153/155)

[19] PEREIRA, Revista de Processo, nº.17, p.80.

[20] “Ainda que determinado em sede de tutela antecipada, o pagamento mensal de parte dos haveres, a execução da sentença exarada na ação de conhecimento, não se há de processar pelo rito do artigo 733, do Código de Processo Civil. Somente os casos elencados no artigo 397 e seguintes do Código Civil respondem por dívida de caráter eminentemente alimentar, a ensejar o decreto de prisão civil”. (TJRS. HC nº.70004855748, 5ª Câmara Cível, Rel. Desª. Ana Maria Nadel Scalzilli, j. 26.07.2002)

[21] Cf. TALAMINI. 1998. p.154/155.

[22] Cf. ASSIS. 2001. p.112.

[23] Cf. MARINONI. 1999. p.204.

[24] Ibidem, p.205.

[25] Segundo Salvatore Satta, o título executivo “tem uma índole constitutiva, e precisamente constitutiva da condição documentada (porém a palavra documento deve ser entendida sem qualquer sentido probatório); uma índole que, ao cabo de contas, todos lhe hão reconhecido mesmo erradamente, referindo-se a um quid que se acrescenta ao crédito, a este dando força executiva que antes não tinha”. (SATTA, op. cit., p. 578)

[26] Cf. ASSIS. op. cit., p.1118/1119.

[27] SUZUKI, 2001.

[28] WELTER, 2003, p. 326.

[29] ASSIS, op. cit.,  p.1124.

[30] MARMITT, op. cit., p.107.

[31] STJ, 4ª Turma, HC 11163, Rel. Min. César Asfor Rocha, DJ. 12.06.2000. p. 00112.

[32] Cf. ASSIS. op. cit., p.1126.

[33] Nesse sentido João Roberto Parizatto, Yussef Cahali e Arnaldo Marmitt.

[34] Cf. ASSIS. op. cit., p.1126/1127.

[35] No entendimento de Arnaldo Marmitt a “respectiva demanda pode ser aforada tanto pelo credor da pensão como por representante legal ou pelo Ministério Público. Tratando-se de exceção consignada em lei (art. 2º da lei 5478/68), em caso de inadimplência a própria parte credora pode postular em juízo seus direitos alimentares, e requerer a decretação do aprisionamento do alimentante faltoso”. (MARMITT, op. cit., p.71)

[36] Cf. ASSIS. op. cit., p.1129/1130.

[37] Divergindo desse entendimento, ou seja, admitindo que o juiz de ofício decrete a prisão do devedor, Arnaldo Marmitt cita autores como Pontes de Miranda, Barbosa Moreira e Francisco Fernandes de Araújo. (op. cit., p.120/122).

[38] Ibidem, p.118.

[39] Nesse sentido Amílcar de Castro, Celso Neves, Araken de Assis e Humberto Theodoro Júnior, dentre outros.

[40] Cf. ASSIS. op. cit., p.1.131. Em sentido contrário decisão do TJRS no julgamento do HC n. 70013980990,  da 7ª Câmara Cível, Rel. Dês. Luiz Felipe Brasil Santos, j. 25.01.2006

[41] Cf. AZEVEDO. op. cit., p.138. Contrariamente encontramos o posicionamento de Yussef Cahali para o qual “as despesas processuais gozam do mesmo tratamento do crédito a cuja realização são dirigidas e dos direitos cuja realização são destinadas”. Ademais, aplicar-se-ía a regra de que o acessório segue o principal. (in. Dos alimentos. p.. 1084)

[42] “Não se inserem nos cálculos parcelas estranhas ao débito alimentar, como, in casu, honorários advocatícios”. (STJ, HC nº.20726/SP, T-3, Rel. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 13.05.2002)

[43] Cf. ASSIS. op. cit., p.1134.

[44] A doutrina e a jurisprudência elenca, por exemplo, como motivos de impossibilidade temporária o desemprego total, a repentina aparição de moléstia, e a pendência de paralela demanda exoneratória, o nascimento de filho, resultado da reconstituição de núcleo familiar. (Cf. ASSIS. op. cit., p.1135)

[45] Cf. NEVES. 1999. p.163. No mesmo sentido Araken de Assis.

[46] Ibidem. p.377.

[47] Yussef Said Cahali refere que “constitui constrangimento ilegal o decreto de prisão sem apreciação expressa dos fatos e sem nenhuma investigação das reais condições econômicas do paciente, que pediu e protestou por provas”. (in. Dos Alimentos. p. 1091)

[48] NEVES, op. cit., p.161.

[49] Pontes de Miranda diversamente entende que tal decisão tem natureza de sentença (op. cit., p. 480).

[50] Cf. ASSIS. op. cit., p.1138.

[51] MARMITT, op. cit., p.101.

[52] Cf. ASSIS. op. cit.,  p.1143. Nesse mesmo sentido Arnaldo Marmitt e Yussef Said Cahali.

[53] “Destarte, o art. 558 se aplica, igualmente, à prisão do devedor de alimentos e atalha – não pode, porém, inibir a utilização do remédio constitucional – habeas corpus com idêntica finalidade”. (ASSIS, op. cit., p.1138)

[54] PORTO, 1993. p.86.

[55]STJ, RHC 13598, T-3, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 10.03.2003.

[56] Cf. CAHALI. Op. cit., p.1118.

[57] PARIZATTO, op. cit., p.53. Nesse sentido o posicionamento do STJ: “A propositura de ação revisional não obsta a execução de alimentos com base no art. 733 do Código de Processo Civil, admitindo-se a prisão civil do devedor”. (STJ, RHC 13598, T-3, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 10.03.2003)

[58] MARMITT, op. cit., p.33.

[59] Cf. CAHALI. Obra citada. p.1081.

[60] O referido autor cita como exemplos de posicionamentos em prol do prazo de 90 dias os seguintes autores: João Claudino de Oliveira e Cruz, Paulo Lúcio Nogueira e Jorge Franklin Alves Felipe. (Cf. PORTO. Op. cit., p.83)

[61] Ibidem. p. 83. Neste mesmo sentido temos o posicionamento de Araken de Assis, Yussef Said Cahali, Arnaldo Marmitt.

[62] Cf. MARMITT. op. cit., p.39.

[63] STJ, HC nº 3448, T-5, Rel. Min Cid Flaquer Scartezzini, DJ 25.09.1995.

[64] ASSIS, op. cit., p.1144.

[65] O valor a ser pago corresponde as parcelas vencidas e as vincendas. (Cf. NEVES. Op. Ct., p.164)

[66] Nesse sentido Araken de Assis (op. cit., p.1145) e Yussef Said Cahali (op. cit., p.1127) e Amílcar de Castro (op. cit., p.377).

[67] ASSIS, Araken de. Da execução de alimentos e prisão do devedor. 5.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p.151.

[68] Cf. THEODORO JÚNIOR. 1979. p.539.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Marcelo Amaral da. Execução de alimentos mediante coerção pessoal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3875, 9 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26582. Acesso em: 24 abr. 2024.