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Prescrição e decadência tributárias

Prescrição e decadência tributárias

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O presente estudo analisa os institutos da prescrição e da decadência no direito tributário, na tentativa de, sob o enfoque da teoria geral do direito, defini-los com precisão e identificar quais os seus efeitos sobre a obrigação e o crédito tributários.

Sumário: 1. Prescrição e decadência na teoria geral do direito; 2. A prescrição e a decadência tributárias; 2.1. Notas introdutórias; 2.2. O papel do lançamento tributário; 2.3. O prazo decadencial se refere ao direito potestativo de lançamento e não à obrigação tributária 2.4. O crédito tributário; 2.5. Formas de liquidação do crédito tributário. Reflexos na prescrição e decadência; 2.5.1. Entendendo o art. 142 do CTN; 2.5.2. A declaração do contribuinte na sistemática do lançamento por homologação; 2.5.3. Depósito judicial; 2.5.4. Compensação administrativa; 2.5.5. Vício de forma em lançamento anteriormente efetuado; 3. Conclusões; bibliografia


1. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA NA TEORIA GERAL DO DIREITO

O presente estudo volta-se à análise dos institutos da prescrição e da decadência no direito tributário, na tentativa de lançar um olhar à luz da teoria geral do direito, definindo-os com precisão e identificando quais os seus efeitos sobre a obrigação e o crédito tributários[1].

Interessante observar que o estudo do Direito Tributário é repleto de questões jurídico-positivas, ou seja, de temas cuja definição depende das peculiaridades do direito positivo analisado, sendo possível encontrar inúmeras diferenças nos variados sistemas jurídicos. Os doutrinadores, inclusive, constantemente alertam para os perigos de se analisar o sistema tributário brasileiro a partir de conceitos desenvolvidos em outros países, sobretudo em virtude das particularidades da legislação pátria. Souto Maior Borges, nessa linha, aponta como típico conceito jurídico-positivo o “lançamento tributário”, pois “é uma noção que somente pode ser obtida a posteriori, no sentido de que apenas poderá ser apreendida após o conhecimento de um determinado Direito Positivo”[2].

Há, no entanto, certos institutos identificados como lógico-jurídicos, ou seja, que são trabalhados historicamente a partir de uma visão ontológica dos fenômenos jurídicos, cujas definições podem ser utilizadas em qualquer ordenamento jurídico, independentemente das suas especificidades[3]. Parece-nos que a prescrição e a decadência se encaixam nessa última categoria, razão pela qual uma incursão pela teoria geral do direito se afigura fundamental para o seu correto entendimento.

Se um dos principais objetivos do direito é a paz social, conferindo estabilidade e previsibilidade às relações intersubjetivas, os institutos da prescrição e da decadência ocupam papel de destaque nesse mister, porquanto obstam a eternização de situações de insegurança, garantindo tranquilidade para os cidadãos.

A possibilidade de um sujeito intervir na esfera jurídica alheia cria uma situação de insegurança social, pois o titular de tal direito tem em suas mãos a decisão de fazê-lo valer ou não. Diante de tal potencialidade decorrente de um direito subjetivo, o patrimônio jurídico daquele em face de quem o direito pode ser exercido fica em constante situação de “perigo”. Assim, para evitar que tal estado de periculosidade se estenda indefinidamente, são estabelecidos prazos para o exercício dos direitos ou das pretensões que deles decorrem, denominados de decadência e prescrição.

Fato é que a doutrina brasileira, ainda nos dias atuais, é bastante confusa sobre a distinção entre prescrição e decadência[4]-[5]. Muitos ainda diferenciam os institutos pelos seus efeitos, propalando que a prescrição extingue a pretensão[6] e a decadência extingue o direito. Afirmam, ainda, que a instituição de um prazo prescricional ou decadencial fica ao talante do legislador. Se quer extinguir o direito, prevê um prazo de decadência, porém se a ideia é extinguir a pretensão, lança mão de um prazo prescricional. Ou seja, não haveria qualquer base científica por detrás desses institutos a justificá-los, sendo usados ao sabor dos humores legislativos.

Porém, há muito, já se demonstrou que distinguir a prescrição e a decadência pelos seus efeitos, além de nada explicar, causa uma significativa insegurança nos operadores do direito, porquanto, naquelas situações em que o legislador não explicita a natureza do prazo abstratamente consignado em lei, ficam todos atônitos, tentando adivinhar a natureza do prazo e suas respectivas consequências.

Referimo-nos ao célebre artigo escrito por Agnelo Amorim Filho[7], denominado "Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis". Trata-se de escrito valioso que explica com minúcia a distinção entre os institutos, conferindo bases sólidas à teoria geral do direito para um tratamento adequado pelos diversos ramos da ciência jurídica.

Segundo o referido Autor, é inadequado diferenciar a prescrição e a decadência pelos seus efeitos, porquanto tais institutos jurídicos estremam-se em virtude da natureza do direito subjetivo que está sujeito ao prazo.

Citando Chiovenda[8], Agnelo Amorim aduz que há dois grandes grupos de direitos subjetivos:

  1. Direitos subjetivos a uma prestação, que são aqueles direitos que, para serem atendidos, dependem que o sujeito passivo cumpra uma obrigação. Ou seja, são direitos que estão ligados a uma prestação do sujeito passivo, dependem, assim, de um ato a ser praticado por pessoa diversa do seu titular. A partir do momento em que é possível exigir essa prestação, nasce a pretensão, que significa justamente a exigibilidade do cumprimento da obrigação por pessoa alheia ao titular do direito. Com o surgimento da pretensão, nascida está a situação de inquietude do sujeito passivo que, em regra, enquanto não adimplir a obrigação, fica sujeito ao exercício da pretensão pelo sujeito ativo.
  2. Direitos subjetivos potestativos[9], que correspondem a direitos que não dependem de uma prestação do sujeito passivo para serem efetivados. O próprio sujeito ativo, unilateralmente, pode exercê-lo, ficando o sujeito passivo em um estado de sujeição diante de tal exercício. São direitos, portanto, desprovidos de pretensão, porquanto não se exige do sujeito passivo qualquer prestação, bastando que o sujeito ativo manifeste sua vontade de exercê-lo. Assim, a própria existência do direito é a causa de intranquilidade do sujeito passivo. Ex.: direito de revogar uma procuração, rescindir um contrato por vício de forma etc.

Historicamente, expõe-se que o instituto da prescrição proporciona a extinção da pretensão, enquanto que a decadência fulmina o direito. São institutos que têm por finalidade proporcionar segurança jurídica, eliminando a situação de intranquilidade gerada pela possibilidade do exercício da pretensão (direitos a uma prestação) ou do exercício do direito (direitos potestativos).

Assim, há certos direitos cuja situação de intranquilidade social não é gerada pelo seu exercício, mas sim pela pretensão que dele decorre. São os chamados direitos a uma prestação. Para que seja eliminada a correspondente insegurança jurídica, basta a neutralização da pretensão. Entra em cena, assim, a prescrição como instituto jurídico apto a eliminar a pretensão (exigibilidade), servindo de verdadeira defesa do sujeito passivo, caso se tente o adimplemento intempestivo da prestação. Por isso é que se diz que a prescrição extingue a pretensão, com o objetivo de conferir segurança jurídica àquele que poderia ser alvo da cobrança[10].

Paralelamente, existem direitos que podem ser exercidos independentemente de qualquer ato do sujeito passivo, desprovidos, portanto, de pretensão em face deste, que são os direitos potestativos. Nesse caso, a insegurança jurídica é gerada pela própria existência do direito, pois pode ser exercido a qualquer momento, bastando a manifestação da vontade do sujeito ativo. Para que seja eliminada tal situação de intranquilidade do sujeito passivo, é inútil se falar em extinção da pretensão (simplesmente por não existir qualquer pretensão em face do sujeito passivo), mas sim há necessidade de se extinguir o próprio direito. Por isso é que a decadência constitui uma defesa do sujeito passivo em face do sujeito ativo que não exerceu o seu direito tempestivamente, proporcionando a sua extinção[11].

Com efeito, fica claro que quando estamos diante de um direito que demande uma prestação do sujeito passivo, conferindo, pois, uma pretensão ao sujeito ativo, o prazo previsto para a cobrança será um prazo prescricional. Lado outro, caso o sujeito ativo tenha a potestade de simplesmente exercer o seu direito, gerando uma simples situação de sujeição do sujeito passivo, não dependendo, assim, de qualquer prestação deste, o prazo previsto para o seu exercício será um prazo de decadência.

Merece aplausos, portanto, as explicações de Agnelo Amorim, que colocaram fim ao grande tormento doutrinário e jurisprudencial sobre a distinção entre prescrição e decadência, devendo ser utilizadas pelos estudiosos dos diversos ramos da ciência jurídica para explicar os seus respectivos prazos.


2. A PRESCRIÇÃO E A DECADÊNCIA TRIBUTÁRIAS

2.1 Notas introdutórias

Trazendo as ideias anteriormente apresentadas para a seara tributária, cumpre-nos explicar os prazos que dispõe a Fazenda Pública para cobrar o crédito tributário, a partir da ocorrência do fato gerador.

Em primeiro lugar, devemos perquirir em que consiste a obrigação tributária, mais precisamente, a qual espécie de direito que ela dá origem.

Tal questão não parece suscitar maiores dúvidas, na medida em que o próprio CTN, no art. 113, §1°, prevê que a obrigação tributária tem por objeto o pagamento de uma quantia em dinheiro, ou seja, visa a uma prestação pecuniária pelo sujeito passivo.

Assim, ocorrido o fato gerador, nasce a obrigação tributária, que tem por objeto uma prestação pecuniária.

Diante de tais circunstâncias, à luz da teoria geral do direito, seria bastante tranquilo para o intérprete identificar, de imediato, que eventual prazo existente para a cobrança de tal prestação, na hipótese de inadimplemento pelo sujeito passivo, consistiria um prazo prescricional, porquanto estamos diante de uma pretensão do sujeito ativo. Não há de se pensar, portanto, em um prazo decadencial, pois não estamos diante de um direito que, uma vez exercido, exaure-se, proporcionado um simples estado de sujeição do sujeito passivo. Aqui, a insegurança proporcionada ao sujeito passivo decorre da pretensão que se pode exercer em face dele de cumprimento de uma prestação. Por tal motivo, o prazo que dispõe a Fazenda Pública para cobrar a prestação tributária é um prazo prescricional.

Quando pensamos nas relações do direito privado essa análise é feita e aceita com mais tranquilidade. Basta pensar em um acidente de trânsito. Analisando a relação jurídica de forma bem simples (sem adentrarmos nos meandros da responsabilidade civil), com o “fato gerador” (ou simplesmente fato jurídico) que dá origem ao direito a uma indenização, nasce a pretensão de pleiteá-la em face do causador dos danos. Mesmo sendo a obrigação de reparar ainda ilíquida, deve a vítima propor sua demanda dentro do prazo prescricional previsto na legislação, sob pena de extinção da sua pretensão.

No direito tributário deveria ocorrer a mesma situação, porém o legislador alterou um pouco essa lógica[12]. É que, nessa seara jurídica, ocorrido o fato jurídico (fato gerador) apto a gerar a obrigação tributária, para que o Estado não precise ingressar em juízo para liquidar o valor do tributo devido, conferiu-se uma prerrogativa ao Poder Público de liquidar administrativamente seu crédito e já obter um título executivo extrajudicial. Assim, ao invés de ter que postular em juízo um crédito ainda ilíquido, como ocorre com as demais obrigações de direito privado, no intuito de otimizar a cobrança do crédito público, o legislador viabilizou a sua liquidação pelo próprio Estado, com a participação do contribuinte, na esfera administrativa.

Cumpre-nos alertar para duas peculiaridades: a) a liquidação extrajudicial de um crédito constitui atividade atípica no nosso sistema; b) tal atividade de liquidação não possui qualquer vinculação ontológica com a existência da obrigação tributária e sua respectiva prestação pecuniária, consistindo apenas na identificação dos principais elementos do crédito público.

A doutrina pouco percebe tais circunstâncias, ou simplesmente não lhes confere a devida importância, o que faz com que inúmeros erros na explicação dos institutos sejam cometidos. Digna de nota é a sensibilidade de Luciano Amaro quanto ao ponto, trazendo um pouco da história de forma elucidativa[13]:

Tratando-se de relação de natureza patrimonial – já que a obrigação tributária tem por objeto a prestação do tributo pelo devedor – o Código Tributário Nacional poderia ter-se limitado a disciplinar um prazo para que o Fisco, não satisfeito pelo sujeito passivo, ingressasse em juízo com a ação de cobrança, estabelecendo o lapso de tempo que entendesse adequado, e fazendo-o contar a partir do nascimento da obrigação tributária, com as causas de interrupção ou suspensão que fossem adequadas. Aliás, como lembra Fábio Fanucchi, essa era a posição adotada no anteprojeto do Código, preparado por Rubens Gomes de Souza, ao tratar da prescrição.

Essa interessante passagem doutrinária nos traz uma informação digna de destaque. O anteprojeto do Código Tributário Nacional, elaborado na década de 50, sob responsabilidade de Rubens Gomes de Souza, discutido por mais de dez anos, previa apenas o prazo prescricional para cobrança do crédito tributário, em harmonia, portanto, com a sua natureza (relativo a direito a uma prestação) e com os demais ramos do direito. Todavia, segundo Luciano Amaro[14], em virtude de toda construção teórica sobre o instituto da decadência no direito estrangeiro, em especial na Itália (“anomalia da pretensão tributária, que não se faz presente na dinâmica de exercício de direitos na esfera de outros ramos do direito”), o CTN resolveu cindir em dois momentos a cobrança do crédito tributário.

2.2 O papel do lançamento tributário

Assim, na sistemática adotada para cobrança do crédito tributário, necessário se faz, inicialmente, proceder à liquidação do crédito público, para só depois ser possível a sua plena exigibilidade, apta a dar ensejo a um título executivo extrajudicial e viabilizar a propositura da ação de cobrança.

A essa liquidação se deu o nome de lançamento tributário, “(...) assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.” (art. 142 do CTN).

Fazendo uma breve incursão nos sistemas tributários estrangeiros, notamos particularidades elucidativas. Na Itália, por exemplo, atividade semelhante ao que chamamos de lançamento é denominada de accertamento tributario que significa “avaliação, averiguação”. Na Espanha, confere-se o nome de liquidación[15]-[16].

Assim, verificamos que essa prerrogativa da Fazenda Pública de identificar os elementos do crédito público, não está essencialmente vinculada à existência da obrigação tributária e da necessidade de pagamento do tributo, diga-se, da prestação pecuniária respectiva. Dito de outro modo, seria possível pensar em obrigação tributária, crédito tributário e cobrança judicial sem o necessário procedimento de liquidação do valor devido, constituindo o lançamento mera opção legislativa, em certos casos, de identificação prévia da prestação devida[17].

Por isso que, frise-se, eventual perda do direito de lançar[18] não afeta diretamente a existência da obrigação tributária, mas apenas o direito de a Fazenda Pública liquidar o crédito tributário. Fulmina-se apenas o direito potestativo de proceder ao lançamento.

Tanto é verdade que, atualmente, a grande maioria dos tributos não está sujeita a um prévio procedimento formal de lançamento, devendo o contribuinte, ocorrido o fato gerador tributário, aferir o quanto devido e fazer o seu pagamento. É o que se chama de “lançamento por homologação”, situação em que o próprio contribuinte liquida e paga unilateralmente a sua dívida, podendo o Estado, após, proceder à fiscalização da atividade de identificação dos elementos do crédito tributário[19].

Isso demonstra, pois, que o lançamento não está ontologicamente ligado à obrigação tributária, conforme passamos a melhor desenvolver.

2.3 O prazo decadencial se refere ao direito potestativo de lançamento e não à obrigação tributária

Mas por que toda essa explicação e demonstração de que o lançamento não participa da essência da obrigação tributária? Tudo isso é para expor que o prazo de cinco anos que a Fazenda Pública dispõe para constituir o crédito tributário não está ligado ao direito subjetivo decorrente da obrigação tributária, mas sim apenas ao direito potestativo de constituição do crédito tributário.

Não se pode conceber um direito subjetivo que se submeta inicialmente a um prazo decadencial e, após praticado certo ato pelo sujeito ativo, o mesmo direito subjetivo se transmude e passe a se sujeitar a um prazo prescricional. Como dissemos, em virtude do objetivo desses prazos extintivos, o que determina se estamos a tratar de prazos prescricionais ou decadenciais não é o legislador de forma aleatória, mas sim a natureza do direito subjetivo correspondente[20].

Como já exposto, a obrigação tributária dá origem ao direito subjetivo a uma prestação pecuniária que, à luz da teoria geral, constitui espécie de direito atrelado a uma pretensão, submetendo-se, assim, a um prazo prescricional.

Por pretensão, reitere-se, devemos entender a possibilidade de se exigir do sujeito passivo o adimplemento da prestação. A princípio, a pretensão já nasce com a obrigação, mas nada impede que as regras jurídicas estabeleçam uma relação obrigacional cuja pretensão surja em momento posterior.

No direito tributário brasileiro, a plena pretensão de cobrança da prestação pecuniária tem o seu nascimento com a “constituição definitiva do crédito tributário”.

Como exposto, por uma peculiaridade das obrigações tributárias, a Fazenda Pública pode/deve “liquidar” seu crédito administrativamente, no prazo de cinco anos, a fim de que surja a pretensão à cobrança da prestação pecuniária em face do sujeito passivo. Trata-se de um prazo decadencial, decorrente, exclusivamente, do direito potestativo de constituição do crédito tributário.

Como consequência desse raciocínio, fica claro que o prazo decadencial para constituição do crédito tributário não está vinculado à obrigação tributária (que dá origem a um direito subjetivo de prestação), mas apenas ao direito de constituição do crédito, em outras palavras, de “liquidação” da prestação pecuniária.

Assim, é incorreto afirmar, como muitos o fazem, que a decadência extingue a obrigação tributária, pois o direito extinto é apenas o de constituir o crédito tributário. A obrigação tributária, a princípio, fica incólume, não obstante a decadência do direito de lançar[21].

2.4 O crédito tributário

O CTN expõe que a decadência extingue o crédito tributário. Diante de tal preceito, devemos nos perguntar: há crédito tributário antes da sua constituição?

Não é novidade que o CTN não prima pela melhor técnica ao precisar seus conceitos. Cabe ao intérprete, sistematicamente, tentar conciliar as ideias espraiadas pelo Código, de maneira que possamos entendê-lo e aplicá-lo. Socorremo-nos, mais uma vez, da teoria geral do direito.

Diante de um ilícito civil, surge o dever de o infrator indenizar a vítima. Caso não seja adimplida a obrigação voluntariamente, necessário será o ajuizamento de uma demanda judicial, para que seja aferido o valor da indenização e, finalmente, exigido o adimplemento.

Ou seja, ocorrido o fato jurídico que confere o direito à indenização, já temos um crédito a ser buscado junto ao patrimônio do infrator.

O conceito de crédito está intimamente ligado à noção de obrigação. Quando se estuda a relação obrigacional, temos que “na sua definição, tem-se levado em conta, preferentemente, o lado passivo, que se designa pelo termo obrigação ou, mais à justa, dívida. Vista, porém, do lado ativo, chama-se crédito.” [22]. E prossegue Orlando Gomes, explicando que não podemos tratar da relação obrigacional de forma dissociada das noções de crédito e débito, vejamos[23]:

Positivado que a relação obrigacional compreende dívida e crédito, que mais não são do que aspectos sob que se apresenta, não é correto conceituá-la com vocábulo obrigação, que é corriqueiro. A definição, para ser completa, deve ressaltar as duas faces, ativa e passiva.

(...)

Tecnicamente, obrigação é espécie do gênero dever, reservando-se o termo para designar o dever correlato a um direito de crédito.

Ocorre que, como visto, em se tratando de obrigação tributária, o legislador conferiu ao Estado a prerrogativa de buscar a prestação pecuniária já por meio de um processo de execução e, para tanto, é necessário que se alcance o título executivo extrajudicial. Como o título executivo tem que ser líquido, necessário que haja a liquidação desse crédito previamente, por meio de um procedimento administrativo denominado de lançamento[24].

Disso decorre que, em verdade, o crédito tributário surge juntamente com a obrigação tributária[25], porém a possibilidade de a Fazenda Pública alavancar medidas de cobrança em face do sujeito passivo depende de sua prévia liquidação[26]. Vejamos as palavras de Leandro Paulsen[27]:

Embora, no sistema do Código, considere-se o crédito constituído pelo lançamento (em verdade por quaisquer dos modos de formalização), quando se reveste de certeza e liquidez, pode-se observar que já se pode considerá-lo exigível, numa acepção mais ampla, mesmo anteriormente, na data do vencimento dos tributos sujeitos a lançamento por homologação, pois, já tem o contribuinte a obrigação de efetuar o lançamento, sendo que, não o fazendo, incorrerá em infração, sujeitando-se a multa.

Três provas, no mínimo, temos no sistema da existência do crédito tributário antes do lançamento:

  1. A decadência extingue o crédito tributário (art. 156, V, do CTN). Não podemos falar em extinção de algo que não existe.
  2. A decisão judicial passada em julgado extingue o crédito tributário (art. 156, X, do CTN), ainda que não tenha havido lançamento.
  3. Nos tributos sujeitos a lançamento por homologação, ultrapassada a data do pagamento do tributo sem o seu adimplemento, deverá o contribuinte arcar com os encargos moratórios. Ora, como falar em mora sem que exista um crédito? Poderíamos pensar em uma obrigação sem o respectivo crédito? Parece-nos que não.

Verificamos, portanto, que, com o advento do fato gerador, nasce a obrigação tributária que, por estar inserida em uma relação jurídica reveladora de um direito a uma prestação, dá origem, igualmente, ao crédito tributário. Trata-se da face ativa do dever/obrigação e dela indissociável[28]-[29].

Contudo, tal crédito se submete a inúmeros graus de exigibilidade até poder ser objeto de uma execução fiscal. Repare-se, inclusive, que a falta de exigibilidade do crédito é algo bem comum no sistema tributário nacional, estando positivadas no art. 151 do CTN as hipóteses legais de sua suspensão.

Com efeito, para bem entendermos o CTN à luz da teoria geral do direito, importante que se compreenda que o lançamento não cria o crédito tributário, existente desde a ocorrência do fato gerador, mas sim constitui a sua exigibilidade plena para o sujeito ativo contra o sujeito passivo.

Não há de se negar, assim, o caráter constitutivo do lançamento, porquanto agrega ao crédito tributário a exigibilidade plena, viabilizando a sua cobrança executiva pelo sujeito ativo[30].

Como já referido, nada impediria uma reforma do sistema atual, possibilitando que a Fazenda Pública, ocorrido o fato gerador e não adimplida a prestação, já ajuíze uma ação ordinária de cobrança, submetida a único prazo prescricional. Apesar de tal medida afetar irremediavelmente a efetividade de cobrança do crédito público, não há qualquer óbice em sua adoção, diante da natureza do direito subjetivo decorrente da obrigação tributária (direito a uma prestação).

Ainda de lege ferenda, poderíamos pensar em apenas um prazo prescricional para cobrança do crédito tributário, operando-se simplesmente sua interrupção quando do início do procedimento de liquidação (lançamento)[31], inclusive com a possibilidade de prescrição intercorrente durante o seu curso[32], e retomada a contagem do prazo quando da “constituição definitiva” do crédito[33].

Tais proposições apenas ratificam a noção de que o crédito tributário nasce juntamente com a obrigação, porém, por uma opção legislativa, a sua exigibilidade plena ficou postergada para um segundo momento, quando da sua liquidação.

2.5 Formas de liquidação do crédito tributário. Reflexos na prescrição e decadência.

2.5.1 Entendendo o art. 142 do CTN

Devemos observar que o lançamento não é a única forma de dar origem à pretensão de se cobrar o crédito tributário, pois há situações em que é desnecessária a sua realização, tendo em vista que o crédito tributário já foi regularmente identificado (definitivamente constituído) de forma distinta.

Nesses casos, exigir seja alavancado um procedimento administrativo para apurar algo que já está devidamente identificado não se justifica. Por isso é que a doutrina e a jurisprudência vêm dispensando o lançamento e, consequentemente, reconhecendo o imediato início do prazo prescricional de cobrança do crédito tributário para a Fazenda Pública em tais hipóteses. Sim, pois se o crédito já está identificado, já possui o requisito necessário exigido pela lei para que tenha plena exigibilidade, justificando o início do prazo de cobrança.

Ocorre que, para se aceitar tais modalidades “alternativas” de liquidação do crédito tributário, é necessário bem entender a redação do art. 142 do CTN que aduz competir “privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento” (art. 142 do CTN). Realmente, não se nega que é atribuição exclusiva da autoridade administrativa proceder à atividade de lançamento, “assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível” (art. 142 do CTN), porém a “constituição definitiva”, como dissemos, não se dá apenas pelo lançamento.

Com efeito, se pelo lançamento só é possível a liquidação do crédito feita pela autoridade administrativa (titular exclusiva desse direito), por outros caminhos é possível liquidá-lo por pessoas diversas, em especial pelo próprio contribuinte. Essa é a melhor forma de interpretar o art. 142 do CTN, harmonizando-o com o sistema tributário vigente[34].

Regra geral, sendo necessário o lançamento, terá o Fisco o prazo de cinco anos para fazê-lo, a contar do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que tal lançamento poderia ter sido efetuado (art. 173 do CTN). Trata-se da hipótese de lançamento de ofício. Assim, v.g., caso o contribuinte não faça qualquer declaração ao Fisco sobre a ocorrência do fato gerador, contudo, por meio de auditorias, seja descoberto que efetivamente se operou “a situação prevista em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência” (art. 114 do CTN), o Estado deverá realizar o lançamento de ofício (art. 149 do CTN), como condição para cobrança do credito tributário[35].

Tratando-se, porém, da sistemática denominada de “lançamento por homologação”, verificamos que o prazo para eventual lançamento do tributo devido será de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador (art. 150, §4°, do CTN). Entrementes, diante das peculiaridades desse ato em que há intensa participação do contribuinte, passamos a lhe dedicar maior atenção.

2.5.2 A declaração do contribuinte na sistemática do lançamento por homologação

Analisemos a modalidade de liquidação do crédito tributário que o CTN denominou de “lançamento por homologação” (art. 150 do CTN).

Em verdade, não se trata de típico lançamento, atividade exclusiva da autoridade administrativa, mas sim de ato do contribuinte que, ocorrido o fato gerador, apura o tributo devido, declara todos os elementos da obrigação tributária para o Fisco e, finalmente, procede ao pagamento do tributo[36].

Nesse caso, clara é a percepção de que o contribuinte, por meio de sua declaração, alcança justamente o resultado buscado pelo lançamento tributário, porquanto realiza a liquidação da sua obrigação, identificando o exato tributo devido. Daí a total desnecessidade de a Administração Pública lançar.

Essa atividade de liquidação do crédito, pode-se dizer, goza de uma presunção de correção ainda maior do que aquela decorrente do lançamento, pois é o próprio contribuinte, pessoa diretamente interessada na adequação do valor do tributo devido, quem o identifica.

Diante dessa sistemática de arrecadação, adotada por quase todos os tributos brasileiros, pontuemos as situações mais corriqueiras que podem ser resolvidas a partir das noções expostas até aqui:

1 - O contribuinte declara o tributo devido, mas não efetua o respectivo pagamento. Nesses casos, como o tributo já foi liquidado, basta que o Fisco inscreva o crédito em dívida ativa e ajuíze a execução fiscal. Como já foi feita a liquidação pelo contribuinte e identificado o valor que deve ser pago, não há necessidade de um lançamento com tal objetivo.

Uma consequência imediata dessa lógica é a inexistência de prazo decadencial para a constituição do crédito relativo ao tributo e, ainda, o início do prazo prescricional para a Fazenda Pública ajuizar a execução fiscal[37]-[38].

Repare-se que tal prazo prescricional só se aplica em relação ao tributo que o contribuinte expressamente reconheceu como devido, ou seja, cujo crédito já está liquidado. Essa informação é importante, pois, caso o Fisco entenda que o tributo declarado não corresponde ao tributo devido, necessário será que se proceda à liquidação do valor excedente, por meio do lançamento tributário[39]. Aqui duas situações devem ser extremadas:

  • Da declaração é possível aferir o tributo excedente, não havendo necessidade de o Fisco auditar o contribuinte para apurar novos fatos. Nesse caso, o Fisco terá o prazo de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador, para fazer o lançamento complementar (art. 150, §4°, do CTN). Exemplo: o contribuinte calcula o tributo com alíquota errada;
  • Da declaração não é possível aferir o tributo excedente, havendo necessidade de o Fisco auditar o contribuinte para apurar novos fatos. Em tal hipótese, dispõe o Estado do prazo de cinco anos para proceder ao lançamento, a contar do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado (art. 173 do CTN). Diante da dificuldade em aferir a ocorrência do fato gerador não declarado ou declarado de forma incompleta, justificado está o tratamento similar àquele destinado à ausência de declaração, adotando-se prazo mais dilatado para constituição do crédito tributário. Exemplo: Omissão de receita[40].

Observe-se, portanto, que é possível que tenhamos, em relação a determinado exercício financeiro, tributos: a) que já podem ser cobrados por execução fiscal, pois o prazo prescricional já está em curso; b) que devem ser lançados e cujo prazo decadencial vai ser contado a partir do fato gerador (situação “i” acima); c) que devem ser lançados e cujo prazo decadencial vai ser contado a partir do primeiro dia do exercício seguinte (situação “ii” acima). Importante que tenhamos essa visão em “capítulos” de tais fragmentações dos fatos geradores.

2 - O contribuinte declara o tributo devido, mas efetua o pagamento parcial do tributo declarado. Igualmente, não há necessidade de o Fisco lançar o crédito relativo ao tributo já declarado e não pago, iniciando o prazo prescricional para o ajuizamento da execução fiscal, mas apenas em relação ao valor já reconhecido como devido[41].

Em relação a eventual lançamento complementar, diante da existência de tributo devido e não identificado pelo contribuinte, aplica-se a mesma lógica anteriormente exposta.

Equivocada a ideia, muitas vezes repetida na doutrina e jurisprudência[42], de que o pagamento parcial do tributo sujeito a lançamento por homologação implica, irrestritamente, a incidência do prazo decadencial previsto no art. 150, §4°, do CTN e não aquele do art. 173 do mesmo diploma, salvo dolo fraude ou simulação.

Como explicado alhures, eventual omissão na declaração do contribuinte, exigindo atividades de auditoria do Fisco para identificá-la, deve ter o mesmo tratamento da hipótese de inexistência de declaração, ou seja, aplicação do art. 173 do CTN, contando-se o prazo decadencial a partir do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado. Não é necessário, assim, restar configurada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação[43] (art. 150, §4°, do CTN, in fine), para aplicar o prazo do art. 173 do CTN. Repita-se, sonegar informações na declaração (como omitir receitas, v.g.) não se distingue ontologicamente da omissão da declaração em relação à parcela que se sonegou, justificando a aplicação do art. 173 do CTN.

Na brilhante lição de Alberto Xavier, explicando o prazo do art. 150, §4°, do CTN, podemos verificar que este se justifica, pois o contribuinte, com o pagamento prévio, confere ao Fisco “uma informação suficiente para que permita exercer o controle”. E prossegue o Autor demonstrando que o que fundamenta a redução do prazo é justamente ter o Fisco acesso às informações prestadas pelo contribuinte, suficientes para que seja feito o controle: “por razões ligadas à inexistência de informações prévias que a lei deixa de submeter ao prazo mais curto do art. 150, §4°, os casos de dolo, fraude ou simulação, para implicitamente sujeitar ao prazo mais longo do art. 173.”[44].

Ora, se a inexistência de declaração sobre certos fatos jurídicos, não obstante haja pagamento parcial do que se declarou, se equipara à referida “inexistência de informações prévias”, não há qualquer razão para negar a aplicação do prazo dilatado do art. 173 do CTN. Assim, ou entendemos que a mera sonegação de informações na declaração acompanhada de “pagamento parcial” já configura por si só “dolo, fraude ou simulação”[45] ou equiparamos tal situação à falta de declaração e pagamento, adequando-se ao prazo mais dilatado do art. 173 do CTN.

Que fiquem claras nossas ideias: se o contribuinte faz uma declaração e paga o respectivo tributo declarado, mas, em relação àquele exercício declarado, houve sonegação de informações, como omissão de receitas v.g., dispõe o Fisco do prazo do art. 173 do CTN para constituir o crédito tributário. Se, porém, da declaração prestada já é suficiente aferir que o tributo declarado como devido não está correto, possui o Fisco o prazo do art. 150, §4°, do CTN para constituir o crédito tributário.

Inadequada, reitere-se, a pretensão de aplicar o art. 150, §4°, do CTN, diante de qualquer hipótese em que haja pagamento antecipado, mesmo se não comprovados dolo, fraude ou simulação. A aplicação do dispositivo não prescinde de uma interpretação teleológica.

3 - O contribuinte declara o tributo devido e o paga integralmente. Aqui, só restará ao Fisco proceder ao lançamento de eventual tributo complementar, aplicando-se a mesma sistemática anteriormente exposta.

2.5.3 Depósito judicial.

Quando o contribuinte, no bojo de uma ação ordinária em que se discute ser devido determinado tributo, procede ao depósito do seu montante integral com o objetivo de suspender a exigibilidade do crédito tributário, é necessário que identifique o exato valor do tributo devido.

Realizando tal aferição do montante a ser depositado em juízo, o contribuinte já está liquidando o crédito tributário, o que torna desnecessário posterior procedimento de lançamento por parte da autoridade administrativa.

Estamos, portanto, diante de mais uma forma de liquidação do crédito tributário, afastando a necessidade de lançamento tributário, inexistindo, por consequência, qualquer prazo decadencial e, ainda, nesse caso também, não teremos prazo prescricional[46].

Não há de se falar em prazo prescricional, pois o depósito judicial constitui verdadeiro pagamento[47] do tributo devido, condicionado, todavia, a futura vitória do contribuinte na demanda judicial. Isso porque o contribuinte só terá direito de levantar o valor depositado se obtiver uma coisa julgada material reconhecendo ser indevido o tributo. Caso contrário, mesmo se o processo for extinto sem resolução de mérito, o tributo será considerado pago para todos os efeitos, desde o depósito judicial. Desnecessário, portanto, qualquer ato de cobrança pela Fazenda Pública, não havendo de se falar, por consequência, em prazo prescricional.

2.5.4 Compensação administrativa

Temos aqui mais uma forma de o contribuinte liquidar unilateralmente o tributo devido, dispensando a realização do lançamento tributário da obrigação principal. Trata-se da hipótese em que o contribuinte reconhece um tributo devido, porém, ao mesmo tempo, apresenta um crédito para efeito de compensação.

Como o tributo devido já está devidamente identificado, não há qualquer necessidade de o Fisco proceder ao lançamento, caso discorde da compensação efetuada. Assim, nos termos do art. 74 da Lei n.° 9.430/96, deve o Fisco intimar o contribuinte do indeferimento da compensação, abrindo a possibilidade de ser instaurado um contencioso administrativo fiscal (manifestação de inconformidade), e, uma vez encerrada a esfera administrativa e não feito o pagamento do tributo devido, poderá a Fazenda Pública inscrever o crédito em dívida ativa e ajuizar a execução fiscal[48].

2.5.5 Vício de forma em lançamento anteriormente efetuado

Eis um dispositivo do CTN que causa calafrios em parte da doutrina, que possui a falsa ideia de que um prazo decadencial jamais pode se interromper. Trata-se do art. 173, que prevê: “O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados: (...) II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.”

A lição de que os prazos decadenciais não se suspendem ou interrompem deve ser considerada um dogma do passado[49]. Não só porque podemos encontrar vários exemplos na jurisprudência suspensão/interrupção de prazos decadenciais[50], como o próprio Código Civil prevê expressamente no seu art. Art. 207: “Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição.”. Ou seja, nada impede que haja previsão legal de interrupção de prazo decadencial.

Com efeito, havendo decisão, judicial ou administrativa, que anule lançamento anteriormente efetuado por vícios formais, confere-se ao Fisco novo prazo para proceder à correta liquidação do crédito tributário[51].


3. CONCLUSÕES

Das considerações apresentadas, podemos extrair algumas conclusões importantes que passamos a elencar:

  1. A obrigação tributária dá origem ao direito subjetivo a uma prestação, consistente no pagamento de valores ao Estado. Tal direito constitui o crédito tributário, que nasce juntamente com a obrigação respectiva;
  2. Diante da natureza do direito que decorre da obrigação tributária, o prazo que a Fazenda Pública dispõe para cobrá-lo é prescricional, dependendo do surgimento da pretensão para deflagrá-lo;
  3. O CTN denomina tal pretensão de “constituição definitiva do crédito tributário”;
  4. Como a Fazenda Pública tem a prerrogativa de liquidar administrativamente (lançamento) a prestação pecuniária devida, o CTN postergou a plenitude da pretensão de cobrança, que normalmente deveria nascer já com o fato gerador, para momento posterior, com a constituição definitiva do crédito tributário;
  5. O prazo decadencial de 5 anos para constituição do crédito tributário não está ligado à obrigação tributária, mas sim ao direito potestativo de lançamento, que constitui uma espécie de liquidação dos elementos da prestação devida.
  6. Não há diferença ontológica entre a extinção do crédito tributário pela decadência ou pela prescrição, tendo em vista que o decurso do prazo decadencial não atinge diretamente a obrigação tributária, mas tão somente a possibilidade de constituição o crédito tributário. Não procede, portanto, afirmação recorrente de que é muito mais grave pagar um tributo decaído do que um tributo prescrito. A gravidade de ambos os casos é idêntica.
  7. O lançamento não é a única forma de liquidação do crédito tributário, pois o contribuinte pode, diante da ocorrência do fato gerador, aferir o tributo devido e declará-lo ao Fisco. Não sendo feito o respectivo pagamento no prazo previsto em lei, nasce a pretensão decorrente da obrigação tributária, passando a fluir o prazo prescricional.

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Notas

[1] “Entre nós, a prescrição ocorre no campo do Direito Público, v.g. no Direito Público Financeiro (tributário e fiscal). Contudo, à míngua de conceitos específicos nesse campo, forçosa é a utilização dos princípios pertinentes de teoria geral do Direito Civil caracterizadores do instituto.” BRITO, Edvaldo. Decadência e Prescrição. Org. Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo: Editora Resenha Tributária, 1976, p. 96.

[2] BORGES, José Souto Maior. Lançamento tributário. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 94.

[3] “Os conceitos lógicos-jurídicos constituem pressupostos fundamentais para a ciência jurídica. Entre esses pressupostos essenciais estão as noções de direito subjetivo, dever jurídico, objeto, relação jurídica etc. Correspondem, pois, à estrutura essencial de toda norma jurídica. Consequentemente, não são exclusivas de determinado ordenamento jurídico, mas comum a todos. Não são dados os conceitos lógico-jurídicos empiricamente, porque são alheios a toda experiência. São necessários a toda realidade positiva, efetivamente existente, historicamente localizada ou apenas possível, precisamente porque funcionam como condicionantes a todo pensamento jurídico.” BORGES, José Souto Maior. Lançamento tributário. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 94.

[4] Muito dessa confusão se deve ao tratamento sem critérios estabelecido pelo Código Civil de 1916, que não fazia distinções entre prazos prescricionais e decadenciais, deixando a doutrina atônita na classificação dos prazos.

[5] “Conceituar prescrição e decadência tem se mostrado uma tarefa árdua, desde o direito romano. Inúmeras teorias têm sido formuladas ao longo dos séculos, alguns doutrinadores chegando mesmo à conclusão de que inexistiria distinção entre ambas. No entanto, se o ordenamento jurídico contempla as duas figuras e lhes atribui efeitos peculiares, essa posição, obviamente, se mostra insustentável.” SOUZA, Fátima Bernardes Rodrigues de. Decadência e Prescrição. Coord. Ives Gandra da Silva Martins. Pesquisas Tributárias. n. 13. São Paulo: Editora Revista dos tribunais, 2007, p. 116.

[6] Ainda mais grave é pensar que a prescrição extingue a ação, quando, atualmente, a doutrina processual identifica o direito de ação como um direito autônomo e abstrato, ou seja, cuja existência independe do direito material. Ou seja, o direito de ação jamais se extingue. O que pode extinguir é o direito material veiculado ao Poder Judiciário por meio do exercício do direito de ação.

[7] AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. RT, n.° 300, 1960.

[8] Tais noções são expostas in: CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Trad. da 2. ed. italiana por J. Guimarães Menegale. São Paulo: Saraiva, 1965, p. 11.

[9] Na Alemanha são denominados de direitos formativos.

[10] Art. 189 do Código Civil: “Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.”

[11] “Como o direito potestativo pode ser exercido unilateralmente por seu titular, sem a colaboração de terceiros e, portanto, sem a necessidade de intervenção judicial, esse prazo deve consistir num limite temporal à própria existência do direito, o qual, ao seu cabo, fenece. (...) Relativamente aos direitos a uma prestação, como para o seu exercício é necessária a colaboração de terceiros, a segurança jurídica resta atendida se a possibilidade de exigir essa colaboração for limitada no tempo.” MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Decadência e Prescrição. Coord. Ives Gandra da Silva Martins. Pesquisas Tributárias. n. 13. São Paulo: Editora Revista dos tribunais, 2007, p. 300/301.

[12] “Em princípio, nada impediria que o Código Tributário Nacional disciplinasse o prazo para o exercício do direito do Fisco (nascido com o fato gerador da obrigação tributária), regulando os efeitos que as várias “fases” da dinâmica da obrigação tributária (inclusive o lançamento) pudessem ter sobre a contagem do prazo. Optou o Código pela definição de prazos distintos para o lançamento e para a ação de cobrança (desconhecendo relevo à inscrição da dívida).” AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 403.

[13] AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 403.

[14] AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 402.

[15] Souto Maior Borges pede cautela ao examinar os institutos jurídicos estrangeiros, pois o conceito de lançamento tributário é um típico conceito jurídico-positivo, ou seja, eminentemente brasileiro, estabelecido ao sabor da legislação nacional. BORGES, José Souto Maior. Lançamento tributário. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 104.

[16] “Entre nós enraizou-se a expressão “lançamento”, cuja origem etimológica aponta para o significado de calcular, efetuar um lance; em Itália – um dos países onde o tema tem sido mais profusamente tratado – fala-se em accertamento tributário, inobstante uma forte corrente da doutrina preconizar, por razões que adiante serão analisadas,a substituição desse conceito pelo atto di imposizone; na Alemanha empregam-se as noções de Steuerveranlagung, Steuerfestsetzung, Steuerverfügung e Steuerbescheid; em França fala-se na liquidation de l’impôt, distinta da assiette, mas já na Bélgica a expressão consagrada é a de cotidation; nos países de língua castelhana tanto se usa a expressão liquidación como determinación; nos países anglo-saxônicos é geralmente utilizado o termo tax assessment; em Portugal a lei adotou a expressão ato tributário, com a qual se designa o ato administrativo típico da função de aplicação das leis tributárias aos casos concretos, que também é correntemente chamado de liquidação.” Xavier, Alberto – Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário / Alberto Xavier. – 2.ed. totalmente reformulada e atualizada. – Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 4.

[17] “O lançamento somente confere a exigibilidade necessária ao crédito tributário do sujeito ativo nos casos dos tributos que exigem lançamentos diretos (IPTU, IPVA) ou que pedem lançamento após declaração do contribuinte (ITR, ITBI). Nos impostos sujeitos à homologação do pagamento, é ele prescindível. A própria lei torna obrigatório o recolhimento: o contribuinte paga sem que haja a mínima interferência do Estado-Administração.” COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 8.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 775.

[18] Paulo de Barros Carvalho, apesar de concordar com a desvinculação do prazo decadencial do direito de exigir a prestação tributária, entende que não se pode falar em direito potestativo de a Fazenda Pública lançar o crédito tributário, pois constitui um dever do Estado. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 464. A doutrina costuma repelir esse argumento, afirmando que o Estado efetivamente possui um direito potestativo contra o contribuinte, havendo dever jurídico dos funcionários públicos de realizarem o lançamento, sob pena de responsabilidade funcional.

[19] “(...) o que se homologa não é o pagamento antecipado. Homologa-se a atividade exercida pelo contribuinte: extração de notas fiscais; escrituração dessas notas; apuração do imposto devido; comunicação do imposto apurado. Ainda que não tenha havido pagamento antecipado do imposto apurado e comunicado, o Fisco pode concordar com o valor apurado homologando a atividade exercida pelo contribuinte, inscrevendo-o diretamente na dívida ativa, sem necessidade de notificar o contribuinte para apresentar impugnação.” HARADA, Kiyoshi. Prescrição: Termo inicial para contagem do prazo precricional. Decadência e lançamento por homologação: abordagens práticas. Revista de Estudos Tributários. Porto Alegre, n. 71, p. 14-30, jan./fev. 2010, p. 12.

[20] “Porém, mesmo quando todas elas [fases de cobrança do crédito tributário] se façam presentes, é inegável a unicidade da relação material que, nascida com o fato gerador, pode ir até a fase de satisfação coativa em juízo, mas não perde sua identidade em nenhum momento. Essa identidade da relação jurídica material não se coaduna com a pluralidade de situações materiais, de distintas naturezas, que ensejaram, no direito privado, a diversidade de prazos extintivos rotulados como prescrição e decadência.” AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 403.

[21] Essa afirmação é necessária para que entendamos exatamente a essência desse prazo decadencial. A obrigação tributária não se submete a prazo dessa espécie, por isso não pode ser afetada diretamente pela decadência do direito de constituição do crédito tributário. Não ignoramos, porém, que o legislador consignou expressamente que a decadência extingue o crédito tributário (art. 156, V, do CTN) e que a obrigação tributária “extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente” (art. 113, §1°, do CTN). Assim, a extinção do crédito tributário constitui espécie de eficácia atípica da decadência e da prescrição tributárias, desenhada pelo legislador, pois ontologicamente só deveriam atingir o direito de lançar e a pretensão de cobrança respectivamente.

[22] GOMES, Orlando. Obrigações. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 9.

[23] GOMES, Orlando. Obrigações. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 11.

[24] “É erro rotundo dizer que o lançamento institui o crédito. O erro continua redondo para aqueles que querem conciliar correntes inconciliáveis e proclamam que o lançamento declaram a obrigação e constitui o crédito. A obrigação nem sempre necessita ser declarada, e o crédito nasce sempre com ela. Portanto, o lançamento apenas confere exigibilidade ao crédito – quando isto for necessário – ao individualizar o comando impessoal da norma (como é da sua natureza de ato tipicamente administrativo). O lançamento prepara o título executivo da Fazenda Pública, infundindo-lhe liquidez, certeza e exigibilidade.” COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 8.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 775.

[25] “Diante do exposto, reafirmamos: a constituição do crédito tributário dá-se com a ocorrência do fato gerador. Mais precisamente: se o fato gerador é situação necessária e suficiente para fazer surgir a obrigação e com ela o crédito, sem dúvida que acontecida esta situação que em si se basta (necessária e suficiente), tal como definida na lei, constitui-se DEFINITIVAMENTE o crédito tributário.” BRITO, Edvaldo. Decadência e Prescrição. Org. Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo: Editora Resenha Tributária, 1976, p. 90.

[26] Sobre o tema, trabalho de fôlego que expõe as várias teorias que tratam da eficácia do lançamento: Xavier, Alberto – Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário / Alberto Xavier. – 2.ed. totalmente reformulada e atualizada. – Rio de Janeiro: Forense, 1998.

[27] PAULSEN, Leandro. Direito tributário. Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 12.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2010, p. 996.

[28] Não desconhecemos a teoria dualista, propugnada por Rotondi, na qual se separa a relação obrigacional em duas fases: a) Débito (Shuld) e b) obrigação (Haftung). Segundo essa teoria, a obrigação e o respectivo crédito só surgiriam com o inadimplemento. Concordamos com a crítica de Alberto Xavier, para quem essa teoria não se adéqua à lógica do lançamento tributário. Xavier, Alberto – Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário / Alberto Xavier. – 2.ed. totalmente reformulada e atualizada. – Rio de Janeiro: Forense, 1998.

[29] No mesmo sentido do texto, precisa é a lição de Paulo de Barros Carvalho: “(...) Sim,                porque o crédito nada mais é do que o direito subjetivo de que o sujeito ativo se vê investido de exigir a prestação, enquanto débito, seu contraponto, é o dever jurídico de cumprir aquela conduta. E não pode haver vínculo jurídico de cunho obrigacional se inexistir um sujeito de direito, na condição de credor, em face de outro sujeito de direito, na qualidade de devedor, de tal forma que subtrair o crédito da estrutura obrigacional significa pulverizá-la, fazê-la desaparecer, desmanchando a organização interna que toda relação jurídica há de exibir, como instrumentos de direitos e deveres correlatos. O crédito é elemento integrante da estrutura lógica da obrigação, de tal sorte que ostenta a relação de parte para com o todo. A natureza de ambas as entidades é, portanto, rigorosamente a mesma. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 364.

[30] “O lançamento, em última análise, torna líquida a obrigação tributária que até então é ilíquida, o que implica dizer que há modificação em situação jurídica preexistente, e os direitos potestativos – como observa Messina – são ‘poderes em virtude dos quais seu titular pode influir sobre situações jurídicas preexistentes modificando-as, extinguindo-as ou criando-as novas mediante uma atividade própria unilateral’. Trata-se, pois, à semelhança do poder de opção nas obrigações alternativas (um dos exemplos da Änderungsrechte dados por Seckel, um dos grandes teóricos dessa categoria de direitos, no artigo intitulado ‘Die Gestaltungsrechte des Bürgerlichen Rechts’), de um direito potestativo modificativo.” MOREIRA ALVES, José Carlos. Ainda sobre a prescrição e decadência no direito tributário. Coord. Heleno Taveira Tôrres. In Teoria Geral da Obrigação Tributária, Estudos em homenagem ao Professor José Souto Maior Borges. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 403.

[31] Semelhante sistema vige na Espanha, sendo interessante a transcrição dos Artículos 66/68 da Ley General Tributária: “Artículo 66. Plazos de prescripción. Prescribirán a los cuatro años los siguientes derechos: a) El derecho de la Administración para determinar la deuda tributaria mediante la oportuna liquidación. b) El derecho de la Administración para exigir el pago de las deudas tributarias liquidadas y autoliquidadas. c) El derecho a solicitar las devoluciones derivadas de la normativa de cada tributo, lãs devoluciones de ingresos indebidos y el reembolso del coste de las garantías. d) El derecho a obtener las devoluciones derivadas de la normativa de cada tributo, las devoluciones de ingresos indebidos y el reembolso del coste de las garantías. (...) Artículo 68. Interrupción de los plazos de prescripción. 1. El plazo de prescripción del derecho a que se refiere el párrafo a) del artículo 66 de esta ley se interrumpe: a) Por cualquier acción de la Administración tributaria, realizada con conocimiento formal Del obligado tributario, conducente al reconocimiento, regularización, comprobación, inspección, aseguramiento y liquidación de todos o parte de los elementos de la obligación tributaria. b) Por la interposición de reclamaciones o recursos de cualquier clase, por las actuaciones realizadas con conocimiento formal del obligado tributario en el curso de dichas reclamaciones o recursos, por la remisión del tanto de culpa a la jurisdicción penal o por la presentación de denuncia ante el Ministerio Fiscal, así como por la recepción de la comunicación de un órgano jurisdiccional em la que se ordene la paralización del procedimiento administrativo en curso. c) Por cualquier actuación fehaciente del obligado tributario conducente a la liquidación o autoliquidación de la deuda tributaria.” Assim, com o ato da administração tributária de liquidação do crédito, opera-se a interrupção do prazo prescricional.

[32] No sentido de que o legislador, com as previstas reformas no CTN, deve prever um prazo de prescrição intercorrente durante o curso do processo administrativo: HARADA, Kiyoshi. Prescrição: Termo inicial para contagem do prazo precricional. Decadência e lançamento por homologação: abordagens práticas. Revista de Estudos Tributários. Porto Alegre, n. 71, p. 14-30, jan./fev. 2010, p. 9.

[33] De forma parecida: AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 403.

[34] “Há duas espécies de crédito tributário: uma, formalizada por ato-norma administrativo, editado por agente público competente; outra, formalizada em linguagem prescritiva por ato-norma expedido pelo próprio particular e que, por isso, não é ‘ato-norma administrativo’. Aprumando a terminologia, o gênero crédito tributário equivale à relação jurídica tributária intranormativa que é o prescritor do gênero ato-norma formalizador. Ao gênero ato-norma formalizador corespondem duas espécies de normas jurídicas individuais e concretas: o ato-norma administrativo de lançamento tributário e o ato-norma formalizador instrumental.” DE SANTI, Eurico Marcos Diniz. Lançamento tributário. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 185.

[35] “No período de tempo que vai da notificação fiscal até a decisão final do recurso administrativo, não pode, por estar a exigibilidade do crédito fiscal suspensa, fluir prazo de decadência nem prazo de prescrição.” MOREIRA ALVES, José Carlos. Ainda sobre a prescrição e decadência no direito tributário. Coord. Heleno Taveira Tôrres. In Teoria Geral da Obrigação Tributária, Estudos em homenagem ao Professor José Souto Maior Borges. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 402.

Em sentido diverso, contrariamente à jurisprudência do STJ, entendendo que já há prazo prescricional durante o curso do procedimento administrativo fiscal: HARADA, Kiyoshi. Prescrição: Termo inicial para contagem do prazo precricional. Decadência e lançamento por homologação: abordagens práticas. Revista de Estudos Tributários. Porto Alegre, n. 71, p. 14-30, jan./fev. 2010, p. 8.

[36] Não se desconhece que há hipóteses em que o pagamento do tributo deve ser feito antes da declaração, alterando um pouco a sequência apresentada.

[37] Cumpre lembrar a súmula 106 do STJ: “Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da argüição de prescrição ou decadência.”

[38] O início do prazo prescricional vai depender se o tributo deveria ter sido pago antes ou ao após a declaração do contribuinte. Vejamos: 1. Nos termos da jurisprudência pacífica desta Corte, nos tributos sujeitos a lançamento por homologação declarados e não pagos o prazo prescricional inicia-se com o vencimento da obrigação ou a entrega da declaração, o que for posterior. Precedente: REsp 1.120.295/SP, Relator Min. Luiz Fux, apreciado mediante a sistemática dos recursos repetitivos (art. 543-C, do CPC). (AgRg no REsp 1227654/SC, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/04/2011, DJe 03/05/2011)

[39] “Assim, no âmbito do lançamento por homologação, se se está a cogitar da exigência de quantias declaradas e não pagas pelo próprio sujeito passivo, não se lhe assegura direito de defesa na via administrativa, podendo-se propor a execução tão logo vencido e não pago o débito, mas, por outro lado, a prescrição tem também nesse momento o seu termo inicial. Só se cogitará da aplicação do art. 150, §4°, do CTN, se se estiver diante da exigência de quantias diversas das apuradas declaradas pelo próprio contribuinte como devidas, hipótese na qual ter-se-á de proceder a um lançamento de ofício.” MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Decadência e Prescrição. Coord. Ives Gandra da Silva Martins. Pesquisas Tributárias. n. 13. São Paulo: Editora Revista dos tribunais, 2007, p. 322/323.

[40] É importantíssima essa constatação, pois, nesse caso, em relação aos fatos que simplesmente não constam da declaração, sendo necessário que o Fisco proceda a auditorias na sede do contribuinte, não há qualquer distinção com a situação em que o contribuinte se omite completamente. Necessário, assim, em ambos os casos, aplicar o disposto no art. 173 do CTN. Não se pode conceber que, pelo fato de o contribuinte ter declarado parcialmente os fatos geradores de dado exercício, se beneficie com o prazo do art. 150, §4°, do CTN, mais curto para o Fisco.

[41] Com a mesma percepção: BRASIL, Roberta Fonseca. Decadência e prescrição nos casos do chamado “lançamento por homologação”. Revista de Direito Tributário. v. 77. p. 137-151. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 162.

[42] Principalmente a partir do precedente exarado pela Primeira Seção do STJ, no Recurso Especial n.° 766.050, no qual consta: “Por outro lado, a decadência do direito de lançar do Fisco, em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, quando ocorre pagamento antecipado inferior ao efetivamente devido, sem que o contribuinte tenha incorrido em fraude, dolo ou simulação, nem sido notificado pelo Fisco de quaisquer medidas preparatórias, obedece a regra prevista na primeira parte do § 4º, do artigo 150, do Codex Tributário, segundo o qual, se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador: "Neste caso, concorre a contagem do prazo para o Fisco homologar expressamente o pagamento antecipado, concomitantemente, com o prazo para o Fisco, no caso de não homologação, empreender o correspondente lançamento tributário. Sendo assim, no termo final desse período, consolidam-se simultaneamente a homologação tácita, a perda do direito de homologar expressamente e, conseqüentemente, a impossibilidade jurídica de lançar de ofício" (In Decadência e Prescrição no Direito Tributário, Eurico Marcos Diniz de Santi, 3ª Ed., Max Limonad , pág. 170).”.

[43] Muitas vezes de difícil demonstração judicial, bem como frequentemente afastados pelos juízes presumindo a boa-fé dos contribuintes ou possíveis erros contábeis.

[44] Xavier, Alberto – Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário / Alberto Xavier. – 2.ed. totalmente reformulada e atualizada. – Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 93.

[45] Nesse sentido, entendendo que quando o “contribuinte incorre em sonegação fiscal e deixa de emitir notas fiscais e de escriturar os livros fiscais obrigatórios” estamos diante da exceção do art. 150, §4°, do CTN (dolo, fraude ou sonegação): HARADA, Kiyoshi. Prescrição: Termo inicial para contagem do prazo precricional. Decadência e lançamento por homologação: abordagens práticas. Revista de Estudos Tributários. Porto Alegre, n. 71, p. 14-30, jan./fev. 2010, p. 12.

[46] “1. O depósito efetuado por ocasião do questionamento judicial de tributo sujeito a lançamento por homologação suspende a exigibilidade do mesmo, enquanto perdurar a contenda, ex vi do disposto no artigo 151, II, do CTN, e, por força do seu desígnio, implica lançamento tácito no montante exato do quantum depositado, conjurando eventual alegação de decadência do direito de constituir o crédito tributário. (AgRg nos EDcl no REsp 961.049/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/11/2010, DJe 03/12/2010)

[47] Esse é um tema que requer uma maior atenção da doutrina, alertando a jurisprudência para o fato de que o depósito judicial deve ser encarado como verdadeiro pagamento do tributo, sujeito a uma condição, operando-se todos os efeitos daí decorrentes.

[48] Art. 74 da Lei 9.430/96. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão. § 1o A compensação de que trata o caput será efetuada mediante a entrega, pelo sujeito passivo, de declaração na qual constarão informações relativas aos créditos utilizados e aos respectivos débitos compensados. (...)§ 6o A declaração de compensação constitui confissão de dívida e instrumento hábil e suficiente para a exigência dos débitos indevidamente compensados. § 7o Não homologada a compensação, a autoridade administrativa deverá cientificar o sujeito passivo e intimá-lo a efetuar, no prazo de 30 (trinta) dias, contado da ciência do ato que não a homologou, o pagamento dos débitos indevidamente compensados. § 8o Não efetuado o pagamento no prazo previsto no § 7o, o débito será encaminhado à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para inscrição em Dívida Ativa da União, ressalvado o disposto no § 9o. § 9o É facultado ao sujeito passivo, no prazo referido no § 7o, apresentar manifestação de inconformidade contra a não-homologação da compensação. § 10. Da decisão que julgar improcedente a manifestação de inconformidade caberá recurso ao Conselho de Contribuintes. (...)

[49] “Na verdade, o prazo de decadência não pode sofrer interrupções, salvo se a lei dispuser em contrário, evidentemente. Porque não há nenhum preceito maior que impeça que a lei determine que o prazo se interrompa ou que o prazo recomece a ser contado, como acontece, aliás, aqui no Código.” COSTA, Alcides Jorge. Decadência, prescrição e prescrição intercorrente em matéria tributária. Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 49-60, p. 51.

[50] Basta lembrar do prazo decadencial para propositura de ação rescisória com término em dia não útil, prorrogando-se para o primeiro dia útil seguinte, ou nos casos em que, por decisão judicial, o Fisco fica impedido de proceder ao lançamento.

[51] “Cuida-se de hipótese de reabertura do prazo decadencial, caracterizando, pois, efetiva interrupção do prazo que estava em curso.”. PAULSEN, Leandro. Direito tributário. Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 12.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2010, p. 1193.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

WIERZCHOWSKI, Mariana Rusche. Prescrição e decadência tributárias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3937, 12 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27253. Acesso em: 25 abr. 2024.